Direito Tributário

A Natureza Jurídica das Custas Processuais

Nome do autor: Ivan de Almeida Gois Junior (stalenjunior@gmail.com) – Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – Uniderp

Resumo: Não há duvidas que o estudo sobre o tema em destaque se predispõe a esclarecer e a contribuir na resolução de diversos litígios relacionados ao assunto. Interessante se faz ressaltar que a prestação de serviços públicos específicos e indivisíveis do aparato judicial se mostra na atualidade como de valor imprescindível no Estado Democrático de Direito.  Sob esse prisma, o presente estudo procura abordar o tema, demonstrando os argumentos tendentes a financiar o mecanismo judiciário a partir do pagamento das custas processuais, não obstante a prestação jurisdicional não manifeste total dependência por àquelas. Acrescente-se que o aludido tributo cuida-se de uma obrigação do contribuinte em arcar com os meios necessários de que se servem o ente estatal, na busca em realizar os serviços públicos aptos a atender ao interesse coletivo. Nesse diapasão, cinge-se averiguar a natureza jurídica das despesas processuais como espécie tributária – taxa – consubstanciando na efetiva prestação dos serviços, e não na sua potencial utilização, como fato gerador na exigência daquelas, isso porque se abstrai de seu conceito ser uma prestação pecuniária relativamente facultativa, instituída por lei, e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Palavras-chave: Custas Processuais; Natureza Jurídica; Serviços Públicos.

 

Abstract: There is no doubt that the study about the matter in focus predisposes to clarify and contribute in the resolution of several lawsuits related to subject. Interesting to note is that the provision of specific and indivisible public services of the judicial system shown as valuable to the democratic state of laws, in the actual days. In this point of view, this study seeks to address the issue, demonstrating the arguments to finance the legal mechanism from the payment of legal costs, regardless of adjudication does not express complete dependence on those. I would add that the aforementioned tribute takes is an obligation of the taxpayer to bear the necessary means that the state entity serves itself, seeking to hold public services able to serve the public interest.  In this precept, it is necessary to investigate the legal nature of the court costs as a tributary kind – tax – realizing the effective installment of services, rather than its potential use as an triggering event in need of those, because it excludes from his concept been a pecuniary provision facultative, established by law, and charged by administrative activity fully linked.

Keywords: Court Costs; Legal Nature; Public Services.

 

Sumário: Introdução. 1. Conceitos é espécie – Tributo. 1.1 Elementos conceituais do Tributo. 1.1.1 Prestação pecuniária. 1.1.2 Compulsória. 1.1.3 Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. 1.1.4 Que não constitua sanção de ato ilícito. 1.1.5 Instituída em lei. 1.1.6 Cobrada mediante administrativa plenamente vinculada. 2. Espécies do tributo. 2.1 Teorias Explicativas. 3. Taxa e preço público. 3.1 Taxa – Conceito Jurídico. 3.1.1 Sub-Espécies. 3.1.1.1 Taxas exigidas em razão do poder de polícia. 3.1.1.2 Taxas cobradas pela prestação de serviços públicos. 3.2 Diferenciação entre taxa e preço público. 4. As custas processuais e sua natureza jurídica. 4.1 Breve escorço histórico sobre as custas. 4.1.1 A Natureza Jurídica das custas processuais. Conclusão. Referências

 

INTRODUÇÃO

É cediço que no âmbito das relações jurídicas tributárias, muito se tem discutido a respeito da natureza jurídica das custas processuais, mormente porque o referido instituto encontra-se por demais presente no mecanismo da prestação jurisdicional.

Para que se possa melhor divagar sobre o tema, urge ultrapassarmos algumas barreiras que se mostram necessárias à compreensão do assunto.

Toda essa discussão, aliás, ganhou extrema relevância haja vista a obrigação do contribuinte em arcar com os meios necessários de que se servem o ente estatal, na busca em realizar os serviços públicos aptos a atender ao interesse coletivo

Nessa toada, além de diversas manifestações doutrinárias, uma gama de produções jurisprudenciais concernentes ao tema epigrafado será também estudada, oriunda especialmente da Suprema Corte.

É também desígnio desta pesquisa uma análise institucional do conceito legal de tributo, bem como suas espécies, passando pela análise das teorias explicativas que procuram dissecar sua classificação. Além disso, outra importante vertente desse esforço científico é estabelecer paradigmas sobre o assunto tendo em conta as repercussões que o mesmo se afigura na realidade da Administração da Justiça.

Debruçando-se sobre o texto, o capítulo subsequente à presente introdução fora inteiramente dedicado ao estudo do conceito legal de tributo fomentado pelo Código Tributário nacional, bem como seus elementos, como aporte teórico necessário à posterior análise da natureza jurídica das custas processuais. A respeito, consta dessa parte da pesquisa que a evolução do Direito Tributário brasileiro fez com que surgissem diversas teorias sobre as espécies tributárias existentes, todas destinadas a tentar enquadrar didaticamente as diferentes modalidades de tributos criadas pelo poder público.

O segundo capítulo passa a abordar o tema de uma específica espécie tributária, fazendo-se uma acurada exposição acerca da sua definição jurídica, até as características a ela inerentes. Mas não só isso. Analisa-se o polêmico aspecto da diferenciação entre as taxas e o preço público, como contraponto à conclusão sobre o tema.

Já o terceiro capítulo, corroborado com o embasamento presente nos dois outros que o antecedem, se ocupa do cerne da presente pesquisa, qual seja, natureza jurídica das custas processuais. Para tanto, elencam-se posicionamentos doutrinários à referida matéria, lançando-se mão de importante análise jurisprudencial a respeito. Diga-se que os referidos posicionamentos são atinentes a uma pluralidade de doutrinadores e pensadores, ligados aos mais diversos seguimentos jurídicos, rechaçando-se o apego ideológico meramente institucional.

O mencionado capítulo, além de proceder a um apanhado de toda a pesquisa, reforça o posicionamento eleito como mais adequado após toda a análise do tema em apreço.

Por fim, busca-se evidenciar que as custas judiciais têm natureza tributária (são taxas pela prestação de serviço público) e devem ser obrigatoriamente fixados em lei (exigência da legalidade tributária).

 

  1. CONCEITO E ESPÉCIE – TRIBUTO

Antes de adentrarmos no cerne da vexata quaestio, mister se faz analisar o instituto jurídico denominado tributo, do qual irradiam todas as nuances correlatas ao estudo em questão.

Pois bem. É cediço na doutrina e na jurisprudência o conceito legal do que se representa tributo, isso porque não se olvidou o legislador de estabelecer que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada”.

Nesse diapasão, considerando o aludido conceito legal, passemos a examinar cada um dos elementos de que compõe o mesmo, a fim de melhor entendermos sobre o instituto jurídico em riste.

 

1.1 Elementos conceituais do Tributo

1.1.1 Prestação pecuniária

Na verdade, cuida-se de uma obrigação do contribuinte em arcar com os meios necessários de que se servem o ente estatal, na busca em realizar os serviços públicos aptos a atender ao interesse coletivo.

Nessa planura, revela-se de forma cabal que não se estabelece como forma de prestação do tributo, a realização de serviços, de sorte que inexiste nos sistemas tributários das nações a propensão ao tributo in natura ou pro labore. Da mesma forma, não se cogita da prestação voluntária que não sejam em dinheiro, mas a estas considerações analisaremos mais especificamente logo a seguir.

 

1.1.2 Compulsória

Urge esclarecer, inicialmente, que, em que pese todas as prestações jurídicas sejam, a princípio, obrigatórias, a prestação pecuniária compulsória implica dizer que se independe da vontade do sujeito passivo para poder efetivá-la, ainda que contra seu interesse. Nesse sentido, o dever de quitar um tributo nasce independente da vontade de cada um, tendo em conta que, consolidado o fato previsto na norma jurídica, ressoa o dever automático no qual alguém ficará adstrito ao cumprimento de uma prestação pecuniária, quer seja uma obrigação principal, quer acessória.

É preciso frisar que a prestação tributária emana direitamente da lei, em atenção ao postulado constitucional da legalidade, razão pela qual, portanto, não se imiscui qualquer ato de vontade daquele que assume a obrigação.

 

1.1.3 Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir

Ressalte-se que neste elemento comete o legislador uma flagrante redundância dogmática, vez que como o tributo se exprime como uma prestação pecuniária, então porque se dizer que esta mesma prestação se consubstancia em moeda.

Ora, é clarividente que inexiste no Direito Tributário Brasileiro um tributo in natura ou pro labore, mormente porque não se admite a instituição de tributo diverso do dinheiro ou em unidade de serviços. Nesse diapasão, a dívida do tributo há de ser correspondida em dinheiro, e não mediante entrega de bens, ainda mais porque se assim acontecer, eventual penhora será convertida em pecúnia para satisfação do crédito tributário.

Não se mostra despicienda a afirmação, portanto, de que Estado necessita da prestação compulsória do tributo pago em pecúnia a fim de atender ao interesse coletivo na prestação dos serviços públicos.

 

1.1.4 Que não constitua sanção de ato ilícito

Quando se afirma que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, visa o legislador distingui-lo justamente da penalidade, já que a hipótese de incidência de determinado tributo não pode se constituir como algo ilícito, no entanto, não é certo dizer que o rendimento auferido de uma atividade ilícita não se submete a qualquer tributo, tendo em conta que se a situação prevista em lei como necessária ao surgimento de uma obrigação tributária decorre de uma atividade ilícita, não está aqui a se afirmar que se trata de uma hipótese de incidência.

Nesse diapasão, exemplificando a questão, se acaso são apreendidos de determinado traficante de drogas vários aparelhos e bens que não foram objeto de tributação, ainda que se constitua de atividade ilícita, a hipótese de incidência nestes casos se deu pela simples aquisição de tais produtos, resultando na constituição dos fatos geradores da obrigação principal no pagamento dos respectivos tributos, tendo em vista que não se efetivou o pagamento do crédito tributário. A este fenômeno, a doutrina o denomina de princípio do non olet. Acrescente-se, por oportuno, que não se faz necessário debruçarmos sobre o referido princípio isso porque as observações devem estar direcionadas na resolução do tem em destaque.

 

1.1.5 Instituída em lei

Nessa planura, quis o legislador deixar claro que a obrigação ex lege se consubstancia no postulado na estrita legalidade na medida em que, ao se constituir o tributo, não se mostra auspicioso o reconhecimento de uma convergência de vontades na constituição da caracterização de determinado tributo.

Nesse norte, dois preceitos em particular nos chamam a atenção na Magna Carta, a saber o  art. 5º, II, o qual dispõe que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”; acrescente-se o art.150, I, que diz mais especificamente “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, instituir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Importante deixar claro que o escopo de um diploma legal, quer seja ele ordinário ou complementar, não se reduz na instituição de um tributo, mas também proporciona a criação de todos os elementos necessários a fim de que ele possa irradiar seus efeitos nas relações jurídicas tributárias, ou seja, emanam da instituição de um tributo os elementos que o integram como a hipótese de incidência, os sujeitos da relação, a base de cálculo e a alíquota, bem como o prazo respectivo do tributo a ser pago.

Sendo assim, não há como imaginar em obrigações tributárias, no direito brasileiro, que não sejam ex lege.

 

1.1.6 Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada

Por se tratar da última condição estatuída pelo legislador para definir o conceito de tributo, é por demais cediço no direito tributário que a atividade de se constituir um crédito tributário ressoa a partir de uma atividade necessariamente vinculada.

Ora, é sabido que a atividade administrativa vinculada é aquela segundo a qual não se permite a autoridade administrativa a liberdade de apreciar a conveniência ou oportunidade de agir. Nesse contexto, importante trazer à tona a lição do magistério autorizado por Hugo de Brito, vejamos:

Dizendo o CTN que o tributo há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, quer significar que a autoridade administrativa não pode preencher com seu juízo pessoal, subjetivo, o campo de indeterminação normativa, buscando realizar em cada caso a finalidade da lei. Esta deve ser minudente, prefigurando com rigor e objetividade os pressupostos para a prática dos atos e o conteúdo que estes devem ter. Deve descrever o fato gerador da obrigação tributária, a base de cálculo, a alíquota, o prazo para pagamento, os sujeitos da relação tributária e tudo o mais. Nada fica a critério da autoridade administrativa, em cada caso. Quando a lei contenha indeterminações, devem estas ser preenchidas normativamente, vale dizer, pela edição de ato normativo, aplicável a todos quantos se encontrem na situação nele hipoteticamente prevista. Assim, a atividade de determinação e de cobrança do tributo será sempre vinculada a uma norma.[1]

Desse modo, com supedâneo na lição supra, podemos afirmar que se determinado tributo é devido, há de ser cobrado nos termos da lei, de modo que, seguindo este pensamento, acaso não seja devido nos moldes de alguma lei em particular, não poderá ser exigido.

 

  1. Espécies do Tributo

2.1 Teorias Explicativas

A evolução do Direito Tributário brasileiro fez com que surgissem diversas teorias sobre as espécies tributárias existentes, todas destinadas a tentar enquadrar didaticamente as diferentes modalidades de tributos criadas pelo poder público.

Pois bem, nesse diapasão, urge discorrer, inicialmente, sobre a primeira das teorias. Para aqueles que defendem a teoria bipartida, qualquer espécie tributária, independentemente do nome atribuído pelo legislador, ou se classificaria como tributo não vinculado (típico de imposto), ou se enquadraria como tributo vinculado (típico de taxa). Atualmente esta classificação dicotômica ainda vige, mas não como modo de diferenciar espécies tributárias, mas como modo de enquadrar os diferentes tributos segundo a existência ou não de uma contraprestação estatal específica em favor do contribuinte. Frise-se fora capitaneada por Geraldo Ataliba, acompanhado de Pontes de Miranda e Alfredo Augusto Becker.

A teoria tripartida, a mais conhecida dentre as demais, tira seu embasamento da literalidade do CTN que estatui em seu art. 5º, sem rodeios, que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”. Os defensores desta corrente atualmente propugnam que esta é também a classificação adotada pela CF/88, conforme estabelecido em seu art. 145:

 

CF/88, Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas, […];

III – contribuição de melhoria.

[…].

Diga-se, em tempo, que esta teoria tripartite – tripartida ou tricotômica – sempre gozou de grande prestígio entre os tributaristas, razão pela qual foi influenciada pelo Código Tributário Alemão de 1919, estando presente já na Constituição Federal de 1946, na posterior Emenda Constitucional n. 18/65 e, após, no art. 5º do CTN, culminando, por sua vez, com a inserção no atual texto constitucional – art.145.

No entanto, o próprio Constituinte Originário já arrolou, em trechos supervenientes da CF/88, outros tipos de tributos, como os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais lato sensu, estas últimas que compreendem as contribuições de intervenção no domínio econômico, as de interesse das categorias profissionais ou econômicas e as previdenciárias. Assim, reputa-se um tanto quanto ultrapassada a existência desta teoria tripartite.

Nesse contexto, conforme o magistério autorizado de Alexandre de Moraes, surge a teoria quadripartite, compreendendo, além dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, agora os empréstimos compulsórios. Com efeito, o art. 15 do CTN, estatui que somente a União, diante de alguns casos excepcionais, poderia instituir empréstimos compulsórios, que seriam transferências obrigatórias de dinheiro do setor privado para o setor público para suprir necessidades esporádicas, estando o Estado vinculado a devolver estes recursos depois de cessadas as necessidades de sua arrecadação. Nesta mesma linha de raciocínio, a CF/88 (vide art. 148) outorgou à União a prerrogativa de instituir, mediante lei complementar, empréstimos compulsórios para atender a despesas excepcionais ou de relevante interesse nacional.

Não há unanimidade da doutrina sobre essa classificação; assim, entendemos que são espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsórios.[2]

Não fosse o bastante, com supedâneo na produção doutrinária de Ricardo Lobo Torres, este hermeneuta afirma que as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas referidas no art. 149, amalgamam-se, no eixo conceitual, às contribuições de melhoria mencionadas no art. 145, III da CF, “subsumindo-se todas no conceito mais amplo de contribuições especiais” (2007, p. 371-372).

Nessa perspectiva, surgiu a teoria pentapartite, que passou a prever 05 (cinco) espécies de tributos, a saber: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios. Atualmente, a maioria da doutrina pátria considera esta como a escola que melhor descreve as diferentes modalidades tributárias existentes no Brasil, já tendo sido, inclusive, objeto de voto em julgamento no STF.

Com efeito, merece registro o elucidativo trecho do voto do Ex-Ministro da Suprema Corte, Moreira Alves, no RE 146.733/SP:

(…) De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. (grifos nossos).[3]

Luciano Amaro, com louvor, debruça-se bem sobre a aludida teoria, razão pela qual merece transcrição do excerto de sua magnífica obra doutrinária:

Os critérios de classificação dos tributos não são certos ou errados. São mais adequados, menos adequados, ou inadequados (a) no plano da teoria do direito tributário, ou (b) no nível do direito tributário positivo, como instrumento que permita (ou facilite) a identificação das características que devem compor cada espécie de tributo (…).[4]

A idéia das contribuições sociais foi plenamente recepcionada pela CF/88, que previu, em seu art. 149, a possibilidade da União instituir esta espécie de tributo. No entanto, o Constituinte Originário foi além e permitiu que a União também pudesse instituir outras contribuições, relacionadas à intervenção no domínio econômico ou ao interesse de categorias profissionais/econômicas. A partir daí, a denominação contribuição social foi ampliada para aquilo que parte da doutrina chamou de ‘contribuição especial’, que se dividiria em contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas.

Examinadas as principais teorias explicativas da classificação do tributo, resta-nos salientar que, com a edição da EC 39/02 fez surgir mais uma espécie de tributo, a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (CCSIP), de competência municipal. Sobre esta nova modalidade muito ainda se discute em relação ao perfeito enquadramento no ordenamento jurídico. Nesse diapasão, observa Eduardo Sabbag que já se apregoa a existência de uma sexta modalidade tributária. Vejamos excerto de sua produção acadêmica:

 

Ad argumentandum, há quem defenda que, com o advento da Emenda Constitucional nº 39/2002, que trouxe à baila a CIP ou Contribuição de Iluminação Pública, de competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal, consoante o art. 149-A da CF/88, passou a viger uma teoria “hexapartida”, dada a singularidade do tributo ora surgido.[5]

 

Pois bem. Superado o exame das aludidas teorias, mister se faz analisar no capítulo que se segue, acerca da espécie tributária denominada taxa, bem como sua classificação para efeito de resolução do tema em destaque.

 

  1. TAXA E PREÇO PÚBLICO

3.1 Taxa – Conceito jurídico

Importante ressaltar que, assim como no tributo – gênero – esta espécie tributária possui também um conceito ex lege, isso porque assim dispõe o art. 77 do CTN, in verbis:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fator gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

Entende-se como serviço prestado ao contribuinte o serviço que este utiliza efetivamente, e posto à disposição àquele potencialmente utilizável pelo sujeito passivo da obrigação tributária. Dessa maneira, na primeira hipótese, percebemos que esta se configura quando os serviços são usufruídos efetivamente a qualquer título; enquanto que no segundo caso, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em pleno funcionamento.

Se o serviço público não é de utilização compulsória, só a sua utilização efetiva enseja a cobrança de taxa. Se a utilização é compulsória, ainda que não ocorra efetivamente essa utilização a taxa poderá ser cobrada. Em qualquer caso é indispensável que a atividade estatal, vale dizer, o serviço público específico e divisível, encontre-se em efetivo funcionamento. Em outras palavras, é condição sine qua non para a cobrança da taxa a efetiva existência do serviço à disposição do contribuinte.

Como se está a tratar da análise do dispositivo supra, mister esclarecer que, segundo dispõe o parágrafo único do art. 77 do CTN, a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos impostos, isso porque a diferença entre os dois tributos reside precisamente na diferença da natureza dos respectivos fatos geradores.

Assim, desnecessária se mostra a restrição contida no referido dispositivo legal, porquanto, com ou sem ela, nenhuma taxa poderia ter fato gerador idêntico ao de um imposto.

Desse modo, por arremate, oportuno salientar que taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese normativa, a descrição de um fato revelador da atividade estatal, voltada direta e especificamente ao contribuinte.

 

3.1.1 Sub-Espécies

Baseando-se no estudo do art. 77 do CTN, afigura-nos presente a classificação das taxas em duas subespécies, quais sejam: as taxas exigidas em razão do exercício do Poder de Polícia e as cobradas pela prestação de serviços públicos.

Passemos, pois, a analisar, resumidamente, cada uma delas.

 

3.1.1.1 Taxas exigidas em razão do Poder de Polícia

Por força do que dispõe o art. 78 do CTN, considera-se poder de polícia “A atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

Diante destas premissas, ressalte-se que só o Poder Público é titular do poder de polícia, o que significa dizer que estes atos jamais poderiam ser exercitados por particulares, ou seja, quando o Estado exerce poder de polícia, é de taxa e só dela se pode cogitar.

 

3.1.1.2 Taxas cobradas pela prestação de serviços públicos

Acerca dos serviços públicos que habilitam o incremento de taxas, bastante percucientes são as explicações trazidas pelo Código Tributário Nacional, em especial no artigo que se segue abaixo, in verbis:

 

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:

I – utilizados pelo contribuinte:

  1. a) Efetivamente quando por ele usufruídos a qualquer título;
  2. b) Potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas;

III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

 

Dessa forma, com supedâneo no aludido dispositivo, urge esclarecer que a maioria dos doutrinadores ensina que a taxa corresponde ou está ligada a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Justifica-se, assim, a taxa pelo exercício do poder de polícia ou pela prestação de serviço público, por serem atividades privativas, próprias do Estado.

Sucede que, nesta seara, a definição do que seja atividade específica do Estado enseja divergências insuperáveis. Aquilo que em determinado lugar considera-se atividade própria do Estado em outros lugares pode não ser assim considerado.

Pois bem. Estabelecidas estas premissas salutares, antes de adentrarmos no cerne da vexata quaestio, necessário ressaltar a diferença que se estabelece entre a taxa e preço público, posto que a análise desta questão está umbilicalmente relacionado ao tema.

 

3.2 Diferenciação entre taxa e preço público

A realidade está em que os serviços públicos de utilidade, específicos e divisíveis, podem ser remunerados por preços (regime contratual) ou por taxas (regime de Direito Público). O dilema resolve-se pela opção do legislador. Se escolher o regime tributário das taxas, ganha a compulsoriedade do tributo, inclusive pela mera disponibilidade do serviço, se prevista a sua utilização compulsória (CTN, art. 79, I, “b”), mas fica manietado pelas regras de contenção do poder de tributar. Acaso escolha o regime contratual, perde a compulsoriedade do pagamento pela mera disponibilidade do serviço, mas ganha elasticidade e imediatez na fixação das tarifas

Pois bem. Cingindo-se a análise da questão em voga, urge esclarecer que o tributo, por força de expressa disposição legal, é prestação pecuniária compulsória – art.3º do CTN. Por conta disso, não se permite falar em taxa facultativa, sendo esta subespécie daquele.

Sendo o fato gerador da taxa um serviço daqueles que, nos termos do art. 79, inciso I, “b”, são de utilização compulsória, então o pagamento da mesma efetivamente é simples decorrência de encontrar-se o contribuinte em condições de poder utilizar o serviço, ainda que não o faça. No entanto, se o fato gerador da taxa for a efetiva utilização do serviço, dessa maneira o contribuinte poderá se eximir do pagamento bastando que não o utilize. Daí não se poderá concluir que a taxa é facultativa.

Ora, se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias dos tributos. O contribuinte estará seguro de que o valor dessa remuneração há de ser fixado por critérios definidos em lei, por isso que se costuma afirmar que, ao contrário do preço que é contratualmente acordado, a taxa não decorre da autonomia da vontade, mas é unilateralmente imposta pela lei. Terá, pois, em síntese, as garantias insertas na Constituição.

Por via transversa, se a ordem jurídica não obriga a utilização do serviço público, posto que não proíbe o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então a cobrança da remuneração atinente não ficará sujeita às limitações do sistema tributário. Pode ser fixada livremente pelo Poder Público, pois o seu pagamento resulta de simples conveniência do usuário do serviço.

À liberdade que tem o Poder Público na fixação do preço público, sem a necessidade de lei a estabelecer os critérios para a determinação do valor devido, representa a liberdade do cidadão de utilizar, ou não, o serviço correspondente.

De um lado é autorizado ao Poder Público fixar o valor devido mediante ato administrativo, ou seja, ato de autoridade do Poder Executivo; do outro, o contribuinte é liberado para utilizar, ou não, o serviço, de acordo com as suas conveniências. Se o contribuinte não tem essa liberdade, porque é compulsória a utilização dos serviços, o Poder Público estará igualmente limitado pela ordem jurídica no que alude aos critérios para a fixação do valor a ser cobrado, que será um tributo.

Importante se faz ressaltar, por oportuno, o posicionamento do ilustre tributarista Sacha Calmon que, a fim de aplainar quaisquer incertezas, dispõe de modo esclarecedor sobre as principais diferenças terminológicas e jurídicas entre as taxas e os preços públicos. Vejamos excerto de sua obra, in literis, a fim de se evitar tautologia desnecessária:

De ver, em larga síntese, o preço público (espécie contratual) e a taxa (espécie tributária) ao lume do senso comum dos juristas segundo os “lugares” (topos) que assumem em suas manifestações teóricas:

  1. a) O preço decorreria do livre encontro das vontades (contrato). A taxa – espécie tributária – proviria da “vontade da lei” (tributo). O primeiro é autônomo, a segunda heterônoma;
  2. b) No preço predominaria a “facultatividade”, na taxa – tributo –, a “compulsoriedade”;
  3. c) No preço de origem sempre contratual haveria a possibilidade do “desfazimento do pactuado”, e, ainda, antes disso, a cobrança só é possível após a acordância do usuário. Na taxa, ao revés, predominaria a vontade da lei, e a obrigação, às vezes existindo apenas a simples disponibilidade do serviço, só seria elidível pela revogação da norma legal, irrelevante o querer do obrigado;
  4. d) O preço seria ex contractu, por suposto, e a taxa – tributo –, ex lege;
  5. e) Em conseqüência, o preço reger-se-ia pelos preceitos do Direito Privado, com influxos aqui e acolá do Direito Administrativo (preços públicos), e a taxa reger se-ia pelas regras do Direito Público e, portanto, estaria sujeitada aos princípios constitucionais da legalidade, anterioridade ou da anualidade;
  6. f) Os preços seriam do jus gestionis, e as taxas, jus imperii;
  7. g) Os preços, por isso que contratuais, sinalagmáticos, não comportariam “extrafiscalidade”, esta típica da ação governamental via tributos (inclusive taxas), tese de resto polêmica no respeitante às taxas, nos contrafortes do próprio Direito Tributário, em razão da natureza “contraprestacional” destas;
  8. h) Os preços seriam adequados para remunerar atividades estatais delegáveis, impróprias, ao passo que as taxas seriam utilizáveis para remunerar serviços estatais “próprios”, indelegáveis, tipo “polícia”, “justiça”, “fisco” etc;
  9. i) Os preços estariam livres do controle congressual, possuindo maior elasticidade. As taxas, ao contrário, porque seriam tributos, estariam sujeitas ao controlo do Legislativo, daí a maior rigidez do seu regime;[6]

Não fosse o bastante, por oportuno, digno se faz aludir às lições do Ex-Ministro Carlos Veloso que põem em xeque a diferenciação em epígrafe, ao proferir na ADI nº 2.586-4/DF a seguinte decisão, sob sua relatoria:

 

(…)

Há quem sustente que, quando o Estado presta serviço público, se quiser que tais serviços sejam remunerados, somente poderá fazê-lo mediante taxas (Geraldo Ataliba, ‘Sistema Tributário na Constituição’, Rev. de Dir. Trib., 51/140; Roque Carrazza, ob.cit., p. 247). Não vamos a tanto, não obstante reconhecermos que são poderosos e científicos os argumentos de Ataliba e de Carrazza. Ficamos na linha da lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho, que entende ser possível a cobrança de preços pela prestação de serviço público. Sacha argumenta com o § 3º do art. 150 da Constituição, do qual deflui que ‘o Estado, além das atividades econômicas exercíveis em lide concorrencial, pode, mediante instrumentalidade, prestar serviços públicos mediante contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelos usuários’, conclusão que se completa da leitura do que está disposto no art. 175, parág. único, inciso III, da Lei Fundamental. Por isso, acrescenta o magistrado e professor, que ‘só resta mesmo editar a lei requerida pela Constituição, necessária a uma segura política tarifária, em prol dos usuários’ (Sacha Calmon Navarro Coêlho, Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, Forense, 1990, pp. 56/57).

(…)

Concedo que há serviços públicos que somente podem ser remunerados mediante taxa. Do acórdão do RE nº 89.876-RJ, relatado pelo eminente Ministro Moreira Alves (RTJ 98/230) e da conferência que S. Exa. Proferiu no ‘X Simpósio Nacional de Direito Tributário’, subordinado ao tema: ‘Taxa e Preço Público’, realizado em São Paulo, em 19.10.85, cujo resumo, da lavra dos ilustres professores Vittorio Cassone e Carlos Toledo Abreu Filho, encontra-se publicado no Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. XI, co-edição Ed. Resenha Trib. e Centro de Estudos de extensão Universitária, São Paulo, 1986, penso que podemos extrair as seguintes conclusões, com pequenas alterações em relação ao pensamento do eminente Ministro Moreira Alves: os serviços públicos poderiam ser classificados assim: 1) serviços públicos propriamente estatais, em cuja prestação o Estado atue no exercício de sua soberania, visualizada esta sob o ponto de vista interno e externo: esses serviços são indelegáveis, porque somente o Estado pode prestá-los. São remunerados, por isso mesmo, mediante taxa, mas o particular pode, de regra, optar por sua utilização ou não. Exemplo: o serviço judiciário, o de emissão de passaportes. Esses serviços, não custa repetir, por sua natureza, são remunerados mediante taxa e a sua cobrança somente ocorrerá em razão da utilização do serviço, não sendo possível a cobrança pela mera potencialidade de sua utilização. Vale no ponto a lição de Geraldo Ataliba, no sentido de que não é possível instituir taxas por serviços não efetivamente prestados. O que acontece é que certos serviços podem ser tornados obrigatórios pela lei e é isto o que significa a locução ‘posto à disposição do contribuinte’. É isto, aliás, o que resulta do disposto no art. 79, 1, b, CTN. 2) Serviços públicos essenciais ao interesse público: são serviços prestados no interesse da comunidade. São remunerados mediante taxa. E porque é essencial ao interesse público, porque essencial à comunidade ou à coletividade, a taxa incidirá sobre a utilização efetiva ou potencial do serviço. É necessário que a lei – para cuja edição será observado o princípio da razoabilidade, mesmo porque, como bem lembrou o Ministro Moreira Alves, citando Jàze, a noção de serviços essenciais é de certo modo relativa, porque varia de Estado para Estado e de época (RTJ 98/238) – estabeleça a cobrança sobre a prestação potencial, ou admita essa cobrança por razão de interesse público. Como exemplo, podemos mencionar o serviço de distribuição de água, de coleta de lixo, de esgoto, de sepultamento. No mencionado RE nº 89.876-RJ, o Supremo Tribunal decidiu que, ‘sendo compulsória a utilização do serviço público de remoção de lixo – o que resulta, inclusive, de sua disciplina como serviço essencial à saúde pública –, a tarifa de lixo instituída pelo Decreto nº 196, de 12 de novembro de 1975, do Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro, é, em verdade, taxa’ (RTJ 98/230). 3) Serviços públicos não essenciais e que, não utilizados, disso não resulta dano ou prejuízo para a comunidade ou para o interesse público. Esses serviços são, de regra, delegáveis, vale dizer, podem ser concedidos e podem ser remunerados mediante preço público. Exemplo: o serviço postal, os serviços telefônicos, telegráficos, de distribuição de energia elétrica, de gás etc.[7]

Nessa planura, é certo que o posicionamento do regime legal adotado resolve em parte a questão. Ao jurista cabe apenas indagar qual o regime jurídico que o legislador adotou. Se for o regime jurídico-tributário, temos taxas. Se for o regime contratual, temos preço público.

Seguindo esta linha conclusiva de pensamento, interessante anotar a menção doutrinária a respeito, do eminente tributarista Ricardo Alexandre, vejamos:

Na prática, a melhor maneira de identificar se determinada exação é cobrada pelo Estado é taxa ou preço público é verificar o regime jurídico a que o legislador submeteu a cobrança.[8]

Desse modo, é de clareza solar que o regime jurídico das exações cobradas pela Administração na prestação de serviços públicos, bem como no poder de polícia, decorre da relação tributária, de sorte que a compulsoriedade daquelas exigências não emanam da vontade das partes.

Por arremate, em linhas gerais, merece ser consignado que preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.

Pois bem. Estabelecidas essas premissas passemos ao cerne da questão.

 

  1. AS CUSTAS PROCESSUAIS E SUA NATUREZA JURÍDICA

É cediço que a experiência histórica demonstra que a concentração de poder estava fulcrada no seio dos Poderes Executivo e Legislativo, de modo que o Judiciário somente veio à tona com a tripartição dos poderes externada na obra de Montesquieu. Até então, a função de se cobrar os tributos estava centralizada no Executivo, na pessoa do soberano, a quem incumbia o papel de gerenciar a máquina e julgar aquilo que lhe era conveniente e necessário para a administração pública.

A esse respeito, Vicente Greco Filho aduz que:

Antes da petição de 1215, ao Rei era guardada a prerrogativa de conceder a coação estatal para a execução de devedores, por exemplo, somente mediante pagamento. Não se trata, como alguns querem interpretar, da existência das custas judiciais como hoje são entendidas. Era um verdadeiro pagamento para que o interessado pudesse ter os favores da coação oficial e que, no caso de recusa, determinava a não-intervenção da autoridade real.[9]

Nessa toada, era certo que para o soberano conceder algum direito pleiteado pelos súditos, necessário se tornava o pagamento de alguma quantia representativa da consulta e provocação judicial a que era submetido o monarca.

A partir dos ensinamentos de Aliomar Baleeiro, oportuno se mostra elucidar a questão trazendo à tona seus ensinamentos, vez que o mesmo compendiou a possível origem das custas e emolumentos:

Era mais uma situação pessoal e patrimonial do monarca, que reservava a si a função de julgar, e cobrava. Quando ele ficou muito ocupado, criou funcionários, criados, a palavra ‘ministro’ significa criado, e a esses auxiliares, esses criados que faziam a justiça para ele, os juízes, passou a dar-lhes o gozo de uma renda. Era o sistema de paga na época. Tal estado de coisas, tal estado de espírito, terá influído no texto da Magna Charta, imposta pelos barões a João-Sem-Terra em 1215?

“A ninguém venderemos (to no one we will sell) direito ou justiça…”

Os barões fizeram invectivas não à justiça paga, mas à justiça “comprada”.[10]

Sem maior vagar sobre o tema, destaque-se que ao longo do tempo, sua cobrança passou por uma série de evoluções de modo a racionalizar sua exigência a partir de tabelas predeterminadas nas legislações, e não mais ao alvedrio da lei, tampouco sob a arbitrariedade dos governantes.

A esse respeito, ressalte-se que o constituinte separou a competência da União e dos Estados para legislar (a) sobre tributos e (b) sobre custas judiciais – art. 24, IV da CF – como que denotando se tratar de matérias diversas, no entanto, como adiante se verá, é estreme de dúvidas que a prestação jurisdicional propriamente dita tende a se revelar de natureza tributária.

Dessa maneira, não se olvida que a criação das custas se deu, sobremaneira, para custear e financiar o aparato administrativo que se exige quando provocado o poder jurisdicional do Estado na resolução de algum litígio, ou seja, as custas processuais são devidas pelo processamento dos feitos a cargo dos serventuários da justiça ao exercerem a prestação de serviço público.

 

4.2 A Natureza Jurídica das custas processuais

Cingindo-se, neste momento, à análise do cerne da questão, mostra-se imperioso ressaltar que, sendo as custas processuais as despesas que as partes devem pagar para ter acesso ao Judiciário, as mesmas são instituídas por lei e visam a prestação de serviços públicos essenciais, ainda que postos à disposição dos cidadãos.

Expliquemos melhor. Muito se discutiu sobre a natureza jurídica das custas processuais, no entanto, em que pese a vacilante jurisprudência de outrora, sedimentou-se o entendimento segundo o qual vem se considerando que as custas sã espécies de tributos, na forma de taxas.

Nesses serviços públicos de utilização relativamente facultativa, o cidadão não é obrigado a valer-se de tais serviços, salvo se optar por exercer algum direito relacionado. Trata-se de serviços públicos indelegáveis, ínsitos à soberania, como os serviços judiciais.

No caso desses serviços, portanto, somente é possível a cobrança pela efetiva prestação dos serviços, o que se amolda com o conceito legal determinado no art. 77 do CTN, e já anteriormente estudado, e nunca pela utilização potencial.

Com efeito, quando movida uma ação, a esse tipo de serviço prestado pelo Judiciário cabe o pagamento de taxa judiciária para financiar a Administração da Justiça, mas apenas pela prestação efetiva do serviço.

A esse respeito, percucientes são as observações do ilustre doutrinador Robinson Sakiyama, as quais merecem anotação:

Agora, como já dito, se não há compulsoriedade alguma na utilização do serviço ou, melhor dizendo, se o serviço é de utilização absolutamente facultativa, não há cobrança de taxa, e sim de preço público. [11]

Restou sedimentado no julgamento do RE nº 116.208-2, em 20.04.1990, pelo eminente Ex-Ministro Moreira Alves da Suprema Corte, que a natureza jurídica das custas processuais seria, então, a de taxa, como espécie tributária. Naquela ocasião, ficou assim consignado:

Decisão: O Tribunal por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votou o Presidente. Plenário. 20.4.90.

Ementa: – Custas e emolumentos. Natureza jurídica. Necessidade de lei para sua instituição e aumento.

– Esta Corte já firmou o entendimento, sob a vigência da Emenda Constitucional nº 1/69, de que as custas e os emolumentos têm a natureza de taxas, razão por que só podem ser fixados em lei, dado o princípio constitucional da reserva legal para a instituição ou aumento do tributo, portanto, as normas dos artigos 702, I, “g”, e 789, parágrafo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho não foram recebidas pela Emenda Constitucional nº 1/69, o que implica dizer que estão elas revogadas. Recurso extraordinário conhecido e provido.[12]

Acrescente-se que, seguindo-se esta trilha, advieram vários pronunciamentos jurisprudenciais da Suprema Corte com o desiderato de corroborar àquele entendimento pioneiro. Portanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu em outros diversos acórdãos que as custas judiciais têm natureza tributária (são taxas pela prestação de serviço público) e devem ser obrigatoriamente fixados em lei (exigência da legalidade tributária).

À propósito, ressaltemos algumas dessas decisões:

 

EMENTA: (…) as custas, a taxa judiciária, e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal.[13]

 

EMENTA: As custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais, por não serem preços públicos, mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade […] O art. 145 admite a cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236, CF).[14]

Assim, como as custas judiciais são tributos, não é possível a qualquer Tribunal fixá-las por Resolução ou outro ato próprio, sendo necessária a edição de lei em sentido estrito estipulando o valor.

Não fosse o bastante, a cobrança dos valores majorados só pode der feita a partir do exercício subseqüente – anterioridade – e se decorridos ao menos noventa dias da publicação da nova lei – noventena.

Isso de deve, portanto, em razão da natureza jurídica das custas processuais, pois que, sendo espécie tributária – taxas – persiste à limitação ao poder de tributar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do art. 150, caput, da CF, c/c incisos correlatos.

Dessa maneira, forçoso concluir que as custas processuais possuem a natureza jurídica de taxa, mormente porque são cobradas pela Administração da Justiça para cobrir os custos e financiar o aparato judicial quando se verifica a prestação de serviços públicos divisíveis e específicos pelos serventuários da justiça. Não obstante, por arremate, insta tergiversar que a exigência desse tributo se consubstancia na medida em que há a efetiva prestação dos serviços, e não quando são colocados à disposição do contribuinte.

Sendo assim, por todo o exposto, mostra-se despicienda debruçarmos mais sobre o tema, tendo em conta que a análise sobre o mesmo se mostrou exaurido.

 

CONCLUSÃO

Ante a análise do tema epigrafado, restou provada e por demais demonstrada a natureza jurídica das custas processuais.

Como visto, inúmeros são os argumentos favoráveis as custas processuais consubstanciarem como espécies tributárias – taxa, em que pese haja posicionamentos contrários a respeito, por entenderem serem àquelas meros preços públicos. Contudo, não obstante os valiosos argumentos, por vezes de natureza meramente interpretativa, independentemente de que lado da trincheira se encontrem, há de se observar que esta discussão se sobrepõe ao simples debate acadêmico. Está em jogo muito mais do que pontos de vista doutrinários ou jurisprudenciais. Não se pode permitir que discursos teóricos, quase sempre extremamente legalistas, façam com que se passe ao largo da Justiça.

A realidade está em que os serviços públicos de utilidade, específicos e divisíveis, podem ser remunerados por preços (regime contratual) ou por taxas (regime de Direito Público). Nessa conjuntura, o dilema resolve-se pela opção do legislador.

Ora, considerando que o legislador adotara o regime tributário das taxas, ganharam as custas judiciais a compulsoriedade do tributo por não serem preços públicos, mas, sim, taxas, não podendo, dessa forma, ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade, tampouco serem exigidas quando o cidadão não se valer dos serviços judiciais, salvo se optar por exercer o direito constitucional de petição no acesso ao Judiciário.

Dessa maneira, não custa repetir que o serviço judiciário, por sua natureza, são remunerados mediante taxa e a sua cobrança somente ocorrerá em razão da utilização do serviço, não sendo possível a cobrança pela mera potencialidade de sua utilização, isso porque nesses serviços públicos de utilização relativamente facultativa, o cidadão não é obrigado a valer-se de tais serviços, salvo se optar por exercer algum direito relacionado. Trata-se, portanto, de serviços públicos indelegáveis, ínsitos à soberania e à Administração da Justiça.

Assim, por tudo que fora exposto e com elevada vênia às respeitáveis opiniões em contrário, entende-se ser perfeitamente compatível a natureza jurídica das custas processuais como espécie tributária, ao se amoldar ao instituto das taxas.

 

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. Método. São Paulo: 2009.

 

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. Saraiva. 14ª ed. São Paulo. 2008.

 

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BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1986.

 

BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Manual de Direito Tributário. Saraiva. São Paulo, 2009.

 

CARVALHO, Paulo de Barros. Tributo. Fonte: Curso de Direito Tributário, 21a edição. São Paulo: Saraiva, 2009. Material da 3ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Tributário – UNIDERP/REDE LFG

 

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. As espécies tributárias: os impostos, as taxas e as contribuições. In: Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, pp. 439-473. Material da 6ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos, ministrada no curso de pósgraduação lato sensu televirtual em Direito Tributário – UNIDERP/REDE LFG.

 

_____________ Comentários à Constituição de 1988. 6ª Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1996.

 

FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. Saraiva, vol. I, São Paulo, 1981.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2004.

 

MACHADO, Hugo de Brito. Tributo: conceito e espécies. Fonte: Curso de Direito Tributário, 26a edição. São Paulo: Malheiros, 2009. Material da 3ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Tributário – UNIDERP/REDE LFG.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição Interpretada. Atlas. São Paulo: 2002

 

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Saraiva. São Paulo: 2009.

 

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª Ed. Renovar, Rio de Janeiro: 2005.

 

 

[1]
                [1]          MACHADO, Hugo de Brito. Tributo: conceito e espécies. Fonte: Curso de Direito Tributário, 26a edição. São Paulo: Malheiros, 2009. Material da 3ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Tributário – UNIDERP/REDE LFG. Pág. 06

[2]
                [2]          MORAES, Alexandre de. Constituição Interpretada. Atlas. São Paulo: 2002, p. 1659.

[3]
                [3]          RE 146733, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 29/06/1992, DJ 06-11-1992 PP-20110 EMENT VOL-01683-03 PP-00384 RTJ VOL-00143-02 PP-00684.

[4]
                [4]          AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. Saraiva. 14ª ed. São Paulo. 2008. p. 69

[5]
                [5]              SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Saraiva. São Paulo: 2009, p. 152.

[6]
                [6]          COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. As espécies tributárias: os impostos, as taxas e as contribuições. In: Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, pp. 439-473. Material da 6ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos, ministrada no curso de pósgraduação lato sensu televirtual em Direito Tributário – UNIDERP/REDE LFG. p. 22

[7]
                [7]          ADI 2586, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2002, DJ 01-08-2003 PP-00101 EMENT VOL-02117-34 PP-07326).

[8]
                [8]              ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. Método. São Paulo: 2009, p. 62.

[9]
                [9]              FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, vol. I, 1981, p. 40.

[10]
                [10]          RTJ, 67/360.

[11]
                [11]              BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Manual de Direito Tributário. Saraiva. São Paulo, 2009, p.43.

[12]
                [12]              RE 116.208, Relator(a):  Min. MORERA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/1990, DJ 08-06-1990 Seção 1, 5 PP-243).

[13]
                [13]              ADI nº 1.145/PB, Relator(a):  Min. CARLOS VELOSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2002, DJ 08-11-2002 Seção 1, 5 PP-00421).

[14]
                [14]              ADI nº 1.444/PR, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-04-2003 Seção 1, 5 PP-00046).

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