Resumo: O presente trabalho trata do contrato de trabalho do empregado doméstico em face das alterações pela Emenda Constitucional nº 72/2013 (EC nº 72/2013). Dessa forma, investiga, com base na legislação, na doutrina e na jurisprudência os fundamentos do contrato de trabalho do empregado doméstico com o advento da EC nº 72/2013. Para tanto, discorre sobre a história do trabalho doméstico e a trajetória histórica na legislação brasileira, examina a Convenção nº 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Recomendação nº 201 como fonte material da reforma constitucional, investiga os direitos assegurados aos trabalhadores domésticos pela Emenda, e por fim, debate acerca da proteção ao empregado doméstico, a reforma e o princípio da igualdade constitucional.
Palavras-chave: Igualdade. Proteção. Trabalho Doméstico.
Sumário: Introdução. 1 O trabalho doméstico. 1.1 Breve panorama histórico do trabalho doméstico da antiguidade aos tempos atuais. 1.2 Trajetória da legislação do trabalho doméstico no Brasil até a Emenda Constitucional nº 72/2013. 2 A configuração da igualdade pela proteção ao empregado. 2.1 A igualdade na Ordem Constitucional. 2.2 O princípio da proteção como configuração da igualdade no direito individual do trabalho. 2.3 O princípio da igualdade e a Emenda Constitucional nº 72/2013. 3 O contrato de trabalho do empregado doméstico em face da Emenda Constitucional nº 72/2013. 3.1 A influência da Convenção 189 da Organização Internacional do trabalho (OIT) à Emenda Constitucional nº 72/2013. 3.2 Os direitos do trabalhador doméstico com a reforma: normas de aplicação imediata e as pendentes de regulamentação. 3.3 A formalização do contrato de trabalho do empregado doméstico. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico pátrio adota por princípio a igualdade e a essencialidade do trabalho como instrumento de afirmação da dignidade humana. Por sua vez, o Direito do Trabalho pressupondo a hipossuficiência do trabalhador adota o princípio da proteção. O trabalho doméstico tem sua trajetória histórica marcada pelo escravismo, servidão e pelo trabalho feminino e infantil. Segundo estudos recentes é uma das profissões com maior déficit de trabalho decente.
A Organização Internacional do Trabalho de longa data preocupa-se com as condições de trabalho e a regulamentação dos direitos da categoria doméstica no mundo. Por isso, definiu em 2011 a adoção de um instrumento internacional de proteção ao trabalho doméstico, a Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos, nº 189 e a Recomendação nº 201.
No Brasil a legislação até a Constituição Federal Brasileira de 1988 regulou o trabalho doméstico, com menos direitos em relação aos empregados com contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Na ordem constitucional foram assegurados vários direitos, mas ainda sem a devida equiparação com os demais trabalhadores urbanos e rurais. Finalmente, em 2013 foi publicada a Emenda Constitucional nº 72 que assegura novos direitos ao labor doméstico, igualando os trabalhadores domésticos aos demais.
O tema possui relevância, uma vez que estudos recentes demonstram que o trabalho doméstico remunerado apresenta-se como uma das profissões com maior déficit quando se pensa na questão do trabalho decente, sendo exercida principalmente por mulheres e caracterizada pela desvalorização social. Além disso, no Brasil dados do Ministério do Trabalho apontam que a informalidade no setor chega a 70% e diante da atual reforma constitucional torna-se oportuno estudar sobre os direitos dos trabalhadores domésticos.
Ao considerar que o ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, da mesma forma, o direito do trabalho adota o princípio da proteção aos trabalhadores, o questionamento que surge é se, com a EC nº 72/2013 temos uma real equiparação do trabalhador doméstico aos trabalhadores urbanos e rurais; e, como resta configurar o contrato de trabalho do trabalhador doméstico frente à inovação legislativa. A investigação será realizada com base na legislação, doutrina e jurisprudência, pela leitura e fichamento críticos.
A partir da Convenção nº 189 da OIT, juntamente com a Recomendação nº 201 coloca-se efetivamente a questão do trabalho decente para os empregados domésticos na pauta da ordem do dia, e tais documentos apontam reflexos sociais e contratuais para o trabalhador do lar[1]. Nesse sentido, o Congresso Nacional refletindo sobre a situação jurídica do trabalhador doméstico, buscou equiparar seus direitos aos dos trabalhadores urbanos e rurais, ao promulgar no dia 2 de abril deste ano, a EC nº 72, modificando a redação primitiva do parágrafo único do art. 7º da Constituição de 1988.
Com a EC nº 72/2013 os empregados domésticos passam a ter uma série de direitos adicionais que já eram assegurados aos demais trabalhadores urbanos e rurais. Diante disso, o presente artigo objetiva tratar do contrato de trabalho do empregado doméstico em face das alterações. Para tanto, discorre sobre a história do trabalho doméstico e a trajetória histórica na legislação brasileira; examina a Convenção nº 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Recomendação nº 201 como fonte material da reforma constitucional; investiga os direitos assegurados aos trabalhadores domésticos pela Emenda; e por fim, debate acerca da proteção ao empregado doméstico, a reforma e o princípio da igualdade constitucional.
1.1 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DO TRABALHO DOMÉSTICO DA ANTIGUIDADE AOS TEMPOS ATUAIS
A palavra “trabalho” origina-se a partir de um instrumento de tortura, do latim, o tripalium, significando “três paus”, ou seja, o tripaliare, que era utilizado como um chicote, com três astes de couro, tendo nas pontas das tiras espinhos, pelo qual eram chicoteados os escravos para que trabalhassem, ou ainda como punição nas tentativas de fuga. O tripaliare era o castigo físico imposto aos escravos com o tripalium[2].
Nos dicionários os sinônimos para trabalho são esforço, fadiga, aflição[3]. O trabalho humano segundo os estudiosos, em especial os do Direito do Trabalho, teve origem na família pela cooperação entre os seus membros. E que, com a movimentação das pessoas em busca de melhorias de vida, passaram a invadir propriedades dos senhores feudais, sendo mortos e/ou aprisionados como escravos e postos a trabalhar no campo, na agricultura ou pecuária[4]. Nesse sentido, a origem do trabalho doméstico é deveras controvertida, existindo duas teses absolutamente antagônicas, tratando desse tema:
“A primeira alude que o trabalhador doméstico provém de uma circunstância em que era exaltado por seus senhores com honrarias e privilégios; já a segunda, o que parece numa análise criteriosa, mais sensata, identifica seu aparecimento com a prática escravocrata, dessa forma explicaria os abusos sofridos pelos trabalhadores domésticos ao longo da história.”[5]
A escravidão entre os povos egípcios, gregos e romanos aconteceu em largas escalas, chegando a ser institucionalizada e até considerada justa e necessária, além de acatada pela sociedade[6]. O próprio filósofo Aristóteles[7] em “A política” chegou a afirmar que, para adquirir cultura era imperativo ser rico e ocioso à custa da escravidão dos incautos. Logo, na Grécia antiga o trabalho doméstico era feito pelos “doeros”, ou seja, os escravos privados[8]. Por certo, que foram os empregados domésticos que propiciaram a realização de diversos projetos pessoais das classes privilegiadas, pois “a otimização do tempo torna-se, numa sociedade desigual, chave para os índices de sucesso e fracasso. Ao longo da história, foi realmente essa uma das finalidades do trabalho escravo”[9].
Na Antiguidade, sobretudo entre os gregos e os romanos, o trabalho escravo foi associado à concepção do trabalho como mercadoria caracterizando tal relação laboral no contexto da propriedade[10], significando que o escravo figurava como uma coisa, não possuindo qualquer direito, muito menos trabalhista. A escravidão persistiu por muitos e longos anos sendo mais tarde abrandada pelo regime da servidão[11], onde os servos viviam numa espécie de semi-escravidão. O modo de produção feudal na Idade Média era um sistema intermediário entre a servidão e o trabalho livre. Nessa época os senhores feudais davam proteção militar e política aos servos, que ficavam vinculados a terra.[12] A sujeição do escravo e do servo ao senhor distinguia-se, pois apenas o primeiro mantinha sujeição direta ao senhor, visto que o servo detinha o conhecimento e os meios de produção.
Com a Revolução Francesa em 1789 insurge-se contra a indignidade da escravidão, dando início ao regime das corporações, com o surgimento de grupos profissionais compostos por aprendizes, de oficiais e dos mestres[13]. E o trabalho que até então, esteve associado a uma idéia negativa, de infortúnio, passou desde o final da Idade Média a ser visto como uma “atividade positiva”, com o acontecimento da valorização do trabalho. Nas palavras do historiador Maestri,
“Esse universo sócio-produtivo pré-capitalista, onde o domínio das práticas artesanais era objetivo de vida e meio de progressão social, propiciou o desenvolvimento de uma ética e uma moral mesteiras que valorizaram o trabalho produtivo e desvalorizaram o lazer improdutivo dos segmentos de baixo – mendigos, pedintes, andarilhos, etc – e de cima, frades, nobres, etc”[14].
Após, como conseqüência da Revolução Industrial tem-se a “libertação do trabalhador”. Na ocasião, “o trabalhador não era escravo na acepção da palavra, mas sua dignidade fundamental de pessoa humana não interessava nem preocupava os chefes industriais da época”[15]. Na Revolução Industrial tem-se a ascensão e consolidação da burguesia como classe social hegemônica. A partir do desenvolvimento da indústria e do comércio o trabalho escravo, servil e cooperativo foi sendo substituído pelo assalariado. Aliás, o capitalismo surgiu com a Revolução Industrial, com o enriquecimento de poucos, e com as idéias de liberdades propagadas pela Revolução Francesa.
O trabalhador agora livre para dispor sobre o seu trabalho, numa fase de liberalismo jurídico e econômico, ou seja, mão-de-obra barata teve o seu trabalho como mercadoria, sujeito às oscilações de mercado. Ante a ausência de proteção jurídica a esse trabalhador, surge o Direito do Trabalho. Nota-se que em regra a escravidão destinava-se a serviços domésticos. E mesmo com o trabalho livre e assalariado vamos ter os trabalhadores empregando a força de trabalho dentro das residências sob relações com os resquícios do regime escravocrata[16]. E exatamente dessa forma que se desenvolveu o trabalho doméstico no mundo.
No caso do Brasil Colônia e Império o trabalho livre foi uma singularidade, assevera Maestri[17], pois como fora habitual na antiguidade e em Portugal, os escravizadores tratavam de ensinar ao cativo um ofício para que fosse explorado diretamente, alugado ou ainda mandado vender tal habilidade pelas ruas e praças das aglomerações[18]. O trabalho doméstico foi desenvolvido por mulheres negras, índias e crianças em forma de escravidão. O estudo de Kofes[19] atenta para o fato de que mesmo ao fim da escravidão as antigas escravas continuaram a prestar o trabalho doméstico, e embora a condição de liberdade, permaneceram na antiga relação de submissão, exploração e desvalorização humana.
O labor doméstico historicamente de presença feminina, marcou-se pela predominância absoluta do trabalho das mulheres sobre os homens, que certamente era desejado, uma vez que as escravas na época ocupavam-se de todo o tipo de serviço na residência, ora como ama-de-leite dos recém-nascidos, ora arrumavam casa, cozinhavam, asseavam as roupas dos proprietários, serviam de companhia às outras mulheres da casa e não raro eram submetidas a relações sexuais com os proprietários e os filhos destes[20].
Diante da abolição da escravatura no Brasil, a maioria dos escravos continuou trabalhando exatamente nos mesmos lugares em troca de moradia e alimentação, passando da condição de escravo agora para doméstico. Como não é difícil de imaginar, a forma de trabalho em nada se alterou, restando ao agora “trabalhador” continuar a sofrer a mesma ingerência do “empregador”, sem qualquer limite de jornada.
A história demonstra que a tarefa doméstica praticamente realizada por mulheres ao longo dos tempos, fez com que do ponto de vista social, como bem coloca Melo[21], culturalmente se consolidasse que a responsabilidade da mulher é exatamente a de ser dona de casa, mãe ou esposa, “um serviço pessoal para o qual cada mulher internaliza a ideologia de servir aos outros, maridos e filhos”, de forma gratuita. Porém quando se contrata uma terceira para executar essas tarefas, esse trabalho doméstico converte-se em serviço doméstico remunerado. O que para Marques e Silva, evidencia o fato de
“[…] que o trabalho doméstico é uma atividade estigmatizada em nossa sociedade, além de herdar o anátema da escravidão, em sua maioria, compunham-se de mulheres, o que inelutavelmente colabora para o seu esquecimento. Pois, se as mulheres sempre foram discriminadas por uma sociedade eminentemente machista, muito mais facilmente se discriminaria contra as empregadas domésticas, que além de mulheres, a maioria ainda é negra.”[22]
Considerando o caráter degradante que assume o emprego feminino, devido à divisão sexual do trabalho e à ideologia de gênero, somado a construção histórica da relação entre empregada e empregador que é pautada na hierarquia, em analogia ao período da escravidão, na relação de “criado e senhor”[23], podemos afirmar que o surgimento do trabalho doméstico confunde-se com a própria origem do trabalho humano e com a sociedade escravocrata[24].
Logo, o trabalho doméstico inserido na esfera trabalhista careceu que o Direito viesse a tutelar suas relações, o que por diversos motivos foi tratado sem a devida atenção e prioridade. “A legislação brasileira referente ao trabalho doméstico foi evoluindo, não na mesma velocidade do progresso social e das demais categorias de trabalhadores”[25], o que certamente decorreu em razão da origem escravocrata e preconceituosa do trabalho doméstico.
1.2 TRAJETÓRIA DA LEGISLAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013
As primeiras disciplinas relativas ao trabalho doméstico tiveram origem nas Ordenações do Reino, seguidas pelo Código Civil de 1916, ao regular a locação de serviços. Depois, foi editado o Decreto-Lei 3.078 de 1941, o qual regulava a locação de empregados em serviços domésticos[26]. A definição de trabalhador doméstico nos termos do Decreto-Lei 3.078/41: “Art. 1º. São considerados empregados domésticos todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”.
Em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, no art. 7º, alínea “a” exclui de forma expressa a classe dos trabalhadores domésticos de sua proteção[27]. Para Marques e Silva, “os direitos trabalhistas das empregadas domésticas podem ser vistos como uma leve e lenta forma de evolução até o século passado”[28], uma vez que a própria ignorava as empregadas domésticas sob a alegação de que não serem uma categoria profissional, em flagrante desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
A lei 5.859/72 disciplinou especificamente o trabalho doméstico no Brasil, cuidando de definir a figura e traçar os requisitos configuradores da relação de emprego, reconhecendo apenas alguns direitos em comparação aos demais trabalhadores urbanos e rurais. Assim, nos termos da referida lei, o trabalhador doméstico é aquele que trabalha de forma contínua para uma pessoa ou família em atividade não lucrativa no âmbito residencial (art. 1). Na definição evidenciam-se as características do emprego doméstico: prestação pessoal de serviços; de natureza contínua; com finalidade não lucrativa; e executado no âmbito familiar.
O traço diferenciador do emprego doméstico reside no caráter não-econômico da atividade exercida no âmbito residencial do empregador. Nesse sentido, conforme recente publicação do Ministério do Trabalho, os trabalhadores que integram a categoria são os seguintes: “[…] cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, piloto particular de avião e helicóptero, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) também é considerado(a) empregado(a) doméstico(a), quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa”[29].
A verdade é que a lei da categoria dos empregados domésticos, “contemplou-a com menos direitos daqueles empregados subordinados que possuíam contratos de trabalho regulamentados pela CLT”[30]. Portanto, a referida lei nº 5.859/72 foi regulamentada pelo Decreto nº 71.885/73, ao dispor sobre a profissão do(a) empregado(a) doméstico(a), conceituando e atribuindo-lhe direitos.
Para se ter ideia, a referida lei previa assinatura da carteira de trabalho e férias de 20 dias, sendo omissa na questão quanto à jornada de trabalho, fundo de garantia por tempo de serviço, férias, seguro-desemprego e outros benefícios. Segundo Calvet[31], a escassez de direitos vivida pelo trabalhador doméstico reside no fato deste não trazer lucro direto ao empregador, o contrário do que acontecia com os empregados do comércio e da indústria regulados pela CLT e os rurais, responsáveis pela produção de serviços e bens através dos quais os empregadores extraiam a mais-valia, referida por Marx.
No entanto, pertinentemente Marques e Silva destacam que o trabalho doméstico, uma das atividades mais antigas em diversos países, caracteriza-se como uma significativa fonte de ocupação para muitas mulheres no mundo, como forma de acesso no mercado de trabalho para as mais pobres, “tornando-se uma atividade laboral essencial não apenas para o funcionamento dos lares, como também para as economias estatais”[32].
E embora seja consensual afirmar-se de que o trabalho doméstico não tem natureza econômica, “[…] a manutenção da vida, no domus, é condição para a inserção dos membros da família no mercado”. Assim, o trabalho doméstico termina por ter ao menos um conteúdo econômico indireto, ao possibilitar a atividade econômica fora do lar.[33]
Com a evolução dos direitos sociais a situação do trabalhador doméstico sofreu mudanças significativas. Em 1987, o Decreto 95.247 em seu art. 1, inciso III, previu o pagamento de vale-transporte aos trabalhadores domésticos. Em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã passou-se à constitucionalização dos direitos trabalhistas no art. 7º, e o trabalho doméstico passou a ter proteção expressa no seguinte sentido: salário mínimo, irredutibilidade salarial, décimo terceiro, repouso semanal remunerado, o pagamento de férias anuais com acréscimo de, pelo menos, um terço, licença gestante, licença paternidade, o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, a aposentadoria e a integração à previdência social.
Importante a reflexão de Bruginski que “embora a intenção do legislador não tenha sido essa, é inegável que o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal apenas ressaltou a desigualdade do trabalhador familiar” em relação aos demais, urbanos e rurais. [34] E segundo Barzotto[35], tal contraste normativo acabou se embasando na justificativa de que o empregador doméstico possui condição financeira inferior em comparação a um empreendimento econômico.
Nesse raciocínio, a autora explica que empregador, segundo consta do art. 2º da CLT, sobretudo o seu parágrafo primeiro, não precisa ser necessariamente uma empresa, em outras palavras, ter finalidade lucrativa. Esclarece que, deve-se compreender o empregador, aquele “vinculado com o fato de alguém, seja pessoa física ou jurídica, regular ou não, de direito público ou privado, possuir empregados”.[36]
É forçoso reconhecer que no caso brasileiro historicamente sempre houve tratamento desigual em relação ao empregado doméstico. E as tarefas realizadas por este empregado, geralmente mulheres, “configuram o cerce do funcionamento de uma unidade familiar”: Ao que se pode acrescentar que, o papel da doméstica vai além da limpeza, organização e conservação do lar, pelo o que alcança a esfera imaterial da família, que engloba cuidados com crianças, idosos e animais. Assim, muitas vezes, a figura do trabalhador doméstico acaba se tornando uma parte fundamental da família, o que leva a falsa percepção de que ele não precisa de proteção legal, pois que labora “por amor àquele lar e às pessoas que o constituem”[37].
Embora a proteção constitucional, Calvet[38] chama a atenção para o fato de que as férias eram fruídas em períodos menores que os demais trabalhadores, conforme o art. 3º da lei 5.859/72, visto não se aplicar os demais preceitos da CLT a categoria consoante o art. 7º, alínea “a” da Carta Magna. Não havia também a garantia de emprego à empregada doméstica gestante, a quem não se aplicava o art. 7º, I da Constituição e o art. 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Como mencionado a Consolidação das Leis do Trabalho excluiu os trabalhadores domésticos do âmbito de sua proteção e regulamentação. Tal diploma tão importante na seara do Direito do Trabalho pátrio, no ano de 2013 completou 70 anos. O comentário de Arantes recorda os 70 anos de uma história de exclusão, de preconceito e discriminação com os trabalhadores domésticos, uma categoria profissional de fundamental importância para todos, mas com frequência ignorada por alguns segmentos da sociedade, embora demonstre grande peso na economia pela proporção numérica: “o Brasil emprega cerca de 7,2 milhões de trabalhadores domésticos, com recorde de gênero e raça, pois 93,6% são mulheres e a maioria, negras”[39].
Para Calvet, com a migração dos trabalhadores domésticos para as cidades e a influência de outras categorias que detinham maiores direitos assegurados, as reivindicações foram aumentando, chegando ao foro trabalhista reclamações para pagamento de FGTS, indenização de seguro desemprego, horas extraordinárias, adicional noturno, férias, multa por atraso no pagamento de verbas rescisórias, trazendo como argumento, o fato “de que a Constituição Federal, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, previa a não discriminação, e o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana eram fundamentos da República Federativa do Brasil”[40].
O Poder Judiciário, por sua vez, concedeu em várias decisões judiciais[41] direitos não assegurados pela legislação:
“ENFERMEIRA – DOMESTICA – CONDICAO CONTRATUAL MAIS FAVORAVEL – INTANGIBILIDADE – A enfermeira que presta serviços à família, no âmbito de sua residência, sem que de sua atividade haja lucro ou ganho econômico para o empregador é doméstica e, como tal, não faz jus às parcelas de FGTS e multa de 40%. Contudo, se o empregador, desde o início do pacto laboral, pagou à empregada horas extras, adicional de insalubridade, direitos estranhos à relação de emprego doméstico e típicos de um trabalhador urbano como outro qualquer, é forçoso reconhecer que a benesse instituiu condição mais favorável à obreira. "concedido o beneplácito ao empregado de forma usual em longo período, não basta aferir a intenção ou vontade do instituidor para conservar-lhe sempre este caráter. Atua o critério objetivo: A forma habitual e permanente da oferta desnatura a mera liberalidade, convertendo-a em vantagem salarial aderente ao contrato de trabalho como cláusula mais favorável para todos os efeitos legais, portanto, insuscetível de supressão unilateral, sob pena de violação do art. 468 da CLT (…)" "(…) condição e benefício são os dois critérios que norteiam a regra em destaque, donde se impõe extrair os signos de cláusula de vantagem que se insere em um contrato, dependendo dela a execução de um ato futuro, e de efeito benéfico assentado na vantagem concedida ao beneficiário decorrente da livre renúncia empresária, assumindo a forma de proteção prestada ao empregado, segundo suas regras" (TRT 3ª r. – 1ª t. – RO 3866/97 – Rel. Juiz Ricardo Antônio contratadas e mesmo as não contratadas, mas que tenham sido concedidas tácita ou expressamente em situação concreta anteriormente reconhecida, devem ser respeitadas na medida em que mais favoráveis ao trabalhador, pois aderentes ao seu patrimônio jurídico pelo uso, tolerância ou benevolência, tornando-se habituais pela repetição”. (TRT 03ª R. – RO 14272/01 – 2ª T. – Rel. Juiz Hegel de Brito Boson – DJMG 12.11.2001) (ST 153/79).
Diante disso, em 2001, a Lei 10.208 trouxe a faculdade de inclusão dos trabalhadores domésticos no sistema do FGTS, e para os optantes, houve ampliação do seguro desemprego para as resilições contratuais pelo empregador. Em 2003, observa Colnago, de acordo com dados do IBGE, constava-se cerca de 6 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, entre as quais 95% mulheres. Dentre estas, 76% recebiam até um salário mínimo, sendo 57,4% dessas trabalhadoras mulheres negras e pardas, e 57,9 % com ensino fundamental incompleto. E ainda, desses 6 milhões de trabalhadores somente 23% tinham a CPTS anotada.[42]
Em 2006, a Lei nº 11.324,[43] ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos, que passaram a contar com a vedação aos descontos nos salários a título de alimentação, vestuário, higiene e moradia, salvo se em local diverso da residência familiar; direito a férias de 20 para 30 dias, mas não a dobra e o abono de férias, previstos apenas na CLT e para períodos aquisitivos iniciados após a publicação da lei; descanso em feriados; garantia provisória no emprego para a trabalhadora gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Vale ressaltar que conforme estatísticas da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, a partir de dados colhidos em 117 países se verificou que o Brasil emprega o maior número de trabalhadores domésticos do mundo, o que aumenta em muito a responsabilidade da sociedade como um todo com o resgate da dívida histórica com essa categoria profissional.
Em 2011 com a aprovação pela OIT da Convenção nº 189 e Recomendação nº 201, em junho de 2011, que somada a promulgação da EC nº 72/13, em 02 de abril de 2013, alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
Numa análise preliminar, “ainda não foi o estabelecimento pleno dos direitos aos domésticos. A igualdade com os trabalhadores urbanos e rurais de forma integral somente ocorrerá com a aplicação dos preceitos da Constituição e da CLT, sem restrições”.[44] Assim, o que se evidencia é que embora a previsão legal com as alterações na Constituição Federal Brasileira, ainda muito distante encontra-se a efetividade da preceituada igualdade no âmbito social aos trabalhadores domésticos.
2 A CONFIGURAÇÃO DA IGUALDADE PELA PROTEÇÃO AO EMPREGADO
2.1 A IGUALDADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL
Para tratar do tema da igualdade, importa refletir sobre o Direito. Para Delgado, “Direito é o conjunto de princípios, regras e institutos voltados a organizar relações, situações ou instituições, criando vantagens, obrigações e deveres no contexto social”. Acrescenta ainda, que “incorporando e concretizando valores, o Direito desponta como essencialmente finalístico, isto é, dirigido a realizar metas e fins considerados relevantes em sua origem e reprodução sociais”.[45]
O Direito do trabalho pode ser definido como,
“É um sistema jurídico permeado por institutos, valores, regras e princípios dirigidos aos trabalhadores subordinados e assemelhados, aos empregadores, empresas coligadas, tomadores de serviço, para tutela do contrato mínimo de trabalho, das obrigações decorrentes das relações de trabalho, das medidas que visam a proteção da sociedade trabalhadora, sempre norteadas pelos princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana. Também é recheado de normas destinadas aos sindicatos e associações representativas; a atenuação e forma de solução dos conflitos individuais, coletivos e difusos, existentes entre capital e trabalho; a estabilização da economia social a melhoria da condição social de todos os relacionados.”[46]
Por sua vez, os princípios para Teixeira e Barroso, constituem o fundamento do ordenamento jurídico, pois se encontram acima do direito positivo, e irão servir de inspiração para os preceitos de lei. Nessa esteira, os princípios atuam como pressupostos lógicos, necessários para a produção e desenvolvimento da atividade legislativa, ocupando uma posição de alicerce da lei.[47]
A Constituição Federal de 1988 foi o grande marco na consolidação dos direitos sociais em nosso ordenamento jurídico, pois vai definir princípios fundamentais, tais como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da mesma forma, ao estabelecer objetivos fundamentais para a República como o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. E ao fim, num capítulo próprio, enuncia os direitos sociais, que abrangem a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados.[48] Nas palavras do constitucionalista “[…] como se vê, o novo texto constitucional imprime uma latitude sem precedentes aos direitos sociais básicos, dotados agora de uma substantividade nunca antes conhecida nas Constituições anteriores, a partir de 1934”[49].
Diante de tais considerações sobre a função social do Direito, em especial do Direito do trabalho nas relações de trabalho e da importância dos princípios para a realização do ideal de justiça, passamos a tratar do princípio da igualdade. A igualdade pode se apresentar enquanto regra, na proibição de uso de determinadas medidas de comparação, ou ainda como princípio, quando estabelece um estado ideal a ser alcançado.[50]
Para Bobbio[51] (1997, p. 20) a fim de conservar a ordem social, a igualdade deve ser entendida como um valor que tem por base o tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais, onde o propósito da doutrina igualitária mais que estabelecer quando duas coisas devem ser consideradas equivalentes, é o de promover a justiça entre os indivíduos.[52]
O art. 5º, caput da Constituição Federal Brasileira consagra todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.Deve-se buscar não somente essa aparente igualdade formal, consagrada no liberalismo clássico, mas a igualdade material, na medida em que a lei deverá “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”[53].
Quanto ao aspecto material da igualdade esta se configura ao igualar os diferentes, tratando-os de maneira diversa.[54] Mas se torna necessário indicar quem é igual e quem não o é, tornando imperativo estabelecer, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos”.[55] Para então, chegar-se “a questão da valoração correta, e com isso, à questão sobre o que seja uma legislação correta, racional ou justa”[56].
Importante análise faz Santos em seu estudo sobre o duplo aspecto da igualdade prevista no texto constitucional. Para ele, a norma do art. 5º, inciso I da Carta Maior, ao referir que “todos são iguais perante a lei”, exige a aplicação da lei de maneira uniforme, atingindo tudo e todos que estiver(em) sob o espectro da norma em comento. Reflete que a dimensão “formal” da igualdade se configura em pelo menos quatro aspectos:
“1.) exigência de generalidade, a qual tem a ver com o caráter universal e abstrato da norma jurídica, impedindo diferenciar ou favorecer uns ou outros; 2.) exigência de equiparação, a qual permite o igual tratamento de situações que apresentam diferenças não relevantes para o fim proposto à lei; se elege para isso um critério que determina o que é – ou não – importante para que cidadãos ou situações sejam tratados de maneira isonômica; 3.) exigência de diferenciação, a qual se refere ao caráter dinâmico da igualdade ao permitir certas distinções na lei, desde que não fundamentadas em critérios arbitrários ou discriminatórios. É o que ocorre, por exemplo, nas normas tributárias que determinam encargos proporcionais à capacidade econômica dos – diferentes – cidadãos; 4.) exigência de regularidade de procedimento, aspecto funcional da igualdade formal que se manifesta na coerência e regularidade exigidas na aplicação da lei e atitudes estatais, o que inclusive envolve a necessidade de os juízes fundamentarem racionalmente mudanças de entendimento ou critérios que porventura venham a ter a respeito de casos idênticos, o que Antonio Enrique Pérez Luño chama “princípio da interdição da arbitrariedade dos poderes públicos”.[57]
Mas observa também, que a norma em exame trata também do viés “material” da isonomia, ao vetar distinções “de qualquer natureza”, impedindo que uma lei seja “ela mesma” discriminatória. Explica, que nesse aspecto substancial da igualdade que torna ilegal a criação de leis que contenham em si discriminações arbitrárias em seu próprio texto. Então, realça-se que tal vedação relaciona-se à “arbitrariedade”, uma vez as diferenciações justas entre uns e outros, ao que se deve considerar aspectos juridicamente relevantes, legais e necessários, pois retratam a exigência de diferenciação (tratado na citação anterior). “Essas diferenciações lícitas, além de genéricas devem manter uma “conexão lógica” racional entre o fator usado para diferenciar e a discriminação – deve ainda ser possível justificá-la perante os valores constitucionais”[58].
Logo, as dimensões “formais” e “materiais” da isonomia possuem uma conexão necessária, sendo que as sociedades modernas se inclinam cada vez mais para a “concepção material-formal de igualdade”, com ampliação do conceito de isonomia a fim de abarcar a dialética igualdade-diferença.[59]
2.2 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO COMO CONFIGURAÇÃO DA IGUALDADE NO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO
Ao considerarmos o princípio da proteção no direito individual do trabalho, Delgado preleciona que, este princípio informa que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, pelas suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, “uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho”[60].
Nesse mesmo sentido, Oliveira e Dorneles referem à hipossuficiência do trabalhador como pressuposto do princípio da proteção, e acrescentam que por consequência, a garantia de direitos mínimos, nunca máximos. Diante do questionamento, “o que é a proteção ao trabalhador?”, refletem acerca da dificuldade de encontrar uma resposta clara, dado o alto grau de abstração do princípio da proteção.[61]
Para Teixeira e Barroso, o princípio de proteção
“[…] revela a raiz histórica do Direito do Trabalho, se relacionando com o seu principal fundamento, cuja finalidade é assegurar uma maior proteção jurídica ao empregado economicamente hipossuficiente, para afinal alcançar uma igualdade proporcional entre os sujeitos da relação de emprego. Por certo que esta proteção se fez premente e necessária, como instrumento de manutenção da ordem e da paz social na sociedade moderna, uma vez que a partir do princípio da proteção observa-se o desdobramento de um feixe principiológico e próprio da disciplina trabalhista, que tem também por finalidade integrar o trabalhador na dinâmica do sistema produtivo, eliminando uma possível insatisfação generalizada e estrutural já previamente estabelecida por uma série de acontecimentos e instrumentos de organização operária, com o intuito de contestar o então modelo liberal de produção.”[62]
A partir da natureza singular do ramo jurídico laboral torna-se compreensível a gama de princípios próprios que o mesmo possui de maneira especial o “princípio da proteção”, que permite ao trabalhador a manutenção de um contrato de trabalho com garantias legais em seu favor, e caso necessário a litigância em pé de igualdade de condições com seu empregador.[63]
Conforme Américo Plá Rodriguez tal proteção desdobra-se em três dimensões: in dubio pro operario, significando escolher o sentido mais favorável ao trabalhador entre as possíveis interpretações de uma norma; aplicação da norma mais favorável ao empregado, naqueles casos em que existam outras aplicáveis ao caso; condição mais benéfica, a regra que determina a não aplicação de uma nova norma que eventualmente venha a piorar a situação do empregado.[64]
Embora as críticas ao princípio em debate, a maior parte da doutrina aponta-o como essencial no direito do trabalho, e nas palavras de Delgado, “o princípio tutelar não se desdobraria em apenas três outros, mas seria inspirador amplo de todo o complexo de regras, princípios e institutos que compõem esse ramo jurídico especializado”.[65]
Cabe ponderarmos que o princípio da igualdade é de per si uma fórmula incompleta que carece de um critério definidor, ou seja, sendo necessária a integração de outra norma, que irá esclarecer sob qual aspecto e finalidade se fala em “iguais”. Por sua vez, o direito do trabalho traz a igualdade no princípio da proteção ao empregado, a preencher o vazio normativo.
No âmbito das relações laborais decorrentes do contrato de trabalho, onde se acentuam a as diferenças entre empregado e empregador, o princípio da proteção ao empregado servirá para tratar igualmente os iguais e desigualar os diferentes, o que indica conferir à parte mais fraca da relação laboral garantias, direitos, presunções legais, que a coloquem em pé de igualdade daquele a quem o hipossuficiente está subordinado. Dessa forma, compreende-se alem da igualdade como equiparação (atuante contra discriminações arbitrárias), chegando-se às normas que estipulam a igualdade como diferenciação, as quais são criadas e aplicadas pela aceitação do fato inegável de que há diferenças relevantes e substancias entre aqueles contratantes.
Nesse contexto, se traça o caminho para alcançar a isonomia material entre esses, concedendo-se elementos protetivos aos empregados através de leis laborais que os colocam na mesma condição de seus empregadores.[66] Logo, o princípio protetor do direito individual do trabalho estará juntamente com o postulado da igualdade assumindo a função material, a fim de estabelecer o equilíbrio entre os dois pólos do contrato laboral.
2.3 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013
Não é necessário recorrer às estatísticas para se concluir acerca da indispensabilidade do empregado doméstico, mas aponta-se que, na América Latina, em cada 100 mulheres que trabalham, 14 são trabalhadoras domésticas, consistindo na ocupação mais importante para as mulheres.[67] Conforme Bruginski na atualidade com a nova organização produtiva capitalista, as mulheres ingressaram amplamente no mercado de trabalho.[68] Tal fato segundo a OIT, não adveio somente da “entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho”; são citadas outras questões como “o envelhecimento da população, a intensificação do trabalho e a freqüente ausência ou insuficiência de políticas públicas, programas e ações que promovam a conciliação entre o trabalho e a vida familiar”.[69]
No caso do Brasil, o próprio legislador acabou tratando de forma diferenciada o trabalhador doméstico, provavelmente por razões ligadas à formação histórica do país ou ainda por questões econômicas, enquadrando-o como uma categoria secundária, “[…] a qual se atribuía apenas alguns direitos trabalhistas traçados pela redação anterior do parágrafo único do artigo 7º da CF e pela Lei n. 5.859/72”.[70] Dessa forma, os trabalhadores domésticos não tinham igualdade de direitos aos demais trabalhadores urbanos e rurais amparados pela CLT.
Sobre a razão pela qual se restringiu os demais direitos do art. 7º da Constituição Federal de 1988 da classe dos domésticos, explica Nascimento:
“Desde o início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, através das primeiras propostas, notou-se uma tendência no sentido da inclusão do empregado doméstico dentre aqueles que mereciam uma atenção especial, e, nos primeiros projetos que foram apresentados, pretendia-se a total equiparação de direitos entre domésticos, trabalhadores de empresas rurais, urbanos e funcionários públicos. Na medida em que as discussões parlamentares se desenvolveram nas diversas comissões, foram modificadas as propostas, com a exclusão de direitos que realmente eram incompatíveis com a natureza desse trabalho, até que se chegou a uma formula aprovada pela Comissão de Sistematização e que assegurou ao doméstico alguns dos direitos previstos na Constituição para o trabalhador urbano em geral e que são os indicados no art. 7º., § 2º. […]”.[71]
Apenas com a aprovação em 2011 da Convenção n. 189 da OIT é que temos a possibilidade concreta de igualar a categoria dos empregados domésticos aos demais trabalhadores urbanos e rurais, o que veio a ser sedimentado no Brasil pela EC nº 72/2013. A orientação internacional consolidou uma preocupação constante da OIT com relação à discriminação histórica sofrida pelos empregados domésticos. A classe dos domésticos teve legalmente reconhecida sua importância com a EC nº 72/2013, rumo à conquista do direito ao trabalho decente.
Por trabalho decente segundo Franco Filho, entende-se “aquele em que não há abuso dos direitos mínimos do ser humano enquanto tal, o que não o expõe a situações vexatórias”, ou ainda prejudiciais à segurança, saúde, higiene, garantindo o repouso razoável após a jornada de trabalho.[72] Já por trabalho digno, Gamba compreende-o sob dois ângulos, o instrínsico/subjetivo e o extrínseco/objetivo. No primeiro caso, considera-se a pessoa do trabalhador, suas satisfações na atividade e profissão; no caso objetivo julga-se certas condições materiais, remuneração, jornada de trabalho, meio ambiente de trabalho, etc.[73]
De acordo com a Convenção nº 189 e a Recomendação nº 201 da OIT, o trabalho doméstico “é uma das atividades para as quais a noção de trabalho decente tem especial importância e, considerando as discriminações de gênero e raça envolvidas, tem estreita relação com a questão mais ampla da igualdade de oportunidades e tratamento no mundo do trabalho”.[74]
A respeito das intenções citadas na Convenção, de acordo com a opinião de Bruginski, devemos dar especial atenção à questão das condições dignas de trabalho, uma vez que é notória a contribuição dos empregados domésticos para a economia global, sendo urgente a necessidade de valorização desses trabalhadores perante a comunidade internacional. E também no “intuito de contenção dos abusos aos direitos humanos”, bem como na promoção da igualdade em relação aos demais trabalhadores já tratada na esfera constitucional pelo legislador no Brasil.[75]
O artigo 13 da referida Convenção prevê um ambiente de trabalho salubre, ao mencionar que todo trabalhador doméstico tem direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável. Todo Membro, em conformidade com a legislação e a prática nacionais, deverá adotar medidas eficazes, com devida atenção às características específicas do trabalho doméstico, a fim de assegurar a segurança e saúde no trabalho dos trabalhadores domésticos[76]. E nesse sentido a Emenda Constitucional nº 72/2013 acresceu ao parágrafo único da art. 7º da Constituição Federal o inciso XXIII no rol de direitos dos trabalhadores domésticos.
Dessa forma, o que se espera é que aconteça no plano fático realmente a igualdade promovida nos termos da lei, pois como observa Barzotto, “espera-se que as novas exigências não causem o efeito perverso de afastar ainda mais a formalidade das relações laborais do âmbito residencial”.[77] E assim, a equiparação dos direitos trabalhistas dos demais trabalhadores, urbanos e rurais aos empregados domésticos, sem dúvida se mostra como medida adequada na busca de melhores e dignas condições de trabalho.
3 O CONTRATO DE TRABALHO DO EMPREGADO DOMÉSTICO EM FACE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013
3.1 A INFLUÊNCIA DA CONVENÇÃO 189 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013
A Organização Internacional do Trabalho, a OIT, é um organismo internacional, criado em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim na Primeira Guerra Mundial. “Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social.” Das agências do Sistema das Nações Unidas é a única com uma estrutura tripartite, composta de representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores. Logo, a OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho, na forma de convenções e recomendações. As convenções quando ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. O Brasil é um dos membros fundadores da OIT, participando da Conferência Internacional do Trabalho desde a primeira reunião.[78]
Para Arnaldo Süssekind alguns eventos marcaram de forma ímpar a evolução histórica da OIT, conforme síntese a seguir: desde o século XIX havia a ideia de criação de um organismo nesse sentido, como defendia o industrial socialista da Grã-Bretanha, Robert Owen (1818), e o industrial alsaciano Daniel Legrand (1841), chegando ao Manifesto Comunista de Marx e Engels (1848) e à Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII; 1890 – Primeira Conferência Internacional do Trabalho – Berlim; 1897 – Organização Cristã do Trabalho – Zurique; 1897 – Criação da Comissão para Organizar um Organismo Internacional do Trabalho – Bruxelas; 1900 – Congresso de Paris – Fundação Internacional para Proteção dos Trabalhadores; 1901 – Criação da Associação Internacional de Proteção Legal dos Trabalhadores – Basiléia; 1915 – Congresso da Filadélfia; 1916 – Recomendação para criação do Tratado de Paz – Inglaterra; 1918 – Requerimento para participação dos Trabalhadores na Conferência da Paz – abril de 1919[79].
Dessa forma, a OIT como agência das Nações Unidas tem por missão essencial promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso ao trabalho decente e produtivo, “[…] em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, sendo consideradas condições fundamentais para a erradicação da pobreza e a consequente redução das desigualdades sociais”, bem como desenvolver um governo democrático e comprometido com o desenvolvimento sustentável. Nos termos da OIT o trabalho decente é um conceito formalizado desde 1999, e que sintetiza a sua missão histórica.[80]
A Convenção Internacional é um tratado-lei multilateral, ratificável e que não admite ressalva. Tal instrumento normativo internacional é considerado muito importante, já que deriva da Conferência Internacional do Trabalho, órgão da OIT. As Convenções são editadas e votadas pelos representantes dos estados membros, dos empregadores e dos trabalhadores. E para aprovação da Convenção exigem-se os votos favoráveis de 2/3 dos delegados presentes.
Para que a Convenção Internacional tenha validade e eficácia na ordem jurídica interna do Estado Soberano deve ser ratificada. No caso do Brasil, o Presidente da República é que tem, por delegação constitucional, a obrigação e o dever de, através de uma mensagem presidencial, encaminhar para aprovação do Congresso Nacional, a ratificação de um tratado internacional – é uma obrigação internacional. Depois de aprovada pelo Congresso Nacional, caso não aprovar é arquivado, devolve ao Presidente da República, que por sua vez não está obrigado a ratificar. E ele pode promulgar ou vetar.[81]
De acordo com Pamplona Filho e Villatore, adquirida a vigência no plano internacional, cria-se a obrigação para os Estados membros da OIT de no prazo de doze ou dezoito meses – o prazo que depende do texto da Convenção –, submeter-se a ratificação, razão pela qual a vigência não se confunde com a eficácia jurídica resultante de sua aplicação.[82]
Por ocasião da centésima reunião da Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em 16 de julho de 2011, em Genebra, na Suíça, sede da OIT desde 1920 foram adotadas a Convenção nº 189[83] e a Recomendação nº 201 sobre as trabalhadoras e trabalhadores domésticos.[84] Nesses instrumentos foram estabelecidos direitos e princípios básicos para os trabalhadores domésticos, exigindo dos Estados a adoção de medidas com a finalidade de tornar o trabalho decente para tais trabalhadores.
Para implementação da Convenção nº 189 da OIT no Brasil, houve muita resistência jurídica, como se evidenciava na análise dos artigos 3º e 10 do referido diploma. Primeiro, quanto às regras sindicais e depois também, pela obrigação atribuída aos Estados Membros de garantir igual tratamento jurídico aos empregados domésticos e aos empregados em geral, respectivamente.
Mais ainda, o grande entrave à ratificação da Convenção nº 189 pelo Brasil estava no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal Brasileira em seu art. 7º, parágrafo único, ao restringir os direitos trabalhistas dos domésticos; e na Consolidação das Leis do Trabalho, também no art. 7º, alínea “a” ao afastar expressamente a aplicação deste diploma a categoria.
A respeito disso, Boskovic e Villatore, nos lembram o “Direito do Trabalho no Brasil prima pela valorização da realidade em detrimento da forma – princípio da primazia da realidade sobre a forma –”, logo, admitem-se contratos de trabalho na forma escrita, verbal e até mesmo tácita. Regra geral que também se aplica aos empregados domésticos. No entanto, a Convenção nº 189 da OIT, sugere a necessidade do contrato de trabalho escrito para os trabalhadores domésticos, conforme o artigo 7º, caput.[85]
Por isso, que na hipótese de internalização do referido diploma internacional, não bastava que se estendesse aos trabalhadores domésticos no Brasil o já disposto na CLT, mas que se regulamentassem de maneira específica alguns pontos, como a questão do contrato de trabalho escrito.
Nesse cenário, que em 14 de dezembro de 2012 foi apresentada no Congresso Nacional brasileiro a Proposta de Emenda Constitucional nº 66, popularmente conhecida como PEC das domésticas, e que altera o art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os domésticos e demais trabalhadores urbanos e rurais.
As discussões e estudos para elaboração de uma proposta de Emenda Constitucional que tratasse da isonomia entre os trabalhadores urbanos, rurais e domésticos tiveram início em 2008, e concluíram-se apenas em 2012. O motivo dessa longa discussão esteve relacionado ao fato do aumento de encargos financeiros para os empregados domésticos.
Assim, entre os novos direitos assegurados podemos citar a limitação da duração do trabalho a 8 horas diárias e 44 horas semanais, equiparando-se às demais categorias, com possibilidade de pagamento e compensação de horas extras, garantia de intervalos diários e semanais, redução da hora noturna e pagamento de adicional noturno. Como inovação, os domésticos passam a ter direito à organização sindical e à celebração de acordos e convenções coletivas, importante meio de articulação por melhores condições de trabalho.
Além disso, de acordo com a Convenção também se deve ter atenção às normas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, com possibilidade de pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade. Há ainda normas para o trabalhador doméstico migrante. O Brasil ratificou a Convenção com a finalidade de afastar desigualdades históricas e garantir a efetividade dos direitos.
A Emenda Constitucional nº 72 foi promulgada em abril de 2013, alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, estabelecendo a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
Após a publicação da emenda, os trabalhadores domésticos, empregadas, babás, motoristas, caseiros, passam a ter direitos já regulamentados e em vigor: garantia de salário, nunca inferior ao mínimo; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção; jornada de trabalho de até oito horas diárias e 44 semanais; hora extra de, no mínimo, 50% acima da hora normal; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; reconhecimento dos acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério.
Primeiramente cabe referir que antes da Emenda Constitucional nº 72/2013, o trabalhador doméstico tinha os seguintes direitos constitucionais garantidos:
“IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXIV – aposentadoria.”[86]
Com a referida EC nº 72/2013 os empregados domésticos passaram a ter uma série de direitos adicionais que já eram assegurados aos demais trabalhadores urbanos e rurais. Ocorre que alguns têm aplicação imediata e outros restam dependentes de regulamentação por lei específica. Vejamos a título de comparação. Direitos de aplicação imediata:
“VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (Grifo nosso).[87]
E os direitos dependentes de lei específica:
“I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e préescolas; XXVIII – seguro contra acidentes.”
Os trabalhadores domésticos possuíam e continuam alguns direitos que serão tratados a seguir, com base na legislação infraconstitucional vigente.[88] A começar pelo contrato de trabalho escrito com anotação na CTPS, de acordo com a Lei n. 5.859/72, que dispõe sobre a profissão no seu art. 2º, I combinado com o art. 5º do Decreto n. 71.885/73.
Quanto ao salário: a garantia do salário mínimo do art. 7º, IV da CF, podendo, todavia, ser ajustada remuneração superior; a irredutibilidade de salário, conforme o art. 7º, VI da CF de modo a jamais receber valor inferior ao ajustado; e 13º salário, que é a Gratificação de Natal, instituída pela Lei n. 4.090/62, consagrado no art. 7º, VIII da CF.
Quanto às licenças: o gozo de licença à mulher gestante de 120 dias, pelo art. 7º, XVIII da CF, que não se confunde com estabilidade provisória e é beneficio previdenciário; o gozo de licença paternidade de cinco dias, que o homem empregado doméstico tem direito, similar a qualquer empregado, pelo art. 7, XIX da CF combinado com o art.10, §1º, do ADCT.
Por sua vez, a garantia de emprego à gestante, a chamada estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, consagrada no art. 4º-A, da Lei n. 5.859/72, acrescentado pela Lei n. 11.324/2006, que não se confunde com a licença gestante, referida acima.
O direito ao aviso prévio proporcional em caso de dispensa sem justa causa, na forma do art. 7º, XXI da CF observada à regra da Lei n. 12.506/2011. O direito ao repouso semanal remunerado, preferencialmente – não significa necessariamente – aos domingos, como consta do art. 7º, XV, da CF.
O direito as férias com acréscimo de 1/3, na forma do art. 7º, XVII da CF cabendo observar que: as faltas ao serviço, durante o período aquisitivo, influenciarão no cálculo para os dias de gozo devidos, conforme art. 130 da CLT; e, apesar de divergência doutrinária, tem sido admitida a possibilidade do empregado doméstico a conversão in pecúnia, ou seja, a venda de 1/3 das férias a gozar, como previsto no art. 143 da CLT.
E por fim, a aposentadoria, que é beneficio previdenciário garantido pelo art. 7º, XXIV da CF; e a integração à previdência social, como consignado no final do parágrafo único do art. 7º da Carta.
3.3 A FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DO EMPREGADO DOMÉSTICO
Consoante ao tratado anteriormente, a EC nº 72/2013 que teve sua origem na Convenção 189 da OIT e na Recomendação 201, ambas de 2011, as quais prevêem que os trabalhadores domésticos devem ter os mesmos direitos básicos referentes aos demais trabalhadores, principalmente no tocante a jornada de trabalho limitada e descanso semanal.
Como citado o artigo 3º da referida Convenção, orienta aos países a adoção de medidas que visem assegurar a proteção efetiva dos direitos humanos de todos os trabalhadores domésticos, promovendo e respeitando os princípios e direitos fundamentais do trabalho.
Diante de tais mudanças no âmbito constitucional brasileiro, sem dúvida, é recomendável que os contratos de trabalho dos empregados domésticos sejam formalizados por escrito, conforme já se orientava anteriormente[89], com uma cláusula clara sobre a jornada de trabalho diária e/ou semanal, seguindo os parâmetros acima, ainda que não haja controle de horário.
O comentário de Barzotto a respeito do conteúdo da Convenção nº 189 da OIT, é apropriado:
“O conteúdo do trabalho doméstico deixa de depender de suas peculiaridades intrínsecas, e passa a ser regido, como em qualquer relação trabalhista, de maior regulação contratual formal. Em outros termos, seguindo-se a linha histórica do trabalho e do Direito do Trabalho, há uma passagem do “status” “trabalhador doméstico” para o “contrato” de trabalhador subordinado com direitos e deveres especificados e exigíveis. O trabalho doméstico abandonará a informalidade e a flexibilidade de seu conteúdo”.[90]
É recomendável, ainda, que qualquer acordo quanto a compensação de jornada – seja para compensar os sábados, ou para compensar eventuais atrasos, saídas antecipadas e/ou horas extras laboradas – seja regulado por meio do contrato ou acordo para compensação de jornada.
Observados esses aspectos, ainda é preciso aguardar a regulamentação dos direitos pendentes, para se definir a melhor forma de solucionar as questões que inevitavelmente surgirão. No entendimento de Boskovic e Villatore, “em que pese grandioso tenha sido o avanço da categoria doméstica na persecução de seus direitos, a igualdade pretendida pela OIT ainda não foi alcançada”.[91] Até porque a lei por si só, não é capaz de alterar de imediato a realidade social, ainda mais no caso do emprego doméstico, que é uma atividade peculiar no rol das atividades trabalhistas no mundo, seja pela trajetória histórica ou ainda pelo seu papel na estruturação do mercado de trabalho contemporâneo.
E nessse sentido, concordamos com a advertência dos autores, quanto à igualdade no plano da lei e a distância no plano social, pois num raciocício prático e de acordo com a CLT, no seu art. 7º, alínea a, os direitos que não constaram de maneira expressa na nova redação do parágrafo único do artigo 7º da CF – como por exemplo, os intervalos intra e interjornadas –, não foram estendidos aos empregados domésticos.
Mas segundo Coelho, a tendência jurisprudencial já vinha se afirmando no sentido de aplicação de todos aqueles dispositivos da CLT compatíveis com a relação contratual do doméstico, como o intervalo previsto no art. 71 da Consolidação. Embora na realidade fática se encontre dificuldade na fiscalização da fruição desse intervalo em âmbito residencial.[92]
Depois, é necessário mencionar os direitos dependentes de regulamentação especial, como o caso do inciso XII, o salário-família, que em tentativas anteriores à EC nº 72/2013 esbarraram no problema de fundo econômico, ou seja, na dúvida sobre a geração de valores para esta finalidade.
Então, o desafio do Direito na relação trabalhista entre empregador e empregado doméstico, será o de responder questões práticas, tais como “de que forma fiscalizar o efetivo cumprimento da jornada limite de oito horas? E como produzir provas neste sentido em eventual ação trabalhista?”.[93] Dúvidas como estas irão afligir às relações sociais na realidade fática, enquanto aguardam o posicionamento da doutrina e da jurisprudência a respeito do tema.
Outro aspecto considerável, ao qual já chamamos atenção, é em relação aos arts. 3º e 10 da Convenção nº 189 da OIT e o conflito com a CLT. Como tratamos, o art. 3º da referida Convenção menciona a figura da liberdade sindical e a existência de entidades sindicais dos empregados e dos empregadores domésticos.
O enquadramento sindical, pressupõe a inclusão de um determinado trabalhador na esfera de representação de um determinado sindicato, e o que no Brasil realiza-se a partir da noção de categoria, que na CLT em seu art. 511, define-se a partir da atividade econômica da categoria profissional.
Na própria definição de sindicato conforme a doutrina consolidada, destaca-se o termo “econômico” ao determinar a atividade ou o interesse do empregador, como nota-se no conceito de Nascimento: “uma organização social constituída para, segundo um princípio de autonomia privada coletiva, defender os interesses trabalhistas e econômicos nas relações coletivas entre os grupos sociais”.[94]
Então, como dissemos a CLT orienta quanto aos conceitos de categoria econômica e profissional, o que conflitua com a Lei 5.859/72, em seu art. 1º, onde ao caracterizar o vínculo empregatício doméstico, ressalta a sua finalidade não lucrativa. Logo, o empregador doméstico não poderá pertencer jamais a uma categoria econômica, o que dificulta a existência de um sindicato patronal doméstico.[95]
Nessa esteira, para formalizar-se uma Convenção Coletiva do Trabalho, ou instaurar um Dissídio Coletivo, deve existir a bipolaridade de partes, significa o sindicato de empregado e o sindicato de empregador. Ante essa difuldade resta prejudicada a negociação e a formação de documentos normativos coletivos, no caso do trabalho doméstico.
O problema quanto a isso, reside na redação da EC nº 72/2013 ao assegurar aos domésticos o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivos conforme art. 7º, inciso XXVI, da CF através do parágrafo único do mesmo artigo.
Embora a doutrina apoie-se na linha de raciocínio desenvolvida anteriormente, onde enfatizam ante a inexistência de uma empresa, a dificuldade de sindicalização, “[…] “é [uma] tendência moderna a extensão, aos domésticos, não só a sindicalização, mas todos os direitos trabalhistas, individuais e coletivos, inclusive a greve”.[96]
Na opinião de Boskovic e Villatore, não há impedimento para a existência de organismos de representação dos trabalhadores domésticos, uma vez que isso seria um importante meio de conscientização e orientação na classe desses obreiros.[97]
No entanto, com relação a questão da liberdade sindical os autores asseveram que sequer os demais trabalhadores brasileiros, urbanos e rurais previstos no art. 7º, caput da CF possuem tal prerrogativa.[98]Aliás, o Brasil não ratificou a Convenção 87 da OIT a respeito da liberdade sindical, por conta da nossa unicidade sindical e da cobrança obrigatória de contribuição previstas no art. 8º, II e IV da CF.
O que fica evidente é que a partir da emenda, muito “embora o contrato de trabalho se revista de aspecto informal e se forme independentemente de qualquer acordo escrito”, é aconselhável uma maior formalização quanto às cláusulas contratuais, em especial à jornada, duração semanal e horários do trabalho doméstico, bem como a compensação de horas, conforme as exigências da Súmula 85 do TST.[99]
Para fins de prova na Justiça do Trabalho, uma vez a Súmula 338 do TST, interessa que o empregador doméstico mantenha o registro com os horários de jornada do empregado doméstico.
Existe por parte da doutrina um grande empenho para recepcionar as alterações no sentido de segurança tanto para empregadores, quanto para empregados domésticos, tendo em vista a natureza dessa atividade tão peculiar e importante na vida das famílias brasileiras.
Nesse sentido, encontramos algumas sugestões aos empregadores domésticos, tais como: formalizar o contrato de trabalho por escrito, ao menos com duas testemunhas que não familiares das partes; especificar salário, horário de trabalho e de intervalo intrajornada, tarefas, bem como o fornecimento de equipamentos de proteção individual, se necessário; consignar cláusula com relação ao uso do telefone, ou outro meio de comunicação, se pertencente ao empregador; adoção de folha ponto ou algo que registre os horários de início e fim da jornada diária e do intervalo intrajornada; lembrar que os alimentos e moradia, no caso dos que moram com os patrões, inclusive uniformes, não podem ser descontados conforme art. 2 da Lei nº 5.859/72.[100]
Infelizmente, se por um lado avançamos na legislação pátria, no sentido de igualar os direitos do trabalhador domésticos aos dos trabalhadores urbanos e rurais, na tendência igualitária defendida pela OIT, por outro devemos encarar que tais direitos implicam em ajustes econômicos, o que provavelmente irá onerar a referida profissão e a contratação por parte das famílias empregadoras. Logo, desde já percebemos o crescimento da profissão de diarista, ou seja, os que trabalham em até duas ou três vezes por semana em uma residência familiar e que ficou de fora do tratamento da EC nº 72/2013.
A história e a trajetória da legislação brasileira demonstram que o empregado doméstico sempre esteve à margem, obtendo inclusive da CF de 1988 apenas alguns direitos. Mas a questão é se realmente vamos conseguir a igualdade desse trabalhador no plano social, e se a reforma não acabou por fragilizar a realidade econômica do patronato doméstico. Questões às quais o direito deverá se ocupar em resolver, buscando alternativas para que realmente se efetive a justiça e a dignidade do trabalhador.
CONCLUSÃO
No Brasil o atual sistema jurídico está assentado em bases sociais, em princípios democráticos, onde a dignidade do trabalho, a igualdade de condições e a proteção ao empregado perfazem outra visão de ser humano e por consequência das relações humanas e laborais. Evidente que ainda existe uma grande distância entre a realidade social, que possui fortes resquícios culturais da mentalidade conservadora, escravista, patrimonial e patriarcal daquele Brasil desde a colonização, em detrimento da legislação social, advinda com a Constituição Federal de 1988, considerada a Constituição Cidadã.
A presente pesquisa debruçou-se sobre a temática do contrato de trabalho do empregado doméstico a partir das alternações da EC nº 72/2013. Buscando tratar com brevidade da história a nível geral do trabalhador doméstico, bem como da trajetória da legislação no Brasil em relação à tutela desse trabalhador. Depois, tratar a questão da igualdade propriamente dita, no plano constitucional e em especial à igualdade pela proteção ao empregado no direito individual do trabalho, relacionando à questão do tema da reforma. E por fim, tratou-se das alterações da EC nº 72/2013 e suas repercussões na relação trabalhista entre empregadores e empregados domésticos, em especial suas peculiaridades ao contrato de trabalho.
Assim, eis as conclusões. Embora tenhamos que reconhecer que a própria Carta de 1988 deixou de conferir os mesmos direitos a todos os trabalhadores, pois que os domésticos foram excluídos no art. 7º, recebendo a proteção de direitos em menor proporção no parágrafo único do mesmo artigo.
Infelizmente a legislação brasileira distinguiu em categorias os trabalhadores urbanos, rurais e domésticos, até a Emenda Constitucional nº 72/2013. Aos domésticos coube o silêncio, ou seja, a exclusão do âmbito de aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho. O que constatamos é que trinta anos após a vigência da CLT, apenas em 1972 foi aprovada a Lei nº 5.859 que regulou o trabalho doméstico ao conferir alguns direitos a categoria, como salário mínimo, férias (20 dias) e décimo terceiro.
Os trabalhadores domésticos, em especial as mulheres foram apontados pela Organização Internacional do Trabalho como vítimas frequentes de violação de direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho (como o trabalho forçado, trabalho infantil e a discriminação).
A informalidade do trabalhador doméstico em nosso país é uma realidade constrangedora e que coloca a margem de direitos esses trabalhadores, que se submetem a tais condições de trabalho em função da realidade sócio-econômico, na maioria das vezes nada favorável. A verdade é que a maior parte dos empregados domésticos sofre com a discriminação de gênero e etnia. São na maioria mulheres pobres e negras.
Nesse sentido, para promover uma proteção mais efetiva aos direitos dos trabalhadores domésticos a OIT adotou a Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos nº 189, em 2011, acompanhada da Recomendação nº 201.
Com isso percebe-se a vontade política do Brasil com o avanço legislativo e social na promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013, com a equiparação dos direitos dos empregados domésticos o que significa a busca por condições melhore e dignas de trabalho.
Em que pese reconhecermos que a equiparação em direitos dos trabalhadores pela Constituição implica na realização da igualdade constitucional, ou ainda como ideário da justiça, é forçoso também reconhecer que “se, por um lado, o empregado doméstico deve, sim, receber tratamento igualitário ao dos demais empregados, não se pode olvidar que o empregador doméstico é bastante peculiar em relação aos empregadores em geral”.[101]
Ainda não atingimos a igualdade de direitos, mas a par das mudanças constitucionais é preciso criar uma nova mentalidade social sobre a importância do trabalho doméstico e consequentemente da necessidade de valorização do trabalhador doméstico com a devida formalização de seu contrato de trabalho a fim de assegurar-lhe seus direitos.
Mestranda em Direito e Justiça Social do PPGD da FURG
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