Resumo: Analisa a compatibilidade existente entre a busca pela efetividade dos direitos sociais e a cláusula reserva do possível. Contextualiza os direitos sociais como direito fundamentais de segunda dimensão. Investiga o princípio da aplicabilidade imediata e da plena eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais consagrado no artigo 5°, § 1° da CF/88. Investiga a compatibilização entre direitos sociais e a cláusula reserva do possível.
Palavras-chave: Efetividade dos Direitos Sociais. Cláusula da Reserva do Possível. Compatibilidade.
Os direitos sociais, como é cediço, são catalogados como direitos fundamentais de 2º Dimensão, que se traduzem, predominantemente, em direito à prestações devidas pelo Estado à generalidade dos cidadãos ou a determinados grupos abstratamente considerados e atribuídos com o intuito de realizar a Justiça Social.
Alexandre de Moraes conceitua direitos sociais como[1]:
“(…) direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.”
A par de existirem alguns direitos sociais que se consubstanciam em direitos de defesa, à exemplo do direito de greve (art. 9º, da CF), da liberdade de associação sindical (art. 8º, da CF), e das proibições contra discriminações nas relações trabalhistas consagradas no art. 7º, incs. XXXI e XXXII, a maioria dos direitos sociais impõe ao Estado uma obrigação de fazer com vistas ao alcance do bem estar social.
Pois bem. Os direitos sociais à prestações não raras vezes são positivados expressamente sob a forma de normas programáticas, imposições legiferantes mais ou menos concretas, enfim, de tal forma a exigir- ao menos em princípio e, em se partindo de uma perspectiva meramente textual – uma interposição do legislador para que venham a adquirir sua plena eficácia e aplicabilidade.
Justamente por exigirem um comportamento ativo do poder estatal, via implementação de políticas públicas, os direitos sociais suscitam dificuldades diversas que levaram boa parte dos autores a negar-lhes aplicabilidade imediata e, em razão disto, plena eficácia.
Convém lembrar, porém, que, todas as normas constitucionais sempre são capazes de gerar algum tipo de efeito jurídico, porquanto dotadas de um mínimo de eficácia. Assim, mesmo uma norma não-auto aplicável, de caráter eminentemente programático e contendo princípios de natureza geral, no mínimo estabelece alguns parâmetros para o legislador, no exercício de sua competência concretizadora.
O princípio da aplicabilidade imediata (direta) e da plena eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais está consagrado no artigo 5°, § 1° da CF/88.
Frise-se que a tal dispositivo deve-se dar uma interpretação sistemática e teleológica, estendendo seus efeitos para todos os direitos fundamentais, inclusive os direitos sociais. Neste sentido doutrina de Ingo Wolfgan Sarlet[2]:
“(…)Em que pese a circunstância de que a situação topográfica do dispositivo poderia sugerir uma aplicação da norma contida no art. 5º, § 1º, da CF apenas aos direitos individuais e coletivos (a exemplo do que ocorre com o § 2º do mesmo artigo), o fato é que este argumento não corresponde à expressão literal do dispositivo, que utiliza a formulação genérica ‘direitos e garantias fundamentais’, tal como consignada na epígrafe do Título II de nossa Lex Suprema, revelando que, mesmo em se procedendo a uma interpretação meramente literal, não há como sustentar uma redução do âmbito de aplicação da norma a qualquer das categorias especificas de direitos fundamentais consagradas em nossa Constituição (…)”.
Contribui com esse entendimento o próprio § 2° do artigo 5° e sua concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais.
Portanto, o escopo do § 1° do art. 5° é evitar um esvaziamento dos direitos fundamentais, garantindo sua aplicação aos casos concretos e gerando os efeitos jurídicos que lhe são ínsitos.
Ocorre que o estudo da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais tem como contraponto o fato de que esses direitos carecem de recursos econômicos necessários a sua viabilização, nem sempre presentes, sobretudo em países em desenvolvimento como o Brasil.
A esta circunstancia denominou-se reserva do possível, conceito que surgiu da jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, onde se definiu que é aquilo que alguém pode razoavelmente esperar da sociedade. A reserva do possível envolve, pois, uma valoração sobre o custo inerente a uma determinada prestação considerando a escassez em que vive essa sociedade.
Segundo a doutrina alemã, a decisão sobre a disponibilidade dos recursos a serem empregados na efetivação dos direitos prestacionais caberia aos órgãos governamentais, nos limites de sua discricionariedade, e dos parlamentos, através da composição dos orçamentos públicos.
No Brasil, diante da inação na implementação das políticas públicas ou no equívoco na escolha destas, o judiciário é invariavelmente instado, via tutela jurisdicional, a viabilizar a fruição dos direitos fundamentais mediante o preenchimento das lacunas existentes, sempre sopesando a circunstância de escassez de recursos necessários e a efetivação do direito social colimado de forma a garantir o mínimo existencial.
Tal compatibilização deve se dar mediante aplicação do princípio da razoabilidade, conformando eventuais direitos em colisão, e priorizando as medidas mais adequadas, necessárias, proporcionais e aptas à preservação da dignidade da pessoa humana, visto ser tal princípio o epicentro e razão de existência da Carta Constitucional, segundo doutrina Neoconstitucionalista que orienta o Direito Constitucional moderno.
Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG
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