A conciliação e a transação nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal

Resumo: Este artigo busca traçar uma breve análise acerca da possibilidade ou não de haver conciliação e/ou transação nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal, e, também, da função social desses Juizados. Buscou-se, ademais, discutir em que termos se desenvolveria essa possível conciliação e/ou transação, em razão dos princípios que norteiam a atividade estatal. Por fim, concluímos que admitir e regulamentar a conciliação e a transação nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal, além de auxiliar no desafogamento dos nossos congestionados tribunais, entregará à população uma importante ferramenta na busca por um Poder Judiciário célere, para garantir a efetividade do processo e também o acesso da população à justiça.

Palavras-chave: Juizados Especiais; Fazenda Pública; Acesso à Justiça; Conciliação.

Abstract: This article attempts a brief analysis about whether or not there conciliation and / or transaction in the Special Courts of the State Finance Department and Municipal, and also the social function of these Courts. Was sought, furthermore, discuss under what conditions would develop this possible conciliation and / or transaction, because the principles that guide the state activity. Finally, we conclude that admitting and regulatory reconciliation and transaction in the Special Courts of the State Finance Department and Municipal, and assist in courts bottlenecking of our congested population to deliver an important tool in the search for a swift judiciary, to ensure the effectiveness the process and also the population's access to justice.

Keywords: Special Courts; Treasury; Access to Justice; Conciliation.

Sumário: 1. Introdução; 2. Os Juizados Especiais; 3. Juizados Especiais da Fazenda Pública; 4. Considerações finais; 5. Referências.

1 – Introdução

No desenrolar da história humana, impulsionado pelo desenvolvimento da sociedade e de seus personagens, o que gerou relações mais complexas e, por consequência, controvérsias mais complexas, o Estado tomou para si a função de solucionar os conflitos de interesse, impondo-se às partes e a toda sociedade como criador das leis e aplicador da justiça.

Como é de conhecimento geral, e de acordo com o estabelecido em nossa Constituição Federal em vigor, em nosso ordenamento jurídico, é reservado ao Estado o monopólio da função jurisdicional, ou seja, o Estado, ao proibir, com raras exceções, aos cidadãos que façam valer seus direitos com as próprias mãos, obrigou-se, inafastavelmente, a prestar a tutela jurisdicional, conforme determinação constante do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.

Esse poder-dever do Estado, de criar e aplicar as leis, tem como fundamento e como finalidade, assim como todas as ações do Estado, enquanto sociedade política, a garantia do bem comum da coletividade, garantido a todos, indiscriminadamente, meios para que se desenvolvam plenamente.

Esse bem comum de todos os indivíduos só pode ser assegurado através da entrega de meios e instrumentos que garantam a efetiva concretização dos direitos e garantias ditos fundamentais, inerentes à condição de ser humano, sem exclusão de quaisquer outros direitos.

 Nossa Constituição Federal de 1988, que ficou conhecida, também, como Constituição Cidadã, traz em seu bojo uma extensa lista de direitos e garantias fundamentais, assegurados a todos os cidadãos. Essa lista de direitos e garantias está exposta, basicamente, ainda que num rol não taxativo, no art. 5º da Carta Magna.

Diz Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 409):

“[…] o elenco de incisos do art. 5º é exemplificativo, pois os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil for parte (CF, art.5º, §2º).”

Esses direitos e garantias, além de serem muitos, são, também, abrangentes. Vão desde os direitos civis, sociais e da nacionalidade, até os políticos.

Utilizando dos ensinamentos de Fernando Capez [et all] (2009, p. 55), podemos destacar a existência e localização dessas classes de direitos e garantias fundamentais no texto constitucional vigente da seguinte forma:

“a) Direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I – art. 5º).

b) Direitos sociais (Capítulo II – arts. 6º e 193).

c) Direitos da nacionalidade (Capítulo III – art. 12).

d) Direitos políticos (Capítulo IV – arts. 14 a 17).

e) Partidos políticos (Capitulo V)”.

Nos capítulos da ordem econômica, financeira e social são explicitados os conteúdos de diversos direitos fundamentais.

Sobre os direitos fundamentais e sua importância no ordenamento jurídico e para todos os indivíduos, leciona Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 404):

“Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social.

Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.”

No entanto, apesar das previsões e garantias constitucionais e do alerta de importantes juristas e doutrinadores quanto à importância desses direitos para a consecução do bem comum, não é necessário empreender um grande exercício analítico da história e da conjuntura jurídica e social de nosso país para perceber que o Estado tem falhado constantemente com seus deveres perante a sociedade.

Uma breve análise das reais condições de vida de nossa população nos permite perceber que o Estado tem falhado de forma desastrosa nos que toca às liberdades públicas, aos direitos sociais e até mesmo no que diz respeito à democracia, já que tem se mostrado incapaz de tornar reais os ditames de sua Suprema Carta Política.

Nesse cenário, sempre que um direito é ignorado e/ou desrespeitado, resta para os indivíduos uma única forma de exercer legitimamente esse direito: através do devido processo legal.

Assim, se adotarmos uma visão estritamente instrumentalista do direito processual, podemos afirmar que todas as normas devem ser criadas, interpretadas e aplicadas com enfoque na garantia absoluta do acesso à justiça.

Nossa Carta Magna, em seu preâmbulo, prevê o exercício da justiça, ao lado do exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento e da igualdade, como valor supremo “de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida […] com a solução pacífica das controvérsias”. In verbis:

“PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

     No entanto, de nada vale a titularidade de um direito se não há mecanismos que garantam seu gozo ou a efetiva reivindicação.

     Nessa esteira, o real e verdadeiro acesso à justiça tem sido aclamado como de importância fundamental entre os novos direitos individuais e sociais.

Vale ressaltar que esse direito/garantia de acesso à justiça, além de estar implícito no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, está, também implicitamente, relacionado entre os direitos e garantias fundamentais expostos no art. 5º da CF/88, em seus incisos XXXV e VXXIV, além de em outros códigos e leis.

Mas que não se pense que é fácil conceituar adequadamente o acesso à justiça. Trata-se de um conceito amplo. Nessa esteira, aduz Cappelletti (1988, p. 8):

“A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.”

Dessa forma, grosso modo, podemos dizer que, aos olhos de um homem médio, se trata de uma justiça eficaz, acessível àqueles que a procuram e com condições de dar à sociedade respostas para os problemas que lhe são apresentados, sempre buscando a pacificação e a harmonia social, objetivo precípuo do Estado.

No mundo real, porém, a situação é bem diferente. O que temos é um Poder Judiciário abarrotado de processos sem solução, com estrutura física e humana insuficiente para atender a demanda que lhe é imposta, com servidores e juízes mal remunerados e despreparados. O que se vê é que a Justiça comum, tradicional, após anos de descaso, já não consegue acompanhar o rápido desenvolvimento da tecnologia e da sociedade.

Ocorre que, ao lado do crescimento acelerado das demandas que lhe são submetidas em decorrência do monopólio estatal da função jurisdicional, aparecem, ainda, outras inúmeras dificuldades, tais como carência de servidores, falta de treinamento/profissionalização do pessoal, precariedade do próprio ambiente de trabalho, só para citar algumas dessas falhas, que impedem o eficaz funcionamento do Poder Judiciário, que resulta numa falha ainda maior do Estado em relação ao seu dever de promover e garantir a justiça no seio social, levando, ainda, a um descrédito desse poder e um afastamento entre o mesmo e a população.

Ada Pelegrini Grinover (1988, P.278) indica como causas que obstruem as vias do acesso à justiça, bem como o distanciamento maior entre o Judiciário e seus usuários, a sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização da justiça, certa condição procedimental; a mentalidade do juiz, que deixa de fazer uso dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito e as deficiências do patrocínio gratuito.

 Urgente era e ainda é a necessidade de uma ampla reforma nesse sistema sobrecarregado, saturado, e despreparado para garantir à sociedade o pleno gozo de seus direitos.

E foi nesse cenário de crise e caos, atrelado às profundas mudanças ocorridas em todas as esferas de nossa sociedade, seja na seara social, política, econômica ou mesmo relacionada a histórica e gritante incapacidade do Estado de garantir a paz e a harmonia social, que ganharam espaço nos debates jurídicos os meios alternativos de solução dos conflitos. Meios esses que, além de buscarem diminuir os custos opostos àqueles que buscam o Judiciário, buscam facilitar a solução da demanda, diminuindo a burocracia e o tempo de espera por um provimento judicial.

Surge, então, a necessidade de estabelecer um novo sistema jurisdicional, mais célere e próximo da população, destinado à rápida e efetiva solução dos litígios submetidos ao Estado, em especial os de pequeno valor e de menor complexidade.

Em brilhante lição, Cappelletti (1988, p. 28), analisando as barreiras impostas aos que necessitam de franco e largo acesso à justiça, afirma:

“[…] os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses.”

Surgem, então, nesse cenário, os Juizados Especiais, como instrumento e também como exemplo/modelo de ampliação e democratização do acesso à justiça e da função jurisdicional.

2 – Os Juizados Especiais

Em face da manifesta e até mesmo gritante necessidade de se reestruturar a prestação jurisdicional no Brasil, em meados da década de 1980, o legislador ordinário brasileiro editou a Lei nº 7.244/1984, criando os então chamados “Juizados Especiais de Pequenas Causas”, com competência para as causas cíveis de valor não superior a 20 (vinte) salários-mínimos e orientados pelos princípios expressos no artigo 2º, que assim prescrevia: O processo, perante o Juizado Especial de Pequenas Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes.

Num cenário de morosidade, altos custos e baixa eficácia do poder Judiciário, essa lei foi amplamente elogiada e comemorada por esse novo modelo de resolução de conflitos, em que imperavam as tentativas de conciliação entre as partes, em especial por tratar de causas de menor valor financeiro e menor complexidade, favorecendo o “desafogamento” das varas e tribunais.

O sucesso foi tão grande que o legislador constituinte inseriu no Texto Maior a determinação de criação de juizados especiais cíveis e criminais, dessa vez não mais facultativa. Diz o art. 98 da CF/88:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;”

Para aclarar a real importância dessa inclusão no texto constitucional da criação dos juizados especiais, nos utilizamos da lição de Roberto Portugal Bacellar (2003, p.), que diz:

“Foram os Juizados Especiais, estabelecidos no art. 98, inciso I, da Constituição da República, com a significativa ampliação da esfera de abrangência de atuação – não mais restrita a pequenas causas e agora com competência para causas de menor complexidade -, tanto no âmbito Estadual quanto Federal, que verdadeiramente introduziram na órbita processual brasileira um sistema revolucionário e realmente diferenciado de aplicação da justiça. O desafio popular “vá procurar seus direitos” passou a ser aceito, e houve uma pequena, mas significativa, inversão desse estado de coisas.”

No entanto, mesmo com a implantação dessa nova ferramenta, ressurgiram alguns dos antigos problemas. Da forma como foram inicialmente organizados, os Juizados Especiais acabaram sobrecarregados.

Surgiu, então, com novas soluções para novos problemas, a Lei 9099/95, com o objetivo de tornar mais ágil a Justiça, facilitar o acesso e trazer  ao cidadão respostas mais imediatas.

A primeira e mais marcante característica desse novo modelo foi a quebra do histórico e tradicional formalismo processual. Ressalte-se que essa “desformalização” constituiu fator de celeridade e da razoável duração do processo, bem como da efetividade dos provimentos.

Aliás, frise-se, o processo que seguir o rito dos Juizados Especiais, conforme expressa determinação do art. 2º da Lei nº 9099/95, “orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível à conciliação ou a transação”, o que deixa bastante evidente a tentativa do Estado de sanar seus erros históricos e garantir o acesso à justiça, promovendo a efetiva prestação jurisdicional, inclusive com a adoção de meios alternativos de solução dos conflitos, como a conciliação, a transação, a mediação e a arbitragem, em busca da pacificação social.

 odemos, assim, dizer que os Juizados Especiais, além de ferramenta de efetivação da garantia constitucional de acesso à justiça, apresentou à sociedade e ao mundo jurídico um novo modelo de sistema jurisdicional, colaborando para uma reaproximação do povo brasileiro com o Poder Judiciário e com o Estado, por consequência, ao renovar a imagem desse Poder antes marcado pela burocracia, pela lentidão e pelo autoritarismo.

Mas havia ainda um problema a ser sanado. Um empecilho na busca do cidadão por um judiciário acessível e eficaz. A Lei 9099/95, a despeito de suas enormes inovações, pecou ao excluir do alcance dos Juizados Especiais as causas em que houvesse interesse da Fazenda Pública em jogo, ou seja, a fazenda pública não podia figurar como parte nos processos conduzidos pelos Juizados Especiais.

Para corrigir esse equívoco, foi publicada a Lei 10.259/01, conhecida como a Lei dos Juizados Especiais Federais, que criou a possibilidade de inserção da fazenda pública em qualquer dos pólos das relações processuais que se desenvolvam perante o Sistema dos Juizados Especiais, então regidos somente pela Lei 9.099/95.

No entanto, ocorreu que, com o advento da supracitada lei, a inserção da fazenda pública no Sistema dos Juizados Especiais deu-se de forma parcial, alcançando apenas a esfera federal, permitindo ao jurisdicionado acionar judicialmente a administração direta e indireta da União, através dos Juizados, nas causas de menor valor e complexidade.

Criou-se, então, um tratamento diferenciado e injusto para o jurisdicionado, já que ele somente poderia se utilizar desses benefícios quando litigasse contra a União e suas autarquias.

Por fim, no ano de 2009, editou-se a Lei 12.153/09, que prescreve a criação e estruturação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, como órgãos integrantes dos Judiciários Estaduais.

3 – Os Juizados Especiais da Fazenda Pública

Conforme vimos até agora, a criação dos Juizados Especiais deu-se, principalmente, em virtude do clamor da sociedade por um sistema jurisdicional mais justo e acessível, e da necessidade do Estado de cumprir com seu dever perante a população, assegurando a criação de meios e instrumentos capazes de assegurar a todos o devido e necessário acesso à justiça, desafogando o judiciário comum.

Resta cristalina a existência de inúmeros benefícios entregues aos jurisdicionados com a criação do Sistema dos Juizados Especiais. Sendo assim, não seria razoável afastar dessa onda de modernização e aperfeiçoamento a Fazenda Pública. Surgem, então, os Juizados Especiais da Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e dos Municípios.

Esses Juizados Especiais da Fazenda Pública são, conforme determinação legal, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados.

Os limites da competência desses Juizados estão delimitados nos artigos 2º e 23 da Lei nº. 12.153/09. Está expresso que compete aos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de sessenta salários mínimos.

Por consequência lógica, nos Juizados Especiais da Fazenda Pública não se admite a presença de qualquer entidade federal como parte, em qualquer dos polos, já que a Lei nº. 10.259/01, também chamada de Lei dos Juizados Federais, já dispõe sobre elas.

Importa frisar que a competência desse novo Juizado é mais abrangente que a do Juizado Especial Federal. Isso porque a Lei nº. 12.153/09, em seu art. 2º, § 1º, inc. I, admite, no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o processamento de causas que envolvam direitos individuais homogêneos e ainda permite a discussão sobre a anulação e o cancelamento de atos administrativos em geral, com as devidas exceções e ressalvas prescritas no art. 2º, § 1º, I e III da Lei 12.153/09, permitindo que a causa de pedir inclua penalidades de trânsito e normas de postura municipais.

Outro importante comentário sobre essa Lei diz respeito ao método legislativo adotado em sua criação. O legislador ordinário, ao instituir os Juizados Especiais da Fazenda Pública, prezou pela instrumentalidade dos processos e procedimentos, e também na confecção da lei em comento.

Para evitar a presença no corpo da lei de instrumentos, conceitos e determinações legais vazias e/ou repetitivas, a Lei nº. 12.153/09 determina que se apliquem, subsidiariamente, os diplomas que a precederam.

Percebe-se aqui uma franca tentativa de tornar a justiça mais efetiva, mostrando que os processualistas estão atentos às necessidades da sociedade e buscam corrigir as mazelas que assolam nosso sistema judicial, historicamente inacessível e moroso, facilitando, dessa forma, o acesso à justiça.

Mas há mais. Historicamente, o princípio da legalidade, que regula e permeia todos os atos do Estado, afastava quase que completamente a possibilidade de conciliar e transacionar com a Fazenda Pública, engessando os processos, que se arrastavam por anos. Supostamente em prol da supremacia do interesse público, ou ainda, da indisponibilidade do interesse público, rechaçou por um longo período a possibilidade de conciliação, sob o argumento de que tal situação acarretaria em disponibilidade de parcela do interesse público.

No entanto, essa visão equivocada, ultrapassada e desconectada dos anseios e necessidades da coletividade, vem sendo flexibilizada no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

Nessa esteira, podemos perceber essa mudança com a criação dos Juizados Especiais Federais e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, já que há expressa autorização conferida aos representantes judiciais das entidades públicas demandadas para conciliar, transigir e até mesmo desistir, nos processos de competência dos Juizados Especiais Federais, conforme previsão do art. 10, parágrafo único da Lei nº. 10.259/01 e do art.8º da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública – nº 12.153/09. A

A coletividade alcançou uma importante vitória. A lei que criou esses juizados, como vimos, além de permitir, valorizou a composição amigável dos conflitos. E não poderia ser de outra forma. Com a composição amigável das demandas, há benefícios para ambas as partes, como o desafogamento do judiciário, a celeridade conferida aos processos que tramitam nesses juizados e a facilitação do acesso à justiça, através de instrumentos processuais capazes de garantir a efetividade da prestação jurisdicional, prestigiando diversos princípios e direitos constitucionais como a economia e a celeridade processuais, o acesso à justiça, o devido processo legal e até mesmo a dignidade da pessoa humana, concretizando, assim, o objetivo primeiro do Estado: a pacificação e harmonização social. 

A adoção de meios alternativos para solução dos conflitos já é uma realidade, e torna-se cada vez mais frequente. O cenário nacional, no tocante as questões sociais, econômicas, culturais e jurídicas, impõem ao Estado o dever de adaptar-se e evoluir.

Essa mudança, deve-se, também, frise-se, ao incentivo do próprio Estado à adoção desses métodos, inclusive através de importantes órgãos públicos, como o Conselho Nacional de Justiça.

Ainda que muitos dos direitos e interesses do Estado sejam indisponíveis, o que limita as possibilidades de conciliação e transação, essa indisponibilidade não é absoluta.

A possibilidade de conciliar com a Administração Pública existe, é legal e útil para ambos os envolvidos e pode, inclusive, ser mais benéfica para a Administração Pública, já que na conciliação, ou seja, através de um acordo, o Estado pode acabar tendo de pagar uma quantia menor do que a que teria de pagar caso fosse condenado em um processo comum perante a justiça comum, atendendo, por tabela, aos princípios da economicidade e do melhor interesse público.  

Tão clara está essa possibilidade, e por que não dizer, necessidade, que nossa mais moderna jurisprudência já vem adotando esse entendimento. Vejamos:

“PODER PÚBLICO. TRANSAÇAO. VALIDADE.EM REGRA, OS BENS E O INTERESSE PÚBLICO SÃO INDISPONÍVEIS, PORQUE PERTENCEM À COLETIVIDADE. O ADMINISTRADOR É, POR ISSO, MERO GESTOR DA COISA PÚBLICA, SOBRE ELA, PORTANTO, NAO TENDO PODER DE DISPONIBILIDADE. TODAVIA, HÁ CASOS EM QUE O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO DEVE SER ATENUADO, MORMENTE QUANDO SE TEM EM VISTA QUE A SOLUÇAO ADOTADA PELA ADMINISTRAÇAO É A QUE MELHOR ATENDERÁ À ULTIMAÇAO DESTE INTERESSE. NESTA ORDEM DE IDÉIAS, MOSTRASE VÁLIDA A SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇAO CELEBRADA POR MUNICÍPIO, REPRESENTADO POR PROCURADOR PARA TANTO INVESTIDO EM PODER ESPECIAL, UMA VEZ CONSTATADO QUE DO ACORDO NAO DECORRE NENHUM DANO PARA O INTERESSE PÚBLICO, MAS AO CONTRÁRIO, EVITA UMA SOLUÇAO MAIS ONEROSA PARA A MUNICIPALIDADE. PRECEDENTES DO STF (RE-253.855-MG) E DO STJ (RESP.148.693-MG)”. (TJ-ES – Remessa Ex-officio: 28020000635 ES 028020000635, Relator: DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 11/05/2004, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/06/2004)

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS – ACORDO JUDICIAL CELEBRADO ENTRE A PREFEITURA MUNICIPAL E O PARTICULAR -AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO INTERESSE PÚBLICO – VALIDADE DA TRANSAÇÃO. – A celebração de acordo judicial pelo administrador público deve observar obrigatoriamente o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade do interesse público.- Se o acordo atendeu a finalidade pública pela qual deve se nortear, trazendo vantagens para o Poder Público, deve prevalecer”. (Apelação Cível nº 1.0433.05.152959-5/001, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relatora DESª. HELOISA COMBAT, j. 30.01.2007, p. 13/03/2007).

“AÇÃO RESCISÓRIA – PODER PÚBLICO – TRANSAÇÃO JUDICIAL – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.AÇÃO RESCISÓRIA – PODER PÚBLICO – TRANSAÇÃO JUDICIAL – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A indisponibilidade dos bens públicos, não significa, necessariamente, que todo e qualquer ato de disposição do Poder Público tem de ser precedido de autorização legislativa. Há situações excepcionais que autorizam a mitigação do princípio da indisponibilidade, preservando, sempre, o interesse público. Assim, se a transação firmada pela Administração demonstrar que a solução dada atende ao interesse público, deve ser mantida a sentença homologatória. Ação Rescisória julgada parcialmente procedente apenas para excluir da sentença a multa de 50% pela falta de pagamento na data aprazada, por ofensa ao art. 100 daCF/1988. Ação rescisória julgada parcialmente procedente, por maioria”. (TRT-24 – AÇÃO RESCISORIA: AR 15200800024002 MS 00015-2008-000-24-00-2 (AR), Relator Desembargador Federal do Trabalho NICANOR DE ARAÚJO LIMA , TRIBUNAL PLENO, j. 30.09.2008, p. Publicação: DO/MS Nº 402 de 06/10/2008, pag.).

Esse posicionamento, ademais, tem sido chancelado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, que já se manifestou sobre o tema nestes termos:

“RECURSO EXTRAORDINARIO Nr. 253885; PROCED: MINAS GERAIS; RELATORA MIN. ELLEN GRACIE; RECTE.  MUNICIPIO DE SANTA RITA DO SAPUCAI; ADVDOS. JOSE RUBENS COSTA; RECDA.  LAZARA RODRIGUES LEITE; ADVDOS.  JULIO CEZAR CAPONI. Decisao: A Turma nao conheceu do recurso extraordinario. Unanime. 1. Turma, 04.06.2002”.

“EMENTA: Poder Publico. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. E, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa publica, não tendo disponibilidade sobre os interesses confiados a sua guarda e realização. Todavia, ha casos em que o principio da indisponibilidade do interesse publico deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração e a que melhor atendera a ultimação deste interesse. Assim, tendo o acordão recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de forma diversa implicaria o reexame da materia fático-probatória, o que e vedado nesta instancia recursal (Sum. 279/SPF). Recurso extraordinário não conhecido.”

Parece-nos, assim, ser crível, razoável e justo, permitir-se e até mesmo estimular, na via judicial, ainda mais destacadamente na esfera administrativa, a celebração de acordos com as Fazendas Públicas, por serem indiscutíveis, do ponto de vista econômico e social, os benefícios daí resultantes, seja na economia advinda do não ajuizamento de inúmeros processos que abarrotariam os armários do Judiciário e/ou também com a possibilidade de menor prejuízo para os cofres públicos com acordos que possibilitariam ao Estado pagar menos numa transação do que teria que pagar em uma eventual condenação.

4 – Considerações Finais

Após longa e exaustiva pesquisa, embora esse trabalho não tenha sequer chegado perto de esgotar o tema, podemos concluir que o Estado tem falhado constantemente com seus jurisdicionados, falhando em assegurar-lhes o gozo e a fruição das garantias e dos direitos assegurados constitucionalmente, bem como em promover meios eficazes de exigir o cumprimento desses direitos.

Nesse cenário, cresce o anseio popular pela efetivação do acesso à justiça, já que quando o Estado falha com seu dever, esse é o único meio legalmente aceito dos indivíduos exigirem seus direitos. Grita, então, a necessidade de criar e implantar ferramentas que garantam o concreto e eficaz acesso à justiça.

Pudemos perceber que há, em nossa realidade social, jurídica, econômica e cultural, muitas barreiras a esse acesso à justiça, que vão desde a excessiva formalidade do direito processual, a burocracia dos órgãos públicos, despreparo dos servidores, escassez de verbas públicas para aperfeiçoamento da infraestrutura, o exíguo número de juízes até a falta de informação do público quanto aos seus direitos e prerrogativas em face do Estado.

 Surgem, assim, os Juizados Especiais como resposta para esse anseio popular. População essa que grita por justiça e por um judiciário harmônico, eficiente, honesto, justo, célere.

O legislador pátrio, ao criar os Juizados, regidos por princípios como os da celeridade e da oralidade, busca “desformalizar” o acesso à justiça, garantindo, ainda que ficticiamente, uma paridade de armas entre os envolvidos no litígio.

 No entanto, além disso, é necessário criar mecanismos legais que permitam a rápida solução das controvérsias levadas a Juízo, ainda que em face do Estado.

A análise das prerrogativas da Fazenda Pública, assim como toda a atividade estatal, deve servir como atalho para a solução dos conflitos e não como meio de impedir a eficaz prestação da atividade jurisdicional.     Não se deve pensar no processo como algo rígido, imutável e imaliável, mas como instrumento para consecução da paz social, que é o objetivo precípuo do Estado enquanto sociedade política.

Os indivíduos avançam cada vez mais na luta pelos seus direitos, impulsionando a criação de novas políticas públicas que adequem as reformas administrativas e judiciárias ao novo desenho de nossa sociedade.

A utilização de meios alternativos para solução dos conflitos é cada vez mais frequente. Decorre, pois, da necessidade de uma sociedade antenada e conectada, que busca por celeridade em todos os aspectos da vida, que recusa-se a aceitar por mais tempo essa cultura formalista e cartorária adotada em nosso país, em detrimento da velocidade das relações trazida pela globalização.

A conciliação surge, agora, como um dos grandes caminhos a serem seguidos. A cultura da conciliação é, hoje, amplamente discutida e incentivada.

A operacionalização das novas formas de solução dos conflitos pelo Poder Judiciário representa importante evolução, cujo objetivo é garantir à todos o acesso à justiça, a igualdade perante a lei e atingir a paz social.

Ao contrário do que muitos pensam e defendem, antes de criar danos para o Estado, a conciliação é plenamente aplicável as causas em que a Fazenda Pública figura como parte. É, ademais, um poder e um dever, que deve ser estimulado como meio de garantia do amplo acesso à justiça e também como demonstração de boa-fé, ética e responsabilidade social e em atenção aos princípios do melhor interesse público e da economicidade.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Raony Rennan Feitosa de Menezes Gonçalves

Bacharel em Direito pela Faculdade do Vale do Ipojuca – FAVIP, Advogado, Pós – Graduando em Direito e Processo Civil pela Escola Superior da Advocacia Professor Ruy da Costa Antunes/ ESA-PE


Equipe Âmbito Jurídico

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