Eutanásia
sempre gerou muita polêmica no Brasil, pois inflama paixões de ambos os lados,
porquanto aqueles que a defendem, esgrimam com argumentos que são relevantes,
todavia jamais decisivos, de forma a trazer segurança, inclusive jurídica para
sua prática.
A
palavra eutanásia traz sua construção semântica dividida em “Eu“,
que significa boa e “thanatos“, que
significa morte, de forma que a origem da palavra revelava o que se pensava ser
boa morte, piedosa, altruísta, caridosa, etc.
Hoje,
no Brasil a eutanásia é crime, podendo caracterizar o ilícito penal de várias
formas, vejamos uma delas; caso um terceiro, médico ou familiar do doente
terminal lhe dê a morte, estaremos diante do homicídio, que, eventualmente
teria tratamento penal privilegiado, atenuando-se a pena, pelo relevante valor
moral que motivou o agente, assim o juiz poderia reduzir a pena de um sexto a
um terço.
Esse
homicídio, mesmo privilegiado, não leva em conta, se houve ou não consentimento
da vítima para descaracterizar o crime, aliás, mesmo em havendo tal
consentimento, se haveria de desconfiar sobre sua lucidez e independência para
decidir sobre a própria vida.
Neste
particular fica fácil entender porque alguém doente, terminal ou não, mas que
sofre dores atrozes, pede a morte, mesmo sem pretender morrer, objetivando
somente aliviar aquele sofrimento. O parâmetro é quando uma leve enfermidade
nos arrebata e embora não seja incurável, terminal ou extremamente dolorosa,
basta alguma dor, para o desespero alucinar o raciocínio.
Outra forma de crime eutanásico é quando o terceiro
auxilia o próprio doente para que este se lhe dê a própria morte. Trata-se da
modalidade criminosa do auxílio ao suicídio, pois pune-se
alguém que estimulando, induzindo ou auxiliando, colabora para que o doente se
mate. Neste exemplo, as formas de colaboração são as mais diversas, desde o
fornecimento de uma arma, até a colocação de equipamentos vitais, ao alcance do
doente, que ao desligá-lo vem a falecer. A instigação e o induzimento, embora
de prova difícil, poderá ser determinante para que a
eutanásia se consume.
Assim,
a única forma que a legislação atual brasileira não pune, é quando o doente,
absolutamente sozinho se mata, por iniciativa e vontade própria, neste caso,
nem mesmo a tentativa pode ser punida, uma vez que se o agente quer se dar a pana máxima, de nada adiantaria lhe atribuir uma punição
para que não reitere nessa conduta. Seria absurdo se pensar contrariamente. No
mundo todo existem gigantescas resistências à
aprovação de lei que autorize a eutanásia, isto porque os interesses mundanos
que poderiam estar revestidos de piedade, teriam um verdadeiro salvo conduto,
para que o agente cometesse o crime e fosse perdoado, talvez até parabenizado por sua piedade extrema.
Tenho
profunda desconfiança dessas motivações, pois embora algumas delas sejam
norteadas pelo sentimento de amor, muitas outras, sob essa capa estariam a
esconder disputas de heranças ( uma vez que enquanto
não se der a morte, não se abre sucessão), ou ainda interesses conjugais
subterrâneos, a encalhar o cônjuge sadio, que se vê obrigado a assistir o
cônjuge enfermo, sem falar num eventual amante que aguarda-o do outro lado da
porta do cômodo onde se encontra o moribundo.
Portanto,
sou radicalmente contra a legalização da eutanásia no Brasil e a Holanda que
acaba de legalizar a eutanásia, mais uma vez nos dá exemplo do que não se deve legalizar na Holanda as drogas são legalizadas,
admite-se casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc. Dessa forma entendo que
erra o legislador que pretende tal legalização.
A
comissão de reforma do Código Penal brasileiro enfrenta essa questão e traz uma
alternativa que merece estudos, vejamos o que diz o projeto:
Eutanásia § 3.º.
Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou
pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a
pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento
físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente
diagnosticados: Pena reclusão, de dois a cinco anos. Exclusão de ilicitude §
4.º. Não constitui crime deixar de manter a vida de
alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte
como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em
sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
Estes
dispositivos revelam que a tendência da comissão é manter criminalizada
a eutanásia, excetuando quando o agente deixar de manter a vida de alguém por
meio artificial, ou seja, ligado à aparelhos, desde
que previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e
desde que haja consentimento do paciente ou, de parentes.
Questiono
o critério de morte iminente e inevitável, questiono o critério da
irreversibilidade do estado do paciente, bem como da doença incurável, pois o
que é incurável hoje poderá ter cura amanhã, o que é irreversível hoje, poderá
reverter amanhã e o momento da morte, por mais iminente e inevitável, pode ser
adiado indefinidamente, inclusive com melhora do estado de saúde, por fatores
que os médicos e a humanidade não tem condições de
determinar.
Outra
questão que precisa ser focada é a de que a vida tem necessariamente de ser
útil, produtiva, eficaz, plena, viável, enfim, uma série de adjetivos criados
por uma sociedade global que não tem tempo, nem paciência de cuidar e tratar de
seus doentes inúteis ao mercado predatório do consumo. Ora a vida é Dom de Deus e assim sendo, ela se
basta, não precisando ter qualquer adjetivação, o que satisfaz a natureza
humana é estar vivo, na condição de saúde que for, porquanto no plano
religioso, jamais teremos condições de entender os desígnios do Criador,
restando-nos, portanto, apenas viver, brindados que fomos com a dádiva maior
que, insisto, é a própria vida.
O
tráfico de órgãos humanos seria a última abordagem que me leva a reiterar o
risco da legalização da eutanásia, pois qualquer pessoa enferma deve ser vista
como alvo de tratamento, jamais como prateleira de órgãos humanos prontos a
servir quem melhor oferta fizer, mesmo que tal custe a
vida daquele miserável. O mundo vem conhecendo essas máfias e a legalização da
eutanásia seria um belo serviço prestado a essa modalidade de crime.
Digo
não à legalização da eutanásia por tudo isso e mais, pela coerência de quem
defende incondicionalmente a vida.
Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, foi Presidente do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo e foi Membro do Conselho Penitenciário Nacional, é Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, e integra o Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça.
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