Autora: Bruna Magalhães Xavier, advogada, formada em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, em Patos de Minas/MG; inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Minas Gerais, sob o nº 193.428. e-mail: brunamx@hotmail.com
Resumo: Versa o presente artigo sobre o direito aos alimentos, sua definição, características e sobre o dever dos pais em prestar alimentos aos filhos. No decorrer do trabalho, explanou-se sobre quais são as modalidades de cobrança que o código de processo civil contempla e como elas se procedem. Adiante, descreveu-se também, sobre as modalidades de cobranças atípicas, que não estão arroladas na legislação, mas que podem ser adotadas por força do artigo 139, IV do CPC. Abordou-se quais os entendimentos doutrinários e jurisprudências sobre o tema, sendo certo que o tema é motivo de questionamento e polêmica entre os operadores do direito. Concluiu-se que o magistrado deve utilizar-se da ponderação de valores em casos de colisão de normas constitucionais. Concluiu-se, também, que as limitações e restrições de direitos causados pela adoção de medidas atípicas são gravosas ao devedor, no entanto o direito do credor deve prevalecer, pois os alimentos são necessários à sua sobrevivência digna. Para realizar o presente estudo, utilizou-se de pesquisa qualitativa como: levantamento bibliográfico, consulta a artigos científicos, legislações, sites e jurisprudências.
Palavras-chave: Cobrança de Alimentos. Meios atípicos. Colisão de Direitos. Técnica da Ponderação.
Abstract: This article deals with the right to food, its definition, characteristics and the duty of parents to provide food for their children. In the course of the work, it was explained what are the charging modalities that the code of civil procedure contemplates and how they proceed. Ahead, it was also described, on the atypical collection modalities, that are not listed in the legislation, but that can be adopted by virtue of article 139, IV of the CPC. It was approached which are the doctrinal understandings and jurisprudence on the subject, being certain that the subject is subject of question and controversy among the operators of the law. It was concluded that the magistrate should use the weighting of values in cases of collision of constitutional rules. It was also concluded that the limitations and restrictions of rights caused by the adoption of atypical measures are burdensome to the debtor, however the creditor’s right must prevail, since maintenance is necessary for his dignified survival. In order to carry out this study, qualitative research was used, such as: bibliographic survey, consultation of scientific articles, legislation, websites and jurisprudence.
Keywords: Food Collection. Atypical means. Collision of Rights. Weighting Technique.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais sobre o direito alimentar. 1.1. Princípios Constitucionais. 1.2. Da obrigação alimentar entre pais e filhos. 2. Do inadimplemento da obrigação de prestar alimentos e meios de cobrança. 2.1. Rito de Coação Pessoal e da Expropriação. 3. Os meios atípicos na cobrança de alimentos. 3.1. O entendimento jurisprudencial acerca da adoção dos meios atípicos na cobrança de alimentos. Conclusão. Referências.
Introdução
O direito aos alimentos está intrinsecamente ligado ao direito à vida e encontra amparo nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade, ambos consagrados por império constitucional. Ao detentor do direito aos alimentos, deverá ser proporcionado uma quantia periódica e apta a satisfazer não só as necessidades básicas da vida, como alimentação, vestuário, educação e saúde, mas também deve servir para promover o desenvolvimento moral e cultural.
Com o novo Código de Processo Civil foi disciplinado quatro procedimentos, visando a cobrança dos alimentos, quais sejam: a de título executivo extrajudicial, em ação judicial que visa cobrança pelo rito da prisão ou pelo rito da expropriação, bem como pelo cumprimento de sentença ou decisão interlocutória para a cobrança de dívida alimentícia que poderá se dar pelo rito da prisão ou expropriação.
Além das medidas expressamente disciplinadas em lei, foi editado o artigo 139, IV do CPC, de sorte a contemplar o Princípio da Atipicidade, segundo o qual o magistrado pode determinar medidas coercitivas não arroladas na lei, visando perseguir a satisfação do débito alimentar. Em razão disso, o magistrado pode adotar medidas coercitivas indiretas, visando o recebimento do débito, tais como: suspensão do direito de dirigir, cancelamento de cartão de crédito e de cheques, bloqueio do passaporte e suspensão da circulação de veículos.
Essa possiblidade causou polêmica na doutrina e na jurisprudência, dividindo opiniões. Se por um lado, alguns justificam a adoção dessas medidas em homenagem ao direito urgente aos alimentos, outros a consideram desarrazoada e drástica.
Afinal, a adoção do princípio da atipicidade para o fim de satisfazer o débito alimentar pode colidir com os direitos constitucionais do devedor?
O objetivo do presente trabalho é discorrer sobre as medidas atípicas coercitivas indiretas analisando a sua admissibilidade no caso concreto. Aventa-se que o uso de medidas atípicas coercitivas não fere o direito constitucional do devedor, mormente quando sopesados os direitos do alimentando.
O presente trabalho se justifica na medida em que o tema apresenta divergências na doutrina e na jurisprudência, pois é necessário analisar cada caso concreto, sendo prudente ainda, valer-se da técnica de ponderação de valores, para dirimir questões relativas à colisão de direitos fundamentais, em conformidade com o caso concreto.
Para tanto, utilizou-se pesquisas por meio de revisão de literatura com levantamento bibliográfico, de acordo com os pressupostos de pesquisa qualitativa.
A Constituição da República Federativa de 1988 assegura o direito a alimentos, considerando-o como essencial para garantir uma vida digna. O direito a alimentos tem relação íntima com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo assegurado por império constitucional, constituindo um dever do Estado, da família e da sociedade. Do mesmo modo, outras legislações infraconstitucionais regulamentam o direito a alimentos, como o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Alimentos (TAPIA; SARTORI, 2014).
O Código Civil de 1916 aderiu a terminologia romana onde já se falava em pátrio poder, uma vez que os pais detinham poder sobre seus filhos e tinham o dever de alimentá-los até que eles conseguissem se sustentar sozinhos.
Com a chegada do Código Civil de 2002, e com as diretrizes traçadas pela nossa Carta Magna de 1988, se ampliou a figura do “pátrio poder” para o “poder familiar”, tornando assim ambos os genitores responsáveis pelos seus filhos. Carlos Roberto Gonçalves (2017) leciona que o poder familiar constitui um conjunto de direitos e deveres que são atribuídos a ambos os pais, no que tange à pessoa e ao patrimônio de seus filhos.
Respeitando-se o ordenamento constitucional, o Código Civil também tratou sobre os alimentos de forma ampla, objetivando pulverizar seu sentido, de modo a abarcar as múltiplas necessidades para se obter uma vida digna. Yussef Said Cahaly (2002) traduz a ideia de que os alimentos atuam no sentido de satisfazer as necessidades que a vida reclama. São prestações que devem servir para atender às necessidades vitais de quem não pode provê-las sozinho. Em outras palavras, é uma contribuição periódica dada a alguém, que pode exigir-se de outro, como fundamental à sua manutenção.
Na doutrina, o entendimento acerca da necessidade dos alimentos, já se traduz no sentido que eles se fundam não só no sustento, mas constituem em prestações aptas a proporcionar não o atendimento às necessidades básicas, mas também deve servir para atender outras necessidades, como as intelectuais e morais, fatores que variam conforme a posição social da pessoa a ser alimentada (GOMES, 1999).
Os alimentos apresentam as seguintes características: são direitos personalíssimos, sendo certo que a titularidade dos alimentos não pode ser transmitida ou cedida a outrem; é irrenunciável por ser um encargo de ordem pública; é irrepetível porque não é possível a restituição dos valores já pagos a título de alimentos (TAPIA; SARTORI, 2014). O alimentante não pode solicitar de volta os alimentos pagos, e o alimentando não está autorizado a devolvê-los se forem indevidamente recebidos (DIDIER; CUNHA; BRAGA, 2017).
Além dessas características, em conformidade com a ideia dos autores acima mencionados, saliente-se que os alimentos são indisponíveis. Isso porque é inerente à pessoa do alimentado, sendo, pois, uma consequência direta dessa índole estritamente pessoal.
O direito a alimentos, por seu caráter personalíssimo, não aceita a possibilidade de transação. Ainda, tem-se a imprescritibilidade, característica adstrita ao direito a alimentos. Essa característica, todavia, não atinge as prestações alimentícias vencidas e inadimplidas, pois nessas hipóteses o prazo prescricional é de dois anos, contados da data do vencimento. A imprescritibilidade dos alimentos se deve ao fato de que a qualquer momento da vida, o alimentante pode necessitar, sendo que essa carência que faz surgir o direito à ação (VENOSA, 2016).
Os alimentos são, também, variáveis, pois se perfazem em conformidade com as situações econômicas e necessidades das partes. Nesse caso, os alimentos podem ser revisados, majorados, reduzidos e até mesmo extintos, de acordo com as disposições do artigo 1699 do Código Civil.
Ao fixar o quantum alimentos, o magistrado deve considerar vários fatores que dependem de cada caso concreto. Há que se atentar para a proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a capacidade do alimentante, cunhando um verdadeiro binômio norteador do arbitramento dos alimentos. Desse modo, não há que se falar em um percentual fixo estimável para o montante a ser fixado, tendo em que cada caso possui suas particularidades (HERTEL, 2009).
Para o mais, há a divisibilidade dos alimentos, haja vista que a obrigação alimentar é divisível entre vários parentes, nos moldes do artigo 1698 do Código Civil (VENOSA, 2016). Assim sendo, percebe-se quanto a importância do estudo deste instituto, tendo em vista a necessidade de sua compreensão.
1.1. Princípios Constitucionais
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Solidariedade são princípios constitucionais indissociáveis ao direito de família e seus institutos. Eles atuam como princípios norteares, pois garantem vários direitos, dentre eles o de alimentos. Esses princípios são fundamentais e estruturantes, com presença acentuada no direito de família. Incialmente é imperioso discorrer sobre o princípio da dignidade humana. Isso porque, constitui-se um dos fundamentos e cerne de todo ordenamento jurídico, sendo inclusive elevado à categoria de Estado Democrático de Direito, vez que se encontra no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (LÔBO, 2009).
É através do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que torna o Estado capaz de basear seus objetivos numa ordem política fundada nos direitos humanos (MACHADO, 2012). Por ser um princípio fundamental e norteador da ordem jurídica, as famílias devem respeitar e cuidar para que seus membros desenvolvam. Carlos Roberto Gonçalves (2017) expõe que dessa forma, esse princípio deve traduzir a base da comunidade familiar, devendo ser respeitado com o fito de assegurar uma vida digna a todos os seres humanos.
De mãos dadas com o princípio da dignidade humana está outro princípio garantidor do direito a alimentos: o princípio da solidariedade. Da leitura do artigo 3º, I da Constituição Federal, vislumbra-se que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Dessa forma, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a solidariedade ostentou posição de princípio jurídico, sendo dotado de força cogente e capacidade de resguardar o respeito devido a cada um (LÔBO, 2009).
Em termos simples, a solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio advém de vínculos de afeição, é permeado por conteúdo ético, pois contém em seu âmago, a própria definição de solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A solidariedade está ligada ao ideário de que todos almejam uma sociedade livre e justa, sem exclusão e marginalizados.
No tocante ao direito de família, a solidariedade deve ser desempenhada de forma recíproca entre cônjuges e companheiros, por pais e filhos, que por sua vez, devem ser instruídos e cuidados pelos pais até a maioridade. Em se tratando particularmente do direito aos alimentos, é importante destacar que a obrigação de prestar alimentos entre parentes, representa a efetividade do princípio moral que rege as relações interpessoais (DIAS, 2016).
Então, mesmo quando houver laços entre membros de uma família, haverá uma obrigação de sustento no que tange a vida digna do alimentado, o que constitui direito fundamental elencado na Carta Magna de 1988.
1.2. Da Obrigação Alimentar Entre Pais E Filhos
É da obrigação de prover a subsistência dos filhos que nasce a obrigação legal de prestar alimentos. Quando se trata de filhos menores, a obrigação alimentar é mais ampla se comparado aos demais parentes e independe das condições econômicas do filho menor e também dos pais (VENOSA, 2016).
Em caso de filhos menores, a necessidade é presumida, sendo a obrigação de prestar alimentos, indeclinável para os pais. A mesma presunção se estende ao filho incapaz em razão de doença. No que se refere aos filhos maiores e capazes, também existe o dever dos pais de prestar alimentos. Entretanto, completando dezoito anos, e, por conseguinte, a maioridade civil, extingue o poder familiar. Essa disposição está contida no artigo 1635, III, do Código Civil Brasileiro (WELTER, 2004).
Em que pese isso, não há a extinção automática da obrigação alimentar, ela continua mesmo tendo o filho adquirido a capacidade civil, sendo necessário que alimentante maneje a ação de exoneração, de forma autônoma. Segundo Maria Berenice Dias (2016) o que se depreende é que o genitor apenas se exime da obrigação alimentar, no caso dos filhos maiores, quando ficar provado que eles não mais necessitam do suporte alimentar.
Não há que se deixar de mencionar, a obrigação de prestar alimentos gravídicos. Para proteger a vida do nascituro, foi editada a lei dos alimentos gravídicos. Conforme Aline Cristina Chaves Forlin (2007) em razão disso, existe a previsão legal de pleitear alimentos para garantir a sobrevivência do ser em desenvolvimento, em homenagem ao princípio constitucional da dignidade humana.
Portanto, os genitores são responsáveis de igual modo pelos seus filhos, e se por algum motivo essa família for desunida, o dever com a criança continua, os laços continuam e ainda assim deve existir a responsabilidade em face desses filhos, não devendo os laços ser rompidos ou dificultados.
O direito a alimentos é urgente, porquanto sua finalidade é de proporcionar uma sobrevivência digna ao alimentado. A obrigação alimentar pode advir de razões diversas, figurando-se como exemplos, o casamento, a união estável por obrigação dos pais aos filhos, pelo vínculo de parentesco e, inclusive, por ato ilícito. O presente estudo limitar-se-á a tratar do dever de sustento entre pais a seus filhos.
Conforme explanado os pais têm o dever de sustentar os filhos, sendo esta uma ordem constitucional. Ressalte-se, também, que não existe mais a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, dessa forma, haverá obrigação alimentar em ambos os casos. Maria Berenice Dias (2016) ressalta que quando se trata de obrigação dos pais, não somente o pai registral tem o dever de alimentar os filhos, mas a filiação socioafetiva também é capaz de gerar esse dever alimentar.
A obrigação de prestar alimentos é tão importante, que o legislador anteviu a hipótese da “perda do poder familiar”, em casos de inadimplemento contumaz da prestação alimentícia. Atente-se que em razão do dever de sustento existente entre pais e filhos, o não pagamento dos alimentos, poderá acarretar por determinação judicial na desvinculação do pátrio poder.
A importância dos alimentos se traduz na certeza que se eles não forem pagos, o alimentando não terá condições de sobreviver com dignidade. Em caso de inadimplemento da prestação alimentícia, nasce para o credor o direto de cobrar o débito, de acordo com as alternativas que a lei propõe (CORRÊA, 2011).
Com o advento do novo Código de Processo Civil, é possível utilizar de quatro meios para se valer da cobrança de alimentos, quais sejam: a de título executivo extrajudicial, em ação judicial que visa cobrança pelo rito da prisão ou pelo rito da expropriação, bem como pelo cumprimento de sentença ou decisão interlocutória para a cobrança de dívida alimentícia que poderá se dar pelo rito da prisão ou expropriação.
O modo de cobrança está condicionado ao local em que se firmou os alimentos, ou seja, se foi por título judicial ou extrajudicial, e ainda, quanto as prestações que estão sendo cobradas.
Ao tratar do cumprimento da sentença definitiva ou de acordo judicial, a demanda será promovida na mesma ação de alimentos, haja vista que o processo de execução é sincrético, não precisando mais o credor entrar com ação autônoma, isso dá mais celeridade ao processo. Já o processo que visa a execução de alimentos provisórios ou de decisão que poderá ser reformada por recurso, ocorrerá em processo apartado, conforme preceitua o artigo 531, §1º do Código de Processo Civil.
O terceiro também poderá pagar a dívida alimentar, tendo em vista a expressa disposição legal. Nesse caso a empresa em que o executado trabalha é oficiada para que desconte de seu salário o valor equivalente a prestação devida. Desse modo, a empresa ou o ente em que o devedor é empregado paga a dívida e logo em seguida desconta esse valor na folha de pagamento do devedor.
Esse desconto em folha é possível, ainda que o executado tenha sido forçado a ver seus bens penhorados (CPC 529). Não se traduz em modalidade mais gravosa ao executado (CPC, 805), pois essa medida visa atender às necessidades do alimentado, não se justificando que aguarde a alienação de bens em hasta pública para receber o crédito (FERREIRA, 2015). Importante ressaltar que o descumprimento da ordem judicial constitui crime de desobediência e a empresa oficiada poderá responder por perdas e danos.
Ademais, atente-se que o devedor poderá ter até 50% do seu salário penhorado, uma vez que a impenhorabilidade não alcança o débito alimentar, bem como ter o seu nome protestado em caso de não cumprimento da obrigação.
Neste sentido, Maria Berenice Dias (2015) salienta que existe a possibilidade de inscrever o nome do executado nos serviços de proteção ao crédito, como SPC e SERASA, quando este não quitar com o seu débito alimentar. Possível observar a importância do direito de receber os alimentos, tanto é que o legislador dispôs de várias maneiras tipificadas em lei para o alimentando buscar a satisfação do seu direito.
2.1. Rito Da Coação Pessoal E Da Expropriação
O rito da coação é o mais eficiente para garantir a quitação do débito alimentar, podendo ser utilizado tanto na cobrança de alimentos fixados judicialmente como em título executivo extrajudicial, sendo que este rito se limita a cobrança das três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da ação e as que forem vencendo no percurso do processo.
Ao buscar a cobrança não é preciso que as três prestações tenham vencido, sendo que o inadimplemento de apenas uma parcela já oportuniza ao credor entrar com a ação de execução. A natureza da ação é urgente, uma vez que visa promover a subsistência do alimentado e caso as parcelas não sejam adimplidas no prazo correto o credor poderá ajuizar ação de execução.
Após a provocação do judiciário feita pelo credor, de acordo com o artigo 528 do Código de Processo Civil “o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo”, e se assim não o fizer, o devedor será recolhido e terá o seu direito à liberdade cerceado.
Quando existe mais de três prestações vencidas, o único meio de cobrança possível é o da expropriação, independentemente se a origem do título executivo é judicial ou extrajudicial.
No caso de o executado realizar o pagamento da dívida dentro do prazo imposto, a verba honorária será reduzida pela metade, porém não ocorrendo o adimplemento o oficial de justiça procederá com a continuação do processo no tocante à penhora e à avaliação dos bens (DIAS, 2015).
Importante ressaltar que é prioritária a penhora do valor em dinheiro, pois para o credor é melhor levantar o valor do encargo. Mas de todo modo, se não for encontrado nenhum valor em conta do credor, poderá se utilizar da penhora de bens que estiverem em seu nome.
A intimação será realizada através de advogado devidamente constituído nos autos ou de Defensor Público e caso não haja representante legal, a intimação será realizada por carta com aviso de recebimento (GRUNWALD, 2017).
Em caso de desinteresse do devedor, será expedido o mandado de penhora para o bem ser avaliado, e nesse caso o credor não precisará dar caução por se tratar de crédito de natureza alimentar.
Ressalte-se que poderá ser penhorado o salário do devedor, assim como todos os vencimentos inerentes as prestações por ele recebidas a título de salário, ainda que sejam destinadas ao sustento do devedor e sua família, desde que não ultrapasse ao limite do valor de 50%.
Ademais, com o fim de satisfazer inteiramente o débito alimentar, pode-se usar a penhora on line. Maria Berenice Dias (2015) explica que essa penhora será realizada pelo magistrado, por meio eletrônico, junto ao Banco Central – BACEN, dos valores que estão em conta do devedor até o valor devido. Nesse caso, proceder-se-á a penhora “inaudita altera pars”, para evitar que o devedor burle a execução e retire o dinheiro da conta.
O bem penhorado irá para a alienação em hasta pública, ou seja, este bem será vendido e o fruto dessa venda será em benefício do credor. Além disso, o próprio credor poderá por sua iniciativa alienar o bem. Na hipótese de o bem for indivisível a quota parte do coproprietário ou do cônjuge será assegurada a ele e a parte do devedor é a que sofrerá com a onerosidade da execução (DIAS, 2015).
A lei ainda contempla a hipótese de um terceiro pagar o débito, ficando autorizado a realizar a cobrança nos mesmos autos, só que nesses casos, o terceiro que adimpliu a dívida não poderá usar do processo de execução para requerer a prisão do devedor por dívida, caso este não quite o débito posteriormente.
A obrigação só se satisfará e o processo se extinguirá, caso o devedor pague todas as parcelas vencidas e as que se vencerem no trâmite do processo, além da verba honorária, mais multa e custas processuais.
Feitas as considerações a respeito dos instrumentos típicos na legislação para o cumprimento da obrigação de alimentos, passa-se a explanar sobre os meios atípicos utilizados para a cobrança.
Impossível o legislador prever todos os tipos fáticos que poderão existir em meio a sociedade, mais uma justificativa para que exista meios excepcionais ou não tipificados em Lei para que a obrigação seja cumprida no caso concreto.
Nos processos de cobrança de alimentos, o que não é diferente dos demais, é uma gama de atribuições conferidas ao magistrado para que modifique a realidade, de modo a buscar o bem jurídico pretendido, sendo certo que ele pode valer-se desse poder para atingir uma finalidade no interesse de alguém.
Os poderes do magistrado podem estar elencados na lei, sendo denominados poderes típicos, contudo o legislador inovou ao trazer os meios atípicos que podem ser utilizados independentemente de previsão legal, sendo considerada uma cláusula geral (MIOLLA; LIGERO, 2017).
O artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, sacramentou a atipicidade dos atos executivos ao dispor que incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”.
Da detida análise do dispositivo acima, vislumbra-se a presença do princípio da atipicidade, segundo o qual, meios não expressos pelo legislador podem ser utilizados, a fim de dar efetividade à tutela jurisdicional. Porém, quando aplicar esse princípio, o juiz deve atentar-se para com as ordens dos artigos 8º e 489, §2º, ambos do Código de Processo Civil, de modo a realizar uma análise sistêmica do que é proporcional e razoável e que simultaneamente, seja efetivo para o fim de ver adimplida a obrigação alimentar (NÓBREGA, 2016).
Ao consagrar expressamente o princípio da atipicidade, o legislador deu azo à adoção de inúmeras medidas visando obter a satisfação do débito alimentar. Assim, Guilherme Pupe da Nóbrega (2016) aduz que pode citar como exemplo de técnicas atípicas indiretas: apreensão do passaporte e/ou de carteira nacional de habilitação do executado, na sua proibição de participar de concurso público ou de licitações públicas, no bloqueio de cartões de crédito, na proibição de a pessoa jurídica contratar novos funcionários, entre outras possibilidades.
Essa inovação causou polêmicas entre operadores do Direito. A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), através do Enunciado 8, demonstrou estar atenta à novidade. Registre-se: “O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais. (SEMINÁRIO, 2015)”.
Realizando-se uma interpretação no disposto do artigo 139, IV, CPC há que se reconhecer que ele admite uma aplicação de todas as medidas que forem necessárias para obter a satisfação do débito alimentar. Todavia, a primeira consideração a ser feita, é que esse instituto não pode ser utilizado de forma indiscriminada, devendo observar certos pressupostos em conformidade com o caso concreto.
A primeira condição seria a de que deve ser a última medida a ser realizada para que ocorra o pagamento do débito, sendo, assim, uma medida subsidiária. Outro pressuposto é que o magistrado deve observar, no caso concreto, que se valendo daquela medida, a obrigação será cumprida pelo devedor. Do que adiantaria uma medida tão gravosa, sem as chances de obter sucesso? A medida atípica só é aplicada porque há fundados indícios de que o devedor cumprirá a obrigação, senão estar-se-ia diante de mera punição (MIOLLA; LIGERO, 2017).
Observando-se esses pressupostos, a interpretação que se dá para as medidas atípicas é que sua aplicação seja subsidiária, ou seja, em última ratio, sob pena de atribuir aos magistrados, poderes divinais. Acresça-se que as medidas atípicas se revestem de especial importância nas execuções feitas com o fim de expropriar bens. Isso porque, não raras vezes, não é encontrado nenhum patrimônio para penhora, entretanto, nas redes sociais e vida real, o devedor ostenta um estilo de vida luxuoso, desfila em carros de passeio, realiza viagens para o exterior, e etc. Esse perfil de devedor também se utiliza de terceiros, conhecidos como “laranjas”, para transferir seus bens e frustrar a execução.
Com efeito, há que se reconhecer que há controvérsias na aplicação do artigo 139, IV do CPC. Por um lado, essa brecha legal pode abrir espaço para a desvinculação do juiz ao princípio da legalidade, de sorte a proporcionar aos juízes “super poderes”. Lado outro, é inconteste que a aplicação de medidas atípicas, oferece ao devedor uma medida menos drástica do que a prisão civil. É fato também, que a aplicação das medidas atípicas deve ter caráter subsidiário, e atentar-se, também às peculiaridades do caso concreto. A título de exemplo, não poderá suspender o direito de dirigir de um taxista ou de qualquer motorista profissional. Melhor seria a opção de oficiar a empresa empregadora e proceder-se ao desconto em folha (USTÁRROZ, 2017).
Paulo Eduardo D’arce Pinheiro (2011) explica que a questão é complexa e ganha maiores proporções quando é preciso considerar os limites constitucionais à utilização dos poderes-deveres de coerção.
Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) aduz que se por um lado, essas inovações visam dar plena satisfação ao bem jurídico pretendido, qual seja, o pagamento da pensão alimentícia, principalmente considerando que há muito, o instituto do cumprimento de sentença carrega famigerada imagem de “ganha mais não leva”. Por outro lado, levanta questionamentos acerca da constitucionalidade do disposto no artigo 139, IV, CPC, que dá respaldo ao Princípio da Atipicidade.
Alguns doutrinadores sustentam que só é possível a incursão radical na seara de direitos fundamentais do devedor, mormente em se tratando de direitos fundamentais, quando houver disposição constitucional a respeito, sob pena de violação ao Princípio do devido processo legal (NÓBREGA, 2016). Ora, o que se tem em vista é a satisfação do direito aos alimentos, e esse direito está elencado como direito constitucional, portanto, esse argumento não se mostra razoável, a fim de impedir a utilização dos meios atípicos.
Não obstante o fato de que a prisão civil é exceção trazida por império constitucional, é de se convir que o direito do devedor à liberdade, cede perante aos direitos à vida e à dignidade do credor. Foi essa mesma linha de pensamento que deu ensejo à edição da Súmula 309 do STJ, atualmente positivada no artigo 528, § 7º, que restringe prisão civil às três últimas prestações vencidas e às prestações vincendas (NEVES, 2016).
Desta feita, uma das formas de solucionar essa celeuma é a seguinte. Ao decidir sobre a aplicação de medidas atípicas, o magistrado deverá justificá-la, analisando os princípios fundamentais constantes no caso concreto e diante da proporcionalidade usar de técnicas de ponderação. Nesse sentido, o artigo 489, §2º complementa o cuidado que o juiz deve ter ao aplicar o meio atípico: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão (BRASIL, Código de Processo Civil, 2015)”.
Nota-se, portanto, a expressa menção à técnica da ponderação. Porém, o código não disciplina sobre como será utilizada, mas aponta a direção, ou seja, em caso de colisão de normas, que seja realizado esse trabalho metódico. Paulo Eduardo D’arce Pinheiro (2011) acerva que a ponderação de valores é arquitetada como categoria normativa que organiza a fixação de princípios e regras por meio de pesos e contrapesos de bens jurídicos, interesses, valores e direitos.
No mesmo sentido, Robert Alexy (2015) esclarece que “para avaliar qual princípio é no caso concreto o mais justo, se utiliza o princípio da proporcionalidade como critério de ponderação”. Nessa situação, ao verificar o caso específico onde existe conflito de direitos fundamentais, o que deve prevalecer é o que for de melhor interesse para o alimentado.
3.1. O Entendimento Jurisprudencial Acerca Da Adoção Dos Meios Atípicos Na Cobrança De Alimentos
Com efeito, em primeiro momento tem-se a ideia de que a aplicação dos meios atípicos se torna uma ferramenta adequada ao cumprimento de uma obrigação alimentar, pois do mesmo modo que o executado tem garantido os seus direitos e garantias fundamentais, o exequente também tem direito a receber os alimentos pleiteados. É dentro desse contexto que a jurisprudência se diverge, pois, alguns tribunais superiores questionam a constitucionalidade da utilização dos meios atípicos para coagir o executado a pagar a quantia devida na obrigação alimentar (BRAGA, 2014).
Recentemente foi publicado acórdão da 7ª Câmara Cível da Comarca de Sapiranga no Tribunal do Rio Grande do Sul em decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0322776-18.2017.8.21.7000, que manteve decisão de primeiro grau que indeferiu a aplicação de medidas atípicas, como a suspensão direito de dirigir, bloqueio de cartões de crédito e cheques, reformando-a somente com relação à inscrição do nome do executado no cadastro de inadimplentes. A respeito, registre-se: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR DE ALIMENTOS NOS CADASTROS DO SPC E SERASA. CABIMENTO. PEDIDOS DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR E DE BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESCABIMENTO, NO CASO. 1. De acordo com as disposições contidas no NCPC, cabível a inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros do SPC e SERASA e a expedição de certidão do título executado para fins de protesto. Inteligência do art. 528, §§1º e 3º, e art. 782, §3º, todos do NCPC. 2. Em princípio, inexiste relação causal entre uma “dívida de alimentos”, e uma determinação de “suspensão da CNH”, razão pela qual se projeta que tal medida pode não ter impacto relevante em coagir o executado a pagar o que deve. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (BRASIL, 2017)”.
A relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro, ao prolatar a decisão, aduz que não existe nexo entre a utilização dos meios atípicos para o fim de adimplir uma dívida alimentar, uma vez que a suspensão da carteira de motorista não se afigura um meio suficientemente perturbador para coagir o devedor a pagar a prestação alimentícia que está em atraso. Nesse caso, ter-se-ia apenas uma punição, pois a suspensão de um direito, não faria o devedor pagar o débito.
Sendo assim, o entendimento esposado nesse julgado é o do que, ao restringir um direito do devedor, estar-se-ia adentrando exageradamente na esfera íntima do devedor, mesmo porque, essa restrição de direitos em nada contribuiria para o fim de garantir o pagamento da dívida. Outra consequência da suspensão do direito de dirigir, seria o fato de ferir o direito de ir e vir, o que por consequência, fere o princípio da dignidade humana do devedor. Por ser medida revestida de especial gravidade e considerando o fato de não estar arrolada em lei, há que ter cautela na implantação dessa medida, em face de eventual ofensa ao Princípio da Legalidade.
Saliente-se, outrossim, que dentre os princípios do processo de execução, ganha destaque o que sacramenta a que a execução deverá se dar observando o que for de menor onerosidade para o devedor. Diante disso, suspender o direito a dirigir poderia sofrer eventual violação.
O entendimento da relatora acima mencionada, se alinha no sentido de permitir somente a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito. Outras medidas, como suspensão da carteira de motorista, apreensão de passaporte, bem como o cancelamento de cartões de crédito em nome do devedor, ultrapassariam a esfera de proporcionalidade e razoabilidade que deve ser utilizada.
Assim, para essa corrente jurisprudencial, os meios atípicos não podem ser utilizados, tendo em vista a gravidade dos efeitos jurídicos das medidas aplicadas, sendo capazes de violar uma gama de direitos do devedor.
Entretanto, em completa divergência a não admissão dos meios atípico, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão proferida no Habeas Corpus nº 0431358-49.2016.8.21.7000, denegou Habeas Corpus confirmando a restrição ao direito de dirigir do executado. Reporte-se: “HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. (…) No caso, a determinação judicial de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor não ocasiona ofensa ao direito do paciente, que segue podendo ir e vir (art. 5o, XV, da CF). (…) Trata-se de providência tendente a assegurar efetividade à decisão que condenou o devedor ao pagamento de pensão, e que se justifica plenamente, porque a situação enfrentada é de natureza singular, já que, não obstante todas as providências adotadas pela parte credora, não houve êxito na cobrança dos alimentos devidos, tudo indicando que o executado tem condições de contribuir com alimentos, mas opta por deixar a prole passar necessidades. (…) Não há que se cogitar de imposição de pena perpétua, uma vez que a matéria tratada possui natureza civil e cessará tão logo adimplida a obrigação do devedor, não sendo necessário maior esforço para concluir que direito deve prevalecer no cotejo entre o direito à vida e à existência digna e o de dirigir veículo automotor. ORDEM DENEGADA (BRASIL, 2017)”.
No teor do acórdão supracitado, os desembargadores defenderam o entendimento de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não obstaculizava o devedor de ir e vir, mas somente de dirigir veículos automotores. Desta feita, nada impede que ele utilize outros meios de locomoção. Aliás, a suspensão da carteira só persistiria, enquanto persistisse o débito.
A Constituição de 1988, consagra dentre os direitos fundamentais da pessoa o direito ao transporte, sendo claro que tal garantia se refere ao direito de utilizar transporte público e não de dirigir veículos próprios.
Ao admitir a medida atípica mencionada, o devedor não terá o seu direito de ir e vir violado, mas sim o direito de dirigir o seu veículo, enquanto não quitar o débito alimentar. Ora, isso não é uma restrição de direito, mas sim uma pressão psicológica que poderá ser utilizada de coerção para que o débito seja satisfeito.
O mesmo raciocínio é aplicado ao infrator das normas de trânsito que se vê impedido de dirigir seu veículo, por ter excedido a pontuação máxima permitida por lei. Estaria a legislação de trânsito restringindo seu direito? A resposta é positiva, mas ela só foi aplicada porque o detentor do direito de dirigir excedeu os seus limites legais e necessita ser penalizado. Mas não há que se falar em ofensa a direitos fundamentais da pessoa.
No mesmo sentido, deve ser utilizado para o devedor que possui cartões de crédito e paga religiosamente as suas faturas mensais, algumas até mesmo antes do vencimento. Há que se convir que nenhuma pessoa com o nome restrito, teria condições de utilizar um cartão de crédito, logo se ele o possui e é capaz de arcar com a obrigação, por que razões não seria de pagar um débito alimentar?
Esse perfil de devedor é merecedor de maiores indagações quando ele ostenta uma vida de conforto e luxo, expondo-a orgulhosamente nas redes sociais e se mostra capaz de frustrar um débito alimentar, por franca má-fé. Esse mesmo devedor realiza viagens ao exterior, desfila em carros de passeios e mantem uma vida social intensa. É de se questionar, se essas cautelas legais, são cabíveis a esse devedor, que deixa atrás de si um credor de alimentos, que necessita dessa importância para sobreviver.
Ainda, corroborando o entendimento de que as medidas atípicas podem ser admitidas, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0092499-03.2017.8.21.7000, só não admitiu a aplicação do meio atípico porque a prisão já tinha sido decretada, a qual não logrou êxito porque o devedor não foi encontrado. Reporte-se: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO DA COERÇÃO PESSOAL. PEDIDOS DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. DESCABIMENTO, NO CASO. Tratando-se de execução pelo rito que prevê a possibilidade de imposição da prisão civil, medida legal mais efetiva, é descabido, no caso concreto, ao menos por ora, o deferimento do pedido de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, visto que, antes da aplicação de medidas atípicas (art. 139, IV, do CPC), deve-se buscar a efetivação da prisão civil do executado, que já está decretada pelo prazo de 60 dias, em regime aberto, e que somente não foi efetivada em razão da sua não localização. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, POR MAIORIA (BRASIL, 2017)”.
No teor do acórdão supracitado, é possível vislumbrar que houve divergência entre os relatores cinge-se na seguinte controvérsia: as medidas atípicas podem ser utilizadas concomitantemente com a prisão civil? Ou seria necessário aguardar a soltura do executado, para então, proceder-se à restrição de outros direitos?
O relator Ricardo Moreira Lins Pastl, em seu voto, posicionou-se favoravelmente. No entanto, esclareceu que as medidas não poderiam ser aplicadas simultaneamente. Em seu entendimento, proceder-se-ia à restrição de direitos, só depois que o executado não efetuasse o pagamento, mesmo depois de ver-se preso. Desse modo, mesmo que de forma embrionária, surge o entendimento de que as medidas atípicas podem ser aplicadas, mesmo no rito da prisão civil.
De ver-se que, segundo essa posição, mesmo em caso de prisão civil, a aplicação das medidas atípicas seria de forma subsidiária, ou seja, depois de esgotadas todas as outras possibilidades. E muito embora seja aplicada posteriormente à prisão, não é medida apta a ferir os direitos inerentes à personalidade do devedor, pois em uma escala de valores, as medidas de coerção atípicas, são menos importantes que a liberdade. “(…) Entende-se, pois, que antes de se buscar a aplicação de medidas atípicas e que, em tese, não surtiriam efeito prático há que primeiro tentar localizar o alimentante, fins de cumprimento da decisão que decretou a sua prisão civil. Somente depois de localizado e comprovada a ineficácia da decretação da sua prisão civil é que se poderá arguir a excepcionalidade do caso concreto a justificar a aplicação das chamadas medidas atípicas, trazidas pela nova legislação processual civil (BRASIL, 2017)”.
Em linha contrária de pensamento, o relator Rui Portanova sustentou que não é preciso esperar que a prisão civil não surja efeito, para então aplicar as medidas atípicas. A prisão e as medidas atípicas podem ser aplicadas concomitantemente.
No caso em questão, já tinham se passado três anos que a execução tramitava pelo rito da prisão e ainda não tinha surtido efeito algum, diante das manobras exitosas do devedor para não ser recolhido. Como o processo tem que ser célere e eficaz, não há porque dispensar as medidas atípicas trazidas pelo novo Código de Processo Civil, na vã tentativa de localizar o devedor.
Assim a cumulação com o pedido de prisão civil e suspensão da carteira de motorista se justifica, porque mesmo escondendo-se e frustrado o pagamento do débito alimentar, ele terá um direito restrito e se verá coagido a pagar, para então reaver seu direito que está sobrestado.
Nesse caso, as medidas atípicas já não se apresentam de forma subsidiária. Elas atuam reforçando a medida mais gravosa, que é a coerção corporal. No entanto, essa cumulação de medidas só foi aventada, diante da particularidade do caso concreto, que exigiria uma postura mais enérgica do Judiciário.
Em todos os casos apresentados, percebe-se uma preocupação do poder judiciário em acuar os devedores contumazes, que se mantêm resistentes durante anos, mesmo pesando em seus desfavores, processos de coação pessoal e expropriação. Observando-se o caso concreto, as medidas atípicas mostram-se bastantes razoáveis, principalmente considerando as hipóteses em que o devedor desfila em carros de passeio pela cidade e, simultaneamente, ostenta em seu desfavor, um processo de execução, que ele consegue burlar, por má-fé, já que consegue transferir bens e retirar dinheiro da conta, ao tomar ciência da distribuição da ação.
Em se tratando do direito de alimentos, consagrado por comando constitucional, há que se reconhecer que, na maioria das vezes, ele se sobrepõe aos direitos do devedor, mediante a ponderação de valores constitucionais. Isso porque, a dignidade da pessoa humana e o da solidariedade, e no caso dos menores, o Princípio da Primazia dos Interesses do Menor, suplantam o direito a portar um cartão de crédito ou de realizar viagens de passeio. Tudo dependerá da análise do caso concreto. De mais a mais, a lesão em se ter a restrição de um bem ou de um direito é menos gravosa do que a restrição de liberdade.
Conclusão
Dada a importância do instituto dos alimentos, é certo que todo e qualquer meio que possa facilitar a satisfação da obrigação é bem-vindo. O legislador trouxe a novidade no Código de Processo Civil, onde o juiz pode utilizar de meios que não estão taxados na legislação.
Assim, admitindo-se novos meios de execução ter-se-á uma ponte, para que cada vez mais, busque-se meios de cobrança modernos e mais amplos, para dar efetivação ao instituto do direito de alimentos, observando-se o caso concreto.
Tendo em vista todo o conteúdo apresentado, o presente artigo científico sustenta não só a possibilidade, mas a necessidade da criação de mecanismos, pois o alimentado não poderá ser privado de um direito que é de fundamental importância para a sua vida.
Em razão disso, a utilização de meios atípicos para perseguir a satisfação do débito alimentar, como bloqueio de bens ou suspensão de direitos, não fará com que o devedor seja lesionado em sua dignidade, principalmente comparando-se ao credor de alimentos, que necessita dessa quantia para sobreviver e sem ela, pode experimentar danos irreparáveis.
Portanto, ao adotar as medidas atípicas, o magistrado não fere os direitos constitucionais do devedor, mesmo porque elas são de caráter subsidiário e visam atender um direito constitucional, que é o de receber alimentos. Para a sua aplicação, o magistrado deve analisar detidamente o caso concreto e nortear-se no Princípio da Razoabilidade.
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