Resumo: O fenômeno da homossexualidade requer uma análise multidisciplinar, ou seja, abordando o aspecto psicológico, médico, psiquiátrico, cultural e social. O artigo modestamente tenta percorrer essas diversas searas e notadamente a visão de Michel Foucault.
Palavras-chave: Filosofia, psicologia, medicina, homossexualidade, Foucault.
Abstract: The phenomenon of homosexuality requires a multidisciplinary analysis, ie, addressing the psychological, medical, psychiatric, social and cultural. The article tries to modestly cover such diverse crops and especially the vision of Michel Foucault.
Keywords: Philosophy, psychology, medicine, homosexuality, Foucault.
Busca-se a compreensão da homossexualidade a partir da teoria dos dispositivos[1] de Foucault e Deleuze, em particular sobre a sexualidade contemporânea.
Afirma Foucault que a sexualidade contemporânea numa análise científica esteve dominada pelos processos patológicos, o que levou as ciências e a religião a procurarem pela cura e normalização.
Inicialmente a homossexualidade fora considerada como patologia, vista como desvio de conduta sexual, buscando a padronização para a dominante heterossexualidade.
Apenas recentemente (1995), com a quarta edição do manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM – IV (APA – 1995) veio a excluir a homossexualidade da classificação de “doença”.
Em latu sensu, o estudo da sexualidade e da afetividade é relevante e interessante, principalmente por compreender o ser humano de forma ampla e global e nas suas múltiplas formas de agir, pensar, se expressar e se comportar e interagir com a sociedade e, em família.
A sexualidade humana e, mais especificamente a homossexualidade, será analisada a criação do dispositivo (algo estabelecido pelo poder como forma de controle e coerção, que pretende regular a relação com prazer).
Aborda como as pessoas se veem por não ter forma de obter prazer dentro dos padrões preestabelecidos socialmente representando o domínio dos dispositivos propostos.
Tenta-se deslocar o foco de atenção sobre o tema da sexualidade para o tema prazer, como linhas de fuga conforme proposto por Foucault.
Na análise existencial humana procurou Foucault entender o que nos move, nos orienta e nos guia para a complexa proposição relacionada com a obtenção do prazer, seguiu o filósofo francês o pensamento de Nietzsche (1844 – 1900) que admitia a natureza íntima do homem na vontade.
A concepção nietzschiana de ser humano que deve procurar a máxima afirmação de si mesmo, contra qualquer obstáculo, repressão ou coação e buscar sua plena realização.
A base do pensamento de Nietzsche é o conceito de realidade como explosão de forças. No âmbito social, ocorre o inverso, ou seja, o sexo é forçado a se expressar confessionalmente. E, toda pessoa quer saber como encontrar o prazer, que também faz parte dos dispositivos impostos pelo poder.
Assim, de alguma forma se nega à repressão, ao calor sobre desejos e fantasias inconscientes, porém se reconhece a existência de uma vontade de saber sobre a sexualidade e tal vontade é essencial para o controle não só individual como social.
O advento do capitalismo em particular nos séculos XVI até o XIX, o sexo foi estimulado a se confessar e se manifestar por meio de várias instituições, a família, a Igreja, o Estado, na medicina, no Direito, na sociologia, na psicologia e psiquiatria.
O sexo até conseguiu galgar o patamar de mercadoria encharcado de ideologia de troca e de mais-valia. O estudo da sexualidade proposto por Foucault é uma alternativa de se debater sobre sexo e afeto e de certa forma combater o preconceito e a discriminação social.
O termo homossexualidade foi criado no século XIX, mais precisamente em 1869 pelo escritor húngaro Károly Mária Kertbeny[2]. Inicialmente, havia uma descritiva clínica para relatar uma realidade humana das pessoas que tinham o impulso sexual voltado para o mesmo sexo.
Por homossexual, entendemos a condição humana de um ser humano que ao nível da sexualidade, caracteriza-se por se sentir atraído por parceiro do mesmo sexo.
É enfocado o ser humano em seu aspecto global, e não apenas voltado para o sentido sexual, afinal, o ser humano não se define apenas e a partir de sua forma de expressar sexualidade.
O ser humano é ente completo e total, sendo portador de desejos, vontades, vida, sonhos e não somente sua forma de ser e se comportar sexualmente.
Não pode a sexualidade ser vista de forma reducionista, daí descarta-se como definidoras de homossexualidade condutas como pederastia, prostituição ou outras formas desviantes, tão presentes em hetero como homossexuais.
O simples fato de ser homossexual não significa patologia somática apesar da forte carga traumática, principalmente devido à inaceitação social, quer em sua origem, que por sua vivência.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) somente a partir de 1992 propôs que a homossexualidade não mais fosse considerada como doença, sendo retirada do CID-10[3] (Classificação dos transtornos mentais e do comportamento).
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia redigiu a Resolução 001/1999[4] fixando orientações para atuação do psicólogo em razão da orientação sexual das pessoas, e considera não patológico, bem com proíbe que sejam considerados portadores do CID revogados.
O Ministério da saúde orientou seus esforços na busca da garantia dos direitos humanos[5] e, a Federação Internacional de Planejamento Familiar (International Planned Parenthood Federation) – IPPF, contribuiu com a IPPF – Carta sobre os Direitos em Matéria de Sexualidade e de Reprodução – Tradução e Compilação: Conceição Fortes (Consultora IEC) [6].
No âmbito clínico e biológico, a sexualidade, desejo fundamental do ser, ocupa lugar central em nossa existência. E compreende três dimensões básicas, uma biológica, uma psicológica e, uma cultural.
A biológica corresponde ao impulso sexual determinado por processos fisiológicos e cerebrais (sistema límbico[7] e hormonal); A psicológica corresponde aos desejos eróticos subjetivos ligados à vida afetiva e sexual; Já a dimensão cultural corresponde aos padrões de desejos, comportamentos e fantasias sexuais, criadas e sancionadas historicamente por diversas sociedades.
As três dimensões, em geral, se manifestam de forma conjunta na vida sexual humana. A sexualidade é fenômeno complexo e, a partir das neurociências, admite-se o sistema límbico que inclui o hipotálamo, como estrutura responsável pelos acontecimentos referentes à sexualidade e à agressividade e ligado aos padrões primitivos de sobrevivência, tais como a fome, a sede e o sono.
Por outro lado, temos o córtex cerebral, responsável pela racionalidade, pensamento e que está posicionado diretamente acima do sistema límbico.
Assim, sob essa perspectiva, desejar o outro, sendo este homem ou mulher, independe da vontade ou de prévia deliberação da pessoa.
O que já seria um fato científico capaz de extirpar todo e qualquer preconceito e discriminação aos homossexuais.
Fisiologicamente, a região cerebral considerada como responsável pela sexualidade é o hipotálamo, igual “centro de controle” da frequência cardíaca e da pressão arterial, bem como, pela liberação de fenômenos que permitem aos humanos um reconhecimento mútuo e sexual.
O hipotálamo está localizado na base central do cérebro, onde são encontrados aproximadamente 2 (dois) mil neurônios, responsáveis por secreção dos pulsos do hormônio que libera a gonadotropina que, por sua vez, desencadeia toda a sequência de produção hormonal durante a puberdade[8].
O hipotálamo dos heterossexuais responde fortemente ao feromônio do sexo oposto.
Verifica-se a presença dos feromônios no suor, na pele, (androstadienone – AND – testosterona) o hormônio masculino, nos pelos axilares (hircos), já o feromônio feminino (estrógeno) [9], produzido durante o ciclo menstrual[10] pode ser encontrado na urina.
Estudos realizados em neurociência demonstram que a atração sentida por parceiros, independente do sexo, seria resultado da formação do feto, ainda no interior do útero, através de influencias hormonais e genéticas.
Alguns estudos apontam que existem diferenças volumétricas entre homens heterossexuais, homossexuais e mulheres, consideremos o trecho a seguir:
“Porém, dismorfismo sexual volumétrico havia sido descrito por apenas três desses núcleos (INAH 1-3), e INAH 3 tem sido estudado como sendo menor em homens homossexuais que em heterossexuais”.[…]
Porém, no grupo INAH 3, foram registradas diferenças significativas entre homens heterossexuais e homens homossexuais bem como daqueles em relação às mulheres. Entre os homens homossexuais e as mulheres não foram encontradas diferenças significativas. ”[11]
Diversos estudos apontam o cérebro como responsável pela identidade ou preferência sexual dos indivíduos e não os hormônios ou a genitália. Estes estudos tiveram contribuição significativa na realidade cotidiana, modificando posicionamentos e interpretações sociais.
Consideramos o cérebro capaz de fazer melhor, construir, destruir, mudar crenças, teses ou preconceitos nos dizeres de Houzel, in verbis:
“mas o cérebro é capaz de fazer melhor; pode até mudar crenças, teorias e preconceitos, felizmente se 100% da população têm preferência sexual inata e biologicamente determinada, somos todos iguais nesse quesito mesmo que o cérebro da maioria responde a feromônios do sexo oposto. Tentar mudá-la é como insistir que uma pessoa troque a cor da pele, torne-se menos alta ou mude a cor dos olhos. É inútil, inviável e injusto. (Houzel, 2006, p. 51) ·.
Em seus estudos, Foucault discute o reconhecido limite entre heterossexuais e homossexuais, que funciona como uma divisa entre sexualidade, categorias sexuais, identidades individuais, relações existentes de sexo/poder e questões culturais, colocando em debate dogmas e crenças sociais preestabelecidos.
Devemos adotar constantemente uma postura neutra com relação a “rotulações” do ser humano. Enquanto cogitamos se esta ou aquela forma de obtenção do prazer é certa ou errada, não permitimos a plena realização da vida, não permitimos ser “o que se é”, apenas admitimos um viver parcial e de forma a adequar-se aos padrões e critérios sociais estabelecidos pelos dispositivos.
Michel Foucault (1926-1984), um dos maiores pensadores do século XX, reina com seu título ao lado de Sigismund Schlomo Freud (1856-1939) e Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980), todos assim considerados pelos historiadores.
Segundo ele, até o século XVIII existiam três códigos de conduta que evidenciavam a divisão entre o lícito e o ilícito, e regiam as práticas sexuais admitidas socialmente, o código canônico, a pastoral cristã e a lei civil, todos voltados para a relação sexual dos cônjuges.
Foucault mencionou que após o Concílio de Trento, através da confissão pastoral, procurava-se conhecer minuciosamente as práticas sexuais, até então resguardadas aos portais familiares (pai/mãe).
Destas observações, era projetado um “modelo” de casal legítimo, com estrutura definida e com suas relações mantidas dentro do ambiente do quarto do casal, unicamente em busca da procriação. É o que Foucault denominou como o local legítimo para as práticas sexuais, segundo o código de conduta.
Tais discussões buscavam constantemente observar formas, objetos relacionados e desejo sexual.
A atividade sexual foi posta em evidência sob diversos ângulos, nascida da incitação política, com o fito de classificação e contabilização de oportunidades de domínio e poder.
Entretanto, com as modificações econômicas e políticas deste século, este sistema de controle não mais exercia sólido suporte nas relações.
Com as modificações, surge o “dispositivo da sexualidade”, inicialmente adotado no limite familiar (pai e mãe), baseado na psicologia e na religião, posteriormente, abrangeu outros membros além dos cônjuges, ou seja, os filhos.
Foucault iniciou seus estudos sobre a sexualidade; sua concepção e expressão ocorrem por meio dos “dispositivos da sexualidade”, afirmando que a sociedade se viu obrigada a comentar mais objetivamente sobre o sexo para poder estabelecer um controle sobre o mesmo.
Ao revés de ser ocultado, reprimido ou contido por tabus, a sociedade foi levada a admitir todas as suas práticas, expondo suas intimidades em forma de obrigação internalizada.
"o que é próprio das sociedades modernas não é terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como segredo". Foucault (1999, p. 36) [12]
Reparem que a confissão estabelece, na verdade, relação de poder, onde o confitente está exposto, produz um discurso sobre si mesmo, enquanto o ouvidor interpreta a narrativa e possui o poder de redenção, condenação e dominação.
Aqueles que não se enquadram no modelo de família monogâmica que visa apenas à procriação como forma correta, acaba por ser terminantemente excluído, descartado, rejeitado.
A confissão deveria ser minuciosa e detalhista, onde deveriam ser reconhecidos até mesmo os atos considerados contrários à lei, transformando todos os seus atos em um discurso, sem omitir sequer as expressões indignas.
A cultura oriental foge aos padrões adotados para as práticas sexuais ocidentais, por não possuir uma ciência dedicada a sexualidade, mas pela sua característica “arte erótica”, que objetiva a produção de conhecimento do prazer e das formas que possam ser adotadas para sua ampliação, ou o saber “de dentro”, momento em que a verdade do prazer surge do próprio saber.
A modernidade trouxe um novo modelo de sociedade que majorou de forma extremada a temática sexual, mas valorizando seu segredo entre “quatro paredes”.
Questões sexuais eram do ponto de vista do poder, e do saber, aceitas dentro da “família conjugal”, no interior do “lar” e, com a intenção da procriação. E, com relação ao prazer, toda a sociedade se cala.
Foucault possuía uma visão sobre a sexualidade como um campo a ser elaborado, compreendido, com estilização de condutas que poderiam ser observadas com seriedade e rigor.
Como dito anteriormente, são conhecidas as suas críticas, sob a evidência histórica, de quanto esta forma de agir submissa está ligada a repressão, se possui estreita correlação à mecânica do poder e da sociedade e ainda, questiona quanto o discurso crítico faria parte da mesma rede histórica, a qual denominou repressão.
Ao contrário de uma forte repressão, nasceu uma crescente vontade, uma intenção de falar sobre sexo e, como outrora, surge o domínio através do conhecimento.
“Não acredito que haja moral sem um certo número de práticas de si. É possível que essas práticas de si estejam associadas a estruturas de código numerosas, sistemáticas e coercitivas. É até possível que elas quase se apaguem em benefício desse conjunto de regras que então aparecem como o essencial de uma moral. Mas também é possível que constituam o foco mais importante e mais ativo da moral e que seja em torno delas que se desenvolva a reflexão. As práticas de si assumem assim a forma de uma arte de si, relativamente independente de uma legislação moral” (Foucault, 2004, p. 244) [13]
Seria mesmo a existência de uma repressão relacionada ao sexo, à sexualidade e ao falar sobre o sexo, ou não?
De fato, não se pode falar de repressão crescente, pois o que se observa é que surgiu uma vontade, ou intenção de se mencionar, cada vez mais o sexo sob a justificativa de domínio da temática do discurso.
Por fim, ratifica que exponencialmente, “o discurso sobre a repressão se mantém, porque é fácil de ser sustentado e corrobora com o poder”.
Com ironia declara Foucault “para amanhã, o bom sexo”. Posteriormente, afirma que é por culpa da repressão, que existe e coexiste o temor pela ridicularização ou do “peso histórico” ao se buscar a felicidade, o prazer e uma sexualidade que possa ser considerada límpida e saudável.
Para compreender mais o “dispositivo”, precisamos observar a descrição feita por Foucault, in litteris:
[…] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. (FOUCAULT, 1989, p. 244).
Esclarece mais ainda:
“O dispositivo […] está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem mas que igualmente o condicionam. É isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentados por eles” (Foucault, 1979:244-246).[14]
A realidade apontada por Foucault possui correlação de forças e é dependente de acontecimentos sociais, no momento em que tece novas correntes e urgências históricas que abalam as correlações de forças, gerando novas teias e dispositivos.
“Não há uma estratégia única, global, valendo para toda sociedade e atuando de maneira uniforme sobre todas as manifestações do sexo; a idéia, por exemplos que se procurou muitas vezes, por diferentes meios, à reduzir o sexo à sua função reprodutora, à sua forma heterossexual e adulta, e à sua legitimidade matrimonial não revela, sem dúvida os múltiplos objetivos visados, os múltiplos meios empregados nas políticas sexuais que se remetem aos dois sexos, à idades diferentes, às diversas classes sociais.” (Foucault, 1976:136).[15]
Podemos observar discursos de Foucault acerca dos saberes, poderes e de subjetividades entre a sociedade:
“[…] é um ponto de passagem particularmente denso para as relações de poder: entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre pais e filhos, entre educadores e alunos […] utilizável para o maior número de manobras, e podendo servir de ponto de apoio, de confluência às estratégias mais diversas.” (Foucault, 1976:136).[16]
Como saberes, temos o Direito, a Psicologia, a Psicopatia, a Medicina, etc. Já, como poderes, podemos indicar as instituições e o poder de polícia. Finalmente, as subjetividades, apontadas como as identidades, os modos de vida individuais e coletivos.
Destaca ainda Deleuze que as três instâncias indicadas por Foucault e que distinguem sucessivamente o saber, o poder e a subjetividade não possuem, de modo definitivo definições estáticas, sendo mesmo “cadeias variáveis” relacionadas entre si.
E, no que se refere ao dispositivo de sexualidade instituído no século XVIII, Foucault comenta que, no intercurso de forças opostas, em atendimento a demanda social, surge uma rede de dispositivos que segregam e determinam o que seria “normal” e o “patológico”, ou seja, a sexualidade tida como “sadia” ou “doente”.
Segundo Deleuze, os dispositivos consistem em um conjunto “multilinear” sendo composto por forças contrárias que podem apresentar rupturas, fissuras ou subjetividades.
Em sua disposição afirma que vivemos de acordo com um dispositivo, onde agimos e a partir do qual, nasce outro dispositivo, o atual.
Concluindo que nossas vidas são resumidas entre o que somos, e o que vamos nos tornando aos poucos, pelo dispositivo atual.
As lutas pelos direitos dos homossexuais, não é matéria definitiva e, reflexo do dispositivo atual, seus direitos estão mais interligados a atitudes e comportamentos, mais do que a formulações legais.
Mais uma vez, citamos Foucault, in verbis:
“É necessário lutar para dar espaço aos estilos de vida homossexual, às escolhas de vida em que as relações sexuais com pessoas do mesmo sexo sejam importantes. Não basta tolerar dentro de um modo de vida mais geral a possibilidade de fazer amor com alguém do mesmo sexo, a título de componente ou de suplemento. (…) O fato de fazer amor com alguém do mesmo sexo pode muito naturalmente acarretar toda uma série de escolhas, toda uma série de outros valores e opções para os quais ainda não há possibilidades reais. “(Foucault, 2004, p.119).
Foucault menciona as “linhas de fuga”, onde o prazer e, não o sexo em si considerado, serve para demonstrar que o confronto direto aos dispositivos da sexualidade não produzirá os efeitos e soluções concretas desejadas.
Ressalte-se que existem outras formas do homossexual viver sem conflitos internos e externos da busca exclusiva do prazer sexual. Devemos considerar os prazeres cotidianos como a sublimação, beleza, religiosidade, entre outros.
Não se trata de abstinência sexual, porém devem considerar outros campos de encontro com a felicidade, pois ao contrário, a centralização do prazer apenas pela satisfação sexual limita a vida humana, reduz os caminhos de se ter prazer na vida.
Infelizmente, vive-se modernamente uma espécie de limitação das relações, causado por diversas instituições, com a criação de padrões de vida, normas de ser e amar irradiado por uma cultura sexual moderna, vista por Foucault como escrava dos dispositivos.
As “linhas de fuga” ampliam o prazer de ser e viver, esculpem o prazer intelectual, estético, dialético, profissional entre outros.
Em sua obra “A história da sexualidade” Foucault menciona a ciência sexual “scientia sexualis” contrapondo com a arte erótica “ars erotica”. Onde, segundo ele, a sociedade ocidental dedica-se ao comando moral e normas médicas.
A ciência sexual busca assegurar o vigor físico, a pureza moral e social, pretendendo eliminar aqueles que não estiverem de acordo com o padrão estabelecido, em nome do discurso pela verdade.
A arte erótica é cultuada pelos orientais e, aponta extrema relevância para a busca do prazer como prática e admitido como experiência.
“Mais que uma sociedade dedicada à repressão do sexo, eu veria a nossa dedicada à sua “expressão”. Que me perdoem essa palavra desvalorizada. Eu veria o Ocidente obstinado em extrair a verdade do sexo. As ciências, as barreiras, os ocultamentos não devem ser subestimados; mas eles apenas podem se formar e produzir seus duvidosos efeitos sobre o fundo de uma vontade de saber que atravessa toda nossa relação com o sexo. Vontade de saber, nesse ponto imperiosa e na qual somos involucrados e pela qual chegamos não só a buscar a verdade do sexo, mas a enviá-la à nossa própria verdade. A ela caberia dizer o que somos. De Gerson a Freud, toda uma lógica do sexo é edificada e organiza a ciência do sujeito.” (Michel Foucault).[17].
Segundo ele, o prazer deve ser multifacetário e discreto com intensidade, qualidade, duração, com repercussão física e íntima e, ainda, deve ser mantido em intimidade sob pena de perda de eficácia. Adicionando comentários interessantes acerca de suas características, vejamos:
“Na Arte Erótica, a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiência; não é por referência a uma lei absoluta do permitido e do proibido, nem a um critério de utilidade, que o prazer é levado em consideração, mas, ao contrário, em relação a si mesmo: ele deve ser conhecido como prazer, e portanto, segundo sua intensidade, sua qualidade específica, sua duração suas reverberações no corpo e na alma. Melhor ainda: este saber deve recair, proporcionalmente, na própria prática sexual, para trabalhá-la como se fora de dentro e ampliar seus efeitos. Dessa forma constitui-se um saber que deve permanecer secreto, não em função de uma suspeita de infâmia que marque seu objeto, porém pela necessidade de mantê-lo na maior discrição, pois segundo a tradição, perderia sua eficácia e sua virtude ao ser divulgado. A relação com o mestre detentor dos segredos é, portanto, fundamental, somente este pode transmití-lo de modo esotérico e ao cabo de uma iniciação em que orienta, com saber e severidade sem falhas, o caminho do discípulo. Os efeitos dessa arte magistral, bem mais generoso do que faria supor a aridez de suas receitas, devem transfigurar aquele sobre quem recaem seus privilégios: dompinio absoluto do corpo, gozo excepcional, esquecimento do tempo e dos limites, elixir de longa vida, exílio da morte e de suas ameaças.” [18] (Foucault, 1976:65-66)
Nos dizeres de Foucault uma das rotas de fuga seria dizer não ao “sexo rei”, abster-se da escravização sexual e, buscar o prazer, também em outras formas de viver, como alimentação, amizade, estética, amor e outras formas de dar e obter prazer.
A economia política da vontade de saber elaborada por Foucault adotou, os mecanismos positivos, os produtores do saber, os multiplicadores de discursos, os indutores do prazer e os geradores do poder.
Portanto, a homossexualidade é produto de um dispositivo social que a rege, segundo o entendimento de Foucault.
A sexualidade deve ser considerada como fonte para a elaboração, a compreensão e a estilização de condutas sociais.
Desconstruir a ideia de sexo implica em admitir que fora construído teoricamente. Pois, em sua opinião, a repressão, enquanto discurso é mantida facilmente enquanto aliada ao poder vigente.
Foucault se opõe ao “sexo rei”, idealizador da sexualidade como única forma de prazer humano, e afirma a existência de diversas formas abandonadas por este idealismo.
Ao estimular os saberes acerca da sexualidade, encontram-se diversas faces do conhecimento sobre sexo, não necessariamente sobre o prazer e suas demarcadas vertentes.
Foucault se opõe ainda aos grandes movimentos sociais em prol do homossexualismo por considerar que possui alto teor político e que não representa mudanças fáticas relacionadas à padronização de conduta, na qual a sociedade “embala” a homossexualidade.
Foucault propõe a busca pelo “ser o que se é”, sem acometer manifestações, protestos, ou levantar bandeiras sobre a sexualidade e a busca pelos prazeres que a vida possa oferecer.
É necessária a aceitação do indivíduo como um todo, considerando seus valores, sonhos e reais possibilidades.
Deve-se manter a reflexão sobre os dispositivos que regem a homossexualidade para se buscar a compreensão e obter uma nova visão sobre a sexualidade e a afetividade homossexual, tentando lutar contra o preconceito e a discriminação social.
Lembrando ainda que no seio da sociedade, há ainda mais forte e violento do que o preconceito sexual, onde constatamos todos os dias, as diversas formas de discriminações sociais.
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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