Resumo: A negociação coletiva é uma modalidade de autocomposição de conflitos a partir do ajuste de interesses entre os atores sociais. A Constituição de 1988 foi responsável pelo maior avanço democrático do Direito Coletivo brasileiro. Vedou a interferência e a intervenção estatais na organização sindical (art. 8º, I), ampliou os instrumentos de atuação dos sindicatos (art. 8º, III) e conferiu larga amplitude ao direito de greve (art. 9º). Além disso, reconheceu os instrumentos jurídicos clássicos da negociação coletiva, convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, VI, XIII e XIV), ressalvada a obrigatoriedade da participação dos sindicatos obreiros na dinâmica negocial coletiva (art. 8º, VI). Considerando o caráter essencialmente teleológico do Direito do Trabalho, pretende-se analisar aspectos da negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como norte o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.
Palavras-chave: negociação-coletiva; convenção coletiva de trabalho; acordo coletivo de trabalho; autocomposição.
Sumário: Introdução. 1. Negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro. 2. O impacto da Constituição de 1988 na negociação coletiva. 3. Aspectos formais dos instrumentos coletivos. 4. Aplicabilidade das convenções e acordos coletivos de trabalho. 5. Referências Bibliográficas.
Introdução
A negociação coletiva é uma modalidade de autocomposição de conflitos advinda do entendimento entre os interlocutores sociais. Entre os princípios dos instrumentos coletivos[1], destaca-se o da boa-fé ou da lealdade, cuja consequência é o dever formal de negociar, consubstanciado na obrigação do exame de propostas recíprocas e na formulação de contrapropostas convergentes. Para tanto, as partes deverão concordar em estabelecer com antecedência a finalidade e o alcance da negociação.
1 . Negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro
O berço das convenções coletivas de trabalho foi a Europa Ocidental e os Estados Unidos, sendo que sua expansão se deu pelos países industrializados.
Entre as vantagens que as aludidas convenções proporcionam, desde sua origem, podem-se elencar:
a) para o empregador, era uma forma de negociação pacífica, sem perigo da ocorrência de greves;
b) para o empregado, era o reconhecimento, pelo empregador, da legitimidade e representatividade do sindicato nas negociações, com a consequente conquista de novos direitos para os trabalhadores;
c) para o Estado, era uma forma de não interferência, em que as próprias partes buscavam a solução de seus conflitos, culminando com um instrumento de paz social.[2]
No âmbito brasileiro, a Constituição de 1988 reconhece as convenções coletivas, bem como os acordos coletivos de trabalho, a teor do artigo 7º, inciso XXVI[3]. Embora as Cartas Magnas anteriores mencionassem apenas as convenções coletivas, o acordo coletivo já existia desde a publicação do Decreto nº 229/1967. Tal Decreto fora responsável pela nova redação aos artigos 611 a 625 da CLT, dos quais se suprimiu a expressão “acordo coletivo”, que foi substituída por “convenção coletiva” (caput) e “acordo coletivo” (§1º). Dessa forma, a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer os acordos coletivos de trabalho, somente elevou a status constitucional um instituto já consolidado no ordenamento pátrio.
Vale citar outras referências constitucionais à convenção e ao acordo coletivo. O inciso VI do artigo 7º dispõe sobre a irredutibilidade salarial, mas ressalva a possibilidade de redução por convenção ou acordo coletivo. O inciso XIII do artigo 7º prevê a duração da jornada de oito horas diárias e 44 semanais, porém faculta a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Ademais, o inciso XIV desse artigo estabelece a jornada de seis horas em turnos ininterruptos de revezamento, entretanto possibilita turnos de maior duração por meio de negociação coletiva (acordo ou convenção coletiva).
Segundo ALICE MONTEIRO DE BARROS[4], na negociação coletiva, nenhum interesse de classe deverá prevalecer sobre o interesse público, não podendo, entretanto, ser transacionados preceitos que resguardam a saúde do obreiro, como os relativos à higiene e à segurança do trabalho e também os que se referem à integridade física e moral, situando-se aqui o direito à honra, à intimidade, à boa fama, à privacidade.
Não é outro o sentido trazido pela Súmula nº 437 do TST, a saber:
“INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.
II – É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.
III – Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.
IV – Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT.”
Segundo MOZART VICTOR RUSSOMANO[5], na generalidade das nações a inobservância de cláusula normativa acarreta o seguinte:
‘a) há uma sobreposição das cláusulas da convenção sobre as do contrato individual. Na hipótese de divergência entre elas, declare-se a nulidade da cláusula do contrato individual. A inobservância da convenção implica o descumprimento da lei. A nulidade pressupõe como não escrita a citada cláusula, orientação que prevalece no Direito ocidental e até ocorria no soviético;
b) se o descumprimento é feito pelo empregador, aplicam-se as sanções administrativas;
c) a ação judicial da parte que se julgar prejudicada não fica excluída pela aplicação de sanções administrativas.”
Os instrumentos coletivos subdividem-se em convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho.
À letra do artigo 611 da CLT, a convenção coletiva de trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
A convenção coletiva advém, pois, de negociações encabeçadas por entidades sindicais: a dos empregados e a dos respectivos empregadores. Nesse sentido, abrange o âmbito da categoria, seja a profissional (obreiros), seja a econômica (empregadores). É dotada, portanto, de caráter coletivo e genérico.
MAURÍCIO GODINHO DELGADO[6] esclarece que as convenções coletivas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autônomas), isto é, preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar situações futuras. Por conseguinte, correspondem à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra ou comando abstrato. São, desse modo, sob a ótica substantiva, a respeito de seu conteúdo, diplomas desveladores de inquestionáveis regras jurídicas (embora existam também no seu interior cláusulas contratuais).
Há que se considerar, entretanto, sob o ponto de vista formal as convenções coletivas de trabalho despontam como acordos de vontade entre sujeitos coletivos sindicais (pactos, contratos). Desse modo, inscrevem-se na mesma linha genérica dos negócios jurídicos privados bilaterais ou plurilaterais.
Revestem-se, dessa forma, de dubiedade instigante: são contratos sociais, privados, mas que produzem regra jurídica – e não apenas cláusulas obrigacionais.
É possível extrair a definição de acordo coletivo a partir do §1º desse artigo, qual seja, o acordo celebrado entre os sindicatos representativos de categorias profissionais com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito dessas empresas.
Converge dos conceitos a estipulação de condições de trabalho a serem observadas nos contratos individuais dos trabalhos, donde resulta seu efeito normativo. Por outro lado, a diferença entre os institutos está nos sujeitos envolvidos. Enquanto o acordo coletivo se dá entre o sindicato de determinada categoria profissional e uma ou mais empresas, a convenção coletiva é o concerto pactuado entre o sindicato de determinada categoria profissional e o sindicato da categoria econômica.
Assim, a presença do sindicato no acordo coletivo não é necessária no pólo empresarial. Não obstante, em regra, o pólo obreiro seja representado pelo sindicato. Atualmente, está consolidado o entendimento de que a Constituição de 1988, ao considerar obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, em seu artigo 8º, VI, não se referiu a sindicato de empregadores, mas apenas à entidade sindical representativa dos empregados.
Para MAURÍCIO GODINHO DELGADO[7], isso se dá porque o empregador, por sua própria natureza, já é um ser coletivo (já estando naturalmente encouraçado pela proteção coletiva), ao passo que os trabalhadores apenas adquirem essa qualidade mediante sua atuação coletiva.
Do exposto, conclui-se que o acordo coletivo é uma espécie, cujo gênero é a convenção coletiva de trabalho. Assim, os acordos coletivos, sendo mais específicos, atendem a peculiaridades do contexto de trabalho das empresas acordantes, têm uma abrangência mais restrita. De outro modo, as convenções coletivas são mais amplas e abrangem todas as empresas e seus empregados englobados nas correspondentes categorias econômicas e profissionais, dentro é claro, de uma dada base territorial. Não obstante se verifique tal distinção de conceitos no ordenamento brasileiro, convém ressaltar que isso não sói acontecer em outras legislações.
2. O impacto da Constituição de 1988 na negociação coletiva
Para tratar dos instrumentos coletivos de trabalho, impende analisar o impacto da Constituição Federal de 1988 no contexto brasileiro à época, em que vigentes o regramento previsto na CLT a esse respeito.
É que o texto da CLT foi consolidado em um panorama corporativista e totalitarista, estruturado nas décadas de 30 e 40 no país. Mesmo a nova redação proposta em 1967, por meio do Decreto-Lei nº 229, também essa inovação se deu em um sistema autoritário, qual seja, o Regime Militar inaugurado em 1969.
Ocorre que, à época, foram suscitadas controvérsias acerca da recepção ou não das normas previstas no Título VI da CLT. Neste estudo, que analisará as normas que regulam os diplomas negociais coletivos, essencial levantar essa reflexão.
A Constituição de 1988 foi responsável pelo maior avanço democrático do Direito Coletivo brasileiro. No que tange ao tema em análise, vedou a interferência e a intervenção estatais na organização sindical (art. 8º, I), ampliou os instrumentos de atuação dos sindicatos (art. 8º, III) e conferiu larga amplitude ao direito de greve (art. 9º). Além disso, reconheceu os instrumentos jurídicos clássicos da negociação coletiva, convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, VI, XIII e XIV), ressalvada a obrigatoriedade da participação dos sindicatos obreiros na dinâmica negocial coletiva (art. 8º, VI)[8].
Tais inovações repercutiram na interpretação das normas constitucionais pelo Judiciário e doutrina pátrios, que variaram em posições antagônicas, sem que fosse definida a exata medida em que deveriam ser aplicadas. Logo após a promulgação da Carta Constitucional, prevaleceu o entendimento de que todas as regulamentações e restrições previstas no Título VI da CLT aos dois diplomas coletivos não estariam mais vigentes já que iam de encontro ao princípio da autonomia sindical, externado no artigo 8º, I da Constituição de 1988. À época entendeu-se que estes critérios teriam sido substituídos pelos estabelecidos nos próprios estatutos sindicais.
MAURÍCIO GODINHO DELGADO e GABRIELA NEVES DELGADO avaliaram a sexagenária Consolidação:
“A avaliação jurídica, social e cultural que se pode fazer desse diploma normativo mais do que sexagenário, consistente na CLT, indica, desse modo, alguns pontos relevantes.
Em primeiro lugar, o pecado original da CLT- a circunstância de se ter gestado em período autocrático da vida político-institucional brasileira, em 1943-, embora inegavelmente grave, não macula toda a obra jurídica, econômica e cultural inserida no diploma normativo. Mostra-se comprometedor essencialmente quanto à sua concepção de Direito Coletivo do Trabalho, em especial no tocante à estrutura corporativista do sindicalismo brasileiro, que desponta como pouco funcional para fazer frente aos desafios democráticos apresentados pela evolução histórica do País a partir de fins do regime autoritário de 1964/1985”.[9]
Nesse sentido, há que se reconhecer que existem incontornáveis incompatibilidades entre o texto constitucional e alguns dispositivos da CLT, e que, portanto, não foram recepcionados pela Constituição vigente. Há, entretanto, pontos ainda polêmicos, como se observa quanto ao artigo 617, § 1º da CLT, que autoriza a substituição do sindicato pela federação (e desta pela respectiva confederação), em caso de recusa dos primeiros à negociação. Ademais, possibilita que se conceba a negociação coletiva diretamente entre trabalhadores e correspondente empregador, caso frustradas as tentativas de intermediação sindical.
Distintamente, para MAURÍCIO GODINHO DELGADO, a mencionada regra entra em choque frontal com o princípio da autonomia dos sindicatos e com a norma inserida no art. 8º, VI, CF/88 (obrigatoriedade sindical na negociação coletiva). Segundo o doutrinador, não pode haver dúvida de que [a regra] foi, assim, tacitamente revogada em 05.10.1988.
A esse respeito, importa dizer que a autonomia dos sindicatos deve ser compreendida como uma garantia aos empregados, não como um meio de cercear-lhes a busca pelo atendimento de seus interesses em razão da inércia do sindicato que deveria representá-los.
Conquanto os sindicatos representantes das categorias profissionais sejam os sujeitos legitimados pela ordem jurídica para celebrar a negociação coletiva, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é assente quanto à recepção do art. 617 da CLT pela Constituição de 1988, incidente na hipótese de inércia da entidade sindical. Eis o dispositivo:
“Art. 617 – Os empregados de uma ou mais emprêsas que decidirem celebrar Acôrdo Coletivo de Trabalho com as respectivas emprêsas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas emprêsas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado êsse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 2º Para o fim de deliberar sôbre o Acôrdo, a entidade sindical convocará assembléia geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou não, nos têrmos do art. 612”. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
A aplicação do dispositivo imprescinde de uma análise detida do caso concreto, de modo a verificar a recursa injustificada à negociação. Nesse sentido, colheram-se precedentes do TST:
“RECURSO DE REVISTA (…) ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS – BANCO DE HORAS – FIRMADO DIRETAMENTE COM COMISSÃO DE EMPREGADOS – INVALIDADE – VIOLAÇÃO DO ART. 617 DA CLT – NÃO CONFIGURADA. No caso dos autos, não se há de falar em violação direta e literal do art. 617, § 1º, da CLT, nos moldes exigidos no art. 896, "c", da CLT. Isso porque referido dispositivo legal estabelece que os empregados interessados em celebrar acordo coletivo de trabalho devem dar ciência da sua resolução ao sindicato profissional, que terá o prazo de oito dias para assumir a direção dos entendimentos. Expirado referido prazo, permanecendo inerte o sindicato, poderão os interessados dar ciência do fato à Federação, ou na falta desta, à Confederação correspondente, para que, no mesmo prazo, assuma a negociação. Esgotado esse prazo, os interessados poderão prosseguir nas negociações coletivas até o final. Sucede que não há registros no acórdão regional no sentido de que houve recusa da entidade sindical em participar da negociação coletiva, bem como não foram opostos embargos de declaração para esclarecer referidos fatos essenciais ao desate da lide. Ao ensejo, pontue-se que a jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos desta Corte, embora posicione-se no sentido de que o art. 617 da CLT não se demonstra incompatível com o disposto no art. 8º, VI, da Constituição Federal, preceitua que a recepção do art. 617 da CLT não dispensa a análise minuciosa do caso concreto, a fim de que se verifique a efetiva recusa na negociação, em tese, a ensejar as etapas seguintes previstas no aludido dispositivo. Por conseguinte, preconiza que, se os autos carecem de comprovação de que o sindicato recusou-se a negociar e, ao contrário, a prova revela uma total preterição do sindicato na negociação coletiva, julga-se improcedente o pedido de declaração de validade de acordo de banco de horas celebrado diretamente com os empregados. Recurso de revista não conhecido. (…)” (RR-74200-87.2008.5.02.0463, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 07/10/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/10/2015)
“AÇÃO ANULATÓRIA. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO CELEBRADO SEM A PARTICIPAÇÃO DO SINDICATO PROFISSIONAL. NULIDADE DO INSTRUMENTO. O Regional julgou procedente a ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, declarando a nulidade, com efeito ex tunc, do Acordo Coletivo de Trabalho 2006/2007, celebrado pela Comissão Interna de Negociação dos Funcionários da Sadia S.A. e a referida Empresa, sem a participação do Sindicato profissional. Embora atentando que o art. 617 da CLT tenha sido recepcionado pelo art. 8º, VI, da Carta Magna, não se pode considerar que o malogro nas negociações coletivas, ou mesmo a comunicação pelo sindicato da ameaça de paralisação pelos trabalhadores das suas atividades, fossem motivos suficientes para dispensar a intermediação do ente sindical profissional no entabulamento de acordo entre empregados e empresa. E, mesmo se assim não fosse, não houve o cumprimento das exigências previstas no artigo consolidado, supracitado, necessárias a darem ao instrumento negociado a feição de sua legitimidade. Assim, mantém-se a decisão regional, embora por outros fundamentos, e nega-se provimento aos recursos ordinários interpostos. Recursos ordinários não providos.” (ROAA-164500-70.2006.5.03.0000 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 10/08/2009, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 21/08/2009)
Tal entendimento ampara-se na compreensão da autonomia sindical como uma garantia aos empregados, não como um meio de cercear-lhes a busca pelo atendimento de seus interesses em razão da inércia do sindicato que deveria representar seus interesses.
3. Aspectos formais dos instrumentos coletivos
Os instrumentos coletivos deverão ser celebrados por escrito, sem emendas ou rasuras, em quantas vias quantos forem os sindicatos ou empresas acordantes, além de uma que deverá ser levada a registro, de modo a conferir-lhe publicidade. Com esse mesmo fim, deverão ser afixadas cópias autênticas nas empresas abrangidas pelo acordo. Assente-se que a forma é requisito substancial a esse ato jurídico.
Como prevê o artigo 614 da CLT, uma das vias deve ser encaminhada ao Ministério do Trabalho para conhecimento, registro e arquivamento. É o teor do artigo:
“Art. 614 – Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos.
§ 1º As Convenções e os Acordos entrarão em vigor 3 (três) dias após a data da entrega dos mesmos no órgão referido neste artigo.
§ 2º Cópias autênticas das Convenções e dos Acordos deverão ser afixados de modo visível, pelos Sindicatos convenentes, nas respectivas sedes e nos estabelecimentos das empresas compreendidas no seu campo de aplicação, dentro de 5 (cinco) dias da data do depósito previsto neste artigo.
§ 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo superior a 2 (dois) anos.”
Nesse sentido também é a dicção da OJ SDI-I/TST nº 322, a seguir:
“Nos termos do art. 614, § 3º, da CLT, é de 2 anos o prazo máximo de vigência dos acordos e das convenções coletivas. Assim sendo, é inválida, naquilo que ultrapassa o prazo total de 2 anos, a cláusula de termo aditivo que prorroga a vigência do instrumento coletivo originário por prazo indeterminado.”
Acresça-se que a nova redação da súmula nº 277 do TST consagrou a ultratividade das cláusulas normativas, que passam a integrar os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
Cumpre salientar que com a edição do Decreto-Lei nº 229/1967, a eficácia da convenção não mais depende de homologação do Ministério do Trabalho. A necessidade de homologação conferia ao Estado o controle de assuntos essencialmente privados, em detrimento da autonomia dos acordantes. Assim, atualmente, a convenção entra em vigor três dias após o mero ato de entrega de uma via ao Ministério do Trabalho.
4. Aplicabilidade das convenções e acordos coletivos de trabalho
Em uma escala hierárquica, entende-se que a lei deve prevalecer ante o instrumento coletivo, salvo se este for mais benéfico ao empregado.
Com efeito, há a necessidade de se adequar o critério de hierarquia jurídica à composição normativa diversificada do Direito do Trabalho e ao caráter essencialmente teleológico (finalístico) de que se reveste esse ramo jurídico especializado, conforme ensina MAURÍCIO GODINHO DELGADO[10]. Com o princípio direcionador da norma mais favorável ao trabalhador, tudo conduz ao afastamento justrabalhista do estrito critério rígido e formalista prevalecente no Direito Comum.
Quanto ao cotejo entre os instrumentos coletivos, é inconteste a inexistência de hierarquia entre eles. Ocorre, todavia, que possuem diferentes esferas de atuação, quais sejam, a categoria no concernente à convenção coletiva, e a empresa ou as empresas signatárias, no que se refere ao acordo coletivo.
As convenções coletivas são dotadas de eficácia geral, sendo aplicáveis às categorias convenentes (econômica e profissional) a todos os seus membros, vinculados ou não aos sindicatos. Também os acordos coletivos se aplicam a todos os trabalhadores e empresas acordantes. Daí resulta o efeito erga omnes dos instrumentos coletivos, que não se atêm aos filiados aos sindicatos, mas abrange também os que não o são.
Segundo SÉRGIO PINTO MARTINS, deve-se colocar o princípio ontológico regente da interpretação das convenções coletivas: sempre se aplicará a condição mais favorável ao trabalhador. Assim, o particular, por ser específico, deve prevalecer sobre o geral, salvo em se tratando de norma de ordem pública[11].
Essa compreensão deriva do disposto no artigo 620 da CLT, nos seguintes termos: “As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”.
Contrario sensu, o estipulado em acordo, caso mais favorável do que o estabelecido em convenção, deverá prevalecer. A norma coletiva deverá ser interpretada em atenção aos fins sociais mais amplos, que se sobrepõem aos interesses individuais, visando à harmonia nas relações do trabalho.
Existem duas teorias acerca das normas aplicação das normas coletivas: a teoria da acumulação e a do conglobamento. De acordo com a primeira, é possível conjugar a aplicação de dois instrumentos coletivos diferentes. Assim, seria possível aplicar as cláusulas mais favoráveis existentes em cada convenção. De outro modo, a segunda teoria estabelece que a convenção que em seu todo for mais favorável ao trabalhador deverá prevalecer, não sendo permitido, contudo, a aplicação ora de um diploma, ora de outro.
Como assevera MAURÍCIO GODINHO DELGADO, “a teoria do conglobamento é certamente a mais adequada à operacionalização do critério hierárquico normativo preponderante no Direito do Trabalho”. Essa teoria, diferentemente da teoria da acumulação, é capaz de harmonizar a flexibilidade do critério hierárquico justrabalhista com a essencial noção de sistema inerente à ideia de Direito e de ciência[12].
O autor ressalta que a superioridade da teoria do conglobamento fez com que o legislador claramente se reportasse a essa orientação, em situação de conflito de normas jurídicas, e explica:
“De fato, a Lei nº 7.064/1982, que dispõe sobre a situação de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestarem serviços no exterior, socorreu-se da teoria do conglobamento no contraponto entre a lei territorial externa e a lei brasileira originária. Observa-se, nessa linha o texto do art. 3º, III, do mencionado diploma legal: “a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposta nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria”[13].
Tal entendimento harmoniza-se com a jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho. Confira-se:
“RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇA SALARIAL. COEXISTÊNCIA DE CONVENÇÃO COLETIVA E ACORDO COLETIVO DO TRABALHO. NORMA COLETIVA APLICÁVEL. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. I – Com fundamento na teoria da acumulação, a Corte Regional deferiu o pedido de diferenças salariais, com base no piso salarial da categoria profissional do Reclamante previsto na Convenção Coletiva, por entender que a referida norma coletiva estabelecia condição mais benéfica do que aquela prevista no Acordo Coletivo do Trabalho a esse respeito. II. Esta Corte Superior tem decidido reiteradamente que, para a hipótese em que coexistem convenção e acordo coletivos de trabalho, deve ser aplicada a teoria do conglobamento (instrumento que for, em seu conjunto, mais benéfico ao empregado) e não a teoria da acumulação (retirar de cada norma a cláusula mais benéfica). Precedentes. III. Nesse contexto, a decisão regional, em que se adotou a teoria da acumulação para deferir o pedido de diferença salarial, contraria a jurisprudência desta Corte Superior. IV. Recurso de revista de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento”. (RR-3711500-13.2008.5.09.0002, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: 14/10/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/10/2015)
“(…) PREVALÊNCIA DO ACORDO COLETIVO SOBRE A CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. Prevalece nesta Corte a aplicação do princípio do conglobamento para a solução do conflito acerca das condições estabelecidas em convenção e acordo coletivo, segundo o qual essas normas devem ser consideradas em seu conjunto para efeito de apuração da norma mais benéfica. Assim, a interpretação a ser empreendida para a eleição da respectiva norma deve ser compreendida de forma sistemática, ou seja, considerando-se o conjunto da norma, e não aspectos isoladamente, por se revelarem mais vantajosos. Sob essa ótica, pela teoria do conglobamento, também as convenções e acordos coletivos são considerados e interpretados em toda a sua extensão, e não de forma pontual, como preconiza a teoria oposta da acumulação, que a doutrina e a jurisprudência nacionais pacificamente não acolhem. In casu, o Regional não delineou o quadro fático acerca de qual norma seria a mais benéfica ao reclamante, aspecto imprescindível à solução da lide, nos termos do disposto no artigo 620 da Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, nos embargos de declaração interpostos pelos reclamados não houve provocação do Regional para se manifestar a respeito, carecendo a matéria do indispensável prequestionamento, nos termos do disposto na Súmula nº 297, itens I e II, do TST. Recurso de revista não conhecido. (…)” (RR-957900-04.2003.5.09.0011, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 22/08/2012, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/08/2012)
Além disso, a interpretação deve levar em consideração a vontade das partes à época da elaboração da norma coletiva. É que o artigo 112[14] do Código Civil estabelece que nas declarações de vontade deve prevalecer a intenção nelas consubstanciada ao sentido literal da linguagem. Importa citar ainda, outro dispositivo relevante à aplicação dos diplomas coletivos, qual seja, o artigo 114[15] do Código Civil. Deriva desse artigo o entendimento de que as cláusulas benéficas devem ser interpretadas restritivamente.
Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília UnB
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