Resumo: Analisa-se a validade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, vulgarmente chamado de “novo Funrural”, prevista na Lei nº 8212/91, art. 25, I. A importância do tema deve-se aos reflexos do julgamento do RE 363.852/MG, caso em que fora reconhecida a inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 em função das modificações por elas promovidas no regime da referida exação. O objetivo do trabalho é defender a constitucionalidade da contribuição, sem quaisquer restrições e alertar para os prejuízos que serão causados ao sistema da seguridade social e ao próprio contribuinte, caso não haja uma mudança de orientação da Suprema Corte. Para tanto foram contrapostos os fundamentos que levaram à declaração de inconstitucionalidade com o objetivo de demonstrar os desacertos da decisão paradigmática. Conclui-se que as Leis 8.540/92 e 9.528/97 possuem assento na redação original da Constituição Federal, e, pela eventualidade de não ser afastada a inconstitucionalidade dessas normas, ressalta-se que a contribuição incidente sobre a receita bruta da comercialização de produção do produtor rural voltou a ser validamente exigível com o advento da Lei 10.256/2001, que regulamentou a exação já sob a vigência da EC nº 20/98.
Palavras-chave: “Novo Funrural”, Constitucionalidade, RE 363.852/MG.
Abstract: This study examines the validity of the employer's social security contributions levied on individual rural gross income from the sale of its production, commonly called the "new Funrural, under Law nº 8212/91, art. 25, I. The importance of such issue is due to reflections from the trial of RE 363.852/MG, in which case the Supreme Court recognized the unconstitutionality of Law nº 8.540/92 and 9.528/97 in accordance with changes promoted by them in the system of the taxation. The objective is to defend the constitutionality of the contribution without any restrictions and warn about the loss that will be caused to the social security system and the taxpayer, in case no changes is decided by the Supreme Court. For this, all the fundamentals that led to the declaration of unconstitutionality are opposed, demonstrating the uncertainties of the leading case. Finally, it is concluded that the Laws nº 8.540/92 and 9.528/97 are in accordance to the original test of the Constitution, and if eventuality of not being ruled out the unconstitutionality of such rules, it is emphasized that the contribution levied on the gross income of the producer's trading is able to be chargeable again with the advent of Law nº 10.256/2001, which regulated the tax already under the validity of Amendment nº 20/98.
Key words: New Funrural”, Constitutionality, RE 363.852/MG.
Sumário: Introdução. 1. Evolução Legislativa. 2. Contextualização das alterações promovidas pela Lei nº 8.540/92. 3. Identificação dos sujeitos passivos. 4. Precedentes do STF no caso Mataboi. 4.1. Configuração de bis in idem. 4.2 Ofensa ao princípio da Isonomia. 4.3. Inconstitucionalidade forma das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97. 5. Análise Crítica do Julgado. 5.1. Inocorrência de bis in idem. 5.2. Inexistência de violação à isonomia. 5.3. Desnecessidade de Lei Complementar relativamente à fonte de custeio já prevista no texto da CF/88. 6. Dos limites da decisão do STF. 7. Do advento da Lei nº 10.256/01. 7.1. Considerações iniciais. 7.2. Sujeitos passivos – destinatários. 7.3 Críticas sofridas pela Lei. 7.4. Aptidão normativa da Lei nº 10.256/01. 7.4.1. A definição de mais um sujeito passivo. 7.4.2. Permanência no ordenamento jurídico dos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91. 7.4.3. Superveniência da Lei nº 10.256/2001 e a ratificação dos incisos do I e II do art. 25 pelo caput – técnica legislativa. 8. Possibilidade de substituição da base de cálculo folha de salário pela produção rural antes da emenda constitucional n. 42 (§12 e 13 do art. 195 da CF/88). 9. O risco da repristinação constitucional. 9.1. Do recálculo no caso de pedido de restituição. 10. Os problemas decorrentes do deferimento de liminares autorizando o depósito judicial pelos empregadores rurais pessoa física. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo a defesa da constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física (vulgarmente denominada de “Novo Funrural”) sem quaisquer restrições, tecendo críticas à jurisprudência pátria atual sobre a matéria, em especial, ao posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 363.852/MG.
No referido julgado, cuja decisão foi noticiada em fevereiro de 2010 no informativo de jurisprudência nº 573, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97, atingindo, assim, a contribuição previdenciária do produtor rural pessoa física com empregados (art. 12, V, “a” c/c art. 25, da Lei nº 8.212/91).
Desde então, proliferaram-se demandas idênticas em todo o país, abarrotando o Judiciário, que, apesar de vir adotando, em regra, os termos do RE nº 363.852/MG, ainda titubeia, e muito, em relação a algumas nuances não apreciadas pela Suprema Corte, tais como, a validade da exação após o advento da Lei nº 10.256/2001, publicada na vigência da EC nº 20/98, sobretudo porque os embargos declaratórios manejados pela União nos autos do RE 596.177/RS (no âmbito do qual fora reconhecida a repercussão geral da matéria) ainda não foram apreciados pelo STF.
Justamente em função desses aspectos, de suma relevância para melhor compreensão da matéria, não serem objeto do RE nº 363.852/MG, somado ao fato de o STF ter adotado premissas contraditórias que o levaram a declarar a inconstitucionalidade da exação em comento, a questão assume extrema relevância jurídica, e, sobretudo financeira, tendo em vista os vultosos recursos da seguridade social envolvidos, pondo em risco a estabilização do sistema.
O presente estudo, portanto, propõe uma visão critica ao entendimento adotado pelo STF e demonstra que a posição jurídica ora defendida tem lastro em relevantes argumentos, que merecem apreciação detida pela jurisprudência, sob pena de consolidar-se uma situação desacertada e altamente danosa à coletividade por causar o desequilíbrio da seguridade social.
1 – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
Apesar do uso corrente do termo, a contribuição destinada ao FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – não mais subsiste, tendo sido exigível até outubro de 1991, conforme se abordará a seguir. A melhor compreensão do tema exige uma digressão histórica acerca da legislação atinente. É o que se passa a expor:
De início, cumpre referir que antes do avento da Constituição de 1988 havia uma separação entre o regime previdenciário Urbano e Rural. Naquela época, o primeiro era custeado por contribuições habituais (empregados, empregadores, autônomos etc.), enquanto que o segundo era mantido por contribuições aos Fundos Rurais então existentes: Fundo de Previdência Rural e Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL).
O Fundo de Previdência Rural foi criado pela Lei nº 2.613/55, com o objetivo de minimizar os efeitos da informalidade no meio rural e permitir que um número maior de empregados rurais tivesse acesso aos benefícios do regime previdenciário.
Nestes termos, as pessoas físicas e jurídicas[1][2] que desenvolviam uma das atividades industriais listadas no art. 6º da indigitada lei ficaram obrigadas a contribuir com 3%, além de um adicional equivalente a 0,3%, ambos sobre a Folha de Salários, sendo que a receita arrecadada era destinada ao Serviço Social Rural (SSR)[3].
Outra iniciativa de extensão da cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais sobreveio com a edição da Lei nº 4.214/1963, que instituiu o Estatuto do Trabalhador Rural[4] e o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FAPTR), posteriormente denominado FUNRURAL[5]. Financiado por uma contribuição de 1% sobre o valor dos produtos agropecuários comercializados, apesar de o FUNRURAL ter estipulado novos benefícios aos trabalhadores rurais, ainda ficava aquém à cobertura previdenciária conferida aos trabalhadores urbanos[6].
Na prática, portanto, o sistema previdenciário rural não alcançou resultados positivos devido à complexidade do Estatuto do Trabalhador Rural, à insuficiência de recursos, à persistência de altos índices de informalidade e, sobretudo, à ausência de fiscalização das atividades rurais.
Este cenário deu ensejo à outra tentativa de expansão da cobertura previdenciária ao meio rural – o Plano Básico de 1969 – que tampouco apresentou resultados satisfatórios.
Neste contexto, foi criado o Programa de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (PRORURAL) – em substituição ao plano básico de previdência social rural -, cuja administração ficou a cargo do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL).
Instituído pela Lei Complementar nº 11/71, do Programa de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (PRORURAL[7]) tinha como objetivo possibilitar ao trabalhador rural e seus dependentes o alcance dos benefícios de aposentadoria por velhice e invalidez, pensão, serviço de saúde, dentre outros tendentes a melhorar a qualidade de vida no campo.
Sob a égide da Lei Complementar nº 11/71, a contribuição social em comento passou a incidir da seguinte forma: a) 2% (dois por cento) sobre o valor comercial dos produtos rurais; e b) 2,6% sobre a folha de salários, sendo que 2,4% eram destinados ao FUNRURAL:
“Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes:
I – da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor, sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida:
a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor;
b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos ou vendê-los, no varejo, diretamente ao consumidor.pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos, vendê-los ao consumidor, no varejo, ou a adquirente domiciliado no exterior;
II – da contribuição de que trata o artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL.”
Repare-se, portanto, que a contribuição dos empregadores rurais já incidia sobre o valor comercial dos produtos rurais desde a edição da Lei Complementar nº 11/71, não sendo esta uma inovação promovida pela tão criticada Lei 8.540/92.
Mas apesar dos esforços, o processo implementação de previdência rural ainda caracterizava-se por uma evidente disparidade em favor da população urbana. A grande mudança do sistema previdenciário rural ocorreu em 1988 com o advento da atual Constituição Federal, cujo art. 195 estabeleceu a unificação dos regimes de previdenciários Urbano e Rural. A unificação introduziu transformações substanciais, tais como, o princípio básico de universalização e a equivalência entre os benefícios rurais e urbanos, com um piso unificado e igual a um salário mínimo, eliminando, pelo menos em tese, as assimetrias ainda presentes no sistema anterior.
Após o advento da Constituição Federal de 1988, sobreveio a Lei nº 7.787, de 30/06/89, alterando a legislação de custeio da seguridade social ao prever em seu art. 3º que a contribuição incidente sobre a folha de salários das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados passaria a incidir em 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores.
Em que pese opiniões em sentido contrário, segundo o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça[8], o Funrural não foi extinto quando da edição da Lei nº 7.787/89 em função desta não ter suprimido o inciso I do art. 15 da LC nº 11/71, mas sim, apenas o inciso II do mesmo artigo. Ou seja, apesar do art. 3º, §1º da Lei nº 7.787/89 ter determinado expressamente a extinção da contribuição ao PRORURAL incidente sobre a folha de salários, silenciou quanto àquela incidente sobre o valor comercial dos produtos rurais, in verbis:
“Art. 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será:
I – de 20% (vinte por cento), sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores;
II – de 2% (dois por cento) o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho.
§ 1º A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o salário-família, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRO-RURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social.”
Somente com a edição da Lei nº 8.213/91, suprimiu-se expressamente a contribuição ao FUNRURAL, nos seguintes termos:
“Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei.” (grifou-se)
Por estas razões entende-se que a contribuição previdenciária instituída pela Lei Complementar nº 11/71 – PRO-RURAL – foi recepcionada pelo art. 34 do ADCT como lei ordinária, motivo pelo qual, por se tratar de fonte de custeio prevista nos incisos I e II do art. 195 da Constituição Federal de 1988, sua alteração prescindia de lei complementar e sua base de cálculo poderia ser determinada pelo legislador ordinário.
Retomando a evolução histórica, impende destacar que apenas em 1991, com o advento da Lei nº 8.212/91, foi instituída uma nova contribuição previdenciária rural nos moldes definidos pela Constituição Federal de 1988.
Tomando por base a data da edição da referida lei de 24 de julho de 1991, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a contribuição ao FUNRURAL não mais subsiste no ordenamento jurídico desde novembro de 1991, pois, sua exigibilidade perdurou até outubro de 1991, ante a incidência do prazo nonagesimal a que se refere o art. 195, §6º CF.
Nesse sentido confira-se, à guisa de exemplo, o julgado no REsp 248.757/RS, Relator Ministro José Delgado, DJ 01/08/2000, verbis :
“TRIBUTÁRIO. FUNRURAL.
1. A contribuição para o FUNRURAL, incidente sobre as operações econômicas de aquisição de produtos rurais pelas empresas, é devida até o advento da Lei nº 8.213/91, de novembro do mesmo ano.
2. Provimento do recurso para declarar a responsabilidade tributária da recorrida até essa data limite.
3. O art. 138, da Lei nº 8.213/91, na expressão cogente de sua mensagem, unificou o regime de custeio da previdência social.
4. O art. 3º, I, da Lei nº 7.787/89, conforme claramente explicita, não suprimiu a contribuição do FUNRURAL sobre as transações de aquisição de produtos rurais. Tal só ocorreu com o art. 138, da Lei 8.213/91.
5. Recurso provido para reconhecer devido o FUNRURAL sobre produtos rurais adquiridos pela empresa, esta como responsável tributária, até novembro de 1991 (art. 138, da Lei 8.213/91).”
Destarte, percebe-se que a uniformidade do regime previdenciário previsto II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988 foi efetivamente regulamentada pelas Leis nº 8.212 e 8.213, que definiram, respectivamente, a organização da seguridade social e o plano de benefícios previdenciários, refletindo o Regime Geral de Previdência Social.
Das relevantes modificações trazidas pela Lei nº 8.212/91 importa referir a implementação de três categorias distintas de produtor rural, quais sejam: o produtor rural pessoa jurídica, o produtor rural pessoa física com empregados e o segurado especial, que trabalha em regime de economia familiar.
Na redação original da Lei nº 8.212/91 o art. 25 se direcionava apenas ao segurado especial, sendo este o único que contribuía com um percentual incidente sobre a comercialização da produção rural. Àquela época, tanto o produtor rural pessoa jurídica, quanto o produtor rural pessoa física com empregados, contribuíam com um percentual incidente sobre a sobre a folha de salários, nos termos do art. 22, I. A redação original do referido art. 25 tinha o seguinte teor: "Art. 25. Contribui com 3% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção o segurado especial referido no inciso VII do art. 12".
No ano seguinte, o artigo 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado pela Lei nº 8.540/92, a qual foi declarada inconstitucional pela decisão proferida no RE 363.852, conforme se analisará pormenorizadamente a seguir. Em síntese, a referida norma incluiu o produtor rural pessoa física com empregados no caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, bem como vedou a incidência da contribuição sobre a folha de salários, a partir da inclusão do § 5º ao art. 22 da Lei nº 8.212/91. Nesse passo, foram inseridos dois incisos no art. 25, que passou a ostentar o seguinte teor:
“Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea 'a' do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho.”
A partir daí, tanto o segurado especial, quanto o empregador rural pessoa física passaram a contribuir com um percentual incidente sobre comercialização da produção rural, enquanto que a contribuição do produtor rural pessoa jurídica permaneceu incidindo sobre a folha de salários, conforme a regra geral insculpida no art. 22, I da Lei nº 8.212/91.
Novamente o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado pela Lei nº 9.528/97, nas seguintes letras:
“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea 'a' do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente de trabalho.”
A última alteração substancial relativamente à contribuição previdenciária devida pelo empregador rural pessoa física foi promovida pela Lei nº 10.256/2002. Esta sobreveio já sob a vigência da EC nº 20/98 (que veio a albergar o “faturamento ou a receita” como base cálculo de contribuição de seguridade social – art. 195, I, “b”, da CF) e dispôs, de forma expressa, que a contribuição do empregador rural antes incidente sobre a folha de salários foi substituída por aquela incidente sobre a comercialização da produção.
Neste ponto importa referir que a causa julgada pelo RE 363.852 trata de contribuições cobradas até o final da década de 90, motivo pelo qual, o Supremo Tribunal Federal não se pronunciou sobre a atual redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, conferida pela Lei nº 10.256/2001, a qual, hodiernamente, dá suporte para a cobrança da contribuição.
Portanto, atualmente, a contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física é recolhida com base na redação do art. 25 da Lei nº 8.212, conferida pela Lei 10.256/01, cuja constitucionalidade não foi apreciada pelo STF.
Eis a previsão legal da contribuição em comento, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, com redação dada pela Lei nº 8.540/92, alterado pela Lei nº 9.528/97 e, mais recentemente pela Lei nº 10.256, de 09.07.01:
“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I- 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II- 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.”
Assim, podemos dizer que o “novo” Funrural foi instituído pela Lei nº 8.212/91 e já sofreu inúmeras alterações promovidas pela legislação superveniente, as quais, devido às calorosas discussões jurídicas que têm gerado, deram ensejo ao presente trabalho.
2 – CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 8.540/92
Conforme observado anteriormente, com o advento da Lei nº 8.540/92, o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado para prever que o empregador rural pessoa física passaria a contribuir com um percentual incidente sobre a comercialização de sua produção rural e não mais sobre a folha de salários.
Impende dizer que tal alteração legislativa deveu-se ao fato de que havia uma defasagem de 94% entre a arrecadação e os benefícios pagos a segurados do meio rural, a qual inviabilizaria todo o Sistema de Seguridade Social, caso não houvesse um aumento de arrecadação.
Ao corrigir essa distorção histórica, a Lei nº 8.540/92 mostrou-se um forte mecanismo de combate ao emprego informal no campo, haja vista que a incidência de contribuição sobre a folha de pagamentos desestimulava a contratação formal dos rurícolas, ao passo que a contribuição sobre a comercialização estimulava, e ainda estimula, os empregadores rurais ao recolhimento da contribuição social, protegendo-os naqueles períodos em que a produção rural fica aquém do esperado.
Como visto, enquanto a contribuição sobre a folha deve ser recolhida independentemente da produção obtida no campo, a incidente sobre a comercialização apenas será recolhida se e quando houver o ingresso de receitas nos cofres do empregador rural pessoa física.
Duas foram, fundamentalmente, as razões da opção político-legislativa pela tributação incidente sobre a comercialização da produção rural: do ponto de vista da Previdência Social, a “insubsistência” da folha de salários dos produtores rurais pessoas físicas, como instrumento de efetiva representação de seu impacto social-previdenciário, tendo em vista o grande volume de mão-de-obra temporária (“bóias-frias”) mantida neste setor; do ponto de vista dos próprios produtores, o fato de que a sazonalidade natural da atividade agropecuária e o caráter permanente da folha de salários geravam um grande descompasso nos períodos de entressafra, dificultando o cumprimento de suas obrigações previdenciárias.
Diante de tais considerações, entende-se que a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural se mostra mais adequada às vicissitudes do cotidiano rural do que aquela incidente sobre a folha de pagamentos, demonstrando que, caso prevaleça o entendimento no sentido da sua inconstitucionalidade, poderá resultar em tributação mais gravosa para a generalidade dos contribuintes a ela sujeitos.
3 – IDENTIDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS PASSIVOS
Embora o presente trabalho tenha como objeto de estudo especificamente a contribuição previdenciária devida pelo produtor rural pessoa física empregador, ressalta-se que esta exação, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, possuí duas espécies de sujeito.
Além do produtor rural pessoa física empregador (art. 12, V, “a”, da Lei nº 8.212/91), existe a figura do segurado especial, assim considerado como o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar (art. 12, VII, da Lei nº 8.212/91).
Em relação ao produtor rural sem empregados, o segurado especial, o próprio texto constitucional determina o seu custeio mediante a aplicação de uma alíquota incidente sobre o resultado da comercialização de sua produção, nos exatos termos do art. 195, § 8º, verbis:
“§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”
Portanto, tratando-se do sujeito passivo segurado especial, a Constituição é expressa ao determinar o custeio previsto no art. 25 da Lei nº 8.212/91. Neste particular, não há margem para interpretação diversa. A contribuição é constitucional.
A controvérsia ora analisada gira em torno da possibilidade, ou não, da aplicação de uma alíquota também incidente sobre o resultado da comercialização da produção em relação à contribuição paga pelo produtor rural pessoa física empregador, conforme se abordará adiante.
4 – PRECEDENTE DO STF NO FAMOSO CASO MATABOI
No RE 363.852, o Pretório Excelso, em processo subjetivo, debruçou-se sobre a contribuição previdenciária a cargo dos produtores rurais pessoas físicas com empregados (Lei nº 8212/91, art. 12, V, letra “a”) incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção” (Lei nº 8212/91, art. 25, inciso I) e cujo respectivo recolhimento está cometido, nos termos do art. 30, inciso IV, da Lei nº 8212/91, à empresa adquirente, consumidora ou consignatária, a qual deve reter na fonte a aludida contribuição e repassá-la ao Fisco.
O acórdão foi publicado com a seguinte ementa:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PRESSUPOSTO ESPECÍFICO – VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO – ANÁLISE – CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS – PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS – SUB-ROGAÇÃO – LEI Nº 8.212/91 – ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 – UNICIDADE DE INCIDÊNCIA – EXCEÇÕES – COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PRECEDENTE – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações”. (RE 363852, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-04 PP-00701 RET v. 13, n. 74, 2010, p. 41-69)
O voto condutor do aresto, da lavra do eminente Min. Marco Aurélio, foi prolatado, em síntese, sob os seguintes fundamentos: a] configuração de bis in idem[9] em relação ao resultado da comercialização da produção rural do empregador pessoa física, em face da incidência simultânea da COFINS e da contribuição devida pelos empregadores rurais pessoas físicas, além da contribuição previdenciária sobre a folha de salários; b] violação ao princípio da isonomia, sob a alegação de que o empregador rural com empregados receberia tratamento diferenciado e mais gravoso se comparado ao dispensado ao empregador rural sem empregados – Segurado Especial; c] inconstitucionalidade formal do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, tendo em vista que a exigência de contribuição incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção do empregador rural pessoa física, por não estar inserida originariamente no inciso I do artigo 195 da Constituição, deveria ser instituída mediante lei complementar, na linha do que preconiza o § 4º do artigo 195 da CF, por se tratar de outra fonte destinada a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social.
A seguir serão analisados cada um desses argumentos que levaram à declaração da inconstitucionalidade da contribuição.
4.1) CONFIGURAÇÃO DE BIS INS IDEM
Um dos principais fundamentos do decisum foi o reconhecimento de que os produtores rurais pessoas físicas, por serem equiparados a pessoas jurídicas por força da legislação de imposto de renda, já teriam sua produção rural tributada pela COFINS, de modo que a configurar bis in idem. Eis o trecho do julgado que reflete este entendimento:
“A regra, dada a previsão da alínea ‘b’ do inciso I do referido artigo 195, é a incidência da contribuição social sobre o faturamento, para financiar a seguridade social instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, a obrigar não só as pessoas jurídicas, como também aquelas a ela equiparadas pela legislação do imposto sobre a renda – artigo 1º da citada lei complementar. Já aqui surge duplicidade contrária à Carta da República, no que conforme o artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, o produtor rural passou a estar compelido a duplo recolhimento, com a mesma destinação, ou seja, o financiamento da seguridade social recolhe, a partir do artigo 195, inciso I, alínea ‘b’, a COFINS e a contribuição prevista no referido artigo 25.”
Nas palavras de Alexandre Rossato da Silva Ávila[10]: “o bis in idem decorre da exigência, pela mesma pessoa política, de dois tributos sobre o mesmo fato”. Haveria, para o autor, uma superposição tributária realizada pela mesma entidade política.
Devido ao corrente uso indiscriminado dos termos, há que se atentar para a diferença entre bis in idem e bitributação. Segundo o escólio Bernardo Moraes de Ribeiro[11], o primeiro de verifica quando há “a exigência de impostos iguais pelo mesmo poder tributante, sobre o mesmo contribuinte e em razão do mesmo fato gerador, embora em razão de duas leis ordinárias.”; e o segundo verifica-se quando há dois entes federados tributando a mesma causa jurídica e contribuinte.
Como bem destaca Paulsen, a vedação à bitributação justifica-se, em última análise, pela ofensa causada à distribuição constitucional de competência privativa de cada Poder tributante[12].
Por tais razões, ressalvada a opinião singular de Bernardo[13], entende-se que não há espaço para a bitributação nem para e o bis in idem no ordenamento jurídico pátrio.
Para Rossato[14], no entanto, não há uma vedação constitucional expressa acerca do bis in idem, já que há contribuições que incidem sobre o mesmo fato gerador e possuem a mesma base de cálculo por previsão expressa da Constituição, v.g. o PIS e a COFINS.
O certo é que nos casos elencados no art. 154, II há permissão expressa da Constituição para a bitributação e para o bis in idem, com ampla liberdade de escolha de fato imponível para este gravame[15].
A esse propósito, asseverou o ilustre Ministro Relator que “apenas a Constituição Federal é que, considerado o mesmo fenômeno jurídico, pode abrir exceção à unicidade de incidência de contribuição", a exemplo do ocorrido com o PIS, previsto no art. 239 da CRFB/88, e das contribuições destinadas a terceiros (sistema "S" – SESI, SESC etc.), previstas no art. 240.
4.2) OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
A ofensa ao princípio da isonomia, previsto no art. 150, II, da Constituição Federal, foi outro dos principais fundamentos utilizados pela Suprema Corte no julgamento do RE 363.852/MG. Entendeu-se que o produtor rural pessoa física com empregados, afora a contribuição prevista no art. 25, inciso I, da Lei nº 8212/91, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, também estaria obrigado ao recolhimento da contribuição sobre a folha de salários: “Forçoso é concluir que, no caso do produtor rural, embora pessoa natural, que tenha empregados, incide a previsão relativa ao recolhimento sobre o valor da folha de salários.”
Eis outro trecho do voto condutor que sintetiza a conclusão tomada pela corte:
“De acordo com o artigo 195, §8º, do Diploma Maior, se o produtor não possui empregados, fica compelido, inexistente a base de incidência da contribuição – a folha de salários – a recolher percentual sobre o resultado da comercialização da produção. Se, ao contrário, conta com empregados, estará obrigado não só ao recolhimento da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da prevista – tomada a mesma base de incidência, o valor comercializado – no artigo 25 da Lei nº 8.212/91. Assim, não fosse suficiente a duplicidade, considerado o faturamento, tem-se ainda a quebra da isonomia”. (grifou-se)
4.3) INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DAS LEIS Nº 8.540/92 e 9.528/97
Por fim, a inconstitucionalidade formal, face à necessidade de lei complementar para a instituição da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física, foi o terceiro principal argumento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao pronunciar a nulidade do texto legal.
A inconstitucionalidade formal pode ser definida como os vícios que afetam o ato normativo individualmente considerado, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formulação do ato[16]. Essa espécie de anomalia pode ser subjetiva, quando referente à fase de iniciativa, ou objetiva, quando pertinente às demais fases do procedimento legislativo.
Com efeito, o Ilustre Relator fez distinção, forte nas lições de Hugo de Brito Machado e de Hugo de Brito Machado Segundo, entre a base de cálculo prevista no inciso I do art. 25 da Lei 8212/91 – receita bruta decorrente da comercialização da produção – e o faturamento, para chegar à conclusão de que, à época da modificação da Lei 8.212/91 feita pelas Leis nº 8.540/92 e 9.528/97, antes, portanto, da EC nº 20/98, tal base de incidência não encontraria abrigo no art. 195 da CF/88, razão pela qual mister se faria necessário ter vindo à lume por meio de lei complementar, nos termos do §4º do art. 195.
Para fundamentar esse ponto do aresto, o voto condutor valeu-se do entendimento firmado pela Corte no julgamento da ADI 1.103-3/DF, nos seguintes termos:
“Assentou o Plenário que o §2º do artigo 25 da Lei nº 8.870/94 fulminado ensejara fonte de custeio sem observância do §4º do artigo 195 da Constituição Federal, ou seja, sem a vinda à balha de lei complementar. O enfoque serve, sob o ângulo da exigência desta última, no tocante à disposição do artigo 25 da Lei nº 8.212/91. É que, mediante lei ordinária, versou-se a incidência da contribuição sobre a proveniente da comercialização pelo empregador rural, pessoa natural. Ora, como salientado no artigo de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, houvesse confusão, houvesse sinonímia entre o faturamento e o resultado da comercialização da produção, não haveria razão para a norma do §8º do artigo 195 da Constituição Federal relativa ao produtor que não conta com empregados e exerça atividades em regime de economia familiar. Já estava ele alcançado pela previsão imediatamente anterior – do inciso I do artigo 195 da Constituição. Também sob esse prisma, procede a irresignação, entendendo-se que comercialização da produção é algo diverso de faturamento e este não se confunde com receita, tanto assim que a Emenda Constitucional nº 20/98 inseriu, ao lado do vocábulo ‘faturamento’, no inciso I do artigo 195, o vocábulo ‘receita’. Então, não há como deixar de assentar que a nova fonte deveria estar estabelecida em lei complementar”.
Dessa forma, concluiu o STF que, sendo a “receita bruta decorrente da comercialização da produção” algo inteiramente inconfundível e diverso de “faturamento”, o preceptivo legal, nascido antes da EC nº 20/98[17], seria formalmente inconstitucional, porquanto somente poderia ter sido veiculado mediante a edição de lei complementar.
5 – ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA
5.1) INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM
Não há falar em bis in idem referente à grandeza econômica albergada pelo art. 195, I, “b”, da CF[18], uma vez que, muito embora seja o produtor rural pessoa física equiparado à empresa pela legislação de custeio da previdência[19], não é contribuinte da COFINS, em função de não ser equiparado à pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda, forte no art. 1º da LC nº 70/91 e no art. 150 do Decreto nº 3.000/99 (RIR).
Com efeito, importa deixar claro que a contribuição prevista no art. 25 da Lei nº 8212/91, em relação ao produtor rural empregador, é a única contribuição previdenciária incidente sobre a produção agrícola, o que afasta qualquer possibilidade de ocorrência de bis in idem.
Ao contrário do que afirmou o Relator do RE 363.852/MG, o empregador rural pessoa física não é contribuinte da COFINS, uma vez que somente as pessoas jurídicas ou a ela equiparadas pela legislação do Imposto de Renda se submetem a esta contribuição. O afastamento entre a regência tributária do empregador rural pessoa jurídica e pessoa física deve-se à distinta forma de apuração do resultado da exploração de suas atividades.
Anualmente a Receita Federal edita Instruções Normativas[20] para a aprovação de um programa multiplataforma denominado "Livro Caixa de Atividade Rural”, cujas informações servem de complementação àquelas constantes na declaração anual de imposto de renda de pessoa física. As referidas instruções normativas dispõem que gastos com salários podem ser considerados despesas de custeio para fins de apuração do "Livro Caixa de Atividade Rural". Isso comprova que a legislação de imposto de renda não equipara os produtores rurais pessoas físicas empregadores a pessoas jurídicas. Em suma, os produtores rurais pessoas físicas declaram sua renda anual através da sistemática de pessoas físicas, e, devido à sua peculiaridade, prestam informações adicionais ao fisco por meio do programa "Livro Caixa de Atividade Rural”, no qual podem apontar, dentre outros, gastos com pagamento de salário a seus empregados. Por esta razão, a Lei 9.250/1995, que trata sobre o imposto de renda das pessoas físicas, assim dispõe:
“Art. 18. O resultado da exploração da atividade rural apurado pelas pessoas físicas, a partir do ano-calendário de 1996, será apurado mediante escrituração do Livro Caixa, que deverá abranger as receitas, as despesas de custeio, os investimentos e demais valores que integram a atividade”.
No mesmo sentido, ao dispor sobre a tributação dos resultados da atividade rural das pessoas físicas, reza a IN SRF n.º 83/2001:
“Art. 10. As despesas de custeio e os investimentos são comprovados mediante documentos idôneos, tais como nota fiscal, fatura, recibo, contrato de prestação de serviços, laudo de vistoria de órgão financiador e folha de pagamento de empregados, identificando adequadamente a destinação dos recursos”.
Outro não foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao se debruçar sobre o tema, veja-se:
“CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA. 1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica. 2. Para o produtor rural pessoa física empregador, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92, que recriou a contribuição), quando então era exigível a contribuição sobre a folha de salários. 3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência previstos nas Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.870/94. 4. A base de cálculo – receita bruta – é equivalente, para efeitos fiscais, a faturamento, segundo precedentes do e. STF, e representada pela venda ou consignação de mercadorias, no caso, produtos rurais. 5. Ausência de bis in idem, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), não é contribuinte da COFINS, inexistindo suposta indevida cumulação de contribuições.” (TRF-4ª Região, AC 2009.71.18.000524-4/RS, Rel. Des. Fed. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, 2ª TURMA, j. 11/11/2009, DE de 12.11.2009)
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. DUPLA TRIBUAÇÃO. INEXISTÊNCIA. 1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica. 2. Para o produtor rural pessoa física empregador e o consórcio simplificado de produtores rurais, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92, que recriou a contribuição). 3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência previstos nas Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.540/92. 4. O art. 25 da Lei 8.212/91, na redação da Lei 8.540/92, prevê a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Tal base ajusta-se ao conceito de faturamento definido para a COFINS no RE 346084, pois o resultado da comercialização da produção rural é, evidentemente, a venda das mercadorias, a atividade desenvolvida pelo produtor rural. A discussão que se travou quanto ao conceito de faturamento diz respeito à inclusão de "outras receitas", como receitas financeiras, royalties, aluguéis, entre outros. Note-se que, a título de "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" jamais se cogitou de tributar referidas "outras receitas" do produtor rural pessoa física empregador, mas somente a venda das mercadorias agropecuárias. 5. Ausência de dupla tributação sobre o mesmo fato, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), não é contribuinte da COFINS. 6. Limitada a pretensão ressarcitória aos fatos geradores ocorridos desde julho de 1993 e sendo a contribuição devida desde março de 1993, nada há a ser repetido. (TRF4, AC 2003.71.00.039228-0, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 18/06/2008)” (grifou-se)
5.2) INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA
Há que se superar, outrossim, a equivocada premissa de que o produtor rural pessoa física com empregados receberia tratamento mais gravoso do que o dispensado ao produtor rural pessoa física que não dispõe de empregados.
Ao afirmar que a tributação do produtor rural com e sem empregados são equivalentes, por incidirem sobre bases similares (resultado da comercialização da produção rural), o STF deixou de ressaltar que a contribuição incidente sobre a folha de salários não mais tem vigência, e que a COFINS não tem incidência sobre a receita proveniente da comercialização da produção do produtor rural pessoa física com empregados, por ausência de sua equiparação à pessoa jurídica, na forma referenciada no item anterior.
É de se salientar que a contribuição sobre folha de pagamentos do empregador rural pessoa física foi expressamente afastada, conforme a redação atual do art. 25 da Lei nº 8.212/91, conferida pela lei nº 10.256/01, in verbis:
“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001)”. (grifou-se)
Houve, como visto, a substituição da contribuição incidente sobre a folha de salários por aquela incidente sobre a comercialização da produção rural, obrigação tributária idêntica àquela exigida do segurado especial (art. 195,8º, CRFB).
Ressalta-se que a única diferença existente entre o regime de tributação do produtor rural pessoa física com empregados e aquele aplicado ao segurado especial deve-se ao fato de que o primeiro, além de contribuir para o custeio da previdência de seus empregados, também tem a obrigação de contribuir para a seguridade social na condição de contribuinte individual, ao passo que o segundo, por não possuir empregados, logicamente, contribui somente para o custeio da própria previdência.
Em suma, a contribuição sobre a comercialização, instituída em substituição à incidente sobre folha de salários, destina-se ao custeio da previdência dos empregados, enquanto que a contribuição como contribuinte individual destina-se ao custeio da própria previdência do empregador rural pessoa física.
Portanto, não há falar em duplicidade de incidência tributária, haja vista destinarem-se as contribuições a fins diversos: custeio da previdência dos empregados e custeio da previdência do próprio empregador rural pessoa física, na condição de contribuinte individual.
Por consequência, trazendo-se à baila os argumentos expostos no item anterior, torna-se também insustentável o fundamento suscitado pelo Ministro Marco Aurélio no sentido de que estaríamos diante de tripla incidência tributária (COFINS, comercialização da produção e folha de salários), em função de que a contribuição paga pelo empregador na condição de contribuinte individual, porquanto idêntica àquela estabelecida em face do segurado especial, não acarreta mácula ao princípio da isonomia.
Merece integral transcrição, pela sua precisão didática, o voto proferido pela Juíza Vânia Hack de Almeida, relatora da Apelação Cível n.º 2003.71.00.039228-0/RS[21]:
“A contribuição sobre a produção rural representa a parte da empresa no financiamento da seguridade social, complementando a contribuição dos trabalhadores empregados e avulsos. O produtor rural pessoa física, equiparado a empresa por dispositivo legal, está, assim, sujeito a tal tributação, e o faz como equiparado a pessoa jurídica, pois, como visto, há na atividade o traço empresarial. Ademais, de um lado, focando o aspecto individual, tal enquadramento assemelha-se à situação do empregador doméstico, que contribui sobre o salários-de-contribuição dos empregados a seu serviço. De outro lado, considerado o aspecto empresarial, também o empresário urbano é contribuinte individual obrigatório. Porém, todos eles, enquanto pessoas individualmente pretendentes aos benefícios previdenciários, devem contribuir, também singularmente, para o custeio do sistema. Não há, neste mecanismo de financiamento, nenhum traço de confisco, dupla tributação ou tratamento não-isonômico; há, isto sim, eqüidade na forma de participação no custeio da seguridade social, conforme princípio constitucional.”
5.3) DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR RELATIVAMENTE A FONTE DE CUSTEIO JÁ PREVISTA NO TEXTO DA CF/88.
Muito embora as conclusões adotadas pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 363.852/MG consubstanciem entendimento diverso, é perfeitamente defensável a similitude entre os conceitos de receita bruta proveniente da comercialização da produção rural e de faturamento, base econômica que já se encontrava prevista na redação original do inciso I do artigo 195 da CF/88.
Ab initio, cumpre ressaltar que, em primeiro plano, não se objetiva defender a equivalência entre os conceitos de faturamento e receita bruta, pura e simplesmente. Precipuamente, o que se pretende é equiparar o termo faturamento a um tipo específico de receita bruta, qual seja: aquela proveniente da comercialização da produção rural. Não se deve perder de vista que o conceito de receita bruta é mais amplo do que a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.
O professor Kiyoshi Harada destrincha essa interessante distinção entre receita bruta e receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, nos seguintes termos:[22]
“Interessante notar que, no caso concreto, que a incidência da contribuição social sobre "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" coincide com o conceito de faturamento da produção rural. A receita bruta, sem o qualificativo "proveniente da comercialização da produção rural", é um conceito mais abrangente que o de faturamento, pois abarca as receitas não operacionais. Contudo, com aquele qualificativo constante da decisão sob exame, que reproduz o que está nos incisos I e II, do art. 25 da Lei nº 8.212/91, os conceitos se equivalem. De fato, receita bruta decorrente proveniente de comercialização da produção rural, por implicar exclusão de outros tipos de receitas (juros, alugueres, ágio na venda de ativos financeiros etc.) coincide rigorosamente com o conceito de faturamento da produção rural”.
Ainda que não se reconheça essa evidente diferenciação entre a receita bruta em geral daquela proveniente da comercialização da produção rural, é perfeitamente possível defender a constitucionalidade da contribuição previdenciária em questão a partir da jurisprudência dominante nas Cortes Regionais e no próprio Supremo Tribunal Federal, haja vista que tais tribunais firmaram entendimento no sentido que são equiparáveis os conceitos de faturamento e receita bruta, conforme se demonstrará adiante.
Para melhor compreender a quaestio, eis o teor do art. 195 da Constituição Federal, em sua redação original:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I- dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
§ 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I”
Por sua vez, o art. 154, I, da Constituição Federal dispõe:
“Art. 154. A União poderá instituir:
I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”
As normas constitucionais acima transcritas autorizam o legislador federal ordinário a instituir as contribuições sociais previstas na Lei Maior.
Ao comentar o §4º do art. 195, Paulsen ensina que a menção a “outras fontes” remete ao futuro, ou seja, à instituição de novas fontes, além das já previstas nos seus incisos I a IV[23].
Observe-se que o art. 1º da Lei nº 8.540/92 não criou nova contribuição, mas apenas alterou a fundamentação constitucional de contribuição já existente de folha de salários para faturamento, sob a denominação de receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.
Demonstrada a desnecessidade de lei complementar nessas circunstâncias, é preciso ter em mente o significado da terminologia empregada pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.540/92: faturamento e receita bruta. Em que pese opiniões em sentido contrário, a interpretação conjugada das definições oferecidas pela legislação, doutrina e jurisprudência dão suporte para as modificações implementadas pela Lei nº 8.540/92, seja pela equiparação entre faturamento e receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, seja pela possível equiparação entre faturamento e receita bruta pura e simplesmente, sem o qualificativo “proveniente da comercialização da produção rural”.
Em linhas gerais, o termo “receita bruta” pode ser compreendido como o produto das vendas e serviços vinculados à atividade da empresa, segundo as definições conferidas pelos seguintes dispositivos legais: Decreto-Lei nº 1.598/77[24], Lei nº 6.404/76[25], Resolução BACEN nº 482/78[26], Decreto-Lei nº 1.940/82[27], com alterações introduzidas pelo DL nº 2.397/87.
Na mesma linha, a doutrina contábil empresta ao termo receita bruta o sentido de resultado exclusivo derivado da industrialização dos produtos, da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, atividades estas vinculadas diretamente ao objeto social descrito no Estatuto ou Contrato Social da sociedade mercantil. Tal categoria de receitas é composta unicamente do ingresso econômico-financeiro dessa natureza, não agrupando receitas ou ingressos outros que não tenham vinculação exclusiva ao objeto principal do negócio mercantil desempenhado.
De outra banda, merece destaque que “fatura” é o documento relativo à venda de mercadorias, pelo qual o vendedor faz conhecer ao comprador a lista dos produtos vendidos com suas especificações, entre as quais o preço. A emissão de fatura nas vendas é obrigatória, nos termos do art. 1º da Lei nº 5.747/68. Já o faturamento é o somatório das faturas em um determinado lapso de tempo.
Todo produtor rural, por exemplo, ao comercializar a sua produção, deve, obrigatoriamente, emitir as respectivas faturas. O faturamento irá corresponder a sua receita bruta proveniente da comercialização da produção, ou o somatório dos valores faturados.
À guisa de exemplo, a Lei nº 9.037/96, que instituiu o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições da Microempresa e Empresas de Pequeno Porte – Simples, estabeleceu a contribuição previdenciária patronal incidente sobre o faturamento ou receita bruta.
A propósito, em caso análogo – ADI 1.103-1 -, cuja decisão foi evocada no voto condutor do RE 363.852/MG, embora o Supremo Tribunal tenha declarado a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 25 da Lei nº 8.870/94, reconheceu a constitucionalidade dos incisos I e II do mesmo dispositivo legal, ao admitir que os termos receita bruta e faturamento são equivalentes entre si, nos seguintes termos:
“Posta assim a questão, vamos ao caso sob exame, o art. 25, I e II, e o § 2º do art. 25 da Lei 8.870, de 1994. Quanto aos incisos I e II do art. 25, não há falar em inconstitucionalidade, dado que o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu que a receita bruta identifica-se com o faturamento. Então, a contribuição está incidindo sobre um dos fatos inscritos no inc. I do art. 195 da Constituição.
Vejamos, agora, o § 2do art. 25:
§ 2º O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se dediquem à produção agro-industrial, quanto à folha de salários de sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado. (grifei)'
Institui o § 2º do art. 25, está-se a ver, contribuição a ser paga pelas pessoas jurídicas que se dedicam à agroindústria, quanto à folha de salários de sua parte agrícola. Até aí, tudo bem, dado que é possível a instituição de contribuição sobre a folha de salários (art. 195, I, CF). A inconstitucionalidade vem em seguida. É que a base de cálculo da contribuição não é o quantum da folha de salários, mas 'o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado.'
A lei, no ponto, inovou ao estabelecer a base de cálculo ou base imponível da contribuição”. (STF – Ministro Carlos Velloso – ADIn 1103-1)
Da mesma forma, assim restou decidido no RE 150.755/PE[28], oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal também admitiu a juridicidade da tomada de empréstimo do conceito de faturamento, equiparável ao de receita bruta, revisto na legislação do imposto de renda, para a finalidade de definir-se a base de cálculo da contribuição incidente sobre faturamento, prevista no inciso I do artigo 195 da CR/1988, e assim, dizer da constitucionalidade do artigo 28 da Lei n° 7.738/1989:
“III – Contribuição para o Finsocial exigível das empresas prestadoras de serviço, segundo o art. 28, Lei n° 7.738/89: constitucionalidade, porque compreensível no art. 195, I, CF, mediante interpretação conforme a Constituição. (…)
8. A contribuição social questionada se insere entre as previstas no artigo 195, I, CR, e sua instituição, portanto, dispensa lei complementar: no art 28 da Lei n° 7.738/89, a alusão a ‘receita bruta’, como base de cálculo do tributo, para conformar-se ao art. 195, I, da Constituição, há de ser entendida segundo a definição do Decreto-Lei n° 2.397/87, que é equiparável à noção corrente de ‘faturamento’ das empresas de serviço”. (RTJ 149/259, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)
Na mesma esteira, as Cortes Regionais também já haviam sedimentado o entendimento na linha de que os termos faturamento e receita bruta eram equivalentes, como se vê, por exemplo, no AMS – 2000.71.10.002687-8, DJU DATA:26/06/2002, Relator Alcides Vettorazzi, do TRF-4 e no AMS 1997.01.00.043974-1/GO, Relator: Juiz Olindo Menezes, Convocado: Juiz Antônio Ezequiel da Silva, Publicação: 10/09/1999 DJ p.200, do TRF-1.
Peço vênia para consignar os fundamentos adotados no voto da Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, quando do julgamento Apelação Cível nº 0002422-12.2009.404.7104/RS, que bem sintetizam a quaestio:
“A equivalência entre os termos faturamento, inscrito na Constituição, e receita bruta, inserida na legislação ordinária, já foi reconhecida pelo STF no julgamento da ADC 01/95. Também no julgamento da ADIN nº 1.103-1/96 restou tacitamente confirmada a correspondência entre tais termos, pois a inconstitucionalidade atingiu apenas a base de cálculo pretendida pela agroindústria (valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado). Embora não tenha sido conhecida a ação de inconstitucionalidade quanto ao caput do art. 25 da Lei nº 8.870/94, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente (Confederação Nacional da Indústria) e parte da matéria impugnada (contribuição do produtor rural pessoa jurídica), observa-se não haver divergência quanto ao entendimento de serem equivalentes as expressões faturamento e receita bruta, em especial o voto do eminente Ministro Ilmar Galvão, do qual transcrevo o seguinte trecho; 'Para obviar o problema, urgia uma providência, de ordem legislativa, que foi concretizada por via do art. 25, caput e parágrafos, da lei ora impugnada, mediante a substituição da folha de pagamento dos empregadores rurais pelo valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, com base de cálculo da contribuição social por eles devida, reduzida a respectiva alíquota de 20% para 2,5%. É fora de dúvida que, ao assim proceder, laborou o legislador ordinário em campo que lhe era franqueado pelo art. 195, I, da Constituição, como já reconhecido por esta Corte nos precedentes invocados pelo eminente Relator, os quais foram categóricos no entendimento de que se compreende no conceito de faturamento, previsto no mencionado texto, a referência a 'receita bruta'.
Na verdade, não há falar em inconstitucionalidade do referido art. 25 da Lei nº 8.870/94. inc. I e II, por haverem mandado calcular a contribuição social devida pelo empregador rural sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.
O problema surge, conforme acentuado pelo eminente Relator, no que concerne à produção dos empregadores rurais organizados sob a forma de agroindústria, em relação aos quais a lei impugnada (art. 25, § 2º) mandou calcular a contribuição, não sobre a receita bruta, posto não haver como se falar, no caso, em receita, se não há operação de venda da produção, mas 'sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado'.
Este reconhecimento ocorreu no âmbito da EC nº 20/98, portanto somente após esta data afigura-se correta a definição da base de cálculo da exação debatida como sendo a receita proveniente da comercialização da produção rural.
Em decorrência, é desnecessária a instituição da exação em comento por lei complementar, porque já tem fonte de custeio constitucionalmente prevista (art. 195, I e § 8º), somente sendo exigida a instituição de contribuição para a seguridade social por meio de tal instrumento normativo para a criação de novas fontes de financiamento, consoante o disposto no artigo 195, § 4º. Assim, não está condicionada à observância da técnica da competência legislativa residual da União (art. 154, I)” (Apelação Cível nº 0002422-12.2009.404.7104/RS, TRF da 4ª Região, 1ª Turma, Relatora: Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, julg. 05.05.2010, DE 12.05.2010).
Como visto, é perfeitamente possível a instituição da contribuição previdenciária prevista no artigo 1º da Lei nº 8.540/92 por lei ordinária, já que a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural se amolda perfeitamente ao conceito contábil de faturamento, inserido no inciso I do artigo 195 da CF/88 – em sua redação original – não constituindo, por tal razão, nova fonte de custeio da Seguridade Social, a exigir sua instituição mediante a edição de lei complementar, nos termos do artigo 195, § 4º, combinado com o artigo 154, I, ambos da CF/88.
6 – DOS LIMITES DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 363.852/MG
Conforme já relatado acima, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do RE nº 363.852/MG, debruçou-se sobre a contribuição previdenciária a cargo dos produtores rurais pessoas físicas com empregados (Lei nº 8.212/91, art. 12, V, letra “a”) incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção” (art. 25, inciso I, da Lei nº 8.212/91 – redação dada pelas Leis nº 8.540/92 e 9.528/97) e cujo respectivo recolhimento incumbe, nos termos do art. 30, inciso IV, da Lei 8.212/91, à empresa adquirente, consumidora ou consignatária, a qual deve reter na fonte a aludida contribuição e repassá-la ao Fisco.
Salienta-se, no entanto, que o mandado de segurança objeto referido Recurso Extraordinário nº 363.852 trata de contribuições cobradas até o final da década de 90, motivo pelo qual, o alcance e os efeitos projetados pelo julgado do STF merecem algumas ponderações.
O RE 363.852 foi interposto nos autos do Mandado de Segurança nº 1998.38.00.033935-3, distribuído em 27/08/1998, ou seja, a impetração ocorreu antes da alteração procedida pela Lei nº 10.256/2001, motivo pelo qual a lide, na instância extraordinária, foi decidida à luz da legislação vigente à época, sem o influxo da referida alteração alhures mencionada.
Cabe, neste passo, transcrever “verbo ad verbum” a decisão proferida pelo Pretório Excelso no RE 363.852, que deu provimento ao recurso:
“[…] para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por subrrogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência.” (grifo-se)
Portanto, apesar de ter afastado a contribuição previdenciária incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física mediante a declaração de inconstitucionalidade do art. 1ª da Lei nº 8.540/92, que modificara a redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, o STF não se pronunciou sobre a atual redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, dada pela Lei nº 10.256, a qual, hodiernamente, dá suporte para a cobrança da contribuição.
Cumpre ressaltar, ademais, que o caso Mataboi (RE 363.852/MG) não foi julgado pela sistemática prevista no art. 543-A do CPC. A repercussão geral da matéria foi reconhecida nos autos do RE 596.177/RS, cujo julgamento iniciou-se em agosto de 2011, mas ainda não transitou em julgado. Apesar do STF ter se mantido a entendimento sobre a inconstitucionalidade da contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, ainda não apreciou os embargos declaratórios manejados pela União (Fazenda Nacional), que questionavam a validade da exação após o advento da Lei nº 10.256/2001.
7 – DO ADVENTO DA LEI 10.256/2001
7.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Posteriormente à base legal enfocada pelo STF no RE nº 363.852/MG (Lei nº 8.540/92 e 9.528/97), e já sob a vigência da EC nº 20/98 (que veio a albergar o “faturamento ou a receita” como base cálculo de contribuição de seguridade social – art. 195, I, “b”, da CF), sobreveio a promulgação da Lei nº 10.256/2001, conferindo nova redação ao art. 25 da Lei nº 8.212/91, in verbis:
“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001).
I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho”. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
Desta forma, a contribuição previdenciária a cargo do produtor rural empregador pessoa física incidente sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção, acaso inquinada estivesse de eventual vício, deixou de estar, adequando-se, pois, à parte dispositiva do acórdão proferido no RE 363.852/MG, porquanto a Lei nº 10.256/2001 expressamente estatuiu que a referida contribuição viria em substituição àquela prevista no art. 22 da Lei nº 8.212/91 (sobre a folha de salários).
7.2) SUJEITOS PASSIVOS – DESTINATÁRIOS
Com o advento da Lei nº 10.256/2001, a figura do produtor rural empregador outra vez foi emergida, ao lado do segurado especial, à condição de sujeito passivo da exação. Em outras palavras, a Lei nº 10.256/2001 estendeu novamente ao produtor rural empregador o regime tributário vigente em relação ao segurado especial.
Com efeito, a contribuição previdenciária em comento já possuía sua regulamentação (ampla, constitucional, válida e eficaz) em relação ao segurado especial, tratando a Lei nº 10.256/01 apenas de reinserir o produtor rural empregador como sujeito passivo da exação, tal como haviam feito as Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97, declaradas inconstitucionais pelo STF. O diferencial da Lei nº 10.256/01 é ter sido editada após a EC nº 20/98, o que lhe confere indiscutível compatibilidade com a norma constitucional.
Nesse passo, não há que se falar em qualquer deficiência da referida Lei quando regulamentou a contribuição previdenciária ao produtor pessoa física empregador, porquanto apenas se utilizou de um regime jurídico completo, estendendo-o a um novo sujeito passivo.
7.3) CRÍTICAS SOFRIDAS PELA LEI
Muito embora seja patente o acerto das modificações promovidas pela Lei 10.256/2001, algumas decisões judiciais têm preconizado que seu advento não foi suficiente para tornar exigível a contribuição previdenciária dos produtores rurais pessoas físicas empregadoras, sob o fundamento de que tal norma, a exemplo das Leis 8.540 e 9.528/97, seria inválida.
Os críticos denominam a Lei nº 10.256/2001 de “capenga”, a partir da seguinte tese: o reconhecimento da inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 pelo STF teria acarretado o afastamento das alterações promovidas por tais normas no art. 25 da Lei nº 8.212/91, voltando este a reger-se por sua redação original, a qual destinava-se apenas aos segurados especiais apontados no inciso VII do art. 12 da Lei de Custeio. Dessa forma, a Lei nº 10.256/2001 teria pecado por não ter definido a base de cálculo, o fato gerador e a alíquota que regeria a contribuição produtores empregadores.
Respaldados nesse equivocado raciocínio, há julgados no sentido de que o único sujeito passivo que permanece regulamentado pelo art. 25 da Lei nº 8.212/91 é o segurado especial, por entenderam que as alterações implementadas pelas Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, relativamente à contribuição previdenciária dos produtores rurais pessoas físicas empregadoras, são todas inválidas.
Vejamos a fundamentação adotada pelo ilustríssimo Desembargador Álvaro Eduardo Junqueira, em decisão monocrática que bem ilustra a indigitada tese:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO LEGAL. PRAZO PRESCRICIONAL. LC 118/2005. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO DO STF SOBRE O ART. 4º DA LC 118/2005. ART. 543-C DO CPC. FUNRURAL. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. ART. 25 DA LEI Nº 8.212/91. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. EC Nº 20/98. LEI Nº 10.256/2001. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DO RE 363.852/MG. DESNECESSIDADE. (…) 7. O RE nº 363.852/MG, decidido em 2010, com toda certeza levou em consideração a existência da lei editada após a EC nº 20/98, vez que declarou a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 8.212/91, com a última redação, ou seja aquela dada pela Lei nº 10.256/2001. 8. A Lei nº 10.256/2001 não tem arrimo na EC nº 20/98, pois, afastada a redação dada ao art. 25 da Lei nº 8.212/91 pelas Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97, declaradas inconstitucionais, não estipulou ela o binômio base de cálculo/fato gerador, nem definiu alíquota. Nasceu capenga, natimorta, pois somente à lei cabe eleger estes elementos dimensionantes do tributo, no caso lei ordinária, conforme art. 9º, I, do CTN, art. 150, I, e 195, caput, ambos da Carta Política”. (TRF4, APELREEX 2007.71.04.003650-8, Primeira Turma, Relator Álvaro Eduardo Junqueira, D.E. 08/09/2010)
Com o devido respeito ao entendimento do ilustre julgador, cumpre referir que a declaração de inconstitucionalidade dirigiu-se apenas às Leis nº 8.540/92, 9.528/97. O Supremo Tribunal Federal não se pronunciou a respeito da Lei nº 10.256/2001, tendo em vista que o mandado de segurança objeto do referido Recurso Extraordinário nº 363.852 trata de contribuições cobradas até o final da década de 90. Ao revés, restou expressamente consignado pela Corte que a contribuição em comento seria considerada inconstitucional até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, viesse a instituir a contribuição.
7.4) APTIDÃO NORMATIVA DA LEI 10.256/2001
7.4.1. Sujeito passivo abrangido pela declaração de inconstitucionalidade pelo STF
O art. 25 da Lei nº 8.212/91, desde a redação conferida pela Lei nº 8.540/92, previa a exação com relação a duas espécies de contribuintes, quais sejam: a) o produtor rural a que alude o art. 12, V, “a” da Lei nº 8.212/91 (com empregados); b) o segurado especial (produtor sem empregados – art. 12, VII da Lei nº 8.212/91).
A seu turno, é certo que a decisão proferida pelo STF só abrange o produtor rural pessoa física empregador. Com relação aos “sem empregados” (segurado especial – art. 12, VII da Lei nº 8.212/91), a contribuição desde sempre foi autorizada pelo texto constitucional (art. 195, § 8º, da CF). E sua ampla regulamentação sempre esteve no art. 25 da Lei nº 8.212/91.
7.4.2. permanência no ordenamento jurídico dos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91
Como já referido alhures, antes do advento da Lei nº 10.256/2001, o art. 25 da Lei nº 8.212/91 já previa duas espécies de contribuintes, quais sejam: a) o produtor rural empregador a que alude o art. 12, V, “a” da Lei nº 8.212/91; b) o segurado especial (produtor sem empregados – art. 12, VII da Lei nº 8.212/91).
É de se repetir ainda que, com relação ao segurado especial (art. 12, inciso VII da Lei nº 8.212/91), que o art. 195, § 8º, da Constituição Federal desde sempre autorizou a tributação sobre o resultado da comercialização da produção. Dessa forma, vale reforçar que a inconstitucionalidade projetada pelo STF é parcial, apenas no tocante ao produtor rural com empregados (art. 12, V, “a”, da Lei nº 8.212/91) referido no caput do art. 25, retirando do rol dos sujeitos passivos da exação.
No tocante aos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91, que continuaram a projetar efeitos com relação ao segurado especial e, portanto, nunca foram afastados do ordenamento jurídico, tratar-se-ia, quanto muito, de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto – apenas para restringir os efeitos com relação ao produtor rural com empregados –, inconstitucionalidade esta que veio a ser superada pelo revigoramento do caput do art. 25, por meio da Lei nº 10.256/2001.
Por tal motivo – a permanente vigência dos incisos no ordenamento – é que a Lei nº 10.256/2001 veio a alterar apenas o caput, para reinserir o produtor rural empregador como sujeito passivo da contribuição, desta feita com fundamento de validade na EC nº 20/98.
Ora, tendo os incisos I e II permanecido textualmente no ordenamento (contribuição do segurado especial – art. 195, § 8º, da CF), a renovação do caput do art. 25 tem o condão de novamente incluir, no regime jurídico da contribuição previdenciária (bases de cálculo e alíquotas estatuídas nos incisos), o produtor rural empregador.
Não haveria motivo para que a Lei nº 10.256/2001 alterasse os incisos, os quais permaneciam no ordenamento jurídico e nunca foram afastados pela jurisdição constitucional, posto que o vício restringia-se a um dos segurados previstos no caput do art. 25 – produtor rural com empregados -, superado pela Lei nº 10.256/2001, conforme exposto.
7.4.3. Sobre a superveniência da Lei nº 10.256/2001 e a ratificação dos incisos do I e II do art. 25 pelo caput – TÉCNICA LEGISLATIVA
Em reforço ao exposto no tópico anterior, vale referir que a manutenção dos incisos I e II do art. 25 a partir da renovação do caput do dispositivo legal pela Lei nº 10.256/2001, obedece, por certo, a técnica legislativa instituída pelo próprio ordenamento pátrio É sabido que a LC nº 95/98, que encontra fundamento de validade no art. 59, parágrafo único, da CF, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. Veja-se o contido no art. 12 da lei complementar em tela:
“Seção III
Da Alteração das Leis
Art. 12. A alteração da lei será feita:
I – mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável;
II – mediante revogação parcial;
III – nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras:
a) revogado;
b) é vedada, mesmo quando recomendável, qualquer renumeração de artigos e de unidades superiores ao artigo, referidas no inciso V do art. 10, devendo ser utilizado o mesmo número do artigo ou unidade imediatamente anterior, seguido de letras maiúsculas, em ordem alfabética, tantas quantas forem suficientes para identificar os acréscimos;
c) é vedado o aproveitamento do número de dispositivo revogado, vetado, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou de execução suspensa pelo Senado Federal em face de decisão do Supremo Tribunal Federal, devendo a lei alterada manter essa indicação, seguida da expressão ‘revogado’, ‘vetado’, ‘declarado inconstitucional, em controle concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal’, ou ‘execução suspensa pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da Constituição Federal’;
d) é admissível a reordenação interna das unidades em que se desdobra o artigo, identificando-se o artigo assim modificado por alteração de redação, supressão ou acréscimo com as letras ‘NR’ maiúsculas, entre parênteses, uma única vez ao seu final, obedecidas, quando for o caso, as prescrições da alínea "c".
Parágrafo único. O termo ‘dispositivo’ mencionado nesta Lei refere-se a artigos, parágrafos, incisos, alíneas ou itens”.
Como se vê do preceptivo legal em epígrafe, evidentemente, são inaplicáveis à espécie as disposições dos incisos I e II. Deveras, a hipótese a ser aplicada no caso era a do inciso III, isto é, substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado. E assim sendo, para a alteração do art. 25 da Lei 8.212/91, haveriam de ser observadas as regras/vedações dispostas nas alíneas do inciso em questão (III), entre as quais, aliás, não consta a de não se aproveitar a redação do dispositivo alterado naquilo em que for pertinente. Antes o contrário: o art. 12, III, dá a ideia de que haverá substituição do que precisa ser alterado e, pelo raciocínio inverso, de que não haverá alteração daquilo que não precisa ser substituído.
Por conta disso, ao editar a Lei nº 10.256/01, no ponto referente à substituição do art. 25 da Lei 8.212/91, procedeu o legislador tão-somente à alteração do caput da norma jurídica. Os demais dispositivos do artigo, em especial os incisos I e II, contudo, não foram alterados e isso, justamente, porque a redação de tais dispositivos não necessitava ser substituída, na medida em que atendia plenamente a intenção do legislador. Daí o aproveitamento, a ratificação dos dispositivos em questão de acordo com a redação que lhes foi dada pela lei anterior.
Aliás, com a devida vênia, o equívoco da ideia de que o legislador teria editado o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 por meio da Lei nº 10.256/01 sem ratificar as disposições dos respectivos incisos revela-se também do fato de que é do rigor da técnica legislativa que os artigos desdobrem-se em parágrafos e incisos, na medida em que estes expressam os aspectos complementares à norma e/ou suas exceções (LC nº 95/98, art. 10, II, e art. 11, III, “c” e “d”).
De fato, trata-se de lei editada em conformidade com as disposições constitucionais (CF/88, art. 59, parágrafo único) e legais (LC nº 95/98), que, valendo-se das devidas técnicas legislativas, traz em seu bojo a hipótese de incidência e o sujeito passivo da relação tributária (por alteração do caput do artigo 25 da Lei nº 8.212/91), bem como a base de cálculo e a alíquota (por ratificação, aproveitamento da redação dada pela Lei nº 9.528/97 aos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91) daquela exação.
8 – POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO FOLHA DE SALÁRIO PELA PRODUÇÃO RURAL ANTES DA EMENDA 42/03 (§12 e 13 do art. 195 da CF/88)
Em reforço à defesa da constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, interessa demonstrar que antes mesmo do advento da EC nº 42/03[29] já havia a possibilidade de substituir a incidência da contribuição previdenciária sobre a folha de salários (art. 195, I, “a”, da CF88) pelo faturamento (receita operacional) (art. 195, I, “b”, da CF88).
Isso porque a Constituição Federal em nenhum momento veda a instituição da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre o faturamento, em substituição à folha de salários. A viabilidade de tal permuta é evidenciada justamente pelo §13 do art. 195 da CF/88, quando expõe que a lei poderá definir os setores da atividade econômica que terá o regime não-cumulativo da contribuição previdenciária, “na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.”
Ou seja, o legislador constituinte partiu da premissa de que é possível a substituição das bases de cálculo e, então, previu o regime da não-cumulatividade. Não visava o Constituinte, portanto, criar essa possibilidade de alteração da base de cálculo, mas admiti-la como possível e, por consequência, previu o sistema não-cumulativo. Dessa forma, o que houve foi uma mera modificação da base de cálculo do tributo, não vedada constitucionalmente.
E importa destacar que o TRF4, no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade n.º 2006.70.11.000309-7/PR[30], expressamente refutou o argumento de que a EC nº 42/03 teria criado a possibilidade de substituição da base de cálculo da contribuição previdenciária, nos termos aqui perfilhados. Vejamos:
“ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. SEGURIDADE SOCIAL. AGROINDÚSTRIA. FATO GERADOR. REMUNERAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO. RECEITA BRUTA. NOVA FONTE DE CUSTEIO. BITRIBUTAÇÃO. SUJEIÇÃO PASSIVA. ALARGAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. REJEIÇÃO.
1. Incidente de argüição de inconstitucionalidade suscitado em face do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, o qual introduziu o artigo 22A, caput e incisos I e II, na Lei nº 8.212/91.
2. Dispositivo legal que prevê contribuição para a seguridade social a cargo das agroindústrias com incidência sobre a receita bruta em caráter de substituição à contribuição sobre a remuneração paga, devida ou creditada pela empresa (incisos I e II, artigo 22, Lei nº 8.212/91 e alínea "b", inciso I, artigo 195, CF).
3. Hipótese que representa mera substituição constitucionalmente albergada de uma exigência tributária por outra, sem com isso significar a instituição de nova fonte de custeio da seguridade social, caso que demandaria a edição de lei complementar e a não coincidência com fato gerador ou base de cálculo de contribuição já existente, nesse caso sob pena de vedada bitributação (§ 4º, artigo 195 c/c o inciso I, artigo 154, ambos da CF).
4. Alegação improcedente de indevido alargamento da sujeição passiva tributária contemplada no § 8º do artigo 195 da CF, na medida em que a tratada substituição parte da perspectiva das contribuições devidas pela empresa, no caso específico no ramo da agroindústria.
5. A substituição empreendida não contraria a matriz constitucional tributária, significando salutar medida alcançada ao contribuinte para o efeito de desonerar a folha de pagamentos das pessoas jurídicas que atuam na qualidade de agroindústria, bem como forma de otimizar a fiscalização tributária ante a informalidade das contratações de mão-de-obra no âmbito rural.
6. Caso que não importa em sobreposição de nova espécie tributária voltada ao custeio da seguridade social, representando, de outra parte, faculdade de substituição com escopo parafiscal. O fato de a empresa optante já pagar a COFINS sobre a mesma base de cálculo não evidencia sobrecarga tributária ante o advento da modalidade discutida, uma vez que ocorre no caso efetiva substituição de modalidades tributárias, não o incremento.
7. Acolhimento da tese de que a substituição em liça encontra viabilidade no sistema tributário brasileiro desde o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998, que implementou o elenco integrado ao inciso I do artigo 195, o qual por sua vez permite tal hermenêutica, e não apenas a contar da Emenda Constitucional nº 42/2003, a qual inseriu o § 13 ao aludido preceptivo, efetiva disposição remissiva e não permissiva da debatida substituição.
8. Argüição de inconstitucionalidade rejeitada.” (grifou-se)
É bem verdade que o TRF4, por meio de sua Corte Especial, apreciou, naquela oportunidade, o regime constitucional vigente a partir da EC nº 20/98, tendo em vista que a lei que estava com a sua constitucionalidade atacada (artigo 1º da Lei nº 10.256/2001) era posterior à referida emenda constitucional.
Ocorre que, pelas razões de decidir do referido acórdão, não há motivos substanciais para diferenciar o período anterior da EC nº 20/98, porquanto já havia previsão expressa das contribuições sociais incidirem sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Ou seja, as três bases de cálculo possíveis já estavam previstas constitucionalmente, podendo o legislador ordinário instituir contribuições sobre tais bases de cálculo por meio de lei ordinária.
Reitere-se, para efeito de se viabilizar a substituição da base de cálculo das contribuições previdenciárias da folha de salários pelo faturamento, a EC nº 20/98 não trouxe qualquer alteração substancial na Ordem Constitucional apta a elevá-la à condição de marco histórico em que se inicia essa possibilidade.
9- O RISCO DO EFEITO REPRISTINATÓRIO
Conforme sinalizado em diversas oportunidades ao longo deste estudo, com o advento da Lei n. 8.540/92 a contribuição do produtor rural pessoa física deixou de incidir sobre a folha de salários, que era a regra geral do art. 22 da Lei n. 8212/91, e passou a incidir sobre o valor da comercialização da produção rural, como regra específica do art. 25 da Lei nº 8212/91.
Portanto, caso seja mantido o entendimento pela inconstitucionalidade desta contribuição previdenciária – mesmo após o advento da Lei nº 10.256/2001 –, cabe referir que, afastadas do ordenamento as Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, opera-se o restabelecimento da sistemática prevista na redação originária da Lei nº 8.212/91, qual seja, a oneração do produtor rural com empregados pelo art. 22, inciso I (folha de salários).
É que a redação original do art. 25 da Lei nº 8.212/91 se direcionava apenas ao segurado especial, o que veio a ser modificado com o advento da Lei nº 8.540/92, que incluiu o produtor rural com empregados no caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, bem como vedou a incidência da contribuição sobre a folha de salários, a partir da inclusão do § 5º ao art. 22 da Lei nº 8.212/91.
A retirada de nosso ordenamento jurídico da regra que alterou o regime de tributação do empregador rural pessoa física acarreta, como consequência direta e inarredável, a repristinação constitucional da exigência no padrão que vigia anteriormente, restaurando, assim, a exigibilidade contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos empregadores rurais pessoas físicas (redação originária da Lei nº 8.212/91, art. 22, inc. I).
A isto se dá o nome de efeito repristinatório[31], admitido pela jurisprudência pátria como sanção ao ato inconstitucional. Trata-se de consequência lógica direta da adoção da ideia da nulidade da lei inconstitucional: se a lei inconstitucional é nula, não poderia gerar quaisquer efeitos no sistema jurídico, inclusive revogar as normas anteriormente vigentes.
Nesse sentido, Luís Roberto Barroso[32] é magistral:
“A premissa da não-admissão dos efeitos válidos decorrentes do ato inconstitucional conduz, inevitavelmente, à tese da repristinação da norma revogada. É que, a rigor lógico, sequer se verificou a revogação no plano jurídico. De fato, admitir-se que a norma anterior continue a ser tida por revogada importará na admissão de que a lei inconstitucional inovou na ordem jurídica, submetendo o direito objetivo a uma vontade que era viciada desde a origem. Não há teoria que possa resistir a essa contradição”.
Não há que se confundir, no entanto, o efeito repristinatório decorrente da declaração de inconstitucionalidade e a repristinação prevista na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Nos termos do art. 2º, §3º, da LINDB, a repristinação é a restauração expressa de uma lei revogada por intermédio de outra (lei repristinatória), verbis: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Tal efeito restaurador da norma anterior é assente no Supremo Tribunal Federal:
“[…] A declaração de inconstitucionalidade "in abstracto", considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 – RTJ 194/504-505 – ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes” (ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "Informativo/STF" nº 224, v.g.) (…)." (trecho da ementa da ADI 3148 / TO, julgada em 13/12/2006) (grifou-se)
“A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito. – A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional” (STF – Pleno, Ac. un. ADIn 652-5-MA – Questão de Ordem – Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p. 5.615). (grifou-se)
9.1) DO RECÁLCULO EM CASO DE PEDIDO DE RESTITUIÇÃO
Firmada a premissa de que o reconhecimento da inexigibilidade da exação impõe o efeito repristinatório das regras que fundamentavam a exação (nos padrões que vigiam anteriormente), faz-se necessário fixar um critério de cálculo para a apuração do valor que passará a ser exigido.
É que, conforme aventado anteriormente, com o restabelecimento da contribuição sobre a folha de salários, eventual pedido de restituição deve se limitar ao montante consubstanciado na diferença entre a contribuição incidente sobre o valor da comercialização da sua produção (Lei nº 8.212/91, com redação dada pelas Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001 e tida por inconstitucional) e aquela que seria devida acaso incidente o percentual sobre a folha de salários (Lei nº 8.212/91, art. 22, I – redação original), haja vista que o eventual reconhecimento de inconstitucionalidade se limitará a expungir o excesso correspondente ao atual regime de tributação (em cotejo com a sistemática anterior), não atingindo a integralidade da exação. Ou seja, o quantum a restituir deve se limitar à diferença entre a contribuição tida por indevida e aquela que exsurge (revigora-se) em seu lugar.
Para tanto é necessário realizar o seguinte cálculo, subtraindo o valor alcançado na alínea "a" do valor identificado na alínea "b" abaixo:
a) Total da comercialização anual x 2,1% = FUNRURAL pago no ano
b) Total mensal dos salários pagos aos empregados x 13,33 (12 meses + 13º + férias) x 23% = INSS sobre a folha de pagamentos
O resultado alcançado de tal subtração será o montante a ser repetido ao contribuinte.
Neste diapasão, sinaliza-se para a importância do produtor rural aferir, previamente ao ajuizamento da demanda, se o provimento jurisdicional buscado, de fato, lhe renderá vantagens. Isso porque, a depender do número de empregados que possuir, o valor da contribuição incidente sobre a folha de salários, conforme redação da regra geral do art. 22 da Lei nº 8212/1991, poderá superar o valor da contribuição ordinariamente calculada sobre a receita bruta da comercialização de sua produção, previsto no art. 25 da Lei nº 8.212/91, sendo capaz de gerar-lhe, dessa forma, um efeito indesejável.
10 – OS PROBLEMAS DECORRENTES DAS LIMINARES DEFERIDAS AUTORIZANDO O DEPÓSITO JUDICIAL PELO EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA
A proliferação de demandas judiciais sobre o tema, somada ao deferimento desenfreado de liminares autorizando os produtores rurais a depositaram em juízo a quantia controversa têm ameaçado a organização do sistema fiscal arrecadatório.
A autorização para que os próprios produtores rurais pessoas físicas com empregados façam o depósito dos valores da contribuição devida subverte totalmente a sistemática de subrrogação prevista no artigo 30[33], incisos III[34] e IV[35] da Lei nº 8.212/91, acarretando inegável prejuízo à retenção, ao recolhimento e ao cumprimento de obrigações acessórias indispensáveis para segurança e higidez do sistema de tributação do produtor rural.
É consabido que a substituição tributária é uma técnica que leva à escolha de um terceiro para cumprir a obrigação tributária, levando-se em consideração a quantidade de contribuintes que operam no setor com dificuldade considerável para a fiscalização pela administração fazendária[36]
Nesta senda, a única forma de manter o controle das operações de comercialização da produção rural realizada pelos contribuintes do Novo Funrural (empregadores rurais pessoas físicas) é por meio de uma rígida sistemática de substituição tributária, sem o que se torna inviável construir um regime eficiente e seguro de tributação incidente no meio rural.
A depender da posição do responsável pelo recolhimento do tributo na cadeia econômica, a substituição tributária pode ser classificada em “para frente” e “para trás”. Tais institutos são definidos por Leandro Paulsen da seguinte forma:
“Na substituição para frente há uma antecipação do pagamento relativamente à obrigação que surgiria para o contribuinte à frente, caso em que o legislador tem de presumir a base de cálculo provável e, caso não se realize o fato gerador presumido, assegurar a imediata e preferencial restituição aos contribuintes da quantia que lhe foi retirada do substituto, tal como previsto, aliás, no art. 150, §7º, da CF.
Na substituição tributária para trás, há uma postergação do pagamento do tributo, transferindo-se a obrigação de reter e recolher o montante devido, que seria do vendedor, ao adquirente dos produtos ou serviços”.
O autor ainda atenta para a distinção entre a substituição para trás e o diferimento:
“Deve-se ter cuidado para não confundir a substituição para trás com a figura do diferimento. Na substituição para trás continua havendo a figura do contribuinte, mas é do responsável a obrigação de recolher o tributo. No diferimento, o legislador desloca a própria posição do contribuinte daquele que assim se enquadraria, considerada a regra geral daquele tributo, para eleger como contribuinte outra pessoa que lhe sucede na cadeia produtiva. Note-se que ocorrido uma situação considerada fato gerador de obrigação tributária, o legislador pode colocar como contribuinte qualquer das partes que realize o negócio. Colocando o vendedor como contribuinte, mas obrigando o comprador a recolher como responsável, temos a substituição tributária; colocando o vendedor como contribuinte para situações normais, mas, para determinada operação específica, excepcionalmente, considerado contribuinte o comprador, temos o diferimento”.
Por tais razões, a sistemática de subrrogação prevista nos incisos III e IV do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 pode ser entendida substituição tributária para frente.
Não é despiciendo salientar que a quebra da sistemática de subrrogação (substituição tributária) tem reflexos diretos na alteração da responsabilidade pela obrigação tributária, ao retirar do adquirente da produção rural a obrigação de promover a retenção, recolhimento e informações relacionadas à obrigação, com repasse de tal ônus ao empregador rural pessoa física, quem de fato realiza o fato gerador, consistente na comercialização da produção rural.
Tal quebra da sistemática, resultante da autorização para a efetivação dos depósitos judiciais pelos produtores, tornará inviável a reconstrução das informações que antes ficavam a cargo do subrrogado (adquirente), obrigando a Receita Federal do Brasil a promover a fiscalização e o lançamento direto e in loco de todos os produtores rurais pessoas físicas, medidas totalmente inviáveis diante da falta de recursos pessoais, materiais e da ausência de informações necessárias para tanto.
Igualmente, a autorização para que os produtores façam o depósito judicial retira a segurança e efetividade de um ingresso financeiro corrente e com o qual o sistema conta para a manutenção e expansão da Seguridade Social, já que a apuração de valores, cálculos, retenções e efetivação dos depósitos não são garantidos, tornando-se inviável para o ente arrecadatório conferir os dados e apurar a fidedignidade dos valores de milhares produtores.
Por fim, conforme sinalizado anteriormente, há outra imperfeição nas decisões que autorizam tais depósitos judiciais: elas invertem a presunção de constitucionalidade que vige em relação à Lei nº 10.256/2001, sobretudo se considerarmos o teor das atuais manifestações proferidas pelas Cortes Regionais no sentido de privilegiar a preponderância da presunção de constitucionalidade que o referido diploma legal ostenta.
Diante de tais aspectos, e, mormente em função da flagrante juridicidade que recai sobre a Lei nº 10.256/2001, conclui-se que a manutenção do recolhimento das contribuições incidentes sobre a comercialização da produção dos empregadores rurais pessoas físicas é medida plenamente legítima e consentânea com as diretrizes normativas do nosso ordenamento, pelo menos até o momento em que a jurisprudência dos Tribunais Superiores sinalize em sentido diametralmente oposto, antes do que deve-se evitar que a ausência de recolhimentos do referido tributo ocasione grave prejuízo à manutenção e expansão da Seguridade Social.
CONCLUSÃO
Diante do estudado e exposto ao longo do presente trabalho, que teve por objetivo defender a constitucionalidade, sem quaisquer restrições, da contribuição prevista na Lei nº 8212/91, art. 25, I, devida pela pessoa física empregadora rural[37], incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção”, sobretudo após o advento da Lei nº 10.256/2001, conclui-se que:
Apesar de desafiadora, foi cumprida a tarefa de apresentar ponderações ao entendimento adotado pelo STF no julgamento do RE 363.852, bem como, de levantar as demais questões que, embora sejam de suma relevância para a compreensão da matéria, ainda não foram apreciadas pela Corte Suprema.
Inicialmente, foi feita uma abordagem histórica da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, enaltecendo que a exação já incidia sobre o valor comercial dos produtos rurais desde a edição da Lei Complementar nº 11/71, não sendo esta uma novidade implementada pela Lei nº 8.540/92, cujo art. 1º, I foi declarado inconstitucional pelo STF.
Com relação ao RE nº 363.852/MG, destacou-se que a declaração de inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 abrange somente o produtor rural pessoa física com empregados (art. 12, V, “a”, da Lei nº 8.212/91), mormente em função de que em relação ao segurado especial, a tributação do resultado da produção desde sempre foi admitida pelo texto constitucional (art. 195, §8º, da CF).
Foram rebatidos, um a um, todos os argumentos que levaram à declaração de inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97, de modo a ressaltar as contradições verificadas no julgado da Suprema Corte.
Ao contrário do posicionamento adotado pelo STF, argumentou-se que a modificação implementada pela Lei nº 8.540/92 na contribuição previdenciária dos empregadores rurais pessoas físicas era perfeitamente possível, já que a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural se amolda perfeitamente ao conceito contábil de faturamento, inserido no inciso I do artigo 195 da CF/88 – em sua redação original – não constituindo, por tal razão, nova fonte de custeio da Seguridade Social, a exigir sua instituição mediante a edição de lei complementar, nos termos do artigo 195, § 4º, combinado com o artigo 154, I, ambos da CF/88.
Ainda em confronto ao entendimento da Suprema Corte, comprovou-se a inexistência de bis in idem entre a contribuição previdenciária dos empregadores rurais pessoas físicas e outra contribuição cuja grandeza econômica albergada pelo art. 195, I, “b”, da CF, em razão de não serem os produtores rurais pessoas física contribuintes da COFINS. Em suma, comprovou-se que a contribuição prevista no art. 25 da Lei 8.212/91 a única incidente sobre a produção agrícola das pessoas físicas.
Por fim, ressaltou-se que a ideia de violação ao princípio da isonomia, sob a alegação de que o produtor rural pessoa física com empregados receberia tratamento mais gravoso do que o dispensado ao produtor rural pessoa física que não dispõe de empregados, não passa de uma premissa equivocada, na medida em que a tributação do produtor rural com e sem empregados são equivalentes por incidirem sobre bases similares (resultado da comercialização da produção rural). A contribuição que incidia sobre a folha de salários do empregador rural pessoa física, segundo a redação original da Lei nº 8.212/91, perdeu a vigência ao ser substituída por aquela incidente sobre a produção. Ainda neste ponto, foi dito que o fato de o empregador rural contribuir para o custeio da previdência própria e a de seus empregados não representa quebra à isonomia, mas sim, uma consequência lógica por ser o mesmo um contribuinte individual.
No tocante às decisões liminares que vêm autorizando a efetivação de depósitos judiciais pelos empregadores rurais pessoas físicas, salientou-se que a sua manutenção acarretará a quebra da sistemática de subrrogação, com inegável prejuízo à retenção e recolhimento da exação, bem como às relevantes informações comumente prestadas à Previdência Social, cujo mister compete, por lei, ao adquirente da produção na condição de subrrogado. Salientou-se, ademais, que a presunção de constitucionalidade da Lei nº 10.256/2001 deveria ser sopesada pelo Judiciário, a fim de conter a desenfreada concessão de liminares que vêm desestabilizando todo o sistema previdenciário.
Ainda que se admita correta a decisão tomada pela Suprema Corte, necessário ponderar que a Lei nº 10.256/2001, publicada na vigência da EC nº 20/98, instituiu de forma válida a exação sobre “receita ou faturamento”, tornando constitucional – pelo menos a partir daí – a contribuição devida pelo produtor rural empregador pessoa física, conforme expressa observação do voto condutor do RE nº 363.852/MG.
Outrossim, através da exposição da técnica legislativa empreendida[38], restaram fustigadas todas as críticas que recaem sobre a presteza da Lei nº 10.256/2001, taxada erroneamente de “capenga” por parcela da jurisprudência.
Neste passo, demonstrou-se que a exação devida pelo segurado especial permaneceu hígida no decurso das alterações legislativas, em face da previsão específica do art. 195, §8º, da CF, sendo certo que os incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91 nunca foram expungidos do ordenamento jurídico, permanecendo válidos e eficazes em relação aos segurados especiais.
Por tal motivo, a Lei nº 10.256/2001 limitou-se a reinserir o “produtor rural com empregados” no âmbito da tributação prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não sendo necessário reescrever toda a regulamentação da contribuição que já regia o segurado especial, mas tão-só incluir o novo sujeito passivo em seu caput.
Frisou-se, assim, que a renovação do caput do art. 25 teve o condão de reincluir o empregador rural pessoa física na relação jurídico-tributária que já vigia em relação ao Segurado Especial. Foi inserido mais um contribuinte no caput, fazendo com que as alíquotas e bases de cálculo já estatuídas nos incisos I e II (e nunca revogadas) para o segurado especial passassem a ter incidência, também, ao produtor rural com empregados.
De outra banda, prevendo a possibilidade de mantença da inconstitucionalidade da contribuição do empregador rural – mesmo após o advento da Lei nº 10.256/2001 –, referiu-se que, caso sejam afastadas do ordenamento as Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, se operaria o restabelecimento da sistemática prevista na redação originária da Lei nº 8.212/91, em cujo art. 22, I onerava-se a folha de salários do produtor rural pessoa física.
Assim, o quantum restituível deve se limitar à diferença resultante entre a contribuição incidente sobre o valor da comercialização da sua produção (art. 25 da Lei nº 8.212/1991, redação dada pelas Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001 e tida por inconstitucional) e aquela que seria devida acaso incidente o percentual sobre a folha de salários (art. 22, I, da Lei nº 8.212/91 – redação original).
Em suma, todas as críticas incidentes sobre o “novo Funrural” foram contundentemente rechaçadas com argumentos bem fundamentados em doutrina, legislação e jurisprudência. A constitucionalidade de todas as leis que modificaram o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi defendida com o objetivo de comprovar a juridicidade da exação desde o seu surgimento, ou em última hipótese, desde a edição da Lei nº 10.256/2001, afastando a ameaça de desestabilização que paira no sistema da seguridade social desde o julgamento do RE 363.852/MG.
Procuradora da Fazenda Nacional, Mestre em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis, Pós-Graduada em Direito Tributário
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