Autores: Elton Emanuel Brito Cavalcante – Professor de Gramática e Metodologia da Pesquisa do Curso de Letras Espanhol da UNIR. Bacharel em Direito pela UNIR. Especialista em Direito pela Escola da Magistratura de Rondônia. E-mail: elton.brito@unir.br
Mirella Nunes Giracca – Doutora em Estudos da Tradução, professora de Produção de Texto, Tradução e Metodologia da Pesquisa do Curso de Letras Espanhol da UNIR. E-mail: mirelle@unir.br
Resumo: O artigo analisa as dificuldades dos acadêmicos do Departamento de Línguas Estrangeiras da UNIR à hora produzir projetos de pesquisa e TCC’s nas áreas de teoria e crítica literárias. Causas prováveis: a) a confusão que muitos estudantes fazem entre os métodos e as técnicas das ciências experimentais com os métodos e técnicas específicos da Crítica e da Teoria Literária; b) a capacidade leitora dos calouros, cada vez mais insuficiente, o que lhes impede de pesquisar a fundo sobre os conceitos básicos da Metodologia Científica; c) o fato de a disciplina Metodologia Científica ser ministrada em uma única turma, que engloba os estudantes dos cursos de espanhol e inglês; em geral, tais estudantes possuem realidades político-econômicas diferentes: em grande medida, os alunos do espanhol são adultos trabalhadores formados em escolas supletivas (EJA, principalmente), enquanto os do inglês possuem melhor educação formal, o que faz com que os conceitos metodológicos abordados pelos docentes nem sempre sejam absorvidos de forma igual pela maioria dos alunos matriculados na disciplina. Assim, o objetivo aqui é aprofundar no estudo destas causas, buscando soluções para o problema levantado.
Palavras-chave: Metodologia. Projeto de Pesquisa. TCC.
Metodología de la Investigación, Proyectos de Investigación y Crítica Literaria en las Carreras de Letras de la UNIR
Resumen: Este artículo analiza las dificultades de los académicos del Departamento de Lenguas Extranjeras en la UNIR al producir sus proyectos de investigación y TCC. Causas probables: la confusión que hacen entre los métodos y técnicas de las ciencias experimentales con los utilizados por la crítica literaria; la capacidad de lectura de los estudiantes entrantes, que es cada vez más insuficiente; el hecho de que la asignatura Metodología sea impartida al mismo tiempo y en el mismo salón para los alumnos de ambos cursos. El objetivo es proporcionar subsidios para un debate más ajustado sobre esa disciplina en los cursos mencionados anteriormente.
Palabras clave: Metodología. Proyecto de investigación. TCC.
Sumário: Introdução. 1. Vantagens e desvantagens do projeto de pesquisa. 2. Crítica Literária e projetos de pesquisa nos cursos de Letras. 2.1 Crítica Literária e o conceito de “ciência”. 2.2. Crítica Literária, grade curricular e métodos científicos. Conclusão. Referências
Introdução
O avanço do capitalismo permitiu uma revolução no conhecimento científico, que, por sua vez, passou a utilizar-se das técnicas e métodos próprios da Matemática pragmática. Como consequência, além da ciência experimental propriamente dita, surgiram diversas outras que, embora não fossem experimentais, passaram a trabalhar com várias das técnicas inerentes a estas ciências. É o caso da Linguística e da Biologia, por exemplo.
No entanto muitos ramos do saber que não puderam adaptar-se a tal modelo passaram a ser menos valorizados, justamente porque o seu objeto de estudo ou não podia ser mensurado ou, mais comumente, seus logros não satisfaziam o imediatismo que a demanda mercadológica exige.
Neste sentido, se enquadram a Metafisica, a Religião e a maioria das disciplinas teóricas. Dentre estas, o caso mais sui generis é o da Crítica Literária, que, embora importante para o conhecimento da realidade social e psicológica do homem, não recebe o título de “ciência” justamente porque seus métodos de investigação são meramente especulativos, teóricos, e seus propósitos estão longe do utilitarismo inerente à ciência de base ou à aplicada.
Esse seria um problema menor para os cursos de Letras não fosse por um detalhe: os alunos são instruídos, por meio da disciplina Metodologia da Pesquisa Científica, a aprender as bases, métodos e técnicas oriundos da ciência experimental, laboratorial ou de campo, porém, em grande quantidade, seus projetos de pesquisa e TCC’s abordam temas e perspectivas relacionadas à Crítica Literária.
Ou seja: tais universitários aprendem os métodos, técnicas e tipos de pesquisas inerentes às ciências, experimentais ou não, mas, na prática, devem lidar com um projeto de pesquisa em uma disciplina que, por sua própria natureza, não é científica, assim como a filosofia também não o é. Isso tem gerado muita confusão.
O objetivo deste trabalho, portanto, é abordar a realidade da produção acadêmica dos cursos de Letras do Departamento de Línguas Estrangeiras da UNIR, demostrando as principais causas que levam o estudante a não elaborar adequadamente seus projetos e, principalmente, pô-los em prática durante a pesquisa propriamente dita.
1. Vantagens e desvantagens do projeto de pesquisa
As ideias renascentistas lançaram as bases da ciência experimental moderna, o que propiciou um rechaço à especulação metafísica, principalmente a de viés escolástico, cujos adeptos em sua maioria não duvidavam da capacidade cognoscitiva humana de chegar-se a verdades absolutas e universais, embora acreditassem ser a razão uma faculdade subsidiaria da fé.
O Humanismo, entretanto, já havia começado a socavar duramente essa certeza, porquanto se voltara ao pensamento relativista e cético de alguns filósofos greco-romanos antigos (Chabás, 1936). Desta forma, reapareceram os princípios sofistas, e, como consequência, se espalhou a noção basilar do relativismo, que pode ser condensada na famosa frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”.
No fundo, segundo Araújo (1993), o que tal proposição revela é a existência de duas realidades sobrepostas: a essência e a aparência. O mundo das aparências dependeria, para os céticos, puramente da experiência sensorial, a qual, por sua vez, estaria intrinsecamente unida à subjetividade; como consequência, cada indivíduo compreenderia a existência a partir de sua própria perspectiva, não sendo capaz de alcançar a essência das coisas em si mesma.
Por conseguinte, tal corrente assevera que se há uma verdade universal o espírito humano não a atingirá jamais, restando-lhe contentar-se com as “verdades prováveis”, ou seja, as que se baseiam na argumentação.
Não por acaso os sofistas, em grande medida criticados por Platão, são considerados os “pais” da advocacia, pois, para eles, se um indivíduo consegue convencer a outro usando argumentos lógicos, aí estaria a “verdade”. Isso desemboca na teoria de que o conhecimento absoluto sobre temas tais como a origem da vida, o porquê da morte, a natureza de Deus e do espírito seriam sempre experiências individuais e relativas.
Paradoxalmente, neste mesmo período, Bacon, no Novum Organum, lançou os pilares da ciência experimental moderna, afirmando que por meio de técnicas apropriadas poder-se-iam não apenas encontrar verdades absolutas como também transformá-las em prol da vida humana.
Para isso, no entanto, os sábios deveriam deixar de lado os debates metafísicos infrutíferos e dedicar-se a um estudo meticuloso das leis físicas que regem o universo e as sociedades.
Essa meticulosidade, todavia, não negaria a fé em si, apenas não a consideraria idônea para comprovar a natureza das coisas. Tal idoneidade tampouco seria dada ao pensamento filosófico, principalmente o metafísico, e sim exclusivamente à matemática pragmática.
Por isso, houve crescente preocupação em matematicalizar os ramos do saber, com o intuito utilitarista de ordenar para progredir. Se a matemática seria o sustentáculo das demais ciências, o método principal para chegar-se ao conhecimento seria, por conseguinte, o experimental. Igualmente, uma teoria só seria válida se estivesse de acordo com a natureza das coisas e, ademais, pudesse ser comprovada empiricamente.
Os cimentos da ciência experimental, portanto, estavam postos, e ao mesmo tempo em que se buscava difundi-la, rebatiam-se o ceticismo e o relativismo prevalecentes no pensar filosófico do período. Não por acaso, depois de Bacon, surgiram dois grupos de pensadores que abordaram o tema da cognoscibilidade: os empiristas e os racionalistas. Os primeiros defendiam ser a mente humana vazia ao nascer e que a origem do conhecimento encontrar-se-ia nos órgãos de sentido, os quais possibilitariam a linguagem, e esta, por fim, o raciocínio.
Os racionalistas, por sua vez, dirão que o poder de raciocinar é independente da experiência, argumentando que existem conceitos impossíveis de serem representados no mundo físico, como o de eterno, por exemplo, embora utilizados frequentemente por qualquer indivíduo.
No entanto, empiristas e racionalistas concordavam em dois pontos basilares: a possibilidade de a mente humana lograr saberes universais e inquestionáveis; e a aceitação da matemática como sustentáculo das outras ciências.
Deve-se aclarar, todavia, que a supracitada matematicalização dos saberes humanos distinguia claramente dois tipos de “matemática”: a abstrata e a utilitária. A primeira tem mais similitudes com a metafísica do que com a física ou química, por exemplo: sua intenção não é imediatista nem utilitária, embora comprovadamente seja utilíssima a largo prazo.
Enquanto à segunda, estava em voga graças aos logros que proporcionara ao capitalismo comercial, que, desde o surgimento da burguesia na baixa Idade Média, utilizou-se pragmaticamente de partes específicas da matemática, como a estatística, a contabilidade, a aritmética, a geometria para potencializar os lucros e administrar-se corretamente as empresas.
Desde então, tais conhecimentos serão imensamente usados pela ciência experimental contemporânea. Quando Adam Simth, a título de ilustração, escreveu A Riqueza das Nações, evidentemente aproveitou-se de uma gama variada de dados estatísticos para defender sua teórica economia.
Pese a isso, para o intelectual iluminista, em maior ou menor grau, ambas matemáticas eram imprescindíveis: a abstrata, para demonstrar os pilares essenciais e metafísicos do mundo; a pragmática, para compreender as leis físicas que regem o universo.
Neste contexto, pode-se inserir o livro O Discurso do Método, de Descartes. Aí o autor busca fundamentar os métodos e técnicas das ciências teóricas e, também, das experimentais. Ele partia do pressuposto de que o conceito de “homem” gira em torno a duas bases muito distintas: a natural e a cultural. O “homem natural” é atribuição divina, porém o “cultural” é uma convenção, um conjunto de dogmas e ideologias, portanto sujeito a interesses e preceitos de cada época histórica. Isso se refletiria inclusive na elaboração dos problemas filosóficos e científicos.
Educado em escola e universidade jesuíticas, Descartes soube logo que as ideologias religiosas criaram princípios filosóficos tão arraigados na mentalidade da época que seria difícil desvencilhar-se deles e pensar cientificamente.
Como consequência, via que problemas fundamentais levantados pela filosofia eram complexos não porque impossíveis de resolver, senão porquanto amalgamados de interesses e dogmas que impediam chegar-se a conclusões concordes com o mundo fenomênico.
Não por acaso elabora o que se convencionou chamar de “dúvida metódica”, ou seja, levou ao pé da letra o “conhece-te a ti mesmo” socrático, questionou os dogmas religiosos (católicos e puritanos), filosóficos e científicos de sua época, pondo à prova tanto o saber oriundo das universidades como o popular e, principalmente, analisando como tudo isso se misturava em sua própria mente.
Na verdade, quase que se isolou do mundo, dos livros, dos debates, dos meios de comunicação para poder pensar sobre a realidade humana, física e metafísica, e, para tanto, abordou o seguinte método: delimitar o problema, dividi-lo em partes, especificando-as ao máximo; depois, analisar meticulosamente cada parte, sem jamais passar adiante sem antes ter tirado todas as dúvidas, inclusive aquelas que pareceriam insignificantes ou ridículas (Lakatos, Marconi, 1991).
Feito isso, era necessário sintetizar, ou seja, unir todos os problemas menores, formando um todo lógico e compreensível.
Com esses elementos simples, os investigadores pós-cartesianos perceberam que os resultados positivos de uma pesquisa dependeriam de preliminares que deveriam ser tratadas com cuidado antes de ingressar de pleno na pesquisa propriamente dita.
Assim, as bases do “Projeto de Pesquisa” foram lançadas. Como consequência, os cientistas, antes de começar a pesquisa experimental sobre um dado assunto, criaram o hábito de procurar tudo o que já havia sido dito sobre ele (a famosa revisão teórica), defini-lo minuciosamente (a delimitação), criar hipóteses consistentes e apresentar os métodos e técnicas ideais para tal investigação (Severino, 2007).
Ademais, a preocupação com o projeto de pesquisa passou também a servir como uma espécie de relatório garantidor de financiamento para as investigações acadêmicas. Um filósofo para filosofar não carece de uma estrutura complexa ao seu redor, o mesmo não acontece com a ciência experimental, que não resiste à escassez de recursos econômicos (Gil, 1994).
Desta forma, o projeto de pesquisa tornou-se uma tentativa de os investidores não perderem tempo e dinheiro como investigações infrutíferas, financiando o que lhes daria retorno seguro.
No entanto, desde o século XIX, vêm ocorrendo dois excessos que não raro fazem do projeto de pesquisa mais um empecilho que um auxílio:
a) tratá-lo como um fim em si mesmo;
b) rejeitá-lo como desnecessário.
No primeiro caso, pode-se atribuir tal erro a uma “burocratização” do conhecimento. Com o intento de organizar, registrar e acumular o saber adquirido, criaram-se organizações fomentadoras e divulgadoras do quefazer acadêmico.
Instituições como CAPES, Plataformas Lattes, Sucupira e ABNT, etc. estão inter-relacionadas e cumprem tal papel. Entretanto, tentam, principalmente a ABNT, instaurar normas que terminam às vezes por prejudicar o pensamento crítico em nome de detalhes técnico-burocrático-estruturalistas.
Antes de tudo, é necessário advertir que a ABNT é uma instituição privada, portanto tem fins lucrativos, e que, como seu próprio nome o diz, é uma associação de “normas” e não de “leis”.
Uma lei deve obrigatoriamente ser seguida, a norma é apenas uma tentativa de adequar e organizar esta ou aquela conduta (Cintra, 2006).
E é isso que gera confusão, pois algumas universidades e professores não seguem meticulosamente todas as normas propostas pela ABNT, e argumentam que as constantes alterações estruturais, o grau de especificidades de tais regras e a exigência cada vez maior sobre elas têm criado uma espécie de ritual que termina por exageradamente disciplinar a escrita acadêmica.
Assim, continuam, disciplinas como Metodologia da Pesquisa, da forma como se são ministradas em algumas instituições, não ensinariam a organizar as ideias, a expô-las com clareza e rigor que a ciência exige, mas sim em tratá-las como um conjunto de regras distanciadas dos estudos da lógica-científica.
De fato, há preocupações estruturalistas que não parecem ser relevantes, uma delas é sobre a questão de saber-se se as palavras-chave devem vir separadas por vírgula, dois pontos ou ponto…
Essas divergências seriam elucidadas se a ABNT mantivesse continuidade nas normas por ela criadas, porém é sabido que de tempos em tempos estas mudam, quase obrigando a pesquisadores veteranos a ter que “reaprender” as estruturas de um texto acadêmico.
Estas e outras situações levaram a investigadores como Feyerabend y Morin (apud Souza, 2014) a rechaçar não só a institucionalização dos projetos, mas a própria padronização dos métodos, colocando a ciência como um “empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teorético é mais humanitário e mais suscetível de estimular o progresso do que as alternativas representadas por ordem e lei” (Feyerabend apud Souza, p. 472, 2014).
O que é dito aí é que o pesquisador, quando muito preso a convenções burocráticas, terminar por perder o estímulo investigativo adaptando-se mais ao preenchimento de extensos formulários do que em averiguar a natureza fenomenológica das coisas.
A confusão gerada não atingiria somente a elaboração do projeto e pesquisa em si, mas também a divulgação científica em revistas internacionais especializadas. A maior parte destas desconhece as regras da ABNT, que seguramente só valem em território nacional, e aceitam as preconizadas pela APA.
Por conseguinte, o pesquisador brasileiro que queira publicar artigo em tais periódicos deve reajustá-lo às normas internacionais.
A pergunta é: por que não se adota aqui as regras internacionais, em vista de que uma das metas da ciência é justamente a questão da universalidade do saber? Bem, o fato é que a ABNT ainda não é unânime dentro do próprio país.
Há faculdades que exigem dos candidatos a mestrados e doutorados regras para elaboração dos projetos com acentuadas diferenças da normatizada por aquela instituição. De tal modo, o que teria sido criado para unificar e potencializar o conhecimento termina por criar barreiras para este.
2. Crítica Literária e projetos de pesquisa nos cursos de Letras
As confusões acima mencionadas são de ordem estrutural, mas há outras, não provocados por instituições como a ABNT, e sim devido à natureza de algumas disciplinas, o que causa muitas dificuldades para os alunos à hora de aprender e usar os métodos e técnicas necessários para fazer seus projetos e, por conseguinte, seus trabalhos de TCC’s.
O caso mais emblemático é o da crítica literária nos Cursos de Letras. Para compreender-se bem o problema é necessário antes averiguar dois tópicos:
a) O porquê de a crítica literária não ser considerada uma ciência;
b) Como se dá divisão dos eixos temáticos nos currículos de tais cursos.
2.1 Crítica Literária e o conceito de “ciência”
Quanto ao primeiro tópico, sabe-se que aquela disciplina sofreu influencias do referido processo de matematicalização do saber, maiormente a partir da Revolução Industrial, tentando ajustar seus métodos e técnicas ao discurso logico-matemático das ciências experimentais, nem sempre logrando resultados satisfatórios.
De fato, durante o século XVIII, acentuou-se a preocupação em definir as fronteiras da ciência a partir de um detalhamento rigoroso dos seus métodos e técnicas fundamentais.
Essa inquietação vinha-se germinando desde a Idade Média, pois o saber científico se confundia muito com o religioso, filosófico e popular, o que fez pensadores do porte de Bacon e Descartes buscassem consolidar os pilares da ciência contemporânea.
Fruto desse esforço é o fato de o método experimental e a razão instrumental conseguirem prestígio e alcance nunca antes alcançado. Por conseguinte, a partir de então, o que não podia ser mensurado passou a ter menos prestígio no meio acadêmico.
Isso, conforme Wells (1972), não foi por acaso, mas sim uma consequência natural do processo de financiamento das pesquisas, os quais fossem privados ou estatais buscavam investir na ciência experimental ou de base, buscando retorno econômico rápido. Assim, as faculdades de Física e Medicina, por exemplo, tinham investimentos assegurados pelo potencial que têm de alterar e dominar os fenômenos físicos.
Pode-se dizer, portanto, que a ciência experimental chamou para si a responsabilidade de guiar o homem, fazendo-o duvidar e desvalorizar formas de saber ancestrais, devido a isso a imagem do cientista foi gradativamente substituindo a do filósofo e sacerdote em respeitabilidade, ao menos em termos de importância acadêmica.
Destarte, era natural que as disciplinas que ainda não tinham como base o novo paradigma científico tentassem moldar-se a ele, e, para isso, deveriam atender aos seguintes requisitos: os métodos e técnicas teriam que adequar-se aos princípios matemáticos, principalmente na hora de organizar e tabular estatisticamente os dados; alterar pragmática e imediatamente a realidade em prol do progresso econômico, social e humano, ademais, responder a uma demanda mercadológica.
Foi nesse ambiente que, em meados do século XIX, muitas novas ciências surgiram. Tome-se, por exemplo, a História, a qual desde a Antiguidade já era abordada por filósofos em todo o globo, mantendo-se, todavia, atrelada epistemologicamente à filosofia e à literatura.
O historiador não possuía o rigor documental que a historiografia contemporânea exige, sendo o relato histórico mais próximo do mítico e caricaturesco.
A História contemporânea passou a usar muitos dos princípios, e técnicas atribuídos à ciência experimental, o mesmo ocorrendo com as várias ciências que surgiram desde o século XIX: Sociologia, Biologia, Linguística, Psicologia, Antropologia, Psicanálise, etc.
Entretanto o grande problema foi relativo àquela forma de saber que devido à sua própria essência não podia alterar seus métodos, não se tornando, pois, experimentais, nem praticando pesquisa de campo ou atendentes de uma demanda socioeconômica.
É o caso da Crítica Literária, cujo marco de surgimento enquanto disciplina acadêmica propriamente dita remonta-se à publicação da Teoria Literária, de Wellek e Austin (1948), pois tentando-se em tal livro definir o que era “método científico em estudos literários” foram desenvolvidos dois conceitos que, longe de chegar a um consenso, causaram polêmicas ao longo do século XX, a saber: os de “métodos extrínsecos e intrínsecos”. Os primeiros diriam respeito aos aspectos, elementos e ideias não pertencentes diretamente à obra, e que se dividiriam, por sua vez, em quatro ramificações: estudos biográficos, psicológicos, sociológicos e filosóficos.
Assim, seria interessante ter à mão tais elementos, porém eles não seriam fundamentais para compreender-se uma obra literária, porquanto esta teria uma estrutura interna, intrínseca que lhe permitiria ter autonomia e, portanto, ser considerada “artístico-literária”, diferenciando-se, assim, dos demais gêneros literários.
Dessa forma, os métodos intrínsecos seriam o resultado da influência do estruturalismo de Saussure. Portanto, a partir Wellek e Austin, passou a importar mais a estrutura de uma obra literária do que o seu conteúdo ideológico, a formação do autor, seus princípios e crenças, as ideias defendidas pelos personagens, etc.
Isso, gradativamente, diminuiria a influência de críticos literários tais como Silvio Romero, por exemplo, altamente parcial na defesa de suas teses, porém sincero ao dizer que uma obra literária é o resultado das crenças do seu autor.
A Crítica Literária, portanto, buscando adequar-se ao princípio da ciência experimental, afastar-se-ia de sua base fundamental, ou seja, a subjetividade, e isso, em alguns casos, tornaria o crítico em um tipo de “gramático literário”, buscando as regras “corretas” que permitem um livro ser considerado de valor artístico.
Isso talvez não seja o papel fundamental do crítico, porquanto o seu objeto de estudo é primordialmente uma obra de ficção, podendo variar o método entre o analítico, comparativo, estruturalista, etc., porém ele sempre terá sobre o seu material de investigação uma perspectiva ideológico-cultural, ou seja, não poderá deixar de imprimir seus rasgos políticos e culturais na interpretação da obra estudada.
Como diz Menéndez y Pelayo: “La crítica nada tiene de ciencia exacta, y siempre tendrá mucho de impresión personal.” De fato, toda crítica parte de pressupostos, ideologias e gostos, inclusive a de cunho estruturalista. Por agudo que seja o crítico, devido à limitação humana, a ele lhe é difícil concatenar o seu objeto de estudo com todas as variadas perspectivas distintas da sua, aquela que lhe moldou o caráter.
O homem natural não é fruto da história ou das convenções, mas o homem social, sim, é; portanto, suas ideologias são compostas em tecidos intricados e sensíveis que impedem a imparcialidade. Sendo assim, o quefazer do crítico é muito parecido ao do filósofo, com a diferença de que a crítica literária necessita ser subsidiada pelas demais disciplinas acadêmicas.
Desta forma, em essência, a mesma abordagem crítica que se exige a um aluno do ensino médio é igual a de um grande crítico literário, diferenciando-se apenas na intensidade com que este último consegue inter-relacionar seus conhecimentos de história, filosofia, econômica, etc. Em suma, um crítico literário é antes de tudo um erudito.
É essa talvez a visão de Cândido ao definir seu método crítico, enfatizando por igual os estudos sobre o autor, o contexto (do autor e da obra) e a obra em si mesma, reafirmando a importância das demais áreas do saber em subsidiar o quefazer do crítico.
Portanto, para fazer-se crítica literária deve-se, de alguma forma, aprender-se a relacionar as distintas áreas do saber e tentar, a partir daí, compreender profundamente uma obra literária, ou seja, o raciocínio filosófico é fundamental para o crítico literário.
Assim como o filósofo e o sociólogo tentam entender o todo ou a parte dos fenômenos sociais que convulsionam a realidade, o crítico literário busca fazer o mesmo.
Não por acaso, as universidades mais prestigiosas investem maciçamente na produção de críticos literários, pois eles sondam o presente, buscando entender, mensurar racionalmente aquilo que poetas, romancistas, dramaturgos, músicos descobrem seja por intuição ou experiência.
Machado de Assis, por exemplo, era um exímio romancista e poeta, ademais de brilhante crítico, porque seu pensamento transcendia o mundo da literatura e abordava a história, a filosofia, a antropologia, a sociologia, artes, línguas, etc.
A erudição, não obstante, é um traço que cada vez mais se choca com a especialidade exigida pela ciência. Deixe-se claro que um cientista, sim, pode ser um erudito, porém o seu trabalho em si não exige tal erudição, obrigando-o, ao contrário, a cada vez mais limitar-se a uma especificidade dentro de sua área de alcance.
Grandes matemáticos e físicos, por exemplo, inclusive laureados como o Nobel, parecem viver uma realidade paralela, distanciados das preocupações políticas e sociais contemporâneas, vivendo mais por números e signos matemáticos que por palavras, totalmente, portanto, distantes do conceito de erudição.
Algo parecido passou como um sem-fim de poetas, os quais, graças à própria natureza subjetiva da poesia, puderam revelar verdades gerais ou particulares utilizando-se da intuição, sem ter para isso conhecimentos profundos da realidade histórica em que viviam, inclusive sendo alguns de baixa escolaridade, como é o caso de Patativa do Assaré.
Isso é mais difícil na prosa literária. Raro é o grande romancista ou novelista que não seja um erudito no sentido estrito da palavra: Machado, Cervantes, etc. não só contavam histórias, mas analisavam profundamente a natureza de seus personagens, o que requer amplo conhecimento dos ramos do saber vigentes.
O crítico literário mantém sua forma de quefazer acadêmico próxima da filosofia com respeito à forma de geração de conhecimentos.
Em suma, A crítica literária não segue à risca as exigências das ciências experimentais ou das pesquisas de campo, estando o crítico, tanto quanto o filósofo, tendo na sua capacidade de reflexão, de inter-relacionar os conhecimentos sua base principal, podendo fazer todo esse trabalho sem sair do seu escritório a buscar dados estatísticos.
2.2. Crítica Literária, grade curricular e métodos científicos
O quefazer da crítica literária tratado no apartado anterior causa aos alunos dos cursos de letras muitas dores de cabeça à hora de elaborar o seu projeto, e as causas estão relacionadas com a grade curricular de tais cursos e com a forma na qual a disciplina metodologia da pesquisa científica é abordada.
Os cursos de Letras têm geralmente três eixos temáticos especificados em seus currículos: o de estudos linguísticos; o literário e o voltado às práticas pedagógicas, necessárias para formar o futuro professor.
Tais eixos possuem disciplinas cujos métodos permitem a pesquisa de campo e, também, técnicas similares às da ciência experimental, como é o caso da linguística aplicada e da história da literatura.
Assim, se um universitário assistir às aulas de metodologia, ler alguns dos manuais de sobre tal matéria, aprenderá a delimitar um problema, criar hipóteses e ir a campo averiguar se estas são ou não corretas, utilizando-se das técnicas experimentais para conseguir os dados e tabulá-los.
Os alunos dos estágios supervisionados podem facilmente fazer o mesmo, pois podem levantar problemas no tocante à realidade das escolas de sua região, da formação dos professores, da forma de avaliação, etc., em seguida, fazer o levantamento bibliográfico, sugerir hipóteses e ir a campo.
No fundo, o que fazem é uma pesquisa teórico-prática. Essa realidade não é tão distinta da do químico, físico, biólogo, antropólogo, embora os três primeiros muitas vezes limitem-se a pesquisas laboratoriais. Não obstante, todos tentam averiguar um fenômeno, analisá-lo, compará-lo, mensurá-lo e, por fim, fazer um relatório, o qual é sempre em prosa, mas nem sempre de cunho argumentativo.
Na verdade, parte deles é meramente descritivo.
No entanto, apenas cerca de 40% das monografias defendias nos cursos de Letras Espanhol e inglês se enquadram nos eixos pedagógico e linguístico, pois aproximadamente 60% dos estudantes produzem seus TCC’s abordando o eixo literário, e de tal grupo quase 100% faz Crítica Literária não na perspectiva estruturalista, mas na defendia por Pelayo ou Romero, isto é, defendendo uma tese à hora de analisar esta ou aquela obra. Ou seja, escolhem uma área que não se enquadra no conceito de ciência e que, portanto, não possui os mesmos métodos e técnicas dela.
Assim, se o professor trabalha apenas os métodos relativos às ciências experimentais e às pesquisas de campo, não atenderá às necessidades dos alunos que escolheram fazer um projeto na área de crítica literária; por outro lado, se apenas ensinar as técnicas comuns à teoria literária, é possível que os estudantes das outras áreas fiquem confusos.
Não à toa, muitos estudantes somente vão aprender a manejar os métodos e técnicas adequadamente na pós-graduação.
Em suma, para diminuir essa confusão, um professor de Metodologia em tal curso deve estar atento a dois fenômenos, que juntos descrevem o panorama das aulas de metodologia científica:
a) ter claro que deve ensinar os métodos e técnicas relativos à ciência experimental, de campo ou não, e ao mesmo tempo os inerentes às ciências humanas que possuem muitos das características das experimentais, e, por fim, ensinar o estudante a pensar filosoficamente para desenvolver a capacidade necessária para a crítica literária.
É óbvio que isso não é possível em um semestre, daí a importância de, desde a disciplina de metodologia, o aluno já ser encaminhado para um orientador, ser incentivado a participar de grupos de estudos ou programas como o PIBIC ou PIBID;
b) ter claríssimo a realidade sócio-política dos seus alunos. Quanto a este último quesito, sabe-se que o nível dos alunos que chegam às universidades e institutos de educação superior, ano após ano, vem sofrendo séria defasagem. Isso é um problema nacional, o que atinge duramente as aulas de Metodologia de Ensino.
Tal disciplina não tem por escopo ensinar o aluno a escrever corretamente em língua portuguesa, mas bem dar-lhe subsídios para que aprenda a linguagem científica e as estruturas de texto exigidas no meio acadêmico, o que não impede que o professor de tal disciplina corrija eventuais erros gramaticais dos seus estudantes.
Se o estudante, contudo, não teve um ensino regular adequado, sua produção acadêmica estará gravemente prejudicada. Entretanto, esse é um problema de política educacional e não de Metodologia da Pesquisa. Há teorias pedagógicas difundidas no ensino básico que combatem o esforço e a superação em favor de facilidades, nem sempre úteis ao estudante.
Um caso fácil de visualizar é o do ensino de Língua Portuguesa. Há décadas, segundo Cavalcante (2019), se diz que o aluno não aprende a ler e escrever devido ao excesso de gramática e análise sintática por parte dos professores tradicionais. De fato, buscar desenvolver-se nos estudos de uma língua, seja nativa, seja estrangeira, dependendo somente da gramática normativa é perda de tempo.
No entanto, faz mais de trinta anos que o ensino de sintaxe foi reduzido drasticamente do currículo da educação básica, mesmo assim grande quantidade de estudantes sai sem dominar a escrita de sua própria língua, o que obriga algumas instituições de ensino superior a remediar o problema criando-se a famosa disciplina “Português Instrumental” (Cavalcante, 2019).
E o que é mais estranho é que aí se trabalha a gramatica normativa, inclusive focando nos estudos sintáticos.
Uma coisa parece estar clara, não é o ensino da gramática o responsável pela ruína da educação básica, o que leva a outra inferência: assim como não se deve rechaçar absolutamente os estudos gramaticais, não se deve fazer o mesmo com o projeto de pesquisa.
No entanto, se um professor de línguas passa todo o curso ensinando apenas sintaxe, negligencia uma verdade: a gramática é uma ferramenta que deve ser usada para auxiliar o desenvolvimento linguístico e não como um bem em si mesmo; da mesma forma, o projeto de pesquisa: se se o utiliza como um fim é provável que os alunos, ademais das dificuldades oriundas da má formação básica, corram o risco de jamais entender a linguagem científica.
Essa realidade deve ser observada com mais atenção no caso específico dos cursos do Departamento de Línguas Estrangeiras da UNIR, pois nele se agregam dois cursos de letras, o de espanhol e o de inglês, pois em alguns casos as turmas de ambos cursos se fundem, isso quando as disciplinas ministradas são de caráter não específico, como é o caso de Filosofia, Sociologia, e a própria Metodologia Científica.
Por geral, a realidade dos alunos de tais cursos não difere da dos demais. Entretanto, há um fato que chama a atenção: dos estudantes do curso de inglês, aproximadamente 70% vêm de um ensino básico regular, inclusive existem aqueles que eram do Instituto Federal e que migraram, via vestibular, para tal curso.
Dos 70% acima mencionados, a maioria pertence à classe média: os pais, divorciados ou não, os mantêm, porquanto os alunos não precisam trabalhar para sustentar-se, embora alguns o façam.
Por conseguinte, estão, em sua maioria, na idade e contextos adequados para ingressar em uma universidade. No caso do espanhol, ocorre o inverso, cerca de 70% ou vem do ensino básico supletivo ou concluiu o ensino regular há muito tempo.
Muitos precisam trabalhar para sobreviver e outros, ademais, já são pais, tendo que conciliar trabalho, família e a dureza da rotina acadêmica.
Infere-se que nesse contexto as turmas de Metodologia são pouco homogêneas, o que pode favorecer ou prejudicar em certos casos. Afinal, não é raro que a maioria dos alunos dos cursos de inglês consiga fazer o projeto de pesquisa em tempo hábil, enquanto que um elevado número dos do espanhol precisem de uma atenção maior por parte do professor.
É verdade que alguns, tanto do espanhol e inglês, graças a participação em grupos de estudos e de pesquisa, ou por dedicação intensa, logram um rápido desenvolvimento, mas aqui entra de novo a questão do tempo, pois em grande medida os estudantes do Curso de Espanhol não têm a disponibilidade temporal para frequentar dois turnos, um dedicado às atividades de iniciação científica e outro para as aulas normais.
Para contornar isso, algumas soluções já foram encontradas pelos próprios professores do Curso Espanhol: comprometeram-se em trabalhar de forma transdisciplinar os conteúdos inerentes à Metodologia Científica, ademais de cursos de nivelamento e de extensão para que seus alunos possam progredir.
Isso, entretanto, ainda é uma medida paliativa, pois talvez no caso específico das turmas de Metodologia o ideal seria um professor específico de dita disciplina para o inglês e outro para o espanhol.
Conclusão
Não é por acaso que os níveis de avaliação dos estudantes brasileiros, sejam do ensino básico ou superior, não são muito favoráveis. Ha de fato erros com respeito às políticas educacionais no país.
Esse fato, somado às questões inerentes à própria dificuldade de aprender a linguagem acadêmica, tem sido a realidade das disciplinas de Metodologia da UNIR, principalmente no momento de elaborar os projetos de pesquisa. Isso não é algo específico dos cursos de Letras.
Contudo, a demora em elaborar os TCC’s e defendê-los em tempo hábil, revela que os estudantes de tais cursos não conseguiram apreender as estruturas dos tipos de textos acadêmicos, ademais de demonstrarem escassa leitura sobre o tema escolhido. Esse problema deve ser resolvido imediatamente.
Uma das propostas aqui levantada é a pronta separação das turmas de Metodologia, um professor para o Espanhol, outra para o Inglês.
Mas isso não é suficiente: os professores do curso já pactuaram que, desde o terceiro período, no qual a disciplina Metodologia é ministrada, o estudante já seja encaminhado para um orientador; ademais, também ficou acordado que os principais textos acadêmicos seriam trabalhados de forma interdisciplinar ao longo dos períodos subsequentes.
Talvez o trabalho maior, todavia, seja o do professor de Metodologia, que, antes de tudo, deve deixar claro para os alunos as diferenças entre as ciências, os tipos de pesquisa e apontar o fato de que nos manuais abordam mais os métodos inerentes à ciência empírica, pouco ou nada falando a respeito dos métodos específicos da Crítica Literária, na qual, paradoxalmente, a maioria das monografias recebe guarida.
É este fato que obriga o professor e o orientador a ensinarem não só as técnicas e métodos específicos da Crítica, mas também a “filosofar”, ou seja, mostram aos alunos a relação que há entre a Crítica Literária e as demais disciplinas acadêmicas, que aquela se nutre destas, e que se um aluno não é leitor sagaz de filosofia, sociologia, psicologia, história da literatura, etc. dificilmente poderá fazer uma análise literária profunda.
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