Resumo: O ordenamento jurídico brasileiro tutela várias espécies de liberdade e cada uma delas encontra limites impostos pelo mesmo sistema normativo. Dentre elas, a liberdade de expressão e a de imprensa merecem destaque diante da proposta do presente trabalho, que é fazer uma breve análise da Lei nº 13.188, de 11/11/2015. Trata-se de lei que regula o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido por reportagem, nota ou notícia transmitida por veículo de comunicação social, com destaque para o rito especial que institui. A seguir, é feita uma breve relação entre o exercício do direito de resposta e o dever de mitigar o próprio prejuízo, princípio diretamente relacionado ao “direito de danos”.
Palavras-chave: Liberdade de expressão. Direito de resposta. Lei nº 13.188/2015. Dever de mitigar o próprio prejuízo.
Abstract: The Brazilian law protects many types of freedom and each one of them has limits imposed by the same body of laws. Among them, the freedom of expression and the freedom of the press deserve to be highlighted due to the objective of this article, which is to make a brief analysis of Law nº 13.188, of 11/11/2015. This law regulates the exercise of the right of reply or correction of the offended by an article, a notice or a piece of news transmitted through social means of communication, with an emphasis on the special procedures it establishes. A brief comparison between the exercise of the right of reply and the duty to mitigate the loss, which is a principle directly related to the "law of damages", is also presented.
Key words: Freedom of expression. Right of reply. Law nº 13.188/2015. Duty to mitigate the loss.
Sumário: 1 Introdução. 2 Liberdade de expressão: contornos numa sociedade polarizada. 3 Liberdade de imprensa: a ADPF nº 130 e seus reflexos. 4 O direito de resposta e a Lei nº 13.188/2015. 5 O direito de resposta e a doutrina do “duty to mitigate the loss”. 6 Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Não é novidade o surgimento de conflitos entre interesses públicos e interesses privados nas mais diversas áreas da vida do ser humano. De fato, viver em sociedade exige a sujeição a regras de ordens comportamentais, morais, jurídicas, culturais etc., na medida em que a igualdade perante a lei se dá, inclusive, no tocante ao exercício das liberdades inerentes aos direitos do homem[1]. Afinal, "a liberdade garantida pela constituição é uma liberdade vinculada à coletividade", onde "nenhuma liberdade é pensável sem estar condicionada à compatibilidade com a liberdade dos demais"[2].
Dentre os direitos da personalidade comumente envolvidos em aparente conflito com a liberdade de expressão e o interesse público à informação (também concretizado pelo exercício da liberdade de imprensa em suas mais variadas formas – imprensa, escrita, falada) encontram-se a honra, a privacidade e a imagem.
Exemplos envolvendo os limites do exercício dessas liberdades não faltam. Mas é possível destacar, a título ilustrativo, o caso envolvendo o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, e a TV Globo, que gerou a ele o direito de resposta, obtido via judicial na década de 90[3], bem como o caso da divulgação não autorizada de imagens da atriz Maitê Proença pelo jornal “A Tribuna da Imprensa”[4]. Mais recentemente, o também judicialmente concedido direito de resposta à ex-Presidente da República Dilma Roussef contra a Revista IstoÉ[5], e o pronunciamento público feito pela atriz americana Jennifer Aniston diante de publicação de fotos suas em determinada revista sugerindo que estaria grávida[6].
Assim, a temática envolvendo o exercício da liberdade de expressão tem seus contornos renovados e mantém alto grau de relevância, especialmente pela dinamicidade que caracteriza as relações sociais através do uso da rede mundial de computadores. Em segundos, imagens, declarações, piadas, comentários, opiniões ou apenas desabafos são compartilhados entre um sem número de usuários, que, por sua vez, submetem os "autores" a verdadeiros julgamentos públicos[7].
Nesse contexto, a edição da Lei nº 13.188/2015 assume papel de destaque, pois o rito que apresenta se revela instrumento para a solução de ao menos parte dos conflitos entre direitos fundamentais – conflitos que, de regra, não se resolvem abstratamente, mas caso a caso[8].
Pretende-se, portanto, expor o novo regramento trazido pela lei em referência com a abordagem de temas que lhe são correlatos, sem a pretensão, naturalmente, de esgotá-los, já que têm dimensão e profundidade aptas a ensejar monografias e teses, ultrapassando o objetivo do presente trabalho.
2 Liberdade de expressão: contornos numa sociedade polarizada
Segundo Fábio Konder Comparato, em termos jurídicos, "a liberdade é a ausência de proibições ou autorizações prévias para a prática de atos ou exercício de uma atividade profissional"[9]. Liberdade que, por sua vez, é fundamental para o desenvolvimento da personalidade humana, na medida em que as escolhas são a expressão da essência do ser humano, ao mesmo tempo em que as consequências dessas escolhas identificam ou compõem a identidade do indivíduo.
Robert Alexy[10] explicita que a pessoa é faticamente livre quando tem a possibilidade real de fazer ou não fazer aquilo que é permitido. A possibilidade de escolher, pois, fazer ou deixar de fazer algo conforme a própria vontade, de pensar por si e de expressar ideias e opiniões, dentre outros, constitui exercício da liberdade, que a Constituição Federal brasileira consigna no caput do seu artigo 5º como direito fundamental da pessoa.
Inumeráveis são as espécies de liberdade tuteladas pelo ordenamento jurídico brasileiro e cada uma delas encontra limites impostos pelo mesmo ordenamento jurídico.
Dentre tais liberdades, a de expressão e a de imprensa merecerão destaque no presente trabalho. Com suas nuanças, a liberdade de expressão traz à luz a diversidade própria do “ser” humano; diversidade manifestada através da arte, da comunicação, da expressão cultural etc. A liberdade de imprensa, em determinada medida, é instrumento para a concretização da liberdade de expressão, além de exercer papel central na efetividade do direito à informação. Trata-se de direitos incompatíveis com censuras prévias, não obstante sejam passíveis de ensejar responsabilidade[11] – civil, penal ou administrativa, conforme o caso.
Na Constituição Federal de 1988, a liberdade de expressão encontra resguardo em especial – e no que importa ao presente trabalho – no disposto no artigo 5º, incisos IV[12], IX[13], XIV[14] e 220[15]. Também no plano internacional há vasta normativa que a garante, como se depreende do artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos[16] e do artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)[17]. De mais a mais, nos termos da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão (aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu 108º período ordinário de sessões – 16 a 27/10/2000), "A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática"[18].
Não há dúvidas, assim, de que a liberdade de expressão é direito inerente ao ser humano e, exatamente por isso, essencial à dignidade da pessoa humana. Contudo, o que também não se questiona é que não se trata de direito absoluto. A par de discussões jurídicas a esse respeito, amplamente conhecidas e difundidas no âmbito jurídico[19], merece referência o texto de autoria do professor e historiador Leandro Karnal, do que destaco as seguintes passagens[20]:
“Conquistamos com dificuldade a liberdade de expressão. Ela é um direito constitucional e um esteio do pacto social. A própria lei já estabelece limites: não posso defender ou incitar crime. Não posso, em nome da liberdade de expressão, defender racismo ou violência contra mulheres ou pedofilia. A liberdade é ampla, mas não absoluta.(…)
Posso discordar das manifestações. Posso, com bons argumentos, ser contra o partido A ou B. Posso condenar quem depreda patrimônio público ou privado. Posso ser do PSOL ou do DEM. A sociedade precisa desta diversidade de posicionamentos. Nunca posso defender violência contra uma pessoa. Nada justifica isto. Este é o limite da liberdade de expressão, pois além deste limite começa o mundo da barbárie. Todos podemos dizer coisas que, refletindo melhor, pensamos ser um equívoco. Cabe, então, veemente pedido de desculpas. Até ele ocorrer, somos co-autores da violência defendida. Violência é o fim do diálogo. (…).”
O pronunciamento acima foi feito após o professor Jairo José da Silva ter manifestado também em rede social que seria uma “boa notícia” a possibilidade de uma estudante de 19 anos, Deborah Fabri, ficar cega após levar tiro de borracha desferido pela polícia de São Paulo durante manifestação política. O caso ilustra bem o pulsar no ser humano, enquanto indivíduo e enquanto “sociedade”, da temática da liberdade de expressão e a dificuldade, para alguns, da aceitação ou do respeito aos limites que lhe são impostos. E não poderia ser diferente, pois "Não há direitos humanos sem democracia, tampouco democracia sem direitos humanos"[21].
3 Liberdade de imprensa: a ADPF nº 130 e seus reflexos
Por sua vez, um dos instrumentos da democracia é justamente a liberdade de imprensa – afinal, a imprensa é um dos principais, talvez o principal, veículos da informação[22]. É, também a liberdade de imprensa, um dos desdobramentos da liberdade de expressão[23].
Em 30 de abril de 2009 o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – nº 130 declarou que a Lei nº 5.250/67, denominada Lei de Imprensa, era incompatível com a Constituição Federal de 1988 (considerou a lei não recepcionada pelo ordenamento constitucional instituído pela CF/88). Nesse julgado, conclusões extremamente importantes foram consignadas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, muitas das quais já se encontravam presentes também na doutrina. Ocorre que a manifestação da Corte Suprema, a quem compete precipuamente a guarda da Constituição Federal, acerca do tema tem reflexo mais direto nas decisões judiciais, especialmente a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, que em seu artigo 927, inciso I, preceitua que os "juízes e os tribunais observarão (…) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade". Assim, é pertinente destacar algumas das lições que embasaram a conclusão da ADPF 130.
Uma delas diz respeito à relação entre liberdade de imprensa e democracia. Segundo afirmou o Ministro Carlos Ayres Brito, relator da ADPF:
"(…) assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. Até porque essas duas categorias de liberdade individual também serão tanto mais intensamente usufruídas quanto veiculadas pela imprensa mesma (ganha-se costas largas ou visibilidade – é fato -, se as liberdades de pensamento e de expressão em geral são usufruídas como o próprio exercício da profissão ou do pendor jornalístico, ou quando vêm a lume por veículo de comunicação social) . O que faz de todo o capítulo constitucional sobre a comunicação social um melhorado prolongamento dos preceitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão em sentido lato. Comunicando-se, então, a todo o segmento normativo prolongador a natureza jurídica do segmento prolongado; que é a natureza de "DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS", tal como se lê no título de nº II da nossa Constituição."
Fato é que extirpando do ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 5.250/67 o Supremo Tribunal Federal acabou por ampliar (ou simplesmente reconhecer a amplitude conferida mesmo pela Constituição Federal de 1988) o direito à liberdade de imprensa, uma vez considerado que a liberdade jurídica é delimitada justamente pelo quanto se a restringe ou proíbe[24]. E, conforme Hans Jonas, com a ampliação da liberdade, acredita-se que “o bom uso dela superará o mau"[25].
Nessa linha foi que, no julgamento da ADPF 130, o STF consignou que:
"Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação."
Cass Sunstein, ao abordar a temática dos "boatos", relata caso julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos no início da década de 60, que se mostra interessante para fins de comparar, em alguma medida e superficialmente, o tratamento dado à liberdade de imprensa naquele país e no Brasil. Trata-se do caso “New York Times Co. v. Sullivan”, julgado em 1964[26], um dos mais famosos leading cases da Suprema Corte Americana no tocante aos limites da liberdade de imprensa[27]. No caso relatado, uma autoridade pública teria postulado em juízo indenização por difamação em razão de reportagem publicada no The New York Times acerca de reações brutais da polícia a protestos realizados na cidade de Montgomery, Alabama. Segundo o autor,
"A Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que, quando uma autoridade pública está envolvida, a Constituição permite indenização apenas se a pessoa tiver dolo. Esse padrão significa que os que falam ao público (incluindo jornalistas e blogueiros) podem ficar isentos do medo de uma ação por danos a menos que (a) de fato saibam que a afirmação é falsa ou (b) tenham agido 'com indiferença temerária' em relação à questão da verdade ou falsidade. Segue-se que uma pessoa não pode ser responsabilizada se espalhou falsidades inocentemente e de boa-fé, ou mesmo se agiu insensatamente ao dizer o que disse, no sentido de que tinha motivos para saber que o que estava dizendo era falso"[28].
No direito brasileiro, contudo, mesmo com o resultado do julgamento proferido na ADPF 130, não se pode dizer que jornalistas serão responsabilizados civilmente apenas caso ajam dolosamente ao divulgar alguma inverdade sobre autoridade pública. Nesse sentido, veja-se caso julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em 2013, em que Sandro Antônio Scodro, então deputado federal, ajuizou ação contra Globo Comunicações em razão de ter divulgado seu nome como um dos envolvidos no escândalo do mensalão em reportagens veiculadas pela emissora no ano de 2006[29]. Segundo o Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, "A solução da questão conflituosa, portanto, passa pela imposição de uma prudente diligência por parte de quem noticia fatos potencialmente ofensivos a outrem, prudência esta a ser extraída objetivamente da conduta realizada." E, adiante, acrescenta:
"De fato, a premissa da actual malice pode consubstanciar-se, no mais das vezes, em exigência de prova diabólica, improvável de ser produzida, notadamente porque perquirições acerca de conhecimento prévio da falsidade (knowledge of falsity), ainda que verificado um agir grosseiro (reckless disregard), arvoram-se em recintos impenetráveis da subjetividade humana, o que é incompatível com o sistema processual brasileiro".
Em outro caso envolvendo a liberdade de imprensa, desta vez apreciado pela 3ª Turma do STJ[30], a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, consignou em seu voto que se exclui a culpa quando o veículo de comunicação "busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar". Bastaria, assim, inobservância desse dever de investigar para configurar hipótese de negligência (culpa stricto sensu), autorizando a responsabilização civil. Na hipótese, o STJ entendeu que o jornalista havia sido diligente na apuração do conteúdo das publicações em seu blog sobre o senador Renan Calheiros. A condenação do jornalista decorreu do reconhecimento de excesso nas críticas direcionadas ao político. Segundo a Relatora, "Em se tratando de questões políticas, e de pessoa pública, como o é um senador da República, é natural que haja exposição à opinião e crítica dos cidadãos, da imprensa. Contudo, não há como se tolerar que essa crítica desvie para ofensas pessoais".
Casos envolvendo excesso ou abuso no exercício das liberdades de expressão e de imprensa, de outra parte, remetem à figura do direito de resposta, "faculdade de replicar ou retificar a matéria publicada" conferindo-se à resposta "a mesma visibilidade e destaque da matéria difamatória"[31].
4 O direito de resposta e a Lei 13.188/2015
Está explicitado no inciso V do artigo 5º da Constituição Federal o direito de resposta, “proporcional ao agravo”, sem prejuízo da reparação pelos danos decorrentes. Trata-se, segundo decidiu o STF ao julgar a ADPF 130, de norma constitucional de eficácia plena e de aplicabilidade imediata, motivo por que, apesar do reconhecimento da não recepção da lei de imprensa pela Constituição Federal de 1988, o direito de resposta não foi prejudicado.
Aliado a isso, a Convenção Americana de Direitos Humanos prevê, em seu art. 14, o direito de retificação ou de resposta a "toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meio de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral", sem prejuízo de outras responsabilidades daí decorrentes.
O resultado do julgamento da ADPF 130, portanto, não causou impedimento ao exercício do direito de resposta por quem se viu ofendido por matérias veiculadas na imprensa[32].
Em 11 de novembro de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.188, que, nos termos do seu artigo 1º, "disciplina o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social"[33].
Destina-se a qualquer pessoa – física ou jurídica – que se viu de alguma forma ofendida por reportagem, nota ou notícia transmitida por "veículo de comunicação social" e terá, pois, a pessoa jurídica no polo passivo, ou quem se responsabilize pelo veículo de comunicação caso não exista pessoa jurídica constituída[34], não a pessoa física do jornalista ou radialista envolvido na matéria[35].
A grande contribuição dessa lei vem a ser o rito especial que instituiu, que terá reflexo direto na extensão do dano causado pelo abuso na liberdade de imprensa, já que, desde o julgamento da ADPF 130, a regra é que eventual abuso no exercício dessa liberdade seja resolvido posteriormente através do direito de resposta e da reparação civil. Nesse sentido foi a decisão proferida pelo STJ ao apreciar recurso especial interposto por Fernando Capez contra decisão que indeferiu o pedido de tutela inibitória veiculado contra José Carlos Amaral Kfouri[36]. Na ocasião, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, afirmou que:
“A concessão de tutela inibitória em face de jornalista, para que cesse a postagem de matérias consideradas ofensivas, se mostra impossível, pois a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não pode ser aprioristicamente censurada” e que “Sopesados o risco de lesão ao patrimônio subjetivo individual do autor e a ameaça de censura à imprensa, o fiel da balança deve pender para o lado do direito à informação e à opinião. Primeiro se deve assegurar o gozo do que o Pleno do STF, no julgamento da ADPF 130/DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJe de 06.11.2009, denominou sobredireitos de personalidade – assim entendidos como os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa, em que se traduz a livre e plena manifestação do pensamento, da criação e da informação – para somente então se cobrar do titular dessas situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também formadores da personalidade humana”.
Segundo a ministra, ainda que a atuação posterior – através do direito de resposta e dos mecanismos da reparação civil – não tenha o efeito de restabelecer a honra e a imagem de quem se viu agredido moralmente, não há justificativa para a mitigação da regra que veda a censura prévia.
Por isso a Lei nº 13.188/15 merece atenção. Nos termos do caput do seu art. 3º, o ofendido (ou os legitimados referidos no §2º do art. 3º), tem o prazo decadencial de 60 dias para exercer o direito de resposta, o que deve se dar, primeiramente, na via administrativa – nos termos da lei, "mediante correspondência com aviso de recebimento encaminhada diretamente ao veículo de comunicação social". Apenas se, no prazo de sete dias do recebimento do requerimento, este não for atendido, é que haverá "interesse jurídico para a propositura de ação judicial", nos termos do caput do art. 5º da Lei nº 13.188/15, que exige a instrução da petição inicial com a prova "do pedido de resposta ou retificação não atendido" (art. 5º, §2º, da Lei nº 13.188/15).
O legislador, no ponto, repetiu o que já havia feito ao regular o exercício do direito de acesso a informações através do habeas data. A Lei nº 9.507/97, em seu art. 8º, parágrafo único, inciso I, exige que a petição inicial seja instruída, dentre outros, com a prova da recusa ao acesso às informações ou o decurso de mais de dez dias sem decisão, o que foi chancelado pelo STF nas oportunidades em que instado a se pronunciar a respeito[37]. Além disso, mais recentemente, ao julgar o RE 631240, em regime de repercussão geral, o Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que "A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise", salientando que essa exigência "não se confunde com o exaurimento das vias administrativas"[38].
A lei prevê que a ação será processada em no máximo trinta dias. O artigo 9º estabelece o prazo de trinta dias, contados do ajuizamento da ação, para que o juiz profira a sentença, salvo se houver conversão em perdas e danos, além da tramitação do processo no curso de férias forenses -, não admitindo a cumulação de pedidos, nem a reconvenção, o litisconsórcio, a assistência e a intervenção de terceiros, tudo, aparentemente, a primar pela efetividade e pela celeridade processuais. Está no artigo 12 a excludente de compatibilidade, diga-se assim, dos pedidos de reparação ou de indenização por danos morais, materiais ou à imagem com o rito especial instituído pela Lei nº 13.188/15[39].
Recebida a inicial, o juiz terá o prazo de 24 horas para citar o veículo de comunicação social, que também terá 24 horas para apresentar as razões do não atendimento do requerimento administrativo. Além disso, da citação, o réu terá três dias para contestar o feito (art. 6º da Lei nº 13.188/15).
Ainda na linha da efetividade e da celeridade, o artigo 7º da lei preconiza que o magistrado, após 24 horas da citação, independentemente da apresentação de informações por parte do veículo de comunicação, "conhecerá do pedido e, havendo prova capaz de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do provimento final, fixará desde logo as condições e a data para a veiculação, em prazo não superior a 10 (dez) dias, da resposta ou retificação". Basta, como se vê, prova da verossimilhança da alegação, em compasso com o instituto previsto no art. 311 do Código de Processo Civil – tutela da evidência. Naturalmente, apenas as circunstâncias do caso concreto irão definir a possibilidade, ou não, da concessão da tutela liminar, o que é de praxe em processos envolvendo conflitos entre direitos fundamentais[40]. E, em sendo deferida a liminar, não obstante o artigo 10 da Lei nº 13.188/15 preveja que a suspensão da decisão se dará apenas mediante apreciação do colegiado do tribunal competente, segundo decisão proferida na ADI 5415-MC, pelo Min. Dias Toffoli, deve-se afastar a interpretação literal da norma e admitir que o magistrado do tribunal competente pode suspender a eficácia da decisão mesmo em decisão monocrática[41].
Como se vê, o rito instituído pela Lei nº 13.188/2015 para o exercício do direito de resposta é diferenciado e se caracteriza por manifesta celeridade procedimental. Celeridade justificada especialmente considerando que o direito de resposta é instrumento da tutela de direitos como honra e imagem, fundamentais, portanto. E, uma vez que liberdade de expressão, especialmente na sua vertente que tutela o direito à informação (imprensa), não se deve censurar, resolvendo-se, eventual abuso, no campo da indenização (responsabilidade civil), questiona-se: tem, o ofendido, o direito ou o dever de fazer uso do direito de resposta? A questão que ora se propõe não será aqui aprofundada, pois a pretensão do presente trabalho é analisar o rito da lei, deixando para trabalho futuro a questão da responsabilidade civil decorrente do abuso do direito à liberdade de expressão. De qualquer forma, a seguir é feita uma breve relação entre o direito de resposta e o dever de mitigar o próprio prejuízo, princípio diretamente relacionado ao chamado “Direito de Danos”.
5 O direito de resposta e a doutrina do “duty to mitigate the loss”
Duty to mitigate the loss, ou o dever de minimizar o próprio prejuízo, é doutrina oriunda da Common Law, mas recepcionada pelo direito continental europeu e que vem ganhando espaço também no direito brasileiro[42]. Significa, em síntese, que a vítima do dano não deve se omitir enquanto seu prejuízo aumenta.
Segundo Vera Fradera[43], esse dever de mitigar o prejuízo tem a natureza jurídica definida segundo o sistema jurídico:
“no BGB é considerada uma Obligenheit, isto é, uma obrigação cuja exigência de cumprimento reveste-se de menor intensidade; no direito francês, como antes mencionado, a justificativa estaria na boa fé ou no abuso de direito; na Common Law, é uma decorrência do próprio sistema, isto é, aquele que viola um contrato é responsável pelos danos, sem consideração à culpa ou à negligência.”
No direito brasileiro, recebe o tratamento de dever anexo de conduta, consoante se depreende do enunciado nº 169, aprovado na III Jornada de Direito Civil, assim redigido: “Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”[44].
Aliando-se as considerações sobre esse dever de mitigar o próprio prejuízo ao disposto na Lei nº 13.188/15, é de se questionar: o ofendido por matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação tem o dever de lançar mão do direito de resposta para mitigar os danos oriundos da publicação errônea? O questionamento surge, principalmente, em razão do amplo uso e acesso à rede mundial de computadores, onde, além disso, notícias e matérias tendem a ser eternizadas. Tem-se, assim, no âmbito da internet, um campo fértil à violação de direitos fundamentais, no qual a rápida intervenção da vítima, se não impede a ocorrência do dano, ao menos contribui para que cesse o quanto antes, evitando que atinja proporções maiores.
E a resposta parece ser afirmativa, porque o princípio da boa-fé objetiva determina, consoante já exposto, a existência do dever de mitigar o prejuízo. Isto é, o dever existe e, não obstante não haja a imposição legal de sanção para a omissão diante desse dever de mitigação do prejuízo, haverá necessariamente reflexo dessa conduta no arbitramento do valor da indenização[45]. Com efeito, uma vez que “A indenização mede-se pela extensão do dano” (CC, art. 944, caput), havendo “excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização” (CC, art. 944, parágrafo único), além do que “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano” (CC, art. 945) [46].
Veja-se o caso recentemente apreciado pelo Tribunal de Justiça do Paraná[47], em que o Deputado Federal Aliel Machado Mark postulou, liminarmente, o exercício do direito de resposta à publicação, que reputara inverídica, constante do site Folha Centro Sul, reproduzida também em página na rede social facebook, no sentido de que estaria utilizando verba parlamentar para pagar contas particulares. Esse pedido foi deferido pelo Tribunal do Paraná, com fundamento no art. 5º, V, da Constituição Federal, e no art. 2º da Lei nº 13.188/15. O Tribunal entendeu por bem manter a publicação no site e na rede social, mas conceder o direito de resposta, em síntese, considerando que não tinha condições de examinar se os fatos eram verdadeiros ou falsos, ao mesmo tempo em que, consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, “à luz dos preceitos constitucionais que colidem em casos como este, o deputado federal, como pessoa pública, está sujeito a críticas de todos os segmentos da sociedade que decorre da sua atuação no exercício da função pública, sendo que está, também, sujeito às críticas jornalísticas”.
A solução encontrada, provisoriamente, já que se tratava de decisão antecipatória, demonstra a relevância da utilização do direito de resposta, que se não tem o efeito de apagar o que já foi escrito, permite que o contraponto seja transmitido nos mesmos moldes da publicação reputada ofensiva e, com isso, mitigue os danos eventualmente causados.
Outra situação que ilustra a importância da rápida intervenção de quem se sente ofendido também foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça do Paraná[48]. Trata-se de situação em que José Richa Filho, secretário de Infraestrutura e Logística daquele Estado, foi acusado, em matéria veiculada pela revista IstoÉ, de praticar delitos como corrupção passiva e tráfico de influência, situação que teria se repetido na edição seguinte do mesmo periódico. No caso, o Tribunal de Justiça deferiu o pedido antecipatório para exercício do direito de resposta, inclusive fazendo acréscimos e supressões no texto pretendido publicar pelo ofendido.
Pelo que se extrai dos dois julgados referidos, os ofendidos buscaram rapidamente exercer o seu direito de resposta, demonstrando, com isso, a intenção de, no mínimo, reduzir os danos a que estavam sendo submetidos desde a veiculação das matérias apontadas como inverídicas. Demonstraram conduta compatível tanto com o alegado interesse em reparar os danos, quanto com a boa-fé objetiva – afinal, uma vez que o ofendido identifica erro ou falsidade no conteúdo de matéria transmitida por veículo de comunicação social, tem o dever de apontá-lo e buscar a correção.
6 CONCLUSÃO
Com o presente trabalho, buscou-se fazer uma breve análise da Lei nº 13.188/2015, ilustrada com casos concretos do noticiário nacional, norma que preencheu a lacuna deixada pela declaração de não recepção da lei de imprensa no tocante à regulamentação do direito de resposta. A só circunstância de regulamentar o exercício desse direito já confere a essa norma a relevância necessária para o seu estudo.
Mas a pertinência da Lei nº 13.188/2015 vai ainda além, ao estabelecer um rito especial para a ação de direito de resposta, gerando reflexos no direito no direito processual e no direito material. Com efeito, uma vez disponibilizado instrumento, em tese, eficaz na contenção de danos causados por abuso na liberdade de expressão, deveres decorrentes do princípio da boa-fé objetiva podem surgir para o ofendido, como o dever de mitigar o próprio prejuízo.
Trata-se de uma possibilidade exposta mais a título de reflexão, para que seja objeto de estudo, inclusive em razão do crescente movimento de aplicação da teoria do duty to mitigate the loss pela jurisprudência brasileira, aliado ao já referido relevante direito de resposta.
Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
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