Resumo: Com presente artigo pretende-se realizar um estudo comparativo sobre como o Brasil e a Suíça tratam a questão da Eutanásia. Para tanto, serão analisadas normas jurídicas de ambos os países sobre a questão, além de obras e artigos científicos relacionados ao tema, adotando-se, assim, a análise bibliográfica como base teórica, por intermédio dos autores Roxana Cardoso Brasileiro Borges, Roberto Dias, Maria Helena Diniz, Antonio Carlos Lopes, Carolina Alves de Souza Lima, Luciano de Freitas Santoro e Marcelo Marcante. Primeiramente, serão analisados os conceitos basilares acerca da Eutanásia, além de serem feitas as devidas distinções entre outros institutos. Em seguida, far-se-á o exame, em separado, sobre a forma como cada país trata o assunto. Por fim, busca-se demonstrar se o direito à vida deve, de fato, prevalecer sobre o direito à liberdade, tal qual ocorre no Brasil, ou se o contrário deve ser adotado, como na Suíça. Para tanto, utilizar-se-á o método fenomenológico Heideggeriano, pelo qual se espera desvelar, descobrir, se o melhor a se fazer é privilegiar a vida, ao invés da liberdade, tal qual se pratica no direito interno.
Palavras-chave: Eutanásia; Direito à Vida; Liberdade; Morte Digna; Suicídio Assistido.
Abstract: This article intends to carry out a comparative study on how Brazil and Switzerland treat the question of Euthanasia. To do so, we will analyze the legal norms of both countries on the issue, as well as works and scientific articles related to the subject, adopting the bibliographic analysis as a theoretical basis, through authors like Roxana Cardoso Brasileiro Borges, Roberto Dias, Maria Helena Diniz, Antonio Carlos Lopes, Carolina Alves de Souza Lima, Luciano de Freitas Santoro and Marcelo Marcante. Firstly, the basic concepts about Euthanasia will be analyzed, as well as the due distinction among other institutes. Thereafter, a separate examination will be made of how each country treats the subject. Finally, it is sought to demonstrate if the right to life must, in fact, prevail over the right to freedom, as it does in Brazil, or whether the opposite should be adopted, as in Switzerland. For this, the Heideggerian phenomenological method will be used, which is expected to reveal, if the best thing to do is to privilege life, rather than freedom, as is practiced in domestic law.
Keywords: Euthanasia; Right to Life; Freedom; Dignified Death; Suicide Assisted.
Sumário: Introdução; 1. A eutanásia: conceitos basilares; 2. A eutanásia e o ordenamento jurídico brasileiro; 2.1. As Resoluções nº 1.805 de 2006 e nº 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina; 2.2. Os aspectos jurídico-penais da eutanásia no Brasil; 3. O tratamento jurídico da Suíça sobre a eutanásia; Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A Eutanásia é um assunto de grande relevância para sociedade brasileira, em especial com o aumento dos casos de doenças graves, como o câncer e o Acidente Vascular Cerebral, por exemplo.
Os pacientes nesses quadros possuem, no geral, um prazo de vida reduzindo, tendo que conviver com dores e angústias que podem ser abreviados por intermédio da correta administração do referido procedimento.
Assim, o presente trabalho se presta a esclarecer algumas dúvidas sobre este assunto, sendo o primeiro capítulo dedicado a debruçar-se sobre definições e comparações entre a Eutanásia e os institutos a ela semelhantes, como por exemplo, a distanásia.
Além disso, no segundo capítulo, pretende-se discorrer sobre as normas do direito brasileiro aplicáveis nesses casos, sendo os principais desses o Código Penal, o testamento vital regulado pelo CRM, dentre outros.
À título de comparação, analisaremos no terceiro capítulo a forma como a Suíça tem tratado este assunto, em especial a questão das “casas de eutanásia”. Com isso, pretende-se demonstrar como este país trata a liberdade de indivíduos.
Feitas estas análises, passa-se às considerações finais, pelas quais pretende-se analisar a forma como os dois países tratam esta ponderação de direitos fundamentais: vida versus liberdade.
Neste sentido, o artigo se baseará em uma pesquisa em bibliografias. Para tanto, serão analisadas as obras e artigos científicos que tratem do tema da Eutanásia, tanto no Brasil, quanto na Suíça.
Com vistas ao enfrentamento do problema delimitado neste trabalho, recorrer-se-á ao método fenomenológico heideggeriano.
Tal método consiste em desvelar aquilo que está “velado” ou “encoberto”, conforme nos leciona Heidegger (2013, p. 74): “fenomenologia diz, então […] deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, e como se mostra a partir de si mesmo”.
Assim sendo, se propõe o presente trabalho a fazer com que se mostre no campo dos direitos fundamentais como se dá a ponderação entre o direito à vida e o direito à liberdade, tanto no Brasil, quanto na Suíça. Por isso, “o conceito fenomenológico de fenômeno propõe, como o que se mostra, o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados” (HEIDEGGER, 2013, p. 75).
Portanto, espera-se desvelar, descobrir, se o melhor a se fazer é privilegiar a vida, ao invés da liberdade, tal qual se pratica no direito interno.
1 A EUTANÁSIA: CONCEITOS BASILARES
A morte sempre foi um assunto que intrigou a humanidade, seja pela sua imprevisibilidade, seja pela sua misteriosidade.
Neste sentido, muito se discute sobre a possibilidade de ter uma morte digna, principalmente nos casos de pacientes que sofrem com doenças terminais, como por exemplo, cânceres ou outras doenças que possam gerar dores e desconfortos sem possibilidade de cura.
Como forma de buscar “solucionar” este problema, do prolongamento desnecessário da vida, muitos passaram a possibilidade de se encurtar a morte para os casos em que esta já é dada como certa para o paciente.
Assim, desenvolveram-se algumas medidas a serem adotadas para tais casos, que podem ser a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia, além do suicídio assistido.
A eutanásia literalmente significa “boa morte” e implica o uso de medicamentos para tornar a morte do paciente indolor, conforme entendimento de Borges (2012, p. 171). Mais especificamente, ainda é possível fazer uma sub-classificação do conceito de eutanásia, em verdadeira ou não, de acordo com mesmo autor[1].
Assim, a eutanásia, conforme o sentido original, só poderia ser praticado em casos em que o paciente encontra-se em estado terminal da doença. Por mais sofrimento que ele possa estar passando, se ele não estiver próximo do fim da vida, não se estará diante da eutanásia verdadeira, e sim do crime previsto no art. 121, caput, do Código Penal[2], podendo haver diminuição da pena, de um terço a um sexto, caso se enquadre no § 1º[3].
Tem-se ainda a divisão entre a eutanásia ativa e passiva, sendo a primeira ainda subdividida em direta e a indireta. Como o próprio nome já sugere, será ativa quando derivar de uma ação do agente, e será passiva quando decorrer de omissão, que pode ser caracterizada pela abstenção nos tratamentos conferidos aos pacientes, sendo estes indispensáveis à sua sobrevivência.
Quanto à divisão da eutanásia ativa em direta e indireta, cumpre esclarecer que na primeira há um auxílio direto para se chegar ao evento morte, enquanto que na segunda se utilizam de medicamentos, cujo primeiro efeito é aliviar o sofrimento, mas que, em segundo plano, abreviam a morte do paciente[4].
Desta forma, embora haja uma ação do agente no sentido de abreviar a vida do paciente, na forma direta há uma ação positiva, ou seja, a ideia primeira é dar cabo da vida daquele que se encontra no estado debilitado, enquanto que na forma indireta a ideia primeira não é a morte, mas o alívio dos sintomas, que terá como efeito colateral a morte do paciente.
Já a ortotanásia seria como uma eutanásia passiva, em que se abstém de aplicar os medicamentos ou deixa-se de utilizar os aparelhos que mantém o paciente vivo para que, assim, o processo de morte ocorra “naturalmente”: a contribuição médica é no sentido de não intervenção neste processo, conforme se extrai de Borges (2012, p. 173).
Contudo, não se pode confundir a eutanásia passiva com a ortotanásia, eis que, embora condutas similares, são diversas quanto ao seu momento de início. Assim, na primeira, a omissão é que leva à morte, enquanto que na segunda, tal evento já se iniciou, somente se contribuindo para não influenciar no processo.
Em sentido contrário caminha a distanásia em que, neste caso, visa-se o prolongamento da vida do paciente, deixando que ele mesmo morra a seu tempo, estendendo, assim, o processo de morte, conforme lição de Borges (2012, p. 173).
Pode-se entender, pois, o processo da distanásia como prolongador desnecessário da vida, posto que “trata-se de o médico adotar medidas fúteis e desproporcionais que configuram tratamento desumano e degradante, por permitir o prolongamento da vida exclusivamente em termos quantitativos e não qualitativos” (LOPES, LIMA e SANTORO, 2014, p. 61).
Interessante, assim, destacar a conclusão a que chegou Borges (2012, p. 173): “a ortotanásia serviria, então, para evitar a distanásia. Em vez de se prolongar artificialmente o processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia)”.
Por fim, importante esclarecer sobre o suicídio assistido. Por meio deste, o paciente, mediante livre escolha consciente, solicita que outrem, que pode ser médico ou não, lhe auxilie em sua decisão de tirar-lhe a própria vida, não podendo aquele que auxilia proceder a uma ação direta, mas apenas ajudando indiretamente.
Importante destacar que tal modalidade, conforme se verá adiante, é considerada crime no Brasil, contudo é autorizada na Suíça.
Assim, podemos concluir que o atual sistema adotado no Brasil privilegia, ainda que indiretamente, a ortotanásia, pois, conforme se verá adiante, não se permite adiantar a morte, de forma benéfica, mas, tão somente, aguarda-se a sua chegada, com todo o sofrimento que lhe é inerente.
2 A EUTANÁSIA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Não há, no Brasil, regulamentação específica para o tema. Contudo, existem algumas normas que permeiam o tema, como o Código Penal Brasileiro e as Resoluções do Conselho Federal de Medicina.
2.1 AS RESOLUÇÕES Nº 1.805 DE 2006 E Nº 1.995 DE 2012 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
No dia 28 de novembro de 2006 foi publicada a Resolução n. 1.805 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Tida como inovadora pela comunidade médica, já discutida inclusive no âmbito judicial[5], a polêmica resolução permite que o médico deixe de prestar ou limite a prestação de procedimentos que tenham o fim de prolongar a vida do paciente terminal, de acordo com a sua vontade ou a vontade de seu representante – in verbis:
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.”
Assim, o médico teria o dever de esclarecer acerca dos possíveis tratamentos a serem dispensados, tanto prestando tais informações ao seu paciente, quanto ao seu representante (art. 1º, § 1º, Resolução n. 1.805/06, CFM).
Por isso, ao tomar a decisão de suspender ou limitar os procedimentos “que prologuem a vida do doente”, esta deverá ser “fundamentada e registrada no prontuário” médico (art. 1º, § 2º, Resolução n. 1.805/06, CFM).
Também é direito do paciente solicitar outra opinião sobre o seu estado antes de consentir com esse “não fazer” do médico responsável pelo seu tratamento (art. 1º, § 3º, Resolução n. 1.805/06, CFM).
Por fim, se assegura “todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento” do paciente, garantindo assistência física, psíquica, social e espiritual, podendo ainda optar por receber alta hospitalar (art. 2º, Resolução n. 1.805/06, CFM).
Contudo, esta Resolução veio com uma lacuna no caput do seu art. 1º: o dispositivo faz referência à “vontade da pessoa”, porém, como saber qual a vontade da pessoa que, em virtude de sua enfermidade ou estado terminal já não pode exprimir a sua vontade?
Para isso foi editada a Resolução n. 1.995 do CFM, publicada no dia 21 de agosto de 2012, a qual veio a regulamentar a questão da vontade do paciente com relação ao seu tratamento.
Por esta nova Resolução, utilizando-se das “diretivas antecipadas de vontade” o paciente descreveria quais os seus desejos com relação ao seu tratamento, informando sobre quais os tratamentos aceita ou rejeita (art. 1º, Resolução n. 1.995/12, CFM) e, portanto, no caso em que ele não puder manifestar sua vontade, o médico responsável levará em consideração o seu testamento vital, como é vulgarmente chamado (art. 2º, caput, Resolução n. 1.995/12, CFM).
Neste sentido, se o paciente não tiver feito a sua diretiva antecipada de vontade, ele poderá nomear um representante para que este, levando em consideração as informações passadas pelo médico, possa decidir por ele (art. 2º, § 1º, Resolução n. 1.995/12, CFM).
Contudo, o médico poderá não considerar o testamento vital caso este esteja em desacordo com o Código de Ética Médica, matéria que ainda não foi regulada por este instrumento (art. 2º, § 2º, Resolução n. 1.995/12, CFM). Portanto, excetuado este caso, a diretiva antecipada deverá prevalecer “sobre qualquer outro parecer não médico”, incluindo aqui o desejo dos familiares (art. 2º, § 3º, Resolução n. 1.995/12, CFM).
Assim, ao ser comunicado, devidamente, sobre os desejos de tratamento de seu paciente, o médico deverá registrar as decisões no seu prontuário médico (art. 2º, § 4º, Resolução n. 1.995/12, CFM).
Encerra-se a resolução com a seguinte determinação:
“Art. 2º, § 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.”
Assim, como a Resolução 1.995/12 não traz uma forma padrão, a doutrina sugere que o testamento vital siga os requisitos de validade dispostos no art. 104, CC, pelo qual o agente tem que ser capaz, o objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e a forma tem que ser prescrita ou não defesa em lei. Neste sentido, explica Dias (2012, p. 195):
“Nesse sentido, o “testamento vital”, atualmente, somente pode ser feito no Brasil por pessoa com mais de 18 anos de idade, que estiver em pleno gozo de suas faculdades mentais. […] Dispor sobre a própria vida, recusando um tratamento, é um ato lícito, possível e determinado ou determinável. Ao prever as situações em que não aceita um tratamento, o paciente exerce seu direito à autonomia e dispõe de seu corpo e de sua saúde. Enfim, dispõe de sua vida e de sua morte, com base em sua noção de dignidade. Uma vez que não há forma prescrita em lei, deve-se admitir o “testamento vital” reduzido a um documento escrito, subscrito por testemunhas, como maneira de viabilizar a prova do fato jurídico […]. Mas nada impede que outras formas menos usuais sejam adotadas, como a gravação do “testamento vital” em vídeo.”
Quanto ao seu conteúdo, o testamento vital poderá ser dividido em duas partes: uma que trate sobre a não iniciação ou interrupção de tratamentos que somente sirvam para manutenção da vida, e uma outra que trate de meios que evitem a dor. Esse é o ensinamento de Dias (2012, p. 193)[6].
Assim, pode-se concluir, as Resoluções 1.805/06 e 1.995/12 se completam e juntas contribuem para a efetivação da ortotanásia no Brasil[7].
No plano teórico, tudo isto parece ser real: a possibilidade de conceder uma morte digna para aquele que já tem um grande sofrimento por estar padecendo de uma doença terminal. Seria um grande ato de respeito e valorização da dignidade da pessoa humana.
Assim, vale a reflexão: no contexto brasileiro, em que há uma grande massa de pessoas que são somente alfabetizadas, ou de analfabetos funcionais[8], como seria possível para eles decidir “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados […], sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado […]” (art. 1º, Resolução n. 1.995/2012, CFM)?
Ora, do que adianta ter uma viabilização do tratamento humanitário da morte, se uma grande parcela da população não tem o mínimo de conhecimento para decidir sobre os tratamentos médicos que deseja receber quando estiver padecendo de enfermidades?
Há aqui, claramente, uma ineficácia da norma, posto que ela não encontra lugar na sociedade brasileira para ser aplicada. Parece-nos, portanto, que há aqui uma certa “seletividade” quanto ao uso do testamento vital: somente aqueles que detém o conhecimento sobre a matéria poderiam decidir sobre os tratamentos.
E mais: como seria viável decidir sobre todo e qualquer tratamento quando sequer se está doente e, assim, não se sabe quais os possíveis tratamentos para a sua doença, especificamente?
Com isso podemos notar que para essas pessoas sem conhecimento, haveria uma decisão de terceiros, não mandatários seus, mas de médicos, que poderão ser levados por uma análise sócio-econômica da situação. Por isso convém considerarmos as palavras de Diniz (2010, p. 415-416):
“Convém, ainda, lembrar uma situação frequente em países de terceiro mundo, que é a eutanásia social ou mistanásia, ou seja, a morte miserável fora e antes da hora, que nada tem de boa ou indolor e ocorre quando: a) uma grande massa de doentes e deficientes, por razões políticas, sociais e econômicas, nem chega a ser paciente, pois não consegue ingressar no sistema de atendimento médico, que é ausente ou precário, configurando a mistanásia passiva. Todavia, há casos em que se tem a mistanásia ativa, como: o extermínio de pessoas defeituosas ou indesejáveis que ocorreu, durante a Segunda Guerra Mundial, em campos nazistas de concentração, o uso de injeção letal nos Estados Unidos, principalmente se a aplicação se der por médico; b) doentes crônicos e terminais que conseguem ser pacientes em hospitais, clínicas, etc. e são vítimas de erro médico, como: diagnóstico errôneo, falta de conhecimento dos avanços da área de analgesia e cuidado da dor, prescrição de tratamento sem realização de exame, uso de terapia paliativa inadequada, procedimento médico sem esclarecimento e consenso prévio, abandono, etc.; c) pacientes vítimas de má prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos, no caso de o médico usar intencionalmente a medicina para atentar contra os direitos humanos, em benefício próprio ou não, prejudicando direta ou indiretamente o doente, chegando a provocar-lhe uma morte dolorosa ou precoce, devido aos maus-tratos. (grifos nossos).”
Neste sentido, concordamos com a ilustre mestre Maria Helena Diniz. Num país como o Brasil, cujo sistema de saúde é precário e ineficiente, bastando folhear os jornais diariamente para constatarmos o descaso com a saúde pública, gerando reflexos, inclusive, nos hospitais particulares, não se pode crer que um sistema como esse de diretivas antecipadas da vontade, principalmente na sua ausência, daria certo.
Necessário ainda é analisar a ótica sob a perspectiva da normativa jurídica-penal brasileira, tal qual se passa a expor.
2.2. OS ASPECTOS JURÍDICO-PENAIS DA EUTANÁSIA NO BRASIL
O direito penal brasileiro, assim como todo o ordenamento jurídico do país, se funda no direito à vida, posto que sem ele não seria viável se falar em exercício de direitos.
E como tal, as normas penais tem como fundamento a proteção da vida, em seu mais amplo aspecto, possuindo as mais diversas formas de proteção, possibilitando, até mesmo que esta possa ser relativizada quando duas vidas estiverem em xeque, como é o caso da inexigibilidade de conduta diversa (art. 22) ou a legítima defesa (art. 25).
Assim, especificamente em se tratando do tema abordado por este artigo, no caso da Eutanásia, não há norma especifica no direito penal em que se trate acerca do tema. O que se faz, então, é uma interpretação da conduta à luz do ordenamento.
Neste sentido, têm-se duas possibilidades: o caso em que o paciente solicita que o médico, ou o seu responsável, dê cabo de sua vida, ou o caso em que não há consentimento do paciente sobre tal ato.
No primeiro caso, em que é feita a solicitação pelo paciente, estar-se-ia diante de uma situação de auxílio ao suicídio, prevista no art. 122 do Código Penal[9], posto que, o desejo parte da própria pessoa, que não suportando mais sua condição de vida, solicita que outro dê a ela um fim, que não necessariamente envolverá a violência física, mas pode envolver a administração de medicamentos capazes de abreviar a vida, sem qualquer tipo de dor.
Percebe-se que a conduta típica não envolve o dolo de tirar a vida do paciente, mas de cumprir sua vontade em ver cessar seu sofrimento. A pena para este caso varia entre dois a seis anos de reclusão.
Já no segundo caso, em que o paciente não mais possui condições de decidir sobre sua vida, posto que a doença já atingiu um grau tal que lhe fez perder a consciência, outros decidirão por si sobre o destino de sua morte: se natural, ou se provocada por intervenção médica.
Nesta senda, a conduta típica se amolda ao tipo penal do homicídio privilegiado, previsto no art. 121, § 1º do Código Penal[10], pelo qual o agente que cometer homicídio movido por “relevante valor social ou moral” terá sua pena reduzida de um terço a um sexto.
Aqui, percebe-se que houve o dolo de tirar a vida do paciente, ainda que movido de certa “compaixão” com a situação vivida pelo mesmo, cujo quadro de evolução da doença chegou a um patamar tal que lhe retirou, por completo, a consciência, pelo que não poderá mais escolher sobre sua própria vida.
Cumpre esclarecer ainda que, caso o médico proceda ao homicídio privilegiado sob o pedido ou a autorização de um familiar ou qualquer outra pessoa ligada ao paciente, entendemos que ambos poderão ser responsabilizados por tal crime, posto que ambos concorreram para o seu resultado.
Contudo, não nos compete, aqui, discutir sobre as minúcias do Direito Penal Brasileiro, mas apenas destacar os principais pontos sobre a questão sob o prisma jurídico do país.
Assim, feitos os esclarecimentos necessários, passa-se a analisar a questão sob o ponto de vista jurídico da Suíça.
3 O TRATAMENTO JURÍDICO DA SUÍÇA SOBRE A EUTANÁSIA
Inicialmente, cumpre esclarecer que, ao contrário do que se pensa, na Suíça não há permissão legal para a prática da Eutanásia, muito menos do Suicídio Assistido.
Neste país o que se tem é uma tolerância à prática do suicídio assistido, desde 2001, cuja definição é similar à do direito penal brasileiro, graças a uma interpretação ampla dos artigos de seu código penal.
Assim, nesses casos, o paciente busca o médico, em especial as “casas de suicídio” para que então o médico responsável lhe administre um determinado medicamento para dar fim à sua vida.
Contudo, embora a explicação seja simples, o procedimento não o é.
Atualmente, se tem notícia de duas “casas de suicídio”: a EXIT[11] e a Dignitas[12], tendo a primeira um caráter mais conservador, e a segunda mais liberal.
Isto porque a EXIT possui critérios mais rigorosos para a aceitação desse tipo de procedimento, tendo que ser feitas solicitações reiteradas, com a comprovação de que se é portador de uma doença incurável e que, em decorrência desta, se sofra de perturbações físicas e psíquicas capazes de trazer dores e males insuportáveis.
Ainda assim, é necessário que se comprove a existência de capacidade de discernimento e de que se é capaz de auto administrar a medicação, posto que tais critérios sejam essenciais para se diferenciar o suicídio assistido da eutanásia, conforme visto anteriormente.
Além disso, a EXIT somente aceita pacientes suíços ou estrangeiros que possuam residência permanente no país.
Já no caso da Dignitas, embora possua procedimento e critérios similares, sua maior polêmica e razão de ser considerada como liberal, é, além da flexibilização do procedimento de seleção, a possibilidade que estrangeiros possam se dirigir até as suas clínicas para cometer o suicídio.
Por conta de tal procedimento a Suíça é conhecida hoje como um país de “turismo de morte”, tendo em vista o aumento recorrente de estrangeiros que chegam somente com este fim[13].
Em ambas associações é necessário se cadastrar como membro para ter direito a se suicidar com seu acompanhamento, em alguns casos podendo, até mesmo, conseguir a gratuidade do procedimento.
Para realização do procedimento, ingere-se 10 gramas de pentobarbitral de sódio, juntamente com um suco, por exemplo[14]. Sobre tal substância[15], tem-se que a mesma, quando administrada em doses baixas, pode auxiliar o paciente na sedação, para seu relaxamento, ou, até mesmo, induzindo o sono. Porém, quando em altas doses, como ocorre nos casos do suicídio assistido, pode levar à morte.
Assim, importante se destacar que, embora encontre ampla aceitação no país, o tema ainda é considerado um tabu entre os nacionais, sendo visto com maus olhos pela comunidade internacional, principalmente por conta da questão do “turismo da morte”.
Contudo, importa concluir que, desde o início dos anos 2000, o país alcançou uma maturidade tal que lhe foi capaz de permitir o suicídio assistido. E se fala em maturidade, pois somente se chegou a esta conclusão pela análise da realidade do Estado e pela interpretação de seu próprio ordenamento jurídico.
Desta forma, pode-se finalizar com as seguintes reflexões: o fato de se autorizar o suicídio assistido inviabiliza o direito à vida, ou confere aos cidadãos plena liberdade para consentir em viverem suas vidas com plena dignidade?
Fato é que, embora tenha evoluído juridicamente a tal ponto, a Suíça ainda não permite a realização da eutanásia, o que põe em xeque a conclusão a que se propõe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como é cediço, o direito à vida é um dos mais basilares direitos de um cidadão, sendo consagrado como um direito humano. Diz-se, ainda, que somente por intermédio dele se é capaz de se discutir quaisquer outros direitos, sendo ele a razão de ser do próprio Direito, segundo Marcante (2014, p. 69).
No plano jurídico brasileiro, o direito à vida é consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal[16], sendo o primeiro direito fundamental assegurado pela nossa Carta.
Contudo, este direito não é absoluto, encontrando no próprio ordenamento situações em que poderá haver relativização, como no caso da pena de morte, em caso de guerra (art. 5º, XLVII, CF), de legítima defesa (art. 25, CP), ou ainda nos casos em que se autoriza o aborto (art. 128, CP).
Assim, diante deste novo panorama, o direito à vida deve ser interpretado sob a ótica da qualidade de vida, que ultrapassa o sentido de sobrevivência, atrelando o exercício desse direito à autonomia privada dos cidadãos.
Desta forma, a qualidade da vida deve ser analisada de acordo com as realidades de cada um, não se distinguindo as pessoas pelo critério de serem melhores, ou piores, que os outros, mas que, segundo o seu padrão de vida, merece ser tratada de forma a possuir qualidade tal que lhe proporcione uma vida digna.
Conforme visto, o panorama jurídico-brasileiro atual é tendente à tolerância da ortotanásia, sendo as práticas de eutanásia e suicídio assistido vedadas pelo ordenamento.
Contudo, em contraposição ao ordenamento interno, a Suíça é tida como vanguardista na questão do direito à morte digna, pois que autoriza livremente o suicídio assistido, tolerando, até mesmo, que estrangeiros possam se dirigir ao país com tal intenção.
Mesmo assim, ainda não é permitida no país a prática da eutanásia, o que nos leva a concluir que a questão ainda não alcançou a maturidade social suficiente para debater as liberdades na questão da morte digna.
Porém, mesmo diante desse aparente “temor”, a Suíça está um passo à frente do Brasil nesta situação, posto que mesmo diante da regulamentação do Testamento Vital ainda se tem receio em sequer decidir-se pela adesão ao mesmo, seja por questões religiosas, seja por defesa extrema e cega do direito à vida, sem analisar o contexto de sua qualidade ou dignidade.
Assim, tem-se como imperiosa a necessidade de se ampliar o debate no cenário jurídico interno, pois as normas atuais já não se coadunam com a realidade internacional, embora ainda não haja maturidade social suficiente para tanto.
Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito de Vitória – FDV
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.
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