Resumo: Trata-se de análise-crítica de experiência prática de mediação de conflitos ocorrente em Minas Gerais, desenvolvida como programa para prevenção à criminalidade que articula ações e estratégias que conformam novas dinâmicas das instituições de defesa social, tendo na mediação de conflitos uma perspectiva de ação política. Apresentamos os fundamentos de tal política pública e descrevemos a experiência do Programa Mediação de Conflitos que se estrutura na Secretaria de Estado de Defesa Social. Avaliamos o ineditismo da experiência pela ênfase na prevenção à criminalidade e na sua armação orgânica e institucional, além do avanço que impõe ao acesso a justiça democrática e dialógica.
Palavras-chave: Política Pública – Mediação – Prevenção.
Abstract: This is critical-analysis of practical experience in mediating conflicts occurring in Minas Gerais, developed as a program for crime prevention strategies and actions that articulates new dynamics that shape the institutions of social defense, and in conflict mediation a perspective of action policy. We present the reasons for such a public policy and described the experience of the Conflict Mediation Program that is structured in the State Secretariat for Social Defense. We assess the novelty of the experience by emphasizing the prevention of crime and its institutional and organizational framework, besides the advancement requiring access to justice and democratic dialogue.
Keywords: Public Policy – Mediation – Prevention.
Sumário: 1. Introdução. 2. Precisões teóricas, conceituais e conceptuais sobre prevenção. 3. A mediação de conflitos como orientação transdisciplinar no contexto de violência. 4. Programa Mediação de Conflitos: uma experiência em minas gerais. 5. Mediação: novas leituras e apontamentos 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
O contexto de democracia e suas facetas exige do Estado a capacidade de agregar todas as expressões sociais, e neste sentido, toda a diversidade de interesses e desejos de seus membros. Esta complexidade requer instrumentos, e até mesmo certo grau de institucionalização que permita atuar na perspectiva de solução de conflitos sociais, ou mesmo no encaminhamento adequado das diversas demandas e plurais interesses.
Desenvolvendo um conceito preliminar de políticas públicas, Rua (1997, p. 1) entende que decisão política, que é escolha entre várias alternativas adequando preferências conforme escala hierárquica, é um componente na compreensão de política pública. Mas, nem toda decisão política se constitui como uma política pública e, assim, vemos que esta envolve a decisão política e outras diversas ações estratégicas alinhadas para implementar aquelas decisões políticas.
“Além disso, por mais óbvio que possa parecer, as políticas públicas são ‘públicas ‘- e não privadas ou apenas coletivas. A sua dimensão ‘pública’ é dada não pelo tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas pelo seu caráter “imperativo”. Isto significa que uma das suas características centrais é o fato de que são decisões e ações revestidas da autoridade soberana do poder público.” (RUA, 1997:2)
É conclusiva a constatação de que são necessárias não somente ações ou programas institucionais de segurança pública, mas políticas públicas de segurança. Isso representa uma mudança paradigmática na concepção de segurança social, o que faz refletir imediata e diretamente nas políticas e nas instituições que devem atuar ante a violência e criminalidade.
Dada a multifatorialidade que envolve a violência e criminalidade, por certo, também multifatoriais são as políticas necessárias para agir neste fenômeno. Assim, há que se avançar sobre discussões retóricas que se sustentam em uma noção repressiva no trato da violência e criminalidade, inovando em políticas públicas, como também convém ordenar tais políticas não somente em uma ordem pragmática, mas, sobretudo, elaborando tais políticas até com a necessária pedagogia institucional, dado que em se tratando de política pública requer sustentação teórica e conceitual.
Desse modo, faremos uma análise aplicada sobre a violência e criminalidade, apontando suas diferenças e inter-relações, ainda seus conceitos e teorias, inferindo algumas observações para alinhar nosso estudo, especialmente em face do cenário sócio-econômico e cultural que deve ser, inexoravelmente, considerado na implantação de políticas públicas e segurança. Trabalhando as referências de prevenção à violência e criminalidade, teceremos algumas considerações gerais sobre a concepção da prevenção em tal contexto, especialmente como uma nova orientação na tentativa de conter a escalada da violência e, por sua vez, as respostas também, unicamente ou isoladamente, repressivas.
Finalmente, faremos especial abordagem à mediação, que atualmente tem sido um tema importante não somente como conteúdo na formação de agentes estatais voltados para a segurança pública como também uma experiência empreendida em ações e programas de atendimento, tanto no Poder Executivo como no Poder Judiciário [1], de modo a oferecer alternativa à população para resolver seus conflitos. Cabe, assim, uma análise mais detida para apontar alguns equívocos que verificamos no trato da mediação, e dos potenciais que uma readequada utilização pode contribuir ao país, mais especificamente na sua inserção como política pública. Utilizaremos, ainda, uma experiência em Minas Gerais para fundamentar os componentes teóricos, conceituais e práticos para sustentar a mediação de conflitos como política pública.
De modo generalizado, quando se apontam os problemas enfrentados pelo Estado no tratamento dado à violência e criminalidade, a dimensão penal ou repressiva ocupa, à primeira vista, o meio mais procurado, e o que orienta a atuação estatal, para implantar e implementar políticas de segurança pública, cabe dizer, também tendo como único referencial o sistema de justiça criminal. Entretanto, nos últimos anos, ante as inúmeras evidências que se verificam em experiências de outros países, como a própria realidade sócio-econômica e histórica do país, há uma visível tendência em ampliar a análise e compreensão da violência e criminalidade não somente como dimensão de ordem da segurança pública, isolada e desconexa dos demais fatores que envolvem a violência, em suas origens e causas sociais.
A Organização das Nações Unidas – ONU, especialmente a partir dos anos 1970, vem intensificando ações orientando pelas alternativas penais, sobretudo, orientando por medidas não privativas de liberdade, para o tratamento da criminalidade e violência e, no caso, tratamento do delinqüente. Tais ações vêm se constituindo como uma Política das Nações Unidas sobre Alternativas Penais.
Citamos, como exemplos, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio)[2], que orienta os Estados-membros da ONU em várias formas preventivas na composição dos conflitos e no tratamento das pessoas que cometem crimes.
Um ponto de partida do estudo de Wacquant (2001) é a relação direta e imediata das condições, ou falta de condições sociais mínimas, que levam ao aumento da população carcerária. Para ele, o modelo econômico neoliberal apresenta conseqüências diretas na população, sobretudo a população pobre, mais propensa ao cometimento de delitos pela falta e pela busca da sobrevivência. Também, apresenta conseqüências na atuação do Estado que se vê pressionado pela população em resolver os problemas de insegurança pública, adotando medidas quase sempre repressivas e punitivas, aumentando, por sua vez, as condições jurídico-legais de penalização e de aprisionamento. Daí, o aumento da população carcerária, mas a não redução da violência e criminalidade.
Para o autor, “a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo…” (Wacquant, 2004: 4).
Os reflexos disso no acesso a justiça e no Poder Judiciário são extremamente importantes. Não raro se vê informações sobre a incapacidade do Judiciário em responder as demandas processuais da população, como também na demora na prestação jurisdicional e a sensação de impunidade. Temos visto ainda muitas campanhas para diminuir a quantidade de processos, com mutirões para conciliações, além de mudanças de leis para dar celeridade aos julgamentos.
Contudo, ainda se mantém o itinerário de atuar nos processos judiciais já formalmente instaurados e resolver situações de conflitos com sentenças, em sistema de heterocomposição, ou seja, quando um terceiro (Juiz), põe fim a uma demanda com uma sentença a ser cumprida, onde há um vencedor e um perdedor. Ao contrário, nas formas de autocomposição, como se situa a mediação, a proposta é atuar com as pessoas envolvidas e buscar a melhor ou mais adequada solução, mas sobretudo, resgatar as relações antes existentes de modo a cuidar das pessoas e não das conflituosidades.
Entendemos, então, tratar-se de uma mudança paradigmática não somente na leitura afinada da realidade de desigualdades sociais, como também na prevenção de conflitos decorrentes de tal realidade, agudizada pela carência no acesso à justiça e incapacidade do Judiciário em atuar nas diversas situações de conflituosidades.
2. PRECISÕES TEÓRICAS, CONCEITUAIS E CONCEPTUAIS SOBRE PREVENÇÃO.
Convém inferir algumas considerações teóricas e conceituais sobre prevenção para, ao fim e ao cabo, apontar nossas conclusões analítico-críticas sobre a interface violência – prevenção – interdisciplinaridade – mediação – cultura de paz. Esta equação não se estabelece como uma equivalência simplista, mas como uma perspectiva, o que exige, antes, os devidos critérios conceituais.
Prevenção é um termo que tem aplicação múltipla, em várias áreas do conhecimento, mas com uma expansão na sua aplicação como conceito e como perspectiva. Como conceito porque traz um sentido de antecipação, de não deixar acontecer e como perspectiva, como pauta ou agenda de ação permanente. Mas, em ambos os casos, sempre há questionamentos do tipo: Prevenção à que? Prevenção contra o quê? Por isso, sempre se vê a palavra prevenção utilizada com dependência a algum adjetivo, como por exemplo, prevenção à violência ou prevenção à criminalidade.
Contudo, defendemos uma descrição criteriosa de prevenção, de modo autônomo e independente posto termos prevenção como uma orientação política que conecta temáticas e setores ou campos do conhecimento sem, entretanto, necessitar de adjetivações posteriores. Sem embargo, o que talvez não é devidamente considerado nas discussões sobre prevenção são as condicionantes ou pressupostos anteriores.
É dizer que, prevenção é uma perspectiva de atuação que significa um processo seqüencial que, antes de tudo, requer a predefinição do seu objeto, para o qual se direcionará as etapas processuais seguintes. Daí temos que não se previne contra algo, mas, só há prevenção para algo. No caso em estudo, não se trata de prevenção contra a violência ou contra a criminalidade, posto que são fenômenos já ocorrentes. O que muda a concepção e faz inferir que para atuar, preventivamente, é preciso centrar foco nas causas e fatores, com o fim de anulação dos efeitos indesejados destas causas e fatores com fulcro na eliminação dos riscos que podem atuar na não consecução da paz.
Ou seja, não se trata de busca de resultados, mas de mudança de procedimentos (meios). O sentido de prevenção encontra seu significado mais efetivo, pois não significa atuar para não deixar acontecer algo, mas atuar antes nos fatores originários, antes que aconteça. Não se nega as possibilidades de resultados inesperados ou indesejados e, para tanto, identifica os riscos, avalia tais riscos e atua para controlar tais riscos. A prevenção, portanto, não persegue os acidentes ou as conseqüências (resultados), mas os riscos destes. Insere-se, portanto, um fundamental conceito para elucidar prevenção: fatores de risco.
“Em sentido estrito, sem embargo, prevenir o delito é algo mais – e também algo distinto – que dificultar seu cometimento ou dissuadir o infrator potencial com a ameaça do castigo. Sob o ponto de vista “etiológico”, o conceito de prevenção não pode se desvincular da gênese do fenômeno criminal, isto é, reclama uma intervenção dinâmica e positiva que neutralize suas raízes, suas “causas”. A mera dissuasão deixa essas raízes intactas. De outro lado, a prevenção deve ser contemplada, antes de tudo, como prevenção “social”, isto é, como mobilização de todos os setores comunitários para enfrentar solidariamente um problema “social”. A prevenção do crime não interessa exclusivamente aos poderes públicos, ao sistema legal, senão a todos, à comunidade inteira. Não é um corpo “estranho”, alheio à sociedade, senão mais um problema comunitário. Por isso, também convém distinguir o conceito criminológico de prevenção – conceito exigente e pluridimensional – do objetivo genérico, de pouco êxito, por certo, implicitamente associado ao conceito jurídico-penal de prevenção especial: evitar a reincidência do condenado. Pois este último implica uma intervenção tardia no problema criminal (déficit etiológico); de outro lado, revela um acentuado traço individualista e ideológico na seleção dos seus destinatários e no desenho dos correspondentes programas (déficit social); por fim, concede um protagonismo desmedido às instâncias oficiais do sistema legal (déficit comunitário).” (GARCIA-PABLOS DE MOLINA e GOMES, 2006:5)
Os fatores de risco sujeitam todos os segmentos sociais, em todos os espaços e setores da sociedade. Existem fatores de risco tanto para pessoas que nunca cometeram nenhum tipo de delito, como também para quem tem vantagens ou melhores possibilidades no acesso aos bens e serviços públicos e sociais, do mesmo modo para aquelas pessoas que já cometeram algum tipo de delito. O que interessa, portanto, é em que medida as condições objetivas e subjetivas ou os fatores de risco tendenciam de modo a desequilibrar os fatores de proteção, aumentando a probabilidade de agirem os efeitos negativos ou a oportunidade para cometimento dos delitos.[3]
Uma análise mais detida nos mostra que violência tem sido usada tanto para expressar um fenômeno complexo que age e se reproduz no imaginário social como também para descrever situações pontuais de violações ou de vulnerabilidade individual.
O propósito de discutir a violência em um contexto de leitura da realidade social não deixa de inserir a prevenção, enquanto perspectiva. É dizer, então, que somente podemos investigar a violência onde ela se produz e se reproduz, o que nos permite concluir que a violência se configura conforme se verifica a realidade social. A predominância dos fatores de risco face aos fatores de proteção (educação, saúde, moradia, trabalho, geração de emprego e renda) faz evidenciar a vulnerabilidade social, o que nos permite afirmar que se torna ambiente adequado para ocorrências de violações.
Chauí (2007) entende a constituição da violência “como um conjunto de mecanismos visíveis e invisíveis que vem do alto para o baixo da sociedade, unificando-a verticalmente e espalhando-se pelo interior das relações sociais, numa existência horizontal da família à escola, dos locais de trabalho às instituições públicas, retornando ao aparelho do Estado”.
Descrevendo de forma mais didática e detalhada Chauí (2007) explica origem de violência e apresenta uma síntese criteriosa:
“[…] violência, palavra que vem do latim e significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar);2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar);3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar);4) todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito;5) conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror”. (CHAUÍ, 2007:6)
Conclui a autora enfatizando a invisibilidade ou a cegueira da sociedade em não identificar que a produção da violência se dá na própria estrutura social. Então, no Brasil, a violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda idéia que reduz um sujeito à condição de coisa, que viola interior e exteriormente o ser de alguém, que perpetua relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e cultural.
Criminalidade, por todo o exposto, corresponde então, a uma das possíveis externalizações da violência, sendo que talvez seja uma resultante inevitável em contextos e condições de violência.
Dispondo sobre uma faceta invisível da violência Cruz Neto (1981) enfatiza a violência institucional ou estatal, apresentando o seguinte conceito:
“[…] o conceito de violência estrutural que oferece um marco à violência do comportamento, se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de determinadas pessoas a quem se negam vantagens da sociedade, tornando-as mais vulneráveis ao sofrimento e à morte. Essas estruturas determinam igualmente as práticas de socialização que levam os indivíduos a aceitar ou infligir sofrimentos, de acordo com o papel que desempenham.” (CRUZ NETO, 1981:38)
É dizer que a violência se situa e se constitui em uma esfera que transcende unicamente à expressão da criminalidade, materializando-se, portanto como um fenômeno multifacetado que assumi formas e manifestações diferenciadas, sendo ainda produto histórico, construído socialmente.
O fenômeno da violência exige, em princípio, uma necessária abordagem interdisciplinar posto sua complexidade etiológica. Contudo, em geral, a interdisciplinaridade é utilizada como ferramenta ou recurso metodológico para estudar e compreender as causas e origens da violência e criminalidade. Sem embargo, esta mesma perspectiva não é tão explorada na implementação de políticas para atuar sobre estas mesmas causas e origens, o que se mostra aparente (incoerência) na construção dos saberes e metodológica e gerencial.
Minayo e Souza (1998), inserindo a violência no campo interdisciplinar de estudo e de ação, afirma que “qualquer reflexão teórico-metodológica sobre a violência pressupõe o reconhecimento da complexidade, polissemia e controvérsia do objeto”. Mas, nos interessa, sobremaneira, ater aos consensos, mesmo relativos, para superar algumas práticas, apresentando possibilidades no que cerca a violência e criminalidade. Dessa maneira, insistimos na complexidade fenomenológica ante toda diversidade social, cultural e teórico-metodológica do tema para inferir nova dimensão, dessa vez interdisciplinar, na análise e tratamento da violência e criminalidade.
Disso extraímos que a interdisciplinaridade é uma base de inteligência que dá elasticidade necessária à compreensão multidimensional da diversidade e complexidade dos fenômenos sociais, inclusive a violência, ao mesmo tempo em que garante a manutenção da integralidade, unicidade ou unidade da análise de tal fenômeno, o que permite maior acerto nas intervenções. Vale citar:
“Na interdisciplinaridade a diversidade é necessária à sua unidade e a unidade à sua diversidade, transformando-se, pela organização, a diversidade em unidade, sem anulação, criando-a na e pela unidade. A complexidade requer intercomunicação pressupondo que os constituintes têm identidade própria e participam da identidade do todo.” (AZEVEDO e SOUZA, 1996:17)
Com isso, a complexidade que envolve a violência e criminalidade, sobretudo que envolve a sociedade exige um olhar sistêmico, ou melhor, uma mudança de olhar sobre o nosso próprio entendimento pela “inteligência da complexidade” na religação dos saberes (Morin, 2000). Essa inteligência integra dificuldades empíricas e lógicas e fomenta a compreensão da integralidade e unidade do mundo real que conhecemos e das estruturas de conhecimento.
Compreendidos e absorvidos tais conceitos e, sobretudo, precisada uma dimensão de aplicação de tais conceitos, passaremos a seguir, ao que podemos chamar de etapa propositiva deste estudo que, a pretexto das análises teóricas e conceituais, além das precisões elaboradas, tem a pretensão de apresentar algumas possibilidades ou apresentar algumas tendências.
3. A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO ORIENTAÇÃO TRANSDISCIPLINAR NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA.
Como veremos, a bibliografia existente dá conta da mediação sempre como uma forma que, certamente, a própria etimologia [4] faz crer que mediação é uma técnica de atuação em situações de conflitos: mediar uma situação, intervir para buscar um acordo, acertar um conflito pelo acordo.
Mas, superando este conceito, estamos acordes com Jean-Louis Lascoux (2003), que defende a criação de instrumentos específicos para a mediação posto que a entende como uma disciplina integral que se inscreve enquanto agente de contra-cultura contra os poderes instituídos, enquanto nova forma de pensar as relações humanas e como produto da evolução do pensamento humano.
Assim, a mediação se situa como uma transdisciplina porque ainda está entre e através dos multireferenciais teóricos no qual se ergueu e, como todas as disciplinas, nascem de outras áreas limítrofes do conhecimento para depois realizar a sua autonomia, acreditamos que ainda não está a mediação sendo usada na sua potencialidade total, condizente com a complexidade social.
Ao mesmo tempo em que perseguindo essa dimensão analítica da mediação como transdisciplina, como uma prática social autônoma, Six (2001) aponta para a mediação como uma perspectiva de dinâmica de vida coletiva e, desse modo, com um papel fundamental no desenvolvimento social, contribuindo até de modo mais pragmático com a melhoria dos serviços públicos essenciais, a inserção social, cultural, política e econômica. Para ele, a mediação é, antes de tudo, política, pois “convida cada um à cidadania, a ser ator, isto é, a agir como cidadão responsável” (SIX, 2001:239).
A compreensão de conflito em contexto de violência e criminalidade, além de significar de forma estrita, as conflituosidades intersubjetivas, também agrega em seu conceito as decorrências da vulnerabilidade social. Assim, entendemos que ao conflito entre partes antecedem os conflitos internos (individuais) e externos (desvantagens sociais), ou, as dificuldades de acesso aos bens e serviços essenciais ou mesmo a falta de tais bens e serviços.
Portanto, temos que superar a compreensão minimalista e reduzida de mediação como método de resolução de conflitos intersubjetivos e também de conflito como mera expressão de embates e agressões entre as pessoas. Ainda, abordaremos uma experiência[5] que aproxima tal entendimento, que julgamos mais evoluído, que propõe concepção de conflito como apontamos e ainda desenvolve a mediação pautada nesta nova concepção e incorporando esta concepção na mediação como instrumento ou mecanismo no trato das conflituosidades interpessoais e vulnerabilidade social do conflito.
Outro acerto necessário aqui diz respeito à visão ainda vigente que insere a mediação como técnica ou método de resolução de conflitos extrajudiciais. Primeiro que traz um paralelo com o sistema judiciário (jurisdicional) tradicional e também reduz o entendimento de mediação como algo secundário, opcional, com certa validade, mas não muito confiável. Depois, porque tende a marcar a mediação como alternativa, inclusive, para resolver os problemas da administração da justiça, com o fim de desafogar os juízes e tribunais do volume excessivo de processos que aguardam julgamento.[6] Mas, acreditamos, de fato, que a crise não é somente da operacionalização para prestação jurisdicional da justiça, mas, em maior medida, a crise é de depositar na prestação jurisdicional convencional do Estado, a onipotência de, ao mesmo tempo, responder e dizer o direito para cada pessoa, para cada demanda pontual, regular e solenemente, processada e também responder pela pacificação social.
Grinover (1988) que atribui o nome de “deformalização das controvérsias” à tendência de incentivo à difusão de vias alternativas de exercício de acesso à justiça. Ou seja, não somente as vias judiciais têm a exclusividade em de resolver conflitos pelo processo.
Defendemos, a mediação como orientação transdisciplinar não tem no conflito um elemento surpresa ou algo inusitado e que depois de declarado precisa ser resolvido para encerrar a demanda. Mas, um acordo não é total na segurança de que não haverá mais conflitos ou que este não se restaurará. A mediação como orientação não busca resultados por acordos entre as pessoas, mas estabelece processos que envolvem técnicas para avanço e superação.
Com isso, distintas as compreensões e feitas as devidas precisões no uso e concepção de mediação, ao fim, a despeito de ainda persistir o entendimento de meio alternativo de resolução de conflitos, buscamos demonstrar que mediação, como ação pedagógica, principiológica e como transdisciplina, como a empregamos e acreditamos, trata-se, em certa medida, orientação e atuação ante a qualquer tipo de alternativa possível de violência e das violações.
4. PROGRAMA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: UMA EXPERIÊNCIA EM MINAS GERAIS
Como antecipado, para ilustrar a perspectiva da mediação, apresentaremos brevemente um estudo de caso em que se relata a experiência do Programa Mediação de Conflitos, desenvolvido pela Superintendência da Prevenção à Criminalidade – Secretaria de Estado de Defesa Social – Minas Gerais. Ressaltamos apenas que há outras experiências bastante estruturadas e ainda constatamos um crescimento de iniciativas em todo o país. [7]
Contudo, destacaremos neste relato da experiência em Minas Gerais, o enfrentamento declarado de propor um programa de mediação a ser implantado com um conceito de prevenção social e situacional da violência e criminalidade, ou seja, além da perspectiva de mediação como argumento na busca da prevenção social, também na sua materialização com a implantação de um equipamento dentro das comunidades identificadas pelos órgãos de defesa social como áreas de maior índice de violência e criminalidade e, portanto, alvo de ação por parte do Estado.
Desde o ano de 2003, o Governo do Estado de Minas Gerais vem desenvolvendo ações, projetos e programas no sentido de atuar sobre questões da violência e criminalidade. Numa perspectiva de investir na prevenção social da violência e criminalidade e, articular tais ações com a repressão qualificada desenvolvida por outros órgãos do sistema de defesa social, como Polícias, Judiciário, Ministério Público e outros, a Secretaria de Estado de Defesa Social estruturou a Superintendência de Prevenção a Criminalidade.
Como descrito por Santos (2007) na Revista Entremeios – Publicação de artigos desenvolvidos no Programa Mediação de Conflitos –
“Este Programa pauta suas ações através da identificação de situações de violações de direitos, restaurando-os e integrando as pessoas e comunidades na perspectiva de impedir novas violações. Trata-se da prestação de serviços que viabilizem o acesso à justiça na sua melhor forma, isto é, na interlocução entre as partes envolvidas para que os mesmos construam as soluções para seus conflitos de forma democrática, colaborativa e dialógica. […]
A idealização do Programa Mediação de Conflitos partiu da constatação de que se faz necessária uma revisão das formas de atuação do Estado em relação às questões da exclusão social, da violência e do exercício da cidadania em comunidades marcadas pelo acesso precário aos serviços sociais básicos e por violações recorrentes aos direitos fundamentais. […]
O projeto sustenta-se na assunção de uma nova cultura – da democracia cotidiana pela qual o sujeito de direito qualifica-se como cidadão – funda-se na problematização da questão do acesso à justiça e às políticas públicas, ou melhor, na possibilidade de participação ativa da própria comunidade na solução de grande parte de seus problemas e conflitos. […]
Uma concepção essencial que fundamenta o Programa Mediação de Conflitos é a compreensão de que a prevenção social deve ter a comunidade como foco e que o crime não é o único fator resultante ou gerador de violência e criminalidade, ou seja, está relacionado a outras formas de “desvantagens sociais”, principalmente nas comunidades onde há altas taxas de crime, o que evidencia uma variedade de fatores e condições interconectadas. […]
Para execução de ações e projetos o Programa conta com equipes de profissionais de formação diversificada nas áreas de Ciências Sociais e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, especialmente, Direito, Psicologia e Serviço Social. Para garantia da efetividade e eficácia de suas ações, o Programa investe no desenvolvimento técnico-metodológico das equipes de trabalho proporcionando espaços periódicos e sistemáticos de capacitação, habilitação e qualificação em temas aplicados às exigências cotidianas dos locais de atuação. Investidos dos princípios, fundamentos, métodos, recursos e procedimentos, o Programa conforma uma metodologia orientada para composição de conflitos individuais, coletivos e comunitários visando prevenir situações concretas e/ou potenciais de violência e criminalidade, com fomento à cultura pedagógica de convivência em situações de conflitos. […]
O Programa Mediação de Conflitos se estrutura em quatro (4) eixos gerenciais para melhor administração e implementação de suas ações e projetos. Desta forma, organiza-se em (1) Mediação Atendimento, (2) Mediação Comunitária, (3) Ações e Projetos Temáticos Locais e (4) Projetos Institucionais.” (SANTOS, 2007:25-26)
O eixo que descreve a Mediação Atendimento caracteriza-se por dispor de estrutura física em cada comunidade, dotada de equipamentos e equipes de atendimento que, de modo geral, realizam mediações e orientações, como gênero, e se desdobram em muitas espécies de atendimentos decorrentes, inclusive visando otimizar, ou mesmo, fomentar, uma estrutura de atendimentos em rede dentro da própria comunidade, envolvendo os mais diversos agentes sociais.
O segundo eixo: Mediação Comunitária, representa uma via de mão dupla em que, ao mesmo tempo que permite uma leitura mais coletiva dos casos individuais atendidos no Núcleo, também advém de uma ação inovadora do programa que atua em casos ou situações pautadas pela comunidade e que são afetas a um número maior de pessoas, ou seja, uma demanda coletiva ou comunitária. Na primeira situação podemos exemplificar como os casos individuais de violência ou conflitos intra-familiares que começam a aparecer no Núcleo e, por uma leitura técnica qualificada, induz a uma ação mais coletiva ou comunitária para atingir maior número de pessoas na comunidade. Na segunda situação, podemos exemplificar pelas constantes reclamações sobre falta de determinado bem ou serviço público, que afeta um grande número de pessoas, como o caso de falta de atendimento a determinado território da comunidade, pelo transporte coletivo, ou pela falta de saneamento básico, ou falta de coleta de lixo, ou falta de pavimentação e iluminação de ruas, dentre outros. Tais demandas ou são lidas pela equipe técnica nos atendimentos individuais realizados ou são originados pelo trabalho com a rede local e agentes e lideranças comunitárias identificadas no cotidiano da Mediação Comunitária.
Ainda, como desdobramento tanto dos atendimentos individuais como nos caso coletivos e comunitários, aparece o eixo Ações e Projetos Locais Temáticos. Este eixo se fundamenta a partir do trabalho da mediação Comunitária, através do diagnóstico local e do trabalho de formação de rede como também dos atendimentos individuais e sua leitura, os quais permitem identificar fatores de risco individuais, coletivos ou comunitários passíveis de intervenções. Estes fatores de risco representam as situações que afetam determinada comunidade ou público de modo a contribuir para o recrudescimento dos conflitos. Daí, a necessidade de intervenções para prevenir o desenvolvimento destas situações.
As ações e projetos temáticos locais são dos mais diversos assuntos e buscam atacar os principais problemas identificados pelos Planos Locais (instrumento de planejamento dos Núcleos de Prevenção à Criminalidade) e também nos atendimentos do Programa Mediação de Conflitos, como explicado. As ações vão desde a geração de renda, educação para o consumo, teatro e dança até questões de violência de gênero e outras modalidades de violações.
Por fim, o eixo de Projetos Institucionais são as parcerias desenvolvidas pelo Programa Mediação de Conflitos, sobretudo com as instituições governamentais do Sistema de Defesa Social e também dos outros entes federais. Cabe destacar as parcerias com a Polícia Militar, especificamente com o GEPAR (Grupamento Especializado em Patrulhamento de Áreas de Risco) com o qual o Programa realiza encontros de capacitação e qualificação do atendimento; oficinas e encontros de discussão junto à comunidade de atuação. Com a Polícia Civil cabe destacar o Projeto Mediar que é uma parceria que leva a mediação atendimento para as Delegacias de Polícia. Isso implica em capacitação dos policiais e da permanente capacitação e qualificação dos mesmos numa constante interlocução metodológica e gerencial com o Programa Mediação de Conflitos e a Polícia Civil.
Em linhas gerais, esta é a estruturação e organização do Programa Mediação de Conflitos. Mas, nos interessa aqui a concepção do Programa enquanto uma ação política aplicada ao contexto de violência e criminalidade. Desse modo, cabem algumas considerações analíticas e uma breve avaliação das ações empreendidas pelo Programa nas comunidades.
Os eixos orientadores do Programa já demonstram que não há uma exclusividade em atendimento individual ou somente voltado para as violações e conflituosidades entre pessoas. Na ação comunitária se desenvolvem muitas ações e atendimentos coletivos e demandas que são coletivizadas, de modo a integrar a comunidade. Portanto se estruturam como uma política ampla de expansão.
A orientação metodológica do atendimento, mesmo como tantos eixos, segue a fundamentação pautada em conceitos que articulam intersubjetividade, capital social, mobilização e organização comunitária, intercompreensão, solidariedade e direitos humanos. Como referenciais teóricos vale citar Habermas (1989); Thiollent (2000); Putnam (1996), Boaventura Souza Santos (2005); Six (2001); Bordieu (1984); Tocquevile (1998), Gustin (2005).
Também, na estruturação do procedimento no atendimento prestado, o Programa Mediação de Conflitos tem um diferencial. Além da equipe interdisciplinar descrita acima, há possibilidades de atendimentos individuais para casos pontuais, mas o Programa investe na coletivização e comunitarização das conflituosidades, o que reforça o argumento que diferencia violência (social) de violações (individuais). Ainda, dada a perspectiva do atendimento, há capacitações, supervisão e acompanhamento das equipes de atendimento, de modo periódico, semanalmente. Vê-se, portanto, o necessário investimento nos profissionais compatível com a complexidade e dinâmica da política pretendida. Além dos autores acima citados, que também referenciam os procedimentos e métodos no atendimento, há outros que detalham a mediação já como mecanismo ou técnica, o que faz traçar algumas orientações operacionais às equipes de atendimento, ao processo e aos atendidos. Lília Sales (2003), Vezzula (1995), Braga e Castaldi (2007), Muskat (2005), Warat (2001), Zapparolli (2003) e outros.
O Programa consegue integrar toda a complexidade que se evidencia de tais fenômenos e, também, todas as possibilidades de sua compreensão e atuação. É inovador porque integra os conteúdos, métodos e práticas avançadas da construção teórica da mediação e sua práxis.
5. MEDIAÇÃO: NOVAS LEITURAS E APONTAMENTOS
Mas, para fins de situar a mediação, convém uma análise mais genérica e sistemática, não descritiva, da sua compreensão dimensional de atuação.
Utilizando Arnald Stimec (2007), temos que há três níveis de ação na mediação: a ação voltada pelo conteúdo (resolução de problemas), a ação voltada para a relação (restauração da relação) e a ação voltada para o processo (modos de funcionamento das comunicações, fases). Esta é uma dimensão mais pragmática da mediação, mas fundamental posto que conforme se apresenta há um grau de intervenção adequado. Em suma, embora possa haver algumas orientações básicas, processuais no procedimento da mediação, este não deve obedecer a uma dinâmica aplicada, sugerida e orientada para o caso. Isso, contudo, não descaracteriza a mediação, ao contrário, reforça seu caráter transdisciplinar.
Ainda, STIMEC (2007) propõe algumas categorias, para fins de compreensão da ação e orientação das intervenções possíveis, conforme a complexidade em que se insere as conflituosidades (o que é) e não apenas a compreensão das partes (porque) do que seja o conflito. É dizer que, não é o que são as coisas que constituem os problemas, mas as premissas construídas sobre como deveriam ser é que constitui o núcleo da questão.
Retomando STIMEC (2007), apresentamos, então, algumas considerações sobre o nível do tipo de intervenção que se pode operar na mediação.
“1. Mediação “relacional” implica uma intervenção voltada à relação e ao conhecimento do outro bem como a expressão dos sentimentos, emoções e desejos das partes. Assim, a resolução de problemas é considerada secundária e decorre naturalmente desse trabalho.
2. Mediação de “apoio na resolução de problemas” ou facilitação concentra-se nos problemas práticos, técnicos ou materiais para resolver. O mediador propõe às partes um certo número de instrumentos para explorar a situação e procurara soluções. As dificuldades relacionais são geridas ou esvaziadas para que não perturbem o trabalho. Não se procura qualquer gestão das mesmas. A intervenção centra-se sobre os problemas concretos para resolver.
3. Mediação “mista” busca enquadrar a resolução dos problemas materiais bem como o trabalho sobre a relação. O mediador exerce uma intervenção diretiva sobre a forma (o processo), mas não diretiva sobre o fundo (a relação ou conteúdo). Coordena as intenções tendo como duplo objetivo o respeito mútuo no presente e a reestruturação futura da relação, incentivando as partes à imaginação e à concretização das soluções relativamente ao conteúdo. É a forma de mediação teoricamente mais preconizada. Todavia, na pratica, conforme os casos e evolução da sessão, a intervenção pode evoluir em direção as formas (1), (2) ou (4).
4. Mediação “prescritiva” pode focar mais ou menos na relação ou no conteúdo e reveste na prática essencialmente duas formas:
1- O mediador ouve as partes separadamente e depois emite recomendações (ou um parecer) ou negocia uma resolução amigável. As partes não se encontram no quadro da mediação.
2- O mediador ouve as partes (juntas ou não) e depois utiliza a sua experiência e o seu estatuto para favorecer uma conciliação proporcionando informações, advertências, sugestões ou mesmo pareceres.” (STIMEC (2007:16)
Conclui Stimec (2007) que após numerosas investigações efetuadas no âmbito da eficácia da mediação, parece que não seja possível privilegiar uma forma de intervenção em detrimento de outra. Pelo contrário a eficácia parece contingente, ou seja, dependente dos casos e das expectativas das partes.
A respeito dos modelos de mediação, convém apenas mencionar que há estudos deste enquadramento da mediação, mas que nos importa como registro histórico de sua construção, tendo em vista que atualmente, importa mais, como acima defendemos, compreender a dimensão e o nível de intervenção da mediação. [8]
Mas, como temos exposto nesse estudo, a concepção que se aplica à mediação, e como se insere no contexto que a adota, diz mais, inclusive orienta a sua implantação e implementação como política pública. Conforme a concepção que orienta a mediação as possibilidades diversificam.
LASCOUX (2008) identifica quatro (4) grandes concepções da mediação: Concepção Espiritualista, Concepção Jurídica, Concepção Psicologizante e Concepção Científico-Filosófica.
A Concepção Espiritualista se ligada às correntes religiosas em que
a mediação é apenas uma vestimenta laica do perdão religioso judaico-cristão promovendo a coesão, compreensão e respeito mútuo, solidariedade, cooperação, uma qualidade de presença empática. Tal concepção religiosa da mediação parte do pressuposto da bondade fundamental e gentileza do ser humano face a fragmentação das estruturas tradicionais em termos culturais, sociais e familiar, em que mediação aparece com um principio de estruturação das relações humanas, de suavização das fragmentações e da violência.
A Concepção Jurídica entende a mediação como a via real para uma humanização e maior democratização face a um sistema judicial pela sua complexidade, formalidade, morosidade e custos. A implementação da mediação propõe uma humanização do sistema, chamado justiça de proximidade ou restaurativo orientado para as necessidades concretas dos autores e que proporciona à vitima, até agora esquecida, um lugar mais participativo. Propõe a substituição de um modelo repressivo e neo-retributivo por modelo participativo e reabilitativo.
A Concepção Psicologisante compreende que o conflito é um sintoma relacionado com a falta de reconhecimento de necessidades, da expressão dos afetos, das emoções relacionadas com as situações conflituosas. Enfatiza que o conflito é um sintoma, uma força destruidora em que a intervenção fica centrada sobre o afeto com técnicas de entrevista que focam a empatia, o apelo aos sentimentos, a um quadro facilitador que propicie a expressão verbal de tais necessidades subjacentes.
A Concepção cientifico-filosófica entende que a mediação é uma procura constante de individuação, uma escolha consciente e responsável do sujeito encarado numa perspectiva sistêmica (que pensa, sente e age quer em relação às suas próprias formas de funcionamento quer em relação ao funcionamento do outro e coloca o ser humano numa nova forma de conceber a relação consigo próprio e com o outro). Aqui defende-se que os instrumentos de mediação devem ter uma base cientifica relacionado com a evolução das técnicas de comunicação e conhecimento do ser humano.
Por fim, entendemos que é preciso diferenciar a abordagem destas afirmações. A mediação enquanto princípio sempre se aplica. Importa o que frisa LASCOUX (2008:2) diz que o desafio da formação em mediação é talvez distanciar-se de um modelo multidisciplinar tal como são a maioria das estruturas de ensino/formação para promover esta necessidade de abordagem transdisciplinar quer em relação às outras disciplinas quer em relação aos próprios modelos de intervenção. Com uma análise fina das suas práticas, dos percursos, dos seus resultados que não se pode limitar à análise dos resultados quantificáveis dos acordos (aliás não há acompanhamento da execução dos mesmos a médio e a longo prazo), mas uma análise qualitativa sobre a reconstrução da qualidade relacional que não passa necessariamente por um acordo formal. O desafio da formação está em introduzir um processo reflexivo com investigação sistemática, uma abordagem metacognitiva da construção dos conhecimentos e da apropriação dos níveis de competência.
6. CONCLUSÃO
É visto que propusemos uma análise-crítica e intercalamos teorias, constatações empíricas e lógicas, de modo a tentar reconstruir quadros pragmáticos do tratamento da violência e criminalidade como também engendrar conteúdos, até de modo epistemológico, pedagógicos para ilustrar a mediação de conflitos como política pública.
O pragmatismo na construção da cultura de paz, pela via da não violência, se deve ao fato que encaramos que o contrário da violência não é a não-violência, a ausência de guerras, mas sim a cidadania, ou seja, combate-se ou trata a violência (fenômeno social), não com ações sobre as violações e conflitos, mas com cidadania. Como inscrito pela UNESCO – I Fórum Internacional sobre Cultura de Paz – São Salvador – 1994, “não há paz sem cidadania, pois a harmonia social não implica na repressão de conflitos, mas é resultado da redução de desigualdades sociais e econômicas e do respeito aos direitos humanos”.
Extrai-se desse trabalho, uma noção peculiar de prevenção em um sentido amplo e que integraliza o compromisso social, em todos os setores, que começa com a tomada de consciência da população, estruturação e infra-estrutura de instituições e órgãos e, principalmente, a dimensão sócio-econômica do problema de violência e criminalidade e sua prevenção que, aos poucos, aparenta certa retomada mais contextualizada da violência e criminalidade com as demais questões que se conectam, tais como fatores sociais, econômicos, culturais.
Advogado, Assessor Jurídico – Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte, Especialista em Direitos Humanos, Conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Mestre em Ciências Sociais – Gestão de Cidades, Doutorado em Direito Público – Internacional (em curso) – PUC-MG
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