Resumo: O presente artigo se propôs a realizar uma análise a respeito da colisão entre o direito fundamental da liberdade de imprensa, com o princípio da presunção de inocência perante a cobertura da mídia em casos de crimes dolosos contra a vida e a influência da imprensa na formação de opinião dos cidadãos que podem vir a compor o Conselho de Sentença no Tribunal Popular do Júri. Preliminarmente, levantou-se a questão dos direitos fundamentais, conceituando tal gênero e abordou-se sobre a colisão entre a liberdade de imprensa em relação ao princípio da presunção de inocência e os efeitos deste conflito na decisão dos juízes leigos, no Tribunal do Júri. A seguir, foi feita uma apresentação do Tribunal do Júri, com o seu conceito e princípios constitucionais. Por fim, examinou-se a influência da mídia nas decisões dos jurados.[1]
Palavras-chave: Tribunal do Júri. Liberdade de Imprensa. Presunção de Inocência.
Abstract: This article was proposed to perform an analysis regarding the collision between the fundamental right of freedom of the press with the principle of presumption of innocence before the media coverage in cases of crimes against life and the influence of media in the formation of citizens' opinion that may come to compose the Board of Sentence in Jury. Preliminarily, a presentation was made of fundamental rights, with its concept and was addressed about the collision between freedom of the press in relation to the presumption of innocence and the effects on the decision of the lay judges, on the Jury. Then, a presentation was made of the Jury Court, with its concept and constitutional principles. Finally, we examined the influence of media on the decisions of the judges.
Keywords: Jury. Freedom of the Press. Presumption of Innocence.
Sumário: Introdução. 1. Liberdade de imprensa versus presunção de inocência. 2. A midiatização dos crimes dolosos contra a vida e sua influência perante os jurados e o acusado. Conclusão. Referências.
Introdução
Quando dois ou mais direitos fundamentais que são amparados pela Constituição se chocam é porque ocorreu uma colisão de interesses no caso concreto. A imprensa, como uma das maiores e mais fortes formadoras de opinião pública, amparada por seu direito de liberdade é um dos fundamentos da democracia. Por outro lado, há de se falar no princípio da presunção de inocência que é uma forma de proteção ampla tanto dos direitos fundamentais quanto dos direitos humanos. Muitas vezes, esses direitos colidem e cabe ao Estado decidir por meio da ponderação qual o que melhor se aplica no caso concreto em análise.
A partir da colisão desses direitos, analisaremos até que ponto o poder da mídia pode afetar a chamada presunção de inocência; não só influenciando na opinião pessoal de cada indivíduo, mas também sua interferência nas decisões geradas pelo Tribunal do Júri, visto que muitas vezes, o jurado destituído de conhecimento técnico-jurídico já chega à audiência com um pré-julgamento norteado pelas notícias disponibilizadas pela imprensa.
1. Liberdade de imprensa versus presunção de inocência
Os direitos fundamentais têm como objeto primordial de tutela jurídica comportar as repercussões do fundamento da dignidade da pessoa humana, nos seus aspectos individuais, sociais e políticos.
Uadi Lâmmego Bulos (2014, p. 533-534) defende ainda que os direitos fundamentais são relativos, pois podem sofrer limitações de ordem ético-jurídica, evitando-se, assim, que um direito ou garantia seja exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, sendo justamente esse conflito que tenta-se impedir entre a liberdade de imprensa e a presunção de inocência.
No Brasil, país que teve vários momentos de sua história marcados pela censura, o direito fundamental da liberdade de imprensa ganha cada vez mais destaque, visto que a imprensa adquiriu papel preponderante como influência direta na formação da opinião pública. Tanto é assim que, após o período de ditadura militar no Brasil, a nossa Constituição Federal de 1988, assegurou, em seu artigo 5º, incisos IV e IX a liberdade de manifestação de pensamento, bem como a liberdade de expressão. Ainda na nossa Carta Maior, pode ser encontrado, em seu artigo 220, novamente a proteção do direito da manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sem que sofra restrição, desde que se observe, claro, o disposto na própria Constituição.
Desse modo, é de incumbência do Estado fomentar meios para que o exercício do direito à liberdade de imprensa seja efetivamente aplicado, sempre respeitando, no entanto, a ideia de que nenhum direito fundamental é absoluto, visto que é possível a ponderação de um direito fundamental para salvaguardar outro.
No entanto, muitas vezes o direito fundamental da liberdade de imprensa acaba atingindo e entrando em colisão de interesses com o princípio da presunção de inocência que, por sua vez, também encontra respaldo na nossa Carta Magna, no artigo 5º, inciso LVII, onde é assegurado que até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, ninguém poderá ser culpado, concluindo-se que o indivíduo será presumidamente inocente até que o Estado comprove sua culpabilidade. Tal garantia processual penal visa, portanto, à tutela da liberdade pessoal.
Como foi visto tanto a liberdade de imprensa, quanto a presunção de inocência são pilares de uma sociedade democrática e estão consagrados no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no entanto, o maior desafio entre eles é manter o público informado a respeito de fatos criminosos, sem incorrer em calúnia. A imprensa, na apuração da notícia que será vinculada deve sempre ter muito cuidado para que não se prejudique a veracidade dos fatos e a inocência das pessoas, uma vez que a mídia tem grande poder de convencimento sobre a formação da opinião pública e o pré-julgamento em matérias criminais pode acabar ferindo o princípio da presunção de inocência.
2. A midiatização dos crimes dolosos contra a vida e sua influência perante os jurados e o acusado
O Tribunal do Júri é o momento em que o acusado abrange todos os seus direitos para complementar sua defesa, este será julgado por jurados do povo, por sua conduta em algum crime doloso contra a vida. A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 5o, XXXVIII, declara a instituição do júri, assegurando como princípios deste: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e também o constitui como cláusula pétrea, em seu art. 60, § 4o, IV. Conforme defende Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 667), o júri além de ser uma garantia individual, sobretudo, também é um direito individual.
Nossa Carta Magna em seu art. 5o, inciso LIII, assegura o direito do acusado de ser processado e sentenciado apenas pelo magistrado competente. Entretanto, devido à maneira como certa parte da mídia divulga atos criminosos com afirmações categóricas sobre a existência do crime, sua autoria, perversidade e necessidade de imposição de duras penas, informações estas nem sempre trazidas de forma objetiva, com toques de sensacionalismo e comoção excessiva para ganhar audiência e espectadores, objetivando chocar e emocionar a sociedade causando um antecipado julgamento dos acusados.
Como previsto no art. 5o, inciso LVII de nossa Lei Maior, a comprovação da culpabilidade do agente em uma infração penal ocorre após sentença condenatória transitada em julgado. Antes disso, o indiciado é presumidamente inocente e cabe ao Ministério Público – órgão legitimado para promover, privativamente, a denúncia nas ações penais públicas incondicionadas– provar a culpa do acusado.
Em relação a julgamentos pelo Tribunal do Júri, os órgãos midiáticos exercem, constantemente, influência nas decisões proferidas pelo Conselho de Sentença. Entende-se ser elevado o risco de um veredicto sustentado pela mídia, considerando que os jurados tocados pelos fatos noticiados, já possuem opiniões previamente definidas que foram estimuladas pela mídia e irão julgar o caso de acordo com a sua consciência, não lhe sendo exigida a fundamentação, as provas colhidas legalmente para o processo e a verdade adquirida durante a instrução contraditória da sessão plenária.
Sobre tal aspecto, essa influência da mídia sobre os jurados que compõe o Conselho de Sentença, pode-se destacar o rompimento dos direitos fundamentais ao devido processo legal e ao contraditório e da ampla defesa, que são assegurados ao acusado em seu julgamento, o que na mídia, em sua grande maioria, não se avista. Também, destaca-se o princípio da presunção de inocência (não culpabilidade), que é conferido ao acusado antes mesmo do seu julgamento, contrariando norma constitucional.
Consoante o art. 5º, inciso X, da nossa Lei Maior, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Tais direitos fundamentais e pessoais devem ser observados mesmo quando o cidadão pratica um crime doloso contra a vida. A privacidade não pode ser ferida e nem invadida, baseada no direito à informação, quando esta não compõe o objetivo da conclusão de uma informação.
Indiscutivelmente, a mídia deve continuar a expressar sua opinião sobre os fatos relevantes que venham a acontecer numa sociedade, todavia, não cabe a mesma fazer juízo de valor, e nem apresentar culpados antes da sentença transitada em julgado. Para que as pessoas não tenham violados o direito à intimidade, à honra, à vida privada e a imagem, em face do princípio da presunção de inocência e do devido processo legal, tendo como norte a dignidade humana e como instrumento os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Conclusão
A imprensa exerce um papel extremamente relevante para a construção de uma sociedade. Porém, quando se trata de crimes chocantes, na mídia há uma busca exasperada por informações para saciar a sociedade, muitas vezes declarando culpado ou inocente o réu antes mesmo do devido processo legal e da sentença transitada em julgado. Esse julgamento precipitado da imprensa tem o poder de manipular a opinião pública, causando influência nas decisões do cidadão que participa do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.
Conclui-se que quando a mídia se mistura com a vontade de fazer justiça de cada um, em relação a crimes chocantes, como são os crimes contra a vida, o devido processo legal fica conturbado, e nem sempre temos um procedimento justo. Nesse passo a mídia tem todo o direito de noticiar, bem como as pessoas têm o direito de serem informadas, no entanto, em se tratando de crimes dolosos contra a vida, deve haver ponderação na maneira como o relato dos atos criminosos é passado à sociedade, pois a dignidade da pessoa humana deve ser tomada como norte.
Cabe aos meios de comunicação rever a maneira como divulgam as notícias, para em respeito à Constituição Federal, não interferir no devido processo legal, não violar o princípio da presunção de inocência e não influenciar as pessoas que irão fazer parte do procedimento do júri.
Acadêmica em Direito na Universidade Estadual da Paraíba
Acadêmica em Direito na Universidade Estadual da Paraíba
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