A concepção da ética argumentativa diante dos princípios da Educação Ambiental nas decisões judiciais cidadãs

Resumo: O texto busca analisar o uso da ética argumentativa para a observância dos princípios de Educação Ambiental, previstos na Lei 9.795 (Política Nacional de Educação Ambiental), através das decisões judiciais. O uso de quase-raciocínios causais para o desenvolvimento de uma ética argumentativa, que tem como normas éticas a liberdade, o consenso e o caráter ecológico, produz atitudes a partir de reflexões conscientes. Os princípios de Educação Ambiental devem ser vistos como a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas, pois a Educação Ambiental afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade, o que requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário. As decisões judiciais provêm de uma função soberana do Estado, que é a de prestar tutela jurisdicional resolvendo questões não só de caráter individual, mas também, aquelas que são fruto da crescente complexidade social em meio ao surgimento de direitos pluriindividuais. Pensar nos princípios da Educação Ambiental, usando da ética argumentativa, é poder verificar intenções emancipatórias e transformadoras de uma sociedade.  Usar do Direito, através das decisões judiciais, é obter a referida transformação ao realizar o estado democrático de direito pelos seus cidadãos. Encontrar nas decisões judiciais a ética e os princípios da Educação Ambiental é o rumo da cidadania de um povo sedento pela erradicação das desigualdades sociais.

Palavras-chave: ética argumentativa, princípios, Educação Ambiental, decisões judiciais, cidadania.

Abstract: The search of the text is to make an analysis of the use of the argumentative ethics for the observance of the principles of Environmental Education, foreseen in Law 9.795 that it deals with the National Politics of Ambient Education, through the decisions. The use of almost causal reasoning for the development of argumentative ethics, that have ethical norms the freedom, the consensus and the ecological character, produces attitudes from conscientious reflections. The principles of Environmental Education must be seen as the structure of a system of ideas, thoughts or norms, therefore the Environmental Education affirms values and actions that contribute for a social and human transformation for the ecological preservation. It stimulates a balanced incorporation, that is jousts and ecologic, that conserve between itself relation of interdependence and diversity, what it requires individual and collective responsibility in a local level, national and planetary. The decisions also come from a sovereign function of the State that isn’t only to give jurisdictional guardianship and isn’t to deciding questions of individual character, but, those are fruit of the increasing social complexity in way to the arising of “pluriindividuais” rights. To think about the principles of the Environmental Education, using the argumentative ethics, is to be able to verify the emancipating and transforming intentions of a society. To use of the Right, through the decisions, is to get the cited transformation when carrying through the democratic state of right for its citizens. To find in the decisions the ethics and the principles of the Environmental Education is the route of the citizenship of people for the eradication of the social differences.

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Key-words: argumentative ethics, principles, Environmental Education, judicial decisions, citizenship.

Fundamentos da ética argumentativa e as três normas fundamentais da ética

A ética argumentativa proposta por Velasco (2003) tem por objetivo superar a distância entre as expressões que tratam do “ser” e do “dever ser”, deduzindo por via estritamente argumentativa obrigações que têm sustentação em sentenças falseáveis, por meio de Quase-Raciocínios Causais. Aborda as condições de felicidade do questionamento que instaura o universo ético “Que devo fazer?”, através do paradigma da lógica clássica, em especial do operador lógico “condicional” (e não de “sub-condicional”, que também difere do operador de “implicação”).

Com esses instrumentos são deduzidas três normas fundamentais da ética: a primeira trata da liberdade individual, a segunda, do consenso, e a terceira, do caráter ecológico. Elas têm como objetivo criticar todas as instâncias em que operam as dominações, auto-repressões alienadas, devastações e, ainda, possibilitar um novo horizonte utópico pós-capitalista ao fazer a proposta “Ecomunitarista”. Trata-se, ao cabo, da retomada da utopia comunista postulada por Marx. Assim, a ética argumentativa, tenta mostrar a possibilidade de se deduzir através da pergunta “Que devo fazer?” (Quase-Raciocínios Causais, QRC), normas de validade subjetiva universal.

As normas morais são imperativos simples (ex.: Devo respeitar os idosos.), enquanto as normas éticas são Quase-Raciocínios Causais compostos por um obrigativo do tipo devo “x” que é um sintagma indicado por um verbo, diferente do verbo dever, no infinitivo; um operador não-veritativo “porque”; e um enunciado E, o qual pode ser simples ou complexo, segundo a lógica clássica. No QRC o sintagma que segue o verbo dever também faz parte do enunciado E. Salientando que num contexto argumentativo, o qual não é refém da “falácia descritiva” e que prescinde de qualquer apelo ao “sentimento”, limita-se a proposições verdadeiras ou falsas.

A gramática do QRC: crendo na verdade do enunciado “E”, estou comprometido com o obrigativo; se o enunciado “E” resulta falso a obrigação é derrubada por via argumentativa.

A utilização do operador lógico chamado de “condicional”, representado por (*), se constroem enunciados do tipo “p * q”, interpretado na linguagem natural de que “p” é condição de “q”. Esse instrumental é a ferramenta para a dedução gramatical da pergunta “Que devo fazer?”, que é a que instaura a ética e a moral, e tem como único pressuposto postular o que se deseja produzir em instâncias felizes no ato da fala.

Velasco (2003) abrange em sua teoria a existência de uma metarregra que estipula que aceitar a felicidade de um ato lingüístico é aceitar que as condições para sua realização feliz estão dadas.

A protonorma da ética resulta da pergunta, instrumentalizada como ato lingüístico feliz, “O que devo fazer?”. Mediante os “QRCs” se busca alcançar a validade intersubjetiva via discussão racional, com a dedução das expressões éticas através do operador de “condicional” (*) que encaminha a sentença complexa “p é condição de q”, determinando conclusões que podem ser verdadeiras ou falsas. Aceita a pergunta de acordo com a tabela veritativa, pode-se deduzir a protonorma da ética: “Devo fazer aquilo que é condição da pergunta ‘O que devo fazer?’ porque eu faço é condição da pergunta ‘O que devo fazer?’ é condição de eu aceito a pergunta  ‘O que devo fazer’?”. Assim, a partir da pergunta e do conectivo “porque” pode concluir-se que um enunciado será verdadeiro à luz da simples metarregra de atos lingüísticos felizes. A verdade estabelecida determina a possibilidade de busca da autocontradição rechaçada pelo obrigativo que instaura o QRC, quando a infelicidade resta evidenciada. A aceitação da pergunta “Que devo fazer?” pressupõe a aceitação da força ilusionária do verbo “dever” que se faz presente nos obrigativos.

a) Primeira norma ética: liberdade

A felicidade da pergunta “Que devo fazer?” está condicionada pela possibilidade de que eu/nós tenhamos que escolher entre pelo menos duas alternativas de ação. A liberdade de decisão é condição referente à posição do sujeito que realiza o ato de fala e faz a realização feliz desse ato, nas seguintes considerações: tenho a liberdade; posso realizar mais de uma ação; tenho a liberdade de decisão é condição de Eu pergunto “Que devo fazer?”; quero fazer a pergunta “Que devo fazer?” numa realização feliz, pergunta que instaura e reafirma a liberdade de tomar uma decisão e da lutar para consegui-la.

Análise condicional do pensamento de Kant: P1. O homem é um sujeito moral. P2. O homem livre é condição de “o homem é sujeito moral”. Ccl. O homem é livre. Então, a partir do operador condicional, leva-se a um raciocínio correto representado pela tautologia ((q.(p*q))→p). Assim, no prolongamento desta via tem-se a primeira norma da Ética representada pelo obrigativo ético transcendental: “Devo garantir minha liberdade de decidir porque Eu garanto minha liberdade de decidir é condição de Eu faço a pergunta ‘O que devo fazer?’”. Tal norma, que pode ser formulada no plural, indica que há alternativas de ação, logo há pressuposto de liberdade.

b) Segunda norma ética:- consenso

A segunda norma da ética parte da análise da ausência de limites da liberdade individual de decisão a partir da primeira norma da ética. É também analisada a condição de felicidade do ato de perguntar. Nesse sentido quem pergunta deve acreditar na sinceridade do interlocutor, pois a fórmula da pergunta assume a busca da verdade e do correto.

Portanto, se instala a partir de uma busca compartilhada do obrigativo: “O que devemos fazer?” No nível ético, a realização feliz dessa pergunta inclui a crença em uma resposta consensual, sob a forma de um QRC. A pergunta “O que devemos fazer?” apresenta-se aberta e endereçada a qualquer ser competente para servir de destinatário. Logo, a segunda norma da ética, fundada no consenso, abrange a totalidade de todos que entenderem a fórmula QRC: “Devemos buscar consensualmente uma resposta para cada instância da pergunta ‘O que devemos fazer?” porque Nós buscamos consensualmente uma resposta para cada instância da pergunta ‘O que devemos fazer?’ é condição da pergunta ‘O que devemos fazer?’ ser feliz”. Norma que tem como meta limitar o exercício da liberdade  de decisão estipulada anteriormente.

c) Terceira norma ética: caráter ecológico

As condições de existência da pergunta “Que devo fazer?” relacionam-se a existência de um ato lingüístico próprio do ser humano, que se caracteriza como tal pela sua capacidade de trabalho que, por sua vez, pressupõe a natureza em seu três componentes: o sujeito humano, objeto e o instrumento. Sendo que a natureza deve ser saudável para o trabalho como condição de sobrevivência do ser humano. Logo: P1-Natureza é saudável do ponto de vista produtivo é condição de Eu sou um ser humano; P2-Eu sou humano é  condição de eu faço a pergunta “Que devo fazer”?  Conclusão – A natureza é saudável do ponto de vista produtivo é condição de Eu faço a pergunta “Que devo fazer?”.  Fórmula p*q;q*r,, que representa uma tautologia.                  p*r

Assim, a terceira norma da ética se revela como: “Devo preservar a uma natureza saudável do ponto de vista produtivo porque Eu preservo a natureza do ponto de vista produtivo é condição de Eu faço a pergunta ‘Que devo fazer?’ numa realização feliz.” Muito embora a visão ética utilitarista da natureza, tal norma serve como uma base mínima de sustentação dos fundamentos do Ecomunitarismo, ordem sócio ambiental utópica, pós-capitalista, articulada nas três normas da ética e postura humana de busca pela libertação.

Qualquer conflito entre uma norma particular e uma das três normas básicas, deve ser resolvido em favor dessas últimas. E assim fica estabelecido que a norma particular, antes comentada, perde sua “felicidade argumentativa” na medida em que contraria as três normas básicas, cuja felicidade argumentativa nos exige, no caso, que lutemos para acabar com o império da ordem no universo produtivo-comunicativo.

Os princípios da Educação Ambiental previstos na lei nº 9.795 (PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental)

O termo princípio é utilizado em vários campos do saber humano, tais como a Filosofia, a Sociologia, a Física e o Direito, os quais se servem dos princípios para estruturarem um sistema ou um conjunto articulado de conhecimentos referentes à esfera de investigação de cada uma dessas áreas do saber.

O dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1986) define princípios em diversas acepções:

“Princípio. [Do lat. principiu.] S. m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem (…) 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base; germe (…) 6.Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. [São princípios os axiomas, os postulados, os teoremas etc.]”. (Ferreira, 1986, p. 1393)

De acordo com Espíndola (2002) pode-se concluir que a idéia de princípio ou sua conceituação, seja qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.

Deste modo, os princípios são superiores aos textos contidos nas leis, pois norteiam as suas interpretações. Nenhum código relaciona princípios de maneira categórica, embora os princípios estejam presentes de forma latente no texto de todos os ordenamentos. Os princípios, lembra Portanova (2003), consagram conquistas éticas da sociedade e por isso devem ser aplicados cogentemente a todos os casos concretos.

Os princípios de Educação Ambiental estão previstos nos documentos finais da Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi, realizada em 1977 na Geórgia, ex-União Soviética, os quais são um resultado de um prolongamento daqueles já existentes na Conferência de Estocolmo, de 1972 e também do Congresso de Belgrado (1975), em que os princípios se encontram presentes na chamada Carta de Belgrado.

Fruto desses primeiros movimentos e de tantos outros que se seguiram, o ordenamento jurídico brasileiro promulgou a lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, a qual estabelece em seu art. 4º os princípios da Educação Ambiental.

“Art. 4o São princípios básicos da educação ambiental:

I – o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;

II – a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;

III – o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade;

IV – a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;

V – a garantia de continuidade e permanência do processo educativo;

VI – a permanente avaliação crítica do processo educativo;

VII – a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais;

VIII – o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.”

Entende-se, portanto, que tais princípios expostos se complementam de maneira harmônica, formando o início para as atitudes e as interpretações em todos os setores da sociedade. Deverão ser respeitados de maneira cogente por todos, a fim de obter o caminho em busca de uma sociedade sustentável e responsável e, portanto, de um estado democrático de direito, em que o Direito deve ser visto como instrumento de transformação social (Streck, 2007).

Especialmente será feita a análise dos incisos II e IV do art. 4º da referida lei, tendo em vista a abordagem não formal da Educação Ambiental nas decisões judiciais. Ressaltando a importância da Educação Ambiental não-formal, pois ela é capaz de desenvolver a relação do espaço ambiental e a função jurisdicional, e desta forma obter uma participação e comprometimento nos processos decisórios da efetividade da justiça em busca da construção coletiva de sociedades provenientes de um estado democrático de direito, segundo preconiza a Lei Maior Brasileira.

a) Princípio do art. 4º, inciso II 

Atendendo a tal princípio, a Educação Ambiental deve ser propulsora da concepção de meio ambiente em sua totalidade, ou seja, promovendo a interdependência entre todos os setores/partes que o compõem, tais como o natural, o sócio-econômico e o cultural de maneira a salvaguardar a sustentabilidade.

A totalidade tem o sentido de reunir as partes individualizadas nas suas características que compreendem um todo maior que é o meio ambiente,  o qual possui características inerentes e hierarquicamente superiores quando da sua formação abrangente das unidades, ocasionando a interdependência entre elas. Salientando a respeito é o pensamento sistêmico de Morin (2005), no qual as partes formam o todo de modo que as suas características individuais, algumas vezes, não se verificam em benefício da formação do todo que as compreende.

Tudo se liga a tudo, logo, as intenções fragmentadas e lineares são ilusórias. As ações necessitam sempre da contextualização de conjunto para que se tenha clareza daquilo que se faz, do contrário, ocorrerão compreensões parciais e conseqüentemente a falsa consciência da realidade.

Na Educação Ambiental a análise/compreensão dos problemas sócio-ambientais não pode ser feita a partir de um paradigma cartesiano ou reducionista de fragmentação do real. Qualquer objeto que se possa perceber ou criar é parte de um todo, por isso a busca de soluções para os problemas depende de uma compreensão de conjunto, sempre provisória e que não esgota a realidade, mas fundamental para situar e avaliar a dimensão de cada elemento dentro de uma estrutura significativa.

O ser emancipado, que é fim primeiro e último da Educação Ambiental, significa o ser que se realiza pela manifestação livre e consciente em um processo de interdependência com o outro, a sociedade e o planeta.

Assim, a reformulação deste princípio com base nas três normas fundamentais da ética e de acordo com o entendimento de Velasco (2003) é a seguinte:

“Devo praticar uma concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade, porque a terceira norma da ética exige uma concepção do meio ambiente em sua totalidade considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural sob o enfoque da sustentabilidade, ao exigir a preservação/regeneração sadia da natureza humana e não humana.”

b) Princípio do art. 4º, inciso IV

É princípio da Educação Ambiental vincular a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais.

Acredita-se, primeiramente, que a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais é de sobremaneira necessária, pois tais institutos são complementares na medida em que buscam atitudes transformadoras em prol de uma sociedade emancipada. Também se ressalta que é papel fundamental da Educação Ambiental fazer essa vinculação, uma vez que está em consonância com um de seus objetivos promover a transformação através da compreensão articulada entre tais esferas.

A Educação Ambiental está implicada em fazer um agir consciente com uma nova leitura da realidade usando da ética na educação e no trabalho para ensejar uma prática social adequada com seus objetivos. As idéias são construídas na materialidade da vida e não ao contrário.

Não bastam boas formulações gerais, leis e documentos oficiais ou princípios aprovados em grandes encontros, é preciso que estes se transformem em práticas sociais. É insuficiente querer mudar o indivíduo sem mudar a realidade social em que este se situa como sujeito.

A reformulação deste princípio com base nas três normas fundamentais da ética e de acordo com o entendimento de Velasco (2003) é a seguinte:

“Devo praticar uma Educação Ambiental que vincule a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais, porque as três normas fundamentais da ética exigem comportamentos conformes ao exercício da liberdade individual orientada ao consenso e respeitosos da preservação/regeneração sadia da natureza humana e não humana nas esferas vinculadas da educação, do trabalho e das práticas sociais.”

As decisões judiciais cidadãs

a) Soberania do Estado e divisão das funções

A visão do Direito, por incrível que pareça, ainda é aquela que trata o homem como um ser social, que necessita de uma normatização do comportamento humano a fim de regular a vida em sociedade e com isso evitar o caos que se instalaria caso não houvesse o regramento, como, por exemplo, observa Gonçalves (2006). No entanto, a atual realidade, em que surgem direitos transindividuais e a crescente complexidade social, requer mais que a ultrapassada visão individualista do Direito, é imprescindível uma nova postura dos operadores jurídicos (Streck, 2007).

Dentre as funções soberanas do Estado está a jurisdicional, a qual incumbe ao Poder Judiciário, e que vem a ser a missão pacificadora exercida diante das relações sociais. A jurisdição é conceituada como sendo um poder-dever do Estado: poder que toca ao Estado dentre as suas atividades soberanas de formular e fazer atuar a regra jurídica aos casos concretos. Não havendo dúvidas que a atividade de dirimir conflitos é um dos fins primários do Estado. Mas desde que privou os cidadãos de fazer atuar seus direitos pelas próprias mãos, a ordem jurídica teve que criar para os particulares um direito à tutela jurídica do Estado. E este em conseqüência passou a deter não apenas o poder jurisdicional, mas também assumiu o dever de jurisdição, de prestar a tutela jurídica do Estado.

b) Objetivo e princípios do Direito Processual Civil

O Direito Processual Civil aparece como ramo do direito público que consiste no conjunto sistemático de normas e princípios que regulam a atividade da jurisdição, em face de uma pretensão civil. Logo, o Direito Processual Civil caracteriza-se como sendo um instrumento para invocar a tutela jurisdicional do Estado. É através da sua instrumentalidade que se pode fazer atuar o Direito em busca de transformação, levando-se em conta valores exigidos para o caso concreto e em determinado espaço e tempo.

O objetivo da instauração do processo, através da invocação da tutela jurisdicional, é a entrega da prestação jurisdicional, a qual satisfaz à tutela jurídica através das decisões judiciais. Assim, realizando o direito no caso concreto tem-se a certeza que a condição da verdadeira justiça pela jurisdição promove o restabelecimento da ordem jurídica, mediante eliminação do conflito de interesses.

Os princípios do Direito Processo Civil são norteados por princípios informativos ou formativos, os quais representam uma aspiração de melhoria do aparelho processual e são dotados de forte conteúdo ético perpassando toda a dogmática jurídica. São eles: Lógico – o processo deve se desenvolver com os atos e formas mais aptas para descobrir a verdade e evitar o erro; Econômico – o processo procura obter o maior resultado com o mínimo de esforço e essa economia processual deve ser analisada a partir de quatro vertentes: economia de custos, de tempo, de atos e de eficiência da administração judiciária; Político – pelo processo o cidadão tem a seu dispor um instrumento capaz de prover os direitos privados de máxima garantia social com mínimo de sacrifício das liberdades individuais, em outras palavras, é a participação do cidadão, através do processo, para a realização de seus direitos; Jurídico – é a equiparação de todos que estejam submetidos a uma ordem jurídica no que se refere ao respeito, ao gozo e à fruição de direitos, assim como a sujeição de deveres; Instrumental – significa um processo menos preocupado com a forma e mais voltado para os resultados, ou seja, o processo deve cumprir seus escopos jurídicos, sociais e políticos, garantindo pleno acesso ao Judiciário, utilidade dos procedimentos e busca da justiça no caso concreto; Efetivo – no sentido de efetividade social, em que o processo civil deve estar adequado às novas realidades sociais. (Portanova, 2003)

A invocação da tutela jurisdicional tem por finalidade pedir que o Estado-Juiz se substitua à vontade das partes e resolva a lide originária de um conflito de interesses. Logo, o que se busca com o acionamento da justiça é a prolação de uma decisão de mérito.

Através das decisões judiciais se pode detectar a importante ferramenta de realização da cidadania, pois não basta que ela esteja prevista na Constituição Federal se na prática os cidadãos não gozam de seus direitos.

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social, segundo Dallari (1998).

Construir cidadania é também construir novas relações e consciências. A cidadania se aprende com uma educação voltada para uma prática social transformadora e será através de uma realidade emancipatória que se exercitará a cidadania, nas relações estabelecidas com os outros, com a vida pública e com o meio ambiente.

A decisão judicial, os princípios do art. 4º, inciso II, IV e a ética argumentativa

O meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, conforme preceitua o art. 3º, inciso I da lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

A sua importância fez com que o legislador o erigisse à categoria de direito fundamental de terceira geração, e encontra-se previsto no artigo 225 da Lei Magna atual protegendo-o como garantia ao bem estar social e à saúde. De acordo com Mukai (1998), a proteção ao meio ambiente diz respeito à proteção de interesses pluriindividuais que superam as noções tradicionais de interesse individual ou coletivo. Estes interesses pluriindividuais são chamados de interesses difusos, os quais supõem um plus de proteção ou uma proteção diversificada de um bem jurídico: pública por um lado, e dos cidadãos por outro.

A Constituição consagra o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Destarte, os princípios constitucionais devem se mostrar diretamente relacionados com os princípios da Educação Ambiental, levando a utilização da Educação Ambiental como fundamento pelo julgador das suas decisões.

Considera-se que a Educação Ambiental é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal Educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade, o que requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário.  Também se considera que são inerentes à crise da erosão dos valores básicos, a alienação e a não participação dos indivíduos na construção de seu futuro. Portanto, a Educação Ambiental deve gerar mudanças na qualidade de vida e maior consciência de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida.

O conteúdo das decisões judiciais que tratam de questões ambientais pelos tribunais brasileiros deve estar de acordo com a proteção necessária ao meio ambiente no caso concreto, ou seja, primeiramente prevenindo e depois reparando os danos ambientais. As decisões provenientes de questões ambientais e de conteúdo que afetam diretamente o direito ao meio ambiente, seja de maneira preventiva ou reparatória, devem ter por fim resguardar o direito fundamental ao meio ambiente, que é um direito de terceira geração previsto na Constituição Federal Brasileira.

Deste modo, a decisão judicial que estiver em desacordo com a concepção do meio ambiente em sua totalidade, desconsiderando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade estará dissociada dos princípios maiores que a regem, conforme exposto, bem como afastada da terceira norma da ética (caráter ecológico).

A ética argumentativa suporta tal afirmação sustentando que: “Devo praticar decisões judiciais com uma concepção do meio ambiente em sua totalidade considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural sob o enfoque da sustentabilidade porque a terceira norma da ética exige uma concepção do meio ambiente em sua totalidade considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural sob o enfoque da sustentabilidade, ao exigir a preservação/regeneração sadia da natureza humana e não humana”.

Notadamente as decisões judiciais devem conter em seu âmago a ética recebida através da educação; deve conter também a educação ética de modo a preservar/regenerar o meio ambiente; e ainda, no seu teor, o trabalho da ética e da educação daquele que julga e, portanto, transforma o seu meio de trabalhadores. Ela é nítida prática social, uma vez que é no caso concreto que ocorre a reflexão e interpretação do texto legal (norma interpretada  – Streck, 2007).

Assim, de forma a complementar todos os demais princípios da Educação Ambiental, a decisão judicial que não vincular a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais no seu fundamento estará dissociada dos princípios maiores que a regem, bem como afastada das três normas da ética (liberdade, consenso e caráter ecológico).

Tal assertiva tem fundamento na ética argumentativa: “Devo praticar decisões judiciais que vinculem a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais, porque as três normas fundamentais da ética exigem comportamentos conformes ao exercício da liberdade individual orientada ao consenso e respeitosos da preservação/regeneração sadia da natureza humana e não humana nas esferas vinculadas da educação, do trabalho e das práticas sociais”.

Denota-se, pelo exposto, a importância da Educação Ambiental em todas as áreas do conhecimento, de modo a aplicar os princípios atinentes para que se percorra um caminho de encontros com um ideal sempre mais completo de possibilidades de se ter um meio ambiente mais saudável.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

 

Vanessa Hernandez Caporlingua

 

Doutora em Educação Ambiental pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. Professora de Direito Processual Civil e pesquisadora da FURG/RS

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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