Yuri Guilherme Cavalcante Ramos -Advogado. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo/SP. (E-mail: ygcrdireito@gmail.com)
Resumo: A presente laboração aborda a importância do ativismo judicial para ampliar os direitos dos destinatários do Benefício de Prestação Continuada, mormente na materialização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente quanto a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais, de modo a acompanhar a evolução do direito na sociedade. Assim ocorrendo, o Benefício de Prestação Continuada independerá da letargia do poder legislativo para se manter eficaz, proporcionando meios substanciais de dignidade aos subcidadãos.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Benefício de Prestação Continuada. Dignidade. Desigualdades sociais.
Abstract: The present study addresses the importance of judicial activism to expand the rights of recipients of the Continuous Payment Benefit, especially in the materialization of the fundamental objectives of the Federative Republic of Brazil, in order to follow the evolution of law in society. As such, the Continuing Benefit Benefit will not depend on the lethargy of the legislative branch to remain effective as an instrument for the eradication of poverty and marginalization of sub-citizens, providing them with substantial means of dignity.
Keywords: Judicial Activism. Benefit of Continued Provision. Dignity. Social differences.
Sumário: Introdução. 1. Benefício de prestação continuada como direito fundamental de segunda dimensão. 2. Igualdade substancial dos direitos sociais. 3. Status constitucional do benefício de prestação continuada. 4. Letargia legislativa 5. Ativismo judicial como garantidor do progresso do benefício de prestação continuada. 5.1. Estrangeiros beneficiários. 5.2. Núcleo familiar próprio. Conclusão. Referências.
Introdução
A República Federativa do Brasil de 1988 possui objetivos que devem ser perseguidos pelo Estado Brasileiro, dentre os quais, de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, objetivos estes que se encontram no art. 3º, III da Constituição Federal.
Como meio de alcançar esses objetivos, a Constituição Federal (art. 203, V) instituiu um benefício assistencial, de um salário mínimo mensal, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuírem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Assim, com escopo de concretizar referido comando constitucional, o Estado Brasileiro produz projetos de Lei buscando fomentar as políticas públicas de compartimento de renda, almejando com isso acelerar o processo da igualdade social.
Bem assim, destaca-se a Lei 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, que estabelece, dentre outros, o direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Dessarte, o presente estudo tentará informar, de um ponto de vista diferente, a importância do Benefício de Prestação Continuada, como um dos instrumentos eficazes da República Federativa do Brasil para garantir a dignidade e igualdade social. Salientando-se que a valorização do referido benefício trará louros para sociedade brasileira. Além disso, buscou-se demonstrar que a proatividade da função judicial é necessária ao processo da igualdade substancial para garantir a manutenção, melhoria do direito assistencial e emancipação da inércia da função legislativa em relação a positivação dos direitos de segunda dimensão.
1 Benefício de prestação continuada como direito fundamental de segunda dimensão
Nascidos após o período da ideologia burguesa com os ideais do liberalismo, os direitos fundamentais de segunda dimensão são aqueles de cunho econômico, cultural e, principalmente, social. Isto é, são direitos de titularidade coletiva, que exigem do Estado atuação positiva para sua efetivação.
A filosofia da segunda dimensão de direitos não pode ser representada, simplesmente, pelas estáticas nomenclaturas de direito social e, tampouco, se limita ao Estado do Bem-Estar-Social (Welfare State). Nessa linha de raciocínio, podemos definir essa dimensão de direitos sociais como algo muito mais forte e profundo do que consolidar o pensamento coletivo (não da igualdade social utópica no sistema econômico capitalista) de que todas as pessoas devem viver longe da pobreza, da miséria e marginalização, mas sim garantir infalíveis mecanismos, instrumentos e serviços capazes de sustentar substancialmente a já reconhecida dignidade formal dos indivíduos em extrema vulnerabilidade social e econômica.
Os direitos de segunda dimensão almejam a dignidade plena dos indivíduos, exigindo-se a “mão visível” do Estado no controle da autonomia da vontade em diversos setores da sociedade em benefício dos desfavorecidos, bem como máxima efetividade na manutenção e melhoramento da dignidade humana.
Partindo dessas premissas, o benefício de prestação continuada (BPC) pode ser classificado como direito fundamental de segunda dimensão, pois abrange um grande número de indivíduos que necessitam cada vez mais da atuação positiva do Estado para defrontar as desigualdades sociais.
2 Igualdade substancial dos direitos sociais
A igualdade substancial dos direitos sociais é a fase em que seus destinatários reclamam ativamente por ações com resultados concretos e menos promessas do Estado e da Coletividade para efetivar os direitos fundamentais.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual incorporou o espírito da segunda dimensão dos direitos fundamentais, a preocupação concentrou-se, ou deveria se ater, na problemática da solução prática e contínua da desigualdade social. Daí o surgimento de novas teorias e nomenclaturas jurídicas definidoras dessa preocupação, denominadas neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós moderno, ou, ainda, pós-positivismo. Todas significando o desejo ardente de concretização das prestações materiais prometidas pela Constituição Social.
Segundo indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população em situação de pobreza aumentou em 2017, isto é, neste período, o Brasil tinha 54,8 milhões de pessoas “vivendo” com menos de R$ 406 por mês, representando uma subida de 25,7% para 26,5% em comparação ao ano de 2016. Em recente pesquisa do IBGE foi constatado que o Brasil bateu recorde de indivíduos em condição de miséria (pobreza extrema), ou seja, em 2018 o país tinha 13,5 milhões de pessoas com renda mensal per capta inferior a R$145,00.
Assim, alheado-se do argumentum ad lazarum, segundo a qual se afirma que alguém, por ser pobre é mais virtuoso, a pobreza e a miséria nada contribuem para a felicidade e dignidade dessas pessoas. Alguns movimentos e organizações sociais conquistaram políticas populistas como o Programa Bolsa Família com a finalidade de mitigar a crescente desigualdade social. Todavia, até os dias de hoje o Welfare State (Bem-Estar-Social) no Brasil não se consolidou como prometido por vários motivos, tendo como justificativa estatal o aumento dos dispêndios do dinheiro público.
Acredita-se que a verdadeira materialização do direito social está abrigada em política pública eficaz, como aquela já mencionada no artigo 203, V da Constituição Federal de 1988, a saber, o Benefício de Prestação Continuada. E, a progressão dos direitos sociais depende diretamente da luta dos movimentos e das organizações sociais e políticas e, principalmente, em alguns casos específicos, do ativismo (proatividade) do poder judiciário em prol da ampliação da cidadania.
3 Status constitucional do benefício de prestação continuada
O benefício de prestação continuada é um benefício assistencial constitucional, corresponde ao valor mensal de um salário-mínimo, destinado aos idosos com 65 anos ou mais, ou deficientes que se encontram sem condições de manter sua subsistência por si só ou pelos seus familiares. Sendo ainda intransferível, não gerando direito à pensão por morte, e sem direito à gratificação natalina.
Para melhor compreensão, o artigo 203, V, da Constituição foi regulamentado pela Lei nº 8.742 de 1993, conhecida como Lei da Assistência Social – LOAS. E, posteriormente, foi criado o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada – RBPC, aprovado pelo Decreto nº 6.214/07, com operacionalização do INSS.
O referendado benefício possui status constitucional, como um dos objetivos da seção IV – Da Assistência Social, localizado no artigo 203, inciso V da Constituição Federal, ipsis verbis:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…)V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Daí a qualificação constitucional do benefício de prestação continuada, possuindo força de transformação social, ilimitado ao assistencialismo, sendo uma das principais ferramentas do plexo de direitos de assistência social no Brasil. Assim, esse micro-sistema de assistência social operacionaliza o dito benefício, servindo como ducto para distribuição de renda mínima aos idosos e deficientes em extrema dificuldade econômica, garantindo os direitos fundamentais de segunda dimensão de específicos grupos de hipossuficientes.
4 Letargia legislativa
O poder legislativo já comprovou ser incapaz de atender, satisfatoriamente, entre outros, os direitos sociais da população carente, principalmente no que se refere à melhoria do benefício de prestação continuada (BPC).
Essa situação pode ser observada claramente nos 75 (setenta e cinco) projetos de leis, dentre eles o Projeto de Lei nº 3.999, de 1997, de autoria do Deputado Euler Ribeiro, que acrescenta § 8º ao art. 20 da Lei nº 8.742 (Lei Orgânica de Assistência Social-LOAS), de 7 de dezembro de 1993, que pretende estender a gratificação natalina aos que recebem o Benefício de Prestação Continuada.
Referidos projetos de leis de cunho progressista para os direitos sociais caminham a passos lentos na câmara dos deputados, alguns desde 1997, isto é, da proposição do projeto até o corrente ano, são 23 anos de tramitação.
Ademais, os pareceres contrários aos versados projetos de leis estão desprovidos de comprovação concreta do impacto econômico, suas justificativas são abstratas e evasivas, sequer há referência a cálculo fidedigno demonstrando o custo-benefício ou custo-prejuízo da medida, conforme se observa no parecer da Comissão de Finanças e Tributação sobre o projeto lei em questão:
“Grupo 01 – Projetos que impõem o pagamento de décima terceira parcela do Benefício de Prestação Continuada ou da Renda Mensal Vitalícia, seja a título de gratificação natalina ou abono anual. PL nº 3.967, de 1997; PL nº 3.999, de 1997, PL nº 1.780, de 1999; PL nº 6.394, de 2002; PL nº 770, de 2003; PL nº 1.421, de 2003; PL nº 682, de 2007; PL nº 1.630, de 2007 e o Substitutivo da Comissão de Seguridade Social e Família. Segundo o art. 22 do Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamenta o Benefício de Prestação Continuada – BPC, e o § 2º do art. 7º da Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, que criou a Renda Mensal Vitalícia – RMV, tanto o BPC quanto a RMV não geram direito ao pagamento de abono anual ou gratificação natalina. A fim de mensurar o impacto orçamentário e financeiro que a aprovação das proposições pode acarretar, façamos algumas estimativas. O ano de 2014 foi encerrado com 4,13 milhões de pessoas com deficiência e idosos recebendo o Benefício de Prestação Continuada. Se a esses beneficiários tivesse sido concedida uma parcela adicional do BPC no valor de R$ 724,00, equivalente a um salário mínimo em dezembro de 2014, grosso modo o impacto da medida teria sido de cerca de 2,99 bilhão. Já no âmbito da Renda Mensal Vitalícia, considerando-se que em dezembro de 2014 havia 180 mil pessoas beneficiadas, o pagamento da gratificação natalina teria implicado um dispêndio de cerca de R$ 130,3 milhões. Portanto, todos os projetos relacionados neste grupo, bem como o Substitutivo da Comissão de Seguridade Social e Família, importam em aumento dos dispêndios da União, caso aprovados” (Grifos nosso).
Verifica-se, portanto, que o parecer desfavorável da Comissão de Finanças e Tributação foi redigido de modo genérico, por estimativa, não representando o verdadeiro impacto financeiro e orçamentário. Além disso, não houve demonstração do custo-benefício que a medida, se eventualmente, aprovada poderia gerar para a economia, tampouco foi demonstrado os benefícios e melhorias para os milhões de beneficiários e suas famílias.
Ao contrário do que afirma o parecer sobre o aumento dos dispêndios da União, na aprovação do projeto de lei, vale informar que desde o ano de 2019, o governo brasileiro realiza operação pente-fino nos benefícios sociais, tendo sua primeira etapa proporcionado economia de 5,8 bilhões, segundo Secretaria Especial do Desenvolvimento Social.
Desse modo, o dinheiro economizado no cancelamento dos benefícios sociais, decorrente da operação pente-fino, pode ser inteiramente reaplicados no micro-sistema de benefícios sociais, por meio de concessão de abono natalino, implantação de novos benefícios, entre outros.
Recentemente, com base nessa estratégia de reaplicação de recurso, o governo federal brasileiro editou a Medida Provisória nº 898 de 15 de outubro de 2019 concedendo o abono natalino, referente ao mês de dezembro de 2019, aos beneficiários do Programa Bolsa Família, tendo como impacto positivo uma injeção extra de R$ 2,58 bilhões na economia, segundo informações da Câmara dos Deputados. Vale destacar a exposição de motivos dessa medida provisória, corroborando o pensamento defendido neste estudo em prol da melhoria dos benefícios sociais, em especial, o benefício de prestação continuada:
“EMI nº 00072/2019 MCID ME Brasília, 5 de Setembro de 2019. (…)2. No mérito, a criação do referido abono vai ao encontro da necessidade de transferir mais recursos às famílias beneficiárias do Bolsa Família, tendo em vista o aumento de preço de alguns itens que fazem parte da cesta de consumo dessas famílias ao longo do último ano, como é o caso do gás de cozinha. Ademais, sinaliza, tanto para as famílias beneficiárias quanto para o conjunto da sociedade brasileira, que o programa é visto pela atual administração como uma política de Estado, cuja permanência atende a necessidades estruturais decorrentes do atual estágio de desenvolvimento econômico da sociedade brasileira. Dessa forma, sua existência não decorre do desejo de um determinado governo, mas sim da determinação do Estado e da sociedade em enfrentar o desafio da superação gradual da pobreza. 3. Instituído pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, o Programa Bolsa Família tem como objetivos principais a transferência de renda para as famílias mais pobres, a fim de aliviar de imediato a pobreza extrema, e o reforço do acesso aos serviços de educação e saúde, por meio dos compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias de manter suas crianças e jovens na escola, bem como de cumprir uma agenda periódica de acompanhamento em saúde, incluindo consultas de pré-natal e vacinação tempestiva de suas crianças. 4. Tão importantes quanto os efeitos imediatos no alívio da pobreza são os impactos de longo prazo a que o Bolsa Família tem potencial de induzir. Trata-se de contribuições estratégicas para o desenvolvimento: de um lado, níveis mais elevados de escolaridade são necessários para que os jovens tenham oportunidades de inclusão social por meio do trabalho na etapa adulta de suas vidas; de outro, o país envelhece gradativamente e necessitará de mais trabalhadores qualificados. 5. Ademais, deve-se destacar que todos os países avançados possuem políticas de mitigação do impacto da pobreza, principalmente entre famílias com crianças e jovens, ao mesmo tempo em que garantem a universalização do acesso à educação. Nesse sentido, o Bolsa Família pode contribuir com a dimensão estratégica de desenvolvimento da educação, bem como com a promoção da inclusão social com equidade e acesso a oportunidades. 6. Estudos evidenciam que os benefícios do Bolsa Família são efetivamente direcionados aos segmentos mais vulneráveis da população, com elevado grau de eficácia na redução da pobreza e da desigualdade social (Skoufias et al, 2016; Soares, 2012) e na formação de capital humano (Glewwe and Kassouf, 2008; Chitolina et al, 2013; Cireno et al, 2013; Rasella et al, 2014), o que faz com que os seus gastos sociais sejam considerados os mais progressivos do governo federal (OCDE, 2017; Banco Mundial, 2016). 7. Deve-se considerar, ainda, que o custo administrativo do Bolsa Família é baixo, tanto quando comparado às demais ações de proteção social do governo federal, contributiva e não contributiva, quanto em comparação com outros programas de transferência condicionada de renda. Em adição, a cada R$ 1,00 transferido às famílias beneficiárias, gera-se aumento de R$ 1,78 no Produto Interno Bruto (Ipea, 2013). 8. Ademais, em meio ao desafio de tornar evidente à população brasileira que a reforma da Previdência Social compõe um conjunto de ações adotadas para dar maior eficiência ao Estado, instituir o pagamento do abono natalino do Programa Bolsa Família pontua que medidas adicionais de proteção da parcela mais vulnerável da população, que eventualmente poderia ser impactada pela reforma, estão sendo adotadas. (…) 11. Em relação ao impacto orçamentário e financeiro, estima-se que deverão ser adicionados R$ 2,58 bilhões reais na ação 8442 – Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condição de Pobreza e Extrema Pobreza, do Programa Temático 2019 – Inclusão Social por meio do Programa Bolsa Família (PBF), do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) e da Articulação de Políticas Sociais. 12. Essas são, Senhor Presidente, as razões que justificam a edição da Medida Provisória que ora submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência. Respeitosamente, OSMAR GASPARINI TERRA PAULO ROBERTO NUNES GUEDES”. (Grifos nosso)
Infelizmente essa medida provisória teve seu prazo de vigência encerrado no dia 24 de março de 2020. As medidas provisórias quando editadas são submetidas a um arrastado processo de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei (art. 62, CF), existindo a possibilidade de ser ou não aprovadas. Ocorre que a letargia do poder legislativo para aprovação de leis é notória, sofrendo o processo legislativo e seus representantes duras críticas, com razão, dos destinatários dos direitos sociais. Não houve até então solução do problema, perpetuando-se a lesiva vagareza legislativa.
Por outro lado, o ativismo (ou proatividade) judicial brasileiro assumiu a responsabilidade de atender concretamente às necessidades das pessoas com deficiências e idosos considerados em estado de miserabilidade quando seus direitos sociais são negados pela administração pública. Sendo aceitável que o poder judiciário, na ausência e lerdeza legislativa, atue energicamente reconhecendo e concedendo direitos sociais com suporte principiológico constitucional, com fito de fortalecer os direitos fundamentais de segunda dimensão e, consequentemente, propiciar o progresso dos benefícios sociais.
5 Ativismo judicial como garantidor do progresso do benefício de prestação continuada
A partir da compreensão da problemática da Constituição Social, revelada na promessa da erradicação da pobreza e redução da desigualdade social, e as dificuldades enfrentadas para alcançar tais objetivos, aspira-se cada vez mais por normas eficientes capazes de melhorar significantemente a vida dos cidadãos.
Sabe-se existir um procedimento legal para elaborar normas capazes de concretizar o bem estar social, que é o processo legislativo bicameral, que é excessivamente delongado. Por sua vez, tem-se outro meio, este mais lesto e eficiente para alcançar igual fim, denominado ativismo (proatividade) judicial.
A proatividade forense é uma versão melhorada da função judicial, desenvolvida por operadores do direito pós-positivistas empenhados em implementar a efetividade das normas constitucionais na sociedade. A partir dessa técnica jurídica, identifica-se atuação laudável do judiciário em temas de suma importância para o fortalecimento e alargamento dos benefícios sociais, dos quais destacam-se os estrangeiros beneficiários e núcleo familiar próprio do BPC.
5.1. Estrangeiros beneficiários do benefício de prestação continuada
O artigo 1º da Lei de Organização da Assistência Social define que a assistência social é direito do cidadão. Surgindo daí a interpretação, via de regra, de que os benefícios assistenciais seriam apenas destinados aos cidadãos brasileiros, pois o estrangeiro só adquire cidadania por meio de naturalização preexistente.
Assim, formou-se, a princípio, o pensamento de que estrangeiros, mesmo que residentes legalmente no Brasil, não poderiam fazer jus ao Benefício de Prestação Continuada.
Entretanto, com fundamento de que a assistência social é direito fundamental de segunda dimensão garantido na Constituição Federal (art.6º), o entendimento do STF, representado no RE 587.970/SP, estabeleceu que o estrangeiro residente no Brasil pode ser titular do Benefício de Prestação Continuada, ipsi verbis:
“ASSISTÊNCIA SOCIAL – ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS – ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE. A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais. (STF. RE 587.970/SP. Relator: Min. Marco Aurélio. Data de publicação DJE 22/09/2017)”.
Em vista disso, percebe-se que a proatividade judicial foi essencial para estender o benefício aos estrangeiros, considerando a omissão de norma legislativa nesse sentido. Portanto, encontra-se superada a restrição e negativa de eficácia dos direitos sociais dos estrangeiros hipossuficientes residentes no Brasil.
5.2. Núcleo familiar próprio
Antes da influência do ativismo judicial, praticamente, a renda de todos os componentes do grupo familiar, vivendo sob o mesmo teto, era considerada na avaliação da condição de hipossuficiência do requerente.
Acontece que o Superior Tribunal de Justiça – STJ entende que a composição familiar é aquela do artigo 16, da Lei nº 8.213/91, entendendo que a renda dessas pessoas que moram sob o mesmo teto, com seus próprios núcleos familiares, não será considerada na análise da renda mensal per capita da família do requerente, in verbis:
“Lei 8.213. Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)(Vigência) II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)”.
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991. CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA. 1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ. 2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência). 3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica. 4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ – REsp: 1538828 SP 2013/0253923-1, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 17/10/2017, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/10/2017)”.
Esse entendimento do STJ viabiliza a concessão do BPC, corrigindo uma das deficiências de interpretação do requisito de miserabilidade, pois reputar que devem ser somadas todas as rendas dos membros da família do requerente pode prejudicá-lo na obtenção do seu direito, tendo em vista que dentro de um mesmo lar é possível coexistir mais de uma família vivendo totalmente independente e com suas rendas dissociadas uma da outra.
Outra contribuição do ativismo judicial, nesse ponto, é que a fixação do valor da renda familiar per capita legalmente estabelecida não deve ser considerada como único meio de prova da condição de hipossuficiência econômica do requerente (REsp n. 1.112.557/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20.11.2009).
À vista dos destaques susomencionados, com clareza apodíctica vislumbra-se a importância da atuação proativa judicial na efetivação dos benefícios sociais, criando episódios não previstos expressamente na norma, mas que decorrem de princípios constitucionais, com exclusivo objetivo de materializar os direitos constitucionais dos subcidadãos.
CONCLUSÃO
Conforme estudo dos temas acima, conclui-se que o Benefício de Prestação Continuada é um direito fundamental de segunda dimensão que garante o mínimo de dignidade às pessoas que estejam em situação de extrema pobreza. Sendo capaz de suprir, em tese, as necessidades básicas de sobrevivência de seus beneficiários.
No entanto, por ser tratar de prestação mensal de valor insuficiente, referido benefício deve ser aplicado com a máxima efetividade possível, utilizando-se dos mecanismos disponíveis no ordenamento jurídico para melhor aproveitamento e operacionalização do micro-sistema de benefícios sociais.
Nesse contexto, a funcionalidade do ativismo (proatividade) judicial é meio proficiente de causar e estimular o progresso do benefício de prestação continuada, seja mediante extensão a outros destinatários, como é o caso dos estrangeiros residentes no Brasil, ou por melhor interpretação de conceitos relacionados à família, à renda e miserabilidade do requerente.
Por fim, o exercício da proatividade judicial busca entregar o direito prometido pela constituição federal de 1988, direito do cidadão de não ser pobre nem estar à margem da sociedade. Essa técnica judiciária é de grande valia e ganha cada vez mais admiração dos destinatários dos direitos sociais e sociedade, pois não se denuncia apenas a letargia das funções Legislativas e Executivas como outrora, hodiernamente, dar-se o direito vivo e concreto, paulatinamente, aos pobres e párias.
REFERÊNCIAS
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado/Pedro Lenza.14.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010.
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FERNANDES, Rafael Laffitte; NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial: (re)analisando o dogma do “legislador negativo”. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.9, n.1, 1º quadrimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica – ISSN 1980- 7791.
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BRASIL. Projeto de Lei nº 3.999, de 1997. Disponível em:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20590> Acesso em: 01 Out. 2019.
BRASIL. Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. Disponível em:http://mds.gov.br/@@search?Subject%3Alist=Pente-fino> Acesso em: 01 Out. 2019.
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