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A função social do direito de autor e a cobrança pela obra musical

*Marco Antonio dos Anjos

 Há alguns dias a Câmara dos Deputados aprovou requerimento para que o Projeto de Lei 3.968/1997 passe a tramitar em regime de urgência, conferindo preferência a ele. Esse Projeto, proposto pelo Deputado Serafim Venzon, tem o objetivo de alterar a legislação autoral para isentar os órgãos públicos e as entidades filantrópicas do pagamento de direitos autorais pelo uso de obras musicais e lítero-musicais em eventos por eles promovidos. A justificativa estaria no fato de que os criadores das obras têm situação muito favorável, pois seus direitos perduram durante toda a vida e a dispensa do pagamento seria um pequeno retorno dado pelos autores em razão da proteção vitalícia que recebem do Estado.

A análise da referida isenção está dentro de um tema amplo que é o da chamada função social do Direito de Autor. O ponto principal tem origem na Constituição da República, que assegura o direito de propriedade das pessoas, mas impõe que ele exerça uma função social, ou seja, de alguma forma contribua com a sociedade. Tendo em vista que os direitos dos criadores intelectuais sobre as suas obras também têm natureza de propriedade, a função social deve ser exercida.

O assunto gera polêmicas porque se discute se a lei brasileira sobre essa atividade intelectual (Lei 9.610/1998) já atende ao mandamento constitucional ou se as limitações aos direitos autorais devem ser ampliadas, principalmente em prol dos direitos à educação e à cultura, tão importantes em qualquer país.

A Lei 9.610/1998 já prevê hipóteses em que não se considera ofensa aos direitos autorais, como a citação de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, ou a feitura de paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. No tocante ao Projeto 3.968/1997 a pergunta que surge é se as limitações ali descritas se justificam.

O autor muitas vezes depende dos ganhos obtidos em suas obras e, como qualquer trabalhador, o dinheiro que aufere vem de seu esforço pessoal. Assim, a ampliação de hipóteses em que direitos autorais não serão pagos tem que ser vista com bastante cautela, sob pena de desestimular a atividade criativa, o que, em vez de fomentar a educação e a cultura, acabe sendo uma causa de sua redução a longo prazo.

Além disso, o fato de atividades gratuitas usarem músicas não significa necessariamente que os respectivos organizadores ou outros trabalhadores não sejam remunerados. Os ganhos podem ser diretos ou até mesmo, indiretos.

Um exemplo é a organização de carnaval popular por municípios. Não se nega a relevância do carnaval para os costumes brasileiros e a importância do oferecimento de uma festa sem cobrança de ingressos a quem possivelmente não tenha recursos para viajar ou frequentar bailes em clubes. O que deve ser observado é que todas as pessoas que trabalhem nesses eventos serão remuneradas, como pessoal da limpeza, da segurança e do comércio que ali se instale, porém, os autores que criaram as músicas, estas que são a razão de ser do carnaval, não teriam ganhos pela utilização das obras. Isso seria incoerente e injusto, um verdadeiro desprestígio à produção musical.

Além de se tratar de proposta que pode desestimular a produção musical, atribuir regime de urgência ao Projeto de Lei 3.968/1997  não foi a melhor decisão, pois veio em um momento de pandemia e recessão, que se mostra inadequado para a realização de maiores e imprescindíveis debates na sociedade.

*Marco Antonio dos Anjos é Doutor em Direito Civil pela USP e professor universitário.

Âmbito Jurídico

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