Resumo: O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é o ajuste firmado com o clube de futebol, entidade que admite o jogador para a prestação de serviços desportivos e o assalaria, assumindo os riscos da atividade. É contrato especial de trabalho, submetendo-se a regime específico, dirigido pela Lei n. 9.615/1998 – “Lei Pelé”. Ainda, avençado de maneira formal e solene, possuindo prazo de duração determinado. Diante das particularidades que envolvem essa modalidade contratual é que o presente estudo se justifica, sendo aqui conduzido pelo método dedutivo. Tem por finalidade analisar o contrato de trabalho do atleta profissional, com a exposição das suas especificidades, enfatizando os momentos finais desta relação de emprego, especialmente pela aplicação da justa causa. Ao final, pretende-se contribuir para a doutrina do Direito Desportivo Trabalhista.
Palavras-chave: Contrato de Trabalho Desportivo. Atleta Profissional de Futebol. Cessação do Contrato de Trabalho. Justa Causa.
Sumário: Introdução. 1. O Contrato De Trabalho Do Atleta Profissional De Futebol. 2. Dos Deveres Das Partes. 3. Da Justa Causa Aplicada Ao Atleta Profissional De Futebol. 4. Considerações Finais. Referências
INTRODUÇÃO
O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é o ajuste realizado entre o jogador de futebol com uma entidade de prática desportiva, o clube de futebol. É considerado um contrato especial de trabalho, vez que à atividade profissional do atleta, objeto do contrato, é inerente características específicas, que, não raro, se incompatibilizam com as disposições legais trazidas pela legislação trabalhista aplicáveis às relações gerais de trabalho.
A relação laboral desportiva trata-se, portanto, de modalidade especial de trabalho, o que exigiu regulação por legislação específica. É a Lei n. 9.615 de 24 de março de 1998, apelidada de Lei Pelé, responsável por regular esta peculiar relação de trabalho e reger também o contrato de trabalho desportivo. De forma subsidiária, incidirão as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da legislação esparsa trabalhista e previdenciária.
Para tratar do assunto objeto do trabalho, o presente estudo se subdividiu em três partes. Na primeira, serão abordadas as características principais do contrato de trabalho do atleta, enfatizando suas peculiaridades, tais como forma, formação do vínculo desportivo e prazo de duração.
Na sequência, serão tratados os deveres específicos das partes contratantes, atleta e clube de futebol, para, após, ser abordada a questão da cessação do contrato de trabalho, com análise especial dedicada à resolução contratual determinada pelo jogador, isto é, a justa causa.
Assim, propõe-se com esta pesquisa, através do método dedutivo, apresentar o contrato especial de trabalho ajustado entre o atleta profissional e o clube, indicando as principais especificidades, expondo, ao final, a forma como ocorre a cessação do pacto laboral pela modalidade da justa causa, de modo que esta pequena contribuição possa se somar à doutrina do Direito do Trabalho e do Direito Desportivo.
1 O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é regulado pela Lei n. 9.615 de 16 de março de 1998, popularmente conhecida como Lei Pelé, que “institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências”.
Subsidiariamente, segundo a própria Lei Pelé prevê (Ar. 28, § 4º), serão aplicadas ao atleta profissional, ressalvadas as suas peculiaridades, as normas gerais da legislação trabalhista, ditada pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, e da Seguridade Social.
Inicialmente, disciplina a lei (Art. 3º, §1º, inciso I) que, dentre as modalidades do desporto, está o que se realiza de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho estabelecido entre o atleta e a entidade de prática desportiva.
Igualmente, na forma do caput do Art. 28 da Lei Pelé, diz-se ser a atividade do atleta profissional de futebol “caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva”.
É definido, pois, como contrato formal e especial de trabalho por conter particularidades, “pelas condições pessoais dos contratantes (atleta e clube) e pela originalidade das relações que entre eles se estabelecem, como resultantes da natureza do trabalho realizado” (NASCIMENTO, 2004. p. 390).
Conceitua-se, nas palavras de José Martins Catharino, como sendo o ajuste pelo qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços desportivos à outra, sob a direção desta (1969, p. 9).
Para Álvaro Melo Filho, tratando do caráter especial do contrato de trabalho desportivo, “o disciplinamento legal justifica-se quer em razão das especificidades e singularidades que a atividade desportiva comporta e que o regime geral de trabalho desconhece, quer por ser cada vez maior o número de praticantes desportivos que fazem do desporto profissão ou meio de vida, sendo remunerados pela sua prática” (1995, p. 141).
Nos polos do contrato de trabalho, estão, portanto, o atleta profissional e o clube de futebol. Quanto ao primeiro, terá capacidade para firmar o ajuste o jogador com 16 (dezesseis) anos completos (Art. 29 da Lei Pelé), ficando vedada a prática do profissionalismo aos menores que essa idade (Art. 43, inciso III).
Em relação ao clube de futebol, de acordo com o Art. 16 da Lei Pelé, será sempre pessoa jurídica de direito privado, com organização e funcionamento autônomos, cuja competência é definida em seu estatuto, podendo se constituir em sociedade empresária segundo um dos tipos regulados nos Arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil vigente.
Independentemente da forma jurídica adotada, o clube equipara-se a sociedade empresária para os fins de fiscalização e controle previstos na Lei Pelé. Além disso, seus administradores responderão solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos que praticarem, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, nos termos do Código Civil (Art. 27,§ 9º, §11 e § 13).
Além da exigência da forma escrita, já que determina a legislação específica que seja o ajuste dado de modo formal, terá o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol sempre prazo determinado, “nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos” (Art. 30).
Em relação ao vínculo de emprego, são aplicáveis as disposições dos Arts. 2º e 3º da CLT. Assim sendo, estando presentes a prestação de serviços por pessoa física, a onerosidade, a subordinação, a habitualidade e a pessoalidade, o vínculo empregatício estará configurado. Entretanto, na relação entre o atleta profissional de futebol e o clube, tão imprescindível quanto o vínculo de emprego, é o denominado vínculo desportivo.
De acordo com a Lei Pelé (Art. 28, § 5º, caput), o vínculo desportivo constitui-se com o registro do contrato de trabalho do atleta na entidade de administração do desporto (Federação ou Confederação), tarefa delegada ao clube de futebol contratante (Art. 34, I, Lei Pelé). É acessório ao contrato de trabalho, dissolvendo-se com a sua cessação.
Acerca do tema, Rafael Teixeira Ramos avalia o vínculo desportivo, estabelecendo um comparativo com extinto instituto do passe: “o vínculo desportivo se dissolve com o vínculo empregatício, sendo evidentemente aquele acessório deste, diferindo do passe que perdurava mesmo após a extinção do contrato de trabalho desportivo, representando um vínculo desportivo totalmente independente do vínculo trabalhista empregatício. Isso gerou a reificação, a coisificação, do atleta profissional, tolhendo por completo a sua liberdade de trabalho” (2011, p. 1.498).
No Brasil, o regulamento de cada competição esportiva estipulará os prazos e requisitos para inscrição de atleta que já se encontre em clube de futebol ou que seja transferido por outro clube nacional, seguindo-se as disposições do Regulamento Geral das Competições da Confederação Brasileira de Futebol – CBF (SÁ FILHO, 2010, p. 64-65).
Depois de efetivado o registro, o atleta figurará no sistema "Boletim Informativo Diário Eletrônico (BID-e)", disponível no endereço eletrônico da CBF, atualizado diariamente através da internet. A partir de então obterá a “condição de jogo” para atuar em competições desportivas profissionais.
Fábio Menezes de Sá Filho explica esta questão da seguinte forma: “para se ter uma ideia, a CBF utiliza um sistema conhecido por Boletim Informativo (BID-E), em que atualiza diariamente as inscrições porventura efetuadas dos jogadores de cada clube participante de alguma competição filiada a ela. Todas as inscrições são realizadas no Departamento de Registro e Transferência da CBF. Para facilitar a leitura por parte dos clubes e dos organizadores de competições, é disponibilizado também o BID-E acumulado, o qual contém todos os boletins organizados por competição, e no seu conteúdo, em ordem alfabética, o nome das agremiações participantes e dos jogadores inscritos no ano-calendário corrente” (2010, p. 65).
Sendo assim, caracterizado o vínculo empregatício entre as partes, deverá o clube de futebol, obedecendo prazos e formalidades, proceder ao registro do contrato de trabalho do atleta na entidade de administração do desporto, que providenciará a liberação do vínculo desportivo, conferindo ao jogador a condição de jogo, isto é, a aptidão para participar de competições desportivas.
Diante das considerações feitas até então, conclui-se que a atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho celebrado com o clube de futebol. Trata-se, pois, de contrato especial, formal, solene e por prazo determinado.
É visto como um contrato especial por estar submetido a regime específico, “que o diferencia da generalidade dos contratos de emprego”. É também formal, porque avençado de maneira escrita, e solene, pois se exige registro perante a entidade de administração do desporto. Por fim, tem prazo determinado, cuja vigência não poderá ser inferior a três meses e nunca exceder o limite de cinco anos (BELMONTE, 2010, p. 84).
Celebrado o contrato, em conformidade com as exigências legais, estará configurada a relação profissional entre o atleta-empregado e o clube-empregador, seguindo-se à fase de registro perante o órgão de administração do desporto. Efetuado o registro, terá origem o vínculo desportivo da relação, que, embora inconfundível com o vínculo empregatício, é a este acessório e, por consequência, acessório também ao contrato de trabalho desportivo, ambos dissolvendo-se conjuntamente.
Constituídos o vínculo de emprego e o vínculo desportivo, o atleta terá ampla liberdade para exercer sua atividade profissional, a qual requer estudo detalhado quanto a suas características especiais, no particular, em relação aos deveres contratuais impostos às partes e descumprimento a configurar a justa causa.
2 DOS DEVERES DAS PARTES
Em razão do caráter sinalagmático dos contratos de trabalho, assim que o pacto é firmado, empregador e empregado assumem obrigações recíprocas.
Segundo Orlando Gomes e Elson Gottschalk (2000, p. 177), as duas obrigações fundamentais que se originam de um contrato de trabalho são a obrigação que o empregado tem de prestar o serviço pelo qual foi contratado e o pagamento de uma remuneração, a cargo do empregador. Destacam, nesse contexto, a existência do poder de direção do empregador e correspondente subordinação do empregado, que darão origem a poderes e deveres na relação laboral.
E completam o raciocínio: “as obrigações da prestação do trabalho e da contraprestação da remuneração, pois, integradas por um complexo de deveres e poderes complementares, concorrem, conglobadamente, para individualizar, no negócio jurídico em exame, a posição jurídica de cada uma das partes” (GOMES; GOTTSCHALK, 2000, p.177).
Tratando-se de ampla subordinação verificada nesta particular relação jurídica, do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol com o clube que o contrata, além da obrigação de prestar o serviço e do direito de obter em troca uma remuneração por esta prestação, a ser paga em dia e com os devidos acréscimos, decorrem deveres correspondentes específicos e importantes para cada uma das partes.
Isso ocorre porque o atleta não só se submete ao poder de direção do empregador, sempre aplicado de forma acentuada, mas, junto ao seu clube, deve obedecer a todo o ordenamento jurídico desportivo, de regulamentos de competições, normas da federação, a estatutos e legislação específica.
Ricardo Georges Affonso Miguel comenta sobre esta questão, asseverando que “o rol de direitos e deveres do atleta, no que se refere à prática de sua atividade, inclui a observância do regramento específico do futebol. Ao contrário do que ocorre no direito do trabalho comum, o atleta pode sofrer punição advinda de terceiro, que não o empregador. Penalidades aplicadas por dirigentes e membros de entidades regionais, nacionais e internacionais (FIFA, CBF) e Tribunais de Justiça Desportiva (Tribunal de Justiça Desportiva – TJD e Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD), que repercutem no contrato de trabalho e, por conseguinte, no vínculo desportivo” (2011, p. 195).
Insta salientar que a CLT não traz qualquer disposição específica a respeito de direitos e deveres inerentes à relação de trabalho desportivo. Por esta razão, se fez necessário a regulação pela Lei Pelé, que elenca, nos Arts. 34 e 35, os deveres da entidade de prática desportiva empregadora e do atleta profissional, respectivamente.
A Lei Pelé considera, em primeiro lugar, ser dever do clube de futebol registrar o contrato de trabalho do atleta profissional na entidade de administração desportiva, que, na prática futebolística, ocorrerá via federação local, a qual efetivará o registro do atleta junto à Confederação Brasileira de Futebol – CBF. Deste registro, como antes explanado, nascerá o vínculo desportivo do atleta e a sua consequente condição de jogo (RAMOS, 2011. p. 1.498).
A lei também estabelece como dever da entidade de prática desportiva empregadora o de proporcionar ao atleta profissional as condições necessárias à sua participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais, além da obrigação de submetê-lo a exames médicos e clínicos indispensáveis à prática desportiva. O clube fica obrigado a promover exames periódicos para avaliação da saúde do atleta (Art. 34, II e III, c/c Art. 82-A da Lei Pelé).
Prevê, ainda, no Art. 45, caput, o dever de contratar seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas profissionais, benefício vinculado à atividade desportiva, com o objetivo de cobrir os riscos a que estão sujeitos em adequação à imposição constitucional do Art. 7º, XXVIII, segundo o qual é direito do trabalhador seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
A importância segurada deverá garantir ao atleta ou a quem indicar como beneficiário no contrato de seguro o direito à indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. Durante o período em que a seguradora não realizar o pagamento referente a esta indenização, será de responsabilidade do clube empregador as despesas médico-hospitalares e de medicamentos que forem necessárias ao restabelecimento do atleta (§ 1º e § 2º do Art. 45 da Lei Pelé, incluídos pela Lei n. 12.395 de 2011).
Álvaro Melo Filho comenta sobre o assunto: “o desporto inclui-se dentre as profissões de desgaste rápido, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes, desvalorização resultante de incapacidades por contusões, lesões e acidentes de trabalho de atletas profissionais, tornando-se cogente a fixação de comandos legais voltados para a segurança dos praticantes desportivos. Nessa vertente, o seguro desportivo tem o animus de cobrir os atletas profissionais, notadamente os de alto rendimento, contra o risco de óbito ou incapacidade desportiva, parcial ou total, temporária ou permanente, resultante de um acidente ou de uma agressão provocada pela rivalidade desportiva competitiva, posto que as disputas desportivas exigem dos atletas empenho, dedicação e esforço, e, consequentemente, o risco próprio e inerente à atividade desportiva. Por evidente, o seguro não evita o risco, mas previne o perigo do atleta vítima não obter ressarcimento” (MELO FILHO, 2011, p. 217).
O autor também faz menção à regra contida no parágrafo 2º do Art. 45, relativa à responsabilidade do clube com as despesas médico-hospitalares e de medicamentos para o restabelecimento do atleta, no período em que a seguradora não efetivar o pagamento da devida indenização. Isso se deve ao fato de que o atraso no pagamento “pode resultar em sequelas e consequências médicas irrecuperáveis para o atleta e o seu futuro desportivo, à falta do pronto, inadiável e eficaz tratamento médico” (MELO FILHO, 2011. p. 217).
É importante acrescentar, ainda, no que tange aos deveres do clube de futebol, que o dever de pagar os salários do atleta em dia não só se constitui na principal obrigação do empregador, como autoriza a Lei Pelé, Art. 32, que o jogador se recuse a competir quando seus salários, no todo ou em parte, estiverem atrasados em dois ou mais meses.
Por outro lado, cabe ao atleta profissional o cumprimento de alguns deveres próprios da atividade. O Art. 35 da Lei Pelé menciona aqueles específicos dessa profissão.
Dispõe a lei que é dever do atleta participar de jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias com a aplicação e dedicação correspondentes as suas condições psicofísicas e técnicas (Art. 35, I da Lei Pelé).
Além disso, o atleta deve preservar as suas condições físicas de modo que lhes permita participar das competições desportivas. Para tanto, deverá submeter-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva (Art. 35, II da Lei Pelé).
Por fim, a legislação específica inclui como seu dever o de exercitar a atividade profissional conforme o regramento do futebol e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas (Art. 35, III).
Ademais, a todo trabalhador cabe seguir os deveres de obediência, diligência e fidelidade, assim conceituados por Alexandre Agra Belmonte: “O dever de obediência decorre da subordinação, cabendo ao trabalhador seguir as diretrizes e cumprir as ordens necessárias à execução do contrato. O dever de diligência consiste no cumprimento das tarefas com o esforço de executá-las com o necessário cuidado, exatidão e com rendimento qualitativo que o empregador, legitimamente, pode esperar. O dever de fidelidade diz respeito ao caráter ético da relação, exigindo do trabalhador conduta honrada, caracterizada pela retidão no agir, direcionada ao fiel cumprimento das obrigações inerentes ao contrato e ao necessário sigilo” (BELMONTE, 2011, p. 9).
Dentre eles, Messias Pereira Donato enfatiza o dever de diligência, que “constitui uma das obrigações mais requisitadas no contrato. Prende-se ela não apenas a fatores subjetivos, como perícia, eficiência, capacidade inventiva do atleta, como a fatores próprios a terceiros, por exemplo, o correto aproveitamento de suas habilidades pelo empregador, o grau de rivalidade do adversário, o nível de dedicação e esforço dos companheiros da equipe. É delicada e penosa sua avaliação isolada, desprendida desses fatores externos ponderosos” (2008. p. 418).
Assim, além dos deveres gerais das partes contratantes estabelecidos pela legislação comum, existem aqueles previstos pela Lei Pelé, dos quais se destaca, para o clube, o dever de efetuar o registro do contrato de trabalho perante o órgão competente, exigido para configuração do vínculo desportivo, além de se proporcionar boas condições de trabalho, necessárias à participação do atleta em competições desportivas, treinos e outras atividades do ramo, assim como contratar seguro de vida e acidentes.
Por outro lado, ao atleta caberá desenvolver sua atividade profissional de acordo com as regras determinadas pelo seu empregador, bem como o estrito cumprimento das demais normas do ordenamento jurídico desportivo. Deverá, conforme previsão da legislação desportiva, participar dos jogos, treinos, entre outras atividades preparatórias, com aplicação e dedicação, preservando suas condições físicas para o melhor desempenho e exercício da profissão.
4 CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
A cessação do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol também contém peculiaridades, ocorrendo de acordo com as hipóteses previstas na Lei Pelé, sem prejuízo da aplicação das hipóteses abrangidas na CLT.
Inicialmente, é importante conceituar, baseando-se no ensinamento de Sérgio Pinto Martins, que “a cessação do contrato de trabalho é a terminação do vínculo de emprego, com a extinção das obrigações para os contratantes” (MARTINS, 2011. p. 372).
No tocante à relação laboral desportiva, reitera-se que o contrato de trabalho se trata de elemento caracterizador do vínculo empregatício entre o atleta profissional e o clube de futebol e, acessório a ele, está o vínculo desportivo. Assim, findo o contrato de trabalho desportivo, dissolvem-se, conjuntamente, o vínculo empregatício e o vínculo desportivo desta relação (Art. 28, §5º da Lei Pelé).
Acerca disso, Domingos Sávio Zainaghi ensina que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, ao cessar, “põe fim ao vínculo desportivo, ou seja, extinto o pacto celebrado entre as partes, o jogador é livre para firmar contrato de trabalho com outro clube, caso assim o desejar” (2001, p. 42).
Nesse contexto, prescreve o Art. 28, § 5º da Lei Pelé, com as modificações inseridas pela Lei n. 12.395/2011, que o contrato de trabalho desportivo cessará: a) com o término de sua vigência ou seu distrato; b) com o pagamento da cláusula compensatória ou indenizatória desportiva; c) com a rescisão decorrente da mora contumaz salarial; d) com a rescisão indireta na forma da CLT; e) e com a dispensa imotivada do atleta. Essas são, portanto, as hipóteses previstas na legislação específica.
Como primeira modalidade de cessação, a Lei Pelé cita a extinção. Nesta situação, o contrato será extinto com o simples término da sua vigência. Assim, quando o contrato de trabalho cessar pelo advento do termo final, o atleta terá o “direito de receber as férias pendentes e proporcionais, bem como a gratificação natalina proporcional, além do levantamento do FGTS, sem direito à indenização” correspondente à cláusula compensatória desportiva (BELMONTE, 2010, p. 16).
Na segunda hipótese, a terminação do contrato ocorre pelo distrato, que ocorrerá “sempre que as partes resolverem extinguir o contrato de comum acordo” (BRAGA, 2010. p. 189).
Tratando-se de distrato, as parcelas devidas estarão condicionadas ao que estiver ajustado entre o clube e o atleta, por estar-se diante da rescisão bilateral (BELMONTE, 2010, p. 16).
Nos termos da Lei Pelé, o contrato de trabalho também cessará com o pagamento da cláusula indenizatória desportiva e da cláusula compensatória desportiva. Em linhas gerais, nos termos do Art. 28, a primeira é devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas hipóteses de transferência do jogador para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses. Por seu turno, a cláusula compensatória desportiva será devida pela entidade de prática desportiva ao atleta nos casos de rescisão contratual disciplinados nos incisos III a V do §5º do Art. 28 (rescisão indireta por mora salarial, rescisão indireta na forma da CLT e com a dispensa imotivada do atleta).
Outra modalidade de cessação do contrato preceituada na Lei Pelé é a rescisão indireta, especificadamente aquela resultante do inadimplemento salarial (Art. 28, §5º, III), além das demais hipóteses previstas pela legislação trabalhista (Art. 28, §5º, IV).
Decorrente do caráter da onerosidade do contrato de trabalho, o clube de futebol tem o dever de pagar os salários do atleta, constituindo-se, conforme já analisado neste trabalho, na principal obrigação do empregador na relação laboral.
Sendo assim, prescreve a legislação desportiva em seu Art. 31, caput, que “a entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos”.
Para efeito desta rescisão, são entendidos como salário o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho, incorrendo na mesma situação, a ausência de recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias, por igual período (Art. 31, §1º e §2º, Lei Pelé).
Trata-se, portanto, de hipótese caracterizada pela rescisão indireta decorrente do inadimplemento salarial ou da mora contumaz salarial prevista no Decreto-Lei n. 368/68, Art. 2º, §1º, que configura contumaz como sendo “o atraso ou sonegação de salário devidos aos empregados, por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento”.
Por fim, a Lei Pelé autoriza, no Art. 28, §5º, IV, a rescisão indireta pelas demais hipóteses previstas pela CLT, aquelas restantes elencadas no Art. 483. Assim, o atleta também poderá considerar rescindido seu contrato quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo clube com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; e) o clube ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; f) e houver redução do seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Alexandre Agra Belmonte inclui entre as hipóteses de rescisão indireta a violação ao Art. 45 da Lei Pelé, quando o clube deixar de contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, “vinculado à atividade desportiva, por se cuidar de contratação obrigatória pelo risco da função” (2010, p. 17).
Outra modalidade de cessação do contrato de trabalho desportivo introduzida pela Lei Pelé é a despedida imotivada, isto é, a dispensa sem justa causa, quando o clube despede o atleta sem que este tenha dado motivo para o rompimento dos efeitos do contrato de trabalho (GOMES; GOTTSCHALK, 2000. p. 348).
Tratando-se, então, de rescisão indireta e de despedida imotivada, caberá ao clube pagar ao atleta as seguintes verbas: indenização prevista na cláusula compensatória desportiva, nos termos do Art. 28, II c/c §5º, III e IV da Lei Pelé, “no valor pactuado pelas partes quando da contratação (§1º, I e II do Art. 28)”, férias pendentes e proporcionais, gratificação natalina proporcional e o direito ao levantamento do FGTS, mais o valor referente à multa de 40% “se resultar superior ao valor da cláusula compensatória desportiva” (BELMONTE, 2010, p. 16).
Convém ressaltar que nos casos de rescisão por culpa do clube de futebol, sendo o contrato de trabalho desportivo por prazo inferior a doze meses, o atleta terá direito, entre outras verbas rescisórias, a tantos doze avos da remuneração mensal quantos forem os meses da vigência do contrato, referentes a férias, abono de férias e décimo terceiro salário (Art. 28, §9º da Lei Pelé).
Em que pese a ausência de previsão legal, acrescente-se que, além das hipóteses acima destacadas, previstas na lei específica, poderá ocorrer o término do contrato de trabalho pela morte do empregado. Nesta hipótese, em razão do seu caráter intuito personae, o contrato torna-se extinto e deixa de produzir seus efeitos.
Para o caso, Fábio Menezes de Sá Filho, citando Renato Saraiva, comenta: “para o caso de falecimento do jogador, os herdeiros terão direito: a) ao 13º (décimo terceiro) salário proporcional do ano em curso, b) à indenização das férias integrais simples ou em dobro, a depender do caso concreto, acrescidas do terço constitucional; c) à indenização das férias proporcionais, igualmente, acrescidas do terço constitucional; d) ao saldo de salário; e e) ao levantamento do FGTS. Se o falecimento decorreu de algum infortúnio desportivo, isto é, acidente de trabalho, independentemente de dolo ou culpa do clube, então, além dos mencionados direitos, terá direito à indenização de 40% (quarenta por cento) calculada sobre o FGTS, mas não terá ao aviso-prévio, já que nos contratos por prazo determinado, incabível essa concessão” (2010, p. 144).
Igualmente, Alexandre Agra Belmonte ensina que, para o caso de cessação do contrato por morte do atleta, não caberá o pagamento de indenização correspondente à cláusula desportiva, apenas incidindo as parcelas pendentes devidas aos beneficiários. No entanto, comenta o autor, se ficar caracterizada culpa por parte do clube de futebol, “caberá indenização por danos patrimoniais e morais devidos aos sucessores” (2010. p. 17).
Fábio Menezes de Sá Filho acrescenta, ainda, a possibilidade de cessação do contrato de trabalho por força maior, nos termos do Art. 501, §1º e §2º, que dispõe ser esta “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente” (2010, p. 144).
Além disso, a quebra do contrato poderá ocorrer com o pedido de demissão do atleta. Tratando-se de contrato por prazo determinado, o atleta fará jus a férias pendentes e proporcionais e à gratificação natalina proporcional, afastando-se a aplicação do Art. 480 da CLT, por força do Art. 28, §10 da Lei Pelé (BELMONTE, 2010, p. 17).
Cumpre avaliar, ainda, a questão da cessão ou transferência da atividade profissional do atleta, que também ocasionará a cessação do contrato de trabalho, seja de forma temporária ou definitiva, valendo destacar que tal modalidade depende da formal e expressa anuência do jogador (Art. 38, Lei Pelé).
Para Alice Monteiro de Barros, a exigência de expressa e escrita anuência do atleta quando da sua cessão ou transferência é “formalidade substancial do ato jurídico” (2008, p. 130).
Domingos Sávio Zainaghi, por sua vez, entende que a anuência manifestada formal e expressamente mostra que a pretensão do legislador foi a de preservar o direito à liberdade de contratar do atleta, direito que está insculpido no Art. 5º, caput, da Constituição Federal (2001, p. 40).
Com efeito, em virtude da transferência do atleta para outra entidade durante a vigência do seu contrato de trabalho, sempre será devida a cláusula indenizatória desportiva ao clube cedente. Responderão pelo valor pactuado no instrumento do contrato, de forma solidária, tanto o atleta quanto o novo clube contratante.
Aludida transferência do atleta profissional a outro clube de futebol poderá ser definitiva, quando resultará na terminação do contrato, ou em caráter temporário, neste caso através de “contrato de empréstimo”, ocasionando a suspensão contratual do ajuste originário (BELMONTE, 2010, p. 88).
Por “empréstimo”, considera-se a cessão temporária, quando um atleta pertencente a um clube de futebol é cedido a outro, “mediante negociação de características cíveis”, envolvendo cedente, cessionário e o próprio atleta que deve anuir, de acordo com a lei, com sua transferência (DELBIN, 2009. p. 76).
Da mesma forma, Hugo Albuquerque Braga conceitua: “contrato de empréstimo é a cessão ou transferência temporária de um atleta (vínculo desportivo e empregatício), não inferior a três meses e nem superior ao prazo restante para o término do contrato principal, realizada pelo clube empregador para outra entidade, a qual figurará como nova empregadora” (2010, p. 189-190).
Nesse diapasão, Rafael Teixeira Ramos, fundando-se na lição de Albino Mendes Baptista, conceitua cessão temporária como sendo “a cedência temporária de praticantes desportivos consiste na disponibilização por tempo determinado, a título oneroso ou gratuito, dos serviços do praticante desportivo (cedido) para a prática da mesma actividade, da entidade empregadora (clube cedente) para outra entidade (clube cessionário), a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial” (2010. p. 46).
E sintetiza a cessão temporária no contrato de trabalho desportivo como “a anuência formal entre as partes (empregador desportivo cedente, empregado desportivo e empregador desportivo cessionário) em deslocar temporariamente os serviços laborais desportivos do jogador empregado, saindo este de sua atividade empregatícia tradicional, exercida em favor do empregador cedente, para prestar atividade laboral desportiva ao empregador cessionário, mantendo o seu vínculo laboral desportivo com o empregador cedente” (RAMOS, 2010, p. 47).
Quando cedido temporariamente a outro clube, é necessário que se observem alguns detalhes atribuídos pela Lei Pelé. Infere-se do seu Art. 39, caput, que quando o clube cessionário, para o qual o atleta foi transferido, estiver com o pagamento de salários em atraso, no todo ou em parte, por mais de 2 (dois) meses, possibilitará ao atleta fazer a notificação ao clube cedente para que pague, querendo, o valor da mora, dentro do prazo de 15 (quinze) dias.
Além disso, a Lei Pelé (§1º, Art. 39) prevê que a ausência de pagamento ao atleta de salário e contribuições previstas em lei por parte do clube cessionário, por 2 (dois) meses, implicará a rescisão do “contrato de empréstimo” e a incidência da cláusula compensatória desportiva nele prevista, a ser paga ao atleta pela entidade de prática desportiva cessionária.
Nesta hipótese, acrescente-se que não se aplica o disposto no Art. 31, caput (rescisão contratual decorrente de mora contumaz salarial). Ainda, se verificada a rescisão do “contrato de empréstimo”, deverá o atleta retornar ao clube cedente para cumprimento do antigo contrato de trabalho desportivo (Art. 39, §2º).
O atleta profissional de futebol poderá, some-se, ser transferido para um clube de futebol do exterior, exigindo-se, para este caso, a observação quanto às instruções expedidas pela entidade nacional de título, conforme Art. 40, caput, da Lei Pelé. Cabe à Confederação Brasileira de Futebol – CBF o direito de expedir tais instruções (ZAINAGHI, 2001. p. 40).
As condições para transferência internacional deverão integrar, obrigatoriamente, o contrato de trabalho do atleta com o clube de futebol brasileiro que o contratou (§1º do Art. 40, Lei Pelé).
Ressalte-se que a cláusula indenizatória desportiva internacional pactuada no contrato de trabalho desportivo entre o atleta e o clube cedente será devida pelo clube cessionário, independentemente do pagamento da cláusula indenizatória desportiva nacional, caso este venha a concretizar transferência internacional do mesmo atleta, em prazo inferior a 3 (três) meses, caracterizando o conluio com a entidade de prática desportiva estrangeira (Art. 40, §2º, da Lei Pelé – Redação dada pela Lei n. 12.395, de 2011).
A lei menciona, da mesma forma, que, tratando-se de transferência nacional, seja de caráter temporário ou definitivo, até 5% (cinco por cento) do valor pago pelo novo clube de futebol contratante serão, obrigatoriamente, distribuídos entres os clubes que contribuíram para a formação do atleta transferido. Este percentual obedecerá à proporção, por cada ano de formação: a) de 1% (um por cento) do atleta dos 14 (quatorze) aos 17 (dezessete) anos de idade; e b) de 0,5% (meio por cento) dos 18 (dezoito) aos 19 (dezenove) anos de idade (Art. 29-A, inciso I e II e §1º, incluídos pela Lei n. 12.395 de 2011).
Para o caso do atleta se desvincular do clube de forma unilateral, situação em que deverá pagar a cláusula indenizatória desportiva, caberá ao clube que receber este valor distribuir 5% do montante aos clubes responsáveis pela formação do atleta. Tal percentual deverá ser calculado sempre de acordo com certidão a ser fornecida pela CBF, assim como os valores deverão ser distribuídos proporcionalmente em até 30 (trinta) dias da efetiva transferência, cabendo-lhe ordenar o cumprimento desta exigência imposta pela lei (Art. 29-A, §2º, incluídos pela Lei n. 12.395 de 2011).
Elencadas e estudadas as hipóteses de cessação do contrato de trabalho desportivo, segue-se à análise do objetivo principal deste trabalho: a justa causa do atleta profissional de futebol.
3 DA JUSTA CAUSA APLICADA AO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
Dentre as modalidades de cessação do contrato, a Lei Pelé não faz menção à dispensa motivada ou despedida resultante de falta grave cometida pelo atleta, o que configura a justa causa.
Para Alexandre Agra Belmonte, a omissão da lei não leva à conclusão de que a cessação do contrato de trabalho por despedida motivada não possa ocorrer. Ademais disso, nos termos da Lei Pelé, silente a legislação específica, será aplicada, subsidiariamente, a legislação trabalhista que, para o caso, remete-se à aplicação do Art. 482 da CLT, atinente aos atos ensejadores da justa causa, as quais se passa a expor (BELMONTE, 2011, p. 11).
Nas palavras de Alice Monteiro de Barros, consiste a justa causa na “prática de ato doloso ou culposamente grave por uma das partes”, que pode determinar a rescisão do contrato (2010, p. 888).
No caso de rescisão do contrato pelo empregador, motivada por ato praticado pelo empregado, o Art. 482 da CLT arrola as seguintes faltas graves: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar.
A primeira falta grave indicada pela CLT diz respeito aos atos de improbidade. Para Volia Bomfim, trata-se de desonestidade, conduta contrária aos bons costumes, à moral, à lei (2015, p. 1.077).
São atos que “traduzem comportamento desonesto, visando obtenção dolosa de vantagem por meio ilícito, como roubo, furto, apropriação indébita, estelionato, suborno e adulteração de documentos”. No caso da relação atleta-clube, o ato não necessariamente recairá contra o patrimônio da entidade de prática desportiva, podendo ser caracterizado como falta grave também aquele que a afete de forma indireta (BELMONTE, 2011, p. 12).
Como exemplo disso, Alice Monteiro de Barros cita a troca de dinheiro “com o fim de facilitar ou assegurar um resultado irregular de uma competição desportiva ou, ainda, o desempenho anormal de um participante” (2010. p. 133).
Este evento representa o recebimento da intitulada “mala preta”, verba majoritariamente considerada de caráter ilícito, que circula no meio do futebol. A mala preta é “paga aos atletas ou a outros empregados de determinado clube, a exemplo do treinador de futebol, para que estes se empenhem na obtenção de resultado favorável ao pagador” (SÁ FILHO, 2010, p. 127).
Embora seja corriqueiro o pagamento de referida parcela, anuído, muitas vezes, pelo próprio empregador, poderá ser enquadrado como ato de improbidade praticado pelo atleta envolvido na troca ilícita de dinheiro, ensejando a despedida por justa causa.
Em virtude da ampla e intensa subordinação do atleta ao clube empregador, que o justifica interferir até mesmo na vida particular do jogador, o estudo da incontinência de conduta e mau procedimento torna-se relevante.
Visando resguardar a forma física dos seus empregados e preservar a boa imagem da entidade, a ingerência do empregador ocorre não só na atividade esportiva do atleta, como também na sua vida privada (BARROS, 2010, p. 134).
Portanto, a incontinência de conduta pode ser manifestada “pelos excessos, pela inconveniência de hábitos e costumes, falta de pudor, imoderação de linguagem ou de gestos, caracterizado pelo uso de palavras ou de atos obscenos”. A prática de tais atitudes poderá ser prejudicial ao serviço e à honra e boa fama do empregador (BELMONTE, 2011. p. 15).
Sobre a incontinência de conduta, Alexandre Agra Belmonte disserta: “na avaliação da incontinência de conduta do atleta profissional, devem ser consideradas circunstâncias ligadas ao seu comportamento moral e social e ao condicionamento para a obtenção do melhor rendimento possível. Com efeito, frequência a casas noturnas de forma incompatível com o condicionamento físico, vida desregrada, regada a churrascos, bebidas e programas, inobservância das horas necessárias de sono atentam contra o condicionamento ideal para as competições. E declarações impensadas dadas à imprensa, capazes de desestabilizar o grupo do qual fazem parte a equipe e a comissão técnica, atentam contra a união e o ambiente respeitoso e saudável” (2011, p. 15).
Quanto ao mau procedimento, trata-se de violação do dever social do empregado de boa conduta. É, pois, a quebra de regras sociais de boa conduta (BOMFIM, 2015, p. 1.080).
Nessa toada, o mau procedimento entende ser caracterizado pela “falta de compostura, traduzida em comportamentos ofensivos da discrição pessoal e do respeito capazes de prejudicar as boas condições no ambiente de trabalho”. Exemplo disso é assédio moral conduzido pelo atleta no local de trabalho (BELMONTE, 2011, p. 13).
Será considerada justa causa, do mesmo modo, a negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado ou for prejudicial ao serviço. Por isso, qualquer função desempenhada pelo atleta sem o conhecimento do clube que seja prejudicial à atividade profissional ou, ainda, verificando-se ato que demonstre concorrência com o empregador, poderá ocasionar a despedida por justa causa (BARROS, 2010, p. 135).
A condenação criminal transitada em julgado, com cumprimento de pena, também se configura como justa causa, na medida em que “impede a execução do contrato pela impossibilidade física da prestação de serviços”. Com relação à desídia, consubstanciada no “desleixo e falta de zelo no exercício das funções”, será considerado desidioso o atleta que “não se empenha nos exercícios preparatórios do condicionamento físico e/ou nos treinamentos preparatórios do condicionamento tático” (BELMONTE, 2011, p. 12).
A embriaguez habitual ou em serviço poderá, igualmente, comprometer a forma física do atleta. Assim, a ingestão de álcool e de qualquer outra substância tóxica, bem como a utilização de substâncias dopantes, quando ingeridas com dolo ou culpa, autorizam a dispensa por justa causa. Contudo, se o consumo da droga se der por indicação médica, não se configurará justa causa, ainda que o atleta seja punido pela legislação desportiva, como nos casos de “doping” (BARROS, 2010, p. 136).
Em relação à embriaguez, ainda que implique prejuízo à prestação de serviço e, como tal, ao empregador, importante revelar situações de alcoolismo, preservadas pela doutrina e pela Justiça do Trabalho com fundamento de se tratar, na forma do entendimento da Organização Mundial de Saúde – OMS, de doença, ocasião em que, neste entendimento, deverá ser mantido o contrato de trabalho, sendo o empregado encaminhado à Previdência Social para tratamento médico.
Relativamente à violação de segredo da empresa, o empregado poderá ser despedido quando sua conduta enquadrar-se nesta hipótese, vez que evidencia infringência ao dever de fidelidade. Ocorre, por exemplo, quando o atleta revela ao time adversário determinada técnica ou estratégia de jogo de sua equipe (BARROS, 2010, p. 137).
Quanto à indisciplina e à insubordinação, Alice Monteiro de Barros conceitua: “a indisciplina diz respeito à desobediência às normas de caráter geral e a insubordinação é o desrespeito a uma ordem específica, lícita, sempre emanada do empregador, de seus prepostos e também das entidades regionais, nacionais ou internacionais do futebol” (2010, p. 137).
Será considerado atleta indisciplinado aquele que não cumprir com as determinações gerais do clube, deixar de seguir as orientações médicas e do treinador, ou, ainda, recusar-se a permanecer na concentração, abandonar os treinos e quando for expulso constantemente das partidas (BELMONTE, 2011, p. 13).
O abandono de emprego, por sua vez, acontecerá, a título de exemplo, com o não comparecimento do atleta ao trabalho sem motivo fundado, o não retorno ao clube cedente para cumprimento do antigo contrato de trabalho em razão do termo final do contrato de empréstimo ou da rescisão decorrente de mora salarial por parte do clube cessionário, justificando a justa causa (BELMONTE, 2011, p. 13).
Quanto aos atos lesivos da honra e da boa fama e às ofensas físicas previstos pela CLT, alíneas “j” e “k” do Art. 482, ao mesmo tempo em que puníveis pela legislação trabalhista, são passíveis de punição perante a Justiça Desportiva. Fica proibida a prática de atos de calúnia, injúria e difamação contra o clube empregador, bem como as ofensas físicas contra qualquer pessoa praticadas em serviço, ressalvados os casos de legítima defesa (BELMONTE, 2011, p. 14).
Sobre a lesão à honra e boa fama do clube, Alexandre Agra Belmonte analisa: “Logo, na avaliação da imagem da entidade de prática desportiva, devem ser levados em consideração certos aspectos. Por ser o atleta uma figura pública, o seu comportamento e declarações públicas repercutem no contrato, podendo não somente atingir a equipe, comissão técnica e dirigentes, como também a imagem da entidade. Realmente, além da respeitabilidade, os bens jurídicos protegidos são a ética e a formação integral dos cidadãos. O atleta é um ídolo, capaz de influenciar cortes de cabelo, uso de roupas e o ingresso de novos sócios da entidade desportiva, que se tornam torcedores da agremiação e contribuem para a sua manutenção econômica e prestígio. A ética a ser observada resulta da figura pública do atleta, que está ligada à agremiação à qual pertence e que serve de exemplo para a sociedade e influi na formação moral dos jovens. Daí que amizades publicamente reconhecidas com traficantes, por exemplo, se revelam prejudiciais ao contrato, atingindo a imagem da entidade desportiva” (2011, p. 14).
Por fim, a lei arrola como ato faltoso a prática constante de jogos de azar com intuito lucrativo. Se influir de forma negativa na relação laboral desportiva, será caracterizada como justa causa para rescisão contratual (BARROS, 2010, p. 908).
Assim, para o caso de falta grave cometida pelo atleta profissional, o clube de futebol fica autorizado a rescindir o contrato de trabalho desportivo. A despedida por justa causa dará direito ao atleta receber o saldo de salário e a remuneração correspondente às férias já adquiridas (BELMONTE, 2011, p. 18).
Na interpretação de Alexandre Agra Belmonte, além das mencionadas parcelas a que o atleta fará jus na hipótese de rescisão do contrato por justa causa do empregado, será devida ao clube a cláusula indenizatória desportiva indicada no Art. 28, I (2011, p. 18).
Sem a intenção de aprofundar o assunto, importante destacar os requisitos que a doutrina estabelece para aplicação da justa causa. Com base nos ensinamentos de Volia Bomfim, são eles: a imediatidade; proporcionalidade entre a falta e a punição; non bis in idem; não discriminação; gravidade da falta; teoria da vinculação dos fatos determinantes da punição; não ocorrência do perdão tácito ou expresso (2015, p. 1.066).
A punição deve ser atual, imediata, sob pena de presumir o perdão tácito do empregador, este também configurado quando o empregador, formalmente, desculpa o empregado. Para faltas leves são proporcionalmente aplicadas punições leves, para faltas graves, punições graves. Ainda, não se pode punir duas vezes o empregado pelo mesmo ato faltoso, evitando o bis in idem. O clube não pode punir atletas de forma diversa pela mesma falta cometida. Ou seja, um único ato faltoso praticado em coautoria de empregados deve receber idêntica punição. No quesito gravidade, para ensejar a justa causa deve a falta, de fato, ser grave, caracterizando a quebra de confiança, da fidúcia necessária a manter a relação de emprego. Por fim, na teoria dos motivos determinantes “a falta e a resolução do contrato por justa causa dever haver uma relação de causa e efeito, um nexo causal”. Requisitos esses sem os quais a resolução será nula (BOMFIM, p. 1.066-1.073).
Concluindo, de todo exposto, ainda que omissa seja a legislação desportiva quanto à despedida motivada, poderá o atleta profissional ter seu contrato de trabalho rescindido por ato configurador de falta grave e que, por consequência, motive a dispensa por justa causa. Como hipóteses desta rescisão, sendo aplicável de forma subsidiária a legislação geral trabalhista, estão aquelas previstas no Art. 482 da CLT.
Desta forma, levando-se em conta que para o bom desempenho do atleta nas partidas de futebol, objeto da sua atividade profissional, o condicionamento físico é fundamental, da mesma forma que o clube de futebol zela pela boa imagem e seu prestígio, atos de improbidade, incontinência de conduta ou mau procedimento, condenação criminal transitada em julgado, desídia no desempenho das atividades desportivas, como no caso de constantes expulsões nos jogos, indisciplina ou insubordinação, entre outras condutas inadequadas do atleta, podem interferir negativamente para alcance dos objetivos do empregador, autorizando a despedida do atleta por justa causa.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade desportiva praticada de modo profissional se caracteriza pela existência de contrato de trabalho desportivo com remuneração pactuada, ajuste regido por legislação específica, qual seja, Lei n. 9.615/1998, conhecida por “Lei Pelé”. Subsidiariamente, são aplicáveis as normas da CLT e da legislação da Seguridade Social.
Trata-se, pois, de um contrato especial de trabalho, estabelecido entre o atleta de futebol e a entidade de prática desportiva, o clube de futebol, mediante remuneração pactuada.
Dentre as particularidades desta peculiar relação de trabalho, está a cessação do contrato de trabalho desportivo, que ocorrerá conforme as hipóteses específica elencadas pela Lei Pelé, complementada pelas disposições da CLT sobre o tema. Findo o contrato de trabalho, o vínculo empregatício e o vínculo desportivo entre o clube de futebol e o atleta profissional dissolvem-se para todos os efeitos legais.
De acordo com as modalidades especificadas pela Lei Pelé, o contrato de trabalho do atleta cessará com o término natural de sua vigência ou seu distrato, com o pagamento da cláusula compensatória desportiva ou cláusula indenizatória desportiva, com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial por parte do clube de futebol, com a rescisão indireta nas demais hipóteses previstas pela CLT e com a dispensa imotivada do atleta, além dos casos de cessão e transferência de atleta e outras hipóteses elencadas pela doutrina, como a morte do empregado, o pedido de demissão e a força maior.
No que tange à dispensa motivada, porém, a Lei Pelé silenciou-se, ponto que justificou o desenvolvimento deste estudo. Embora omissa a legislação, não fica o hermeneuta impedido de analisar as situações em que o atleta dê causa ao rompimento do seu contrato de trabalho.
Alguns atos praticados pelo atleta profissional, vale dizer, especialmente se relevada a intensa subordinação do empregado ao clube de futebol, são de fato incompatíveis com a relação de emprego e podem consistir em falta grave, motivando a dispensa por justa causa. Por aplicação subsidiária da CLT, já que silente a legislação desportiva, cabe o atendimento das disposições do Art. 482.
Desta feita, ponderando que a preservação do condicionamento físico é dever do atleta e determinante para o seu bom desempenho nas partidas de futebol, sendo fundamental para o melhor exercício de sua profissão, ao mesmo tempo em que o clube de futebol preocupa-se em zelar pela boa imagem e prestígio, neste esporte no qual a mídia catalisa distorções, alguns atos praticados pelo jogador poderão afetar a higidez do contrato de trabalho, tornando a relação de emprego insustentável.
Declarações impensadas à imprensa, revelação de táticas de jogo ao time adversário, frequentar festas com consumo excessivo de álcool, constantes expulsões nas partidas, aparições públicas comprometedoras, entre outras atitudes que se enquadrem no rol do Art. 482 da CLT, são exemplos de incompatibilidade com as pretensões do empregador e podem interferir negativamente na relação de emprego, acarretando a despedida do atleta por justa causa e a resolução do contrato de trabalho desportivo.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina – UNIFIL. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pós-graduada em Direito Constitucional Contemporâneo. Advogada
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