Republicação com atualizações do artigo de mesmo título publicado em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14716.
Resumo: Este estudo consiste numa abordagem a respeito da aplicação da regra decadencial aos atos concessivos de aposentadoria, pensão e reforma, no intuito de esclarecer dúvidas que surgem quando se trata da denegação do registro destes atos pelo Tribunal de Contas, e justamente quando a negativa ocorre fora do prazo de cinco anos, a incidir ou não o prazo decadencial capitulado no artigo 54 da Lei nº 9.784/99, isso porque, se tais atos forem considerados complexos, o prazo decadencial somente terá início após os seus aperfeiçoamentos, com a homologação dos registros pela Corte de Contas, o que tornará irrelevante a demora no aludido julgamento por essa Corte, enquanto que, se
forem considerados compostos ou simples, o entelado prazo decadencial já começaria a transcorrer quando da concessão pela Administração Pública.
Palavras-chave: 1. Atos de aposentadoria, pensão e reforma. 2. Atos simples, compostos e complexos. 3. Decadência administrativa. 4. Princípios constitucionais.
Abstract: This study deals with an approach of application the preclusive rule to the concessive acts of retirement, pension and reform, aiming to clarify doubts that arise when one comes to denial of registration of these acts by the Court of Auditors, and just when the negative takes place outside the period of five years, when o fall or not within the term preclusive capitulated in Article 54 of Law nº 9.784/99, because, if such acts are considered complex, the preclusive period only shall begin after its perfectioning, with the approval of the record by Court of Auditors, which will make irrelevant the delay in the afore mentioned trial by this court, while if they are considered compound or simple, the screened term preclusive would already begin to run when the concession by the Public Administration.
Keywords: 1. Public Servants. 2. Acts of retirement, pension and reform. 3. Simple, compound and complex acts. 4. Administrative decay. 5. Constitutional principles.
Sumário: Introdução. 1 Da natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. 2 Classificação dos atos administrativos quanto à formação ou composição de vontade. 3 Dos princípios constitucionais correlatos. 4 Da doutrina pátria. 5 Da jurisprudência (aplicação dos princípios). 6 A decadência administrativa e os atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. 7 O ato de admissão de pessoal. 8 Da tipicidade dos efeitos jurídicos dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. 9 Do Mandado de Segurança nº 25116/DF (STF). Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A presente obra é resultado de um estudo minucioso, fundamentado em doutrinas e jurisprudência de diversos tribunais, visando esclarecer, numa linguagem simples, esse tema polêmico relacionado à natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão e o alcance da decadência administrativa, uma vez que a doutrina, praticamente uníssona, e grande parte dos tribunais integrantes do Judiciário brasileiro têm discordado das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consideram complexos tais atos sujeitos a registro pelos Tribunais de Contas; portanto, pela inocorrência da decadência administrativa antes das manifestações destas Cortes de Controle, homologando ou não os registros.
1 DA NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS CONCESSIVOS DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO
1.1 Considerações Preliminares
A Carta Magna, em seu artigo 24, inciso XII, §§ 1º e 2º, atribuiu à União, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, a competência para editar normas gerais, em matéria de Previdência Social. Assegurou, também, em seu artigo 40, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005, o regime de previdência dos servidores titulares de cargos públicos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em caráter obrigatório, contributivo e solidário.
Essa contribuição previdenciária compulsória é pecuniária, mensal e imprescindível, por gerar uma reserva de dinheiro (pecúlio), que mantém o programa de previdência, concedendo ao segurado e seus dependentes o direito de usufruir dos seus benefícios, dentre estes a aposentadoria e a pensão.
A concessão do benefício da aposentadoria e suas respectivas hipóteses, como voluntária, invalidez permanente e compulsória, estão previstas nos incisos do § 1º do artigo 40 da Constituição Federal. Por outro lado, a concessão do benefício da pensão encontra-se constitucionalmente prevista no § 7º do mesmo artigo 40.
Atiaia Bandeira Barreto aduz, com simplicidade, aos atos administrativos de concessão de aposentadoria e de pensão, as definições a seguir:
“A aposentadoria é o benefício previdenciário concedido ao segurado (servidor-contribuinte), cujo fato gerador de sua concessão é a perda laboral gradativa do servidor, em decorrência de sua idade ou invalidez. Por sua vez, a pensão é o benefício previdenciário concedido ao dependente, cujo evento gerador de sua concessão é a morte do servidor-contribuinte” (BARRETO, 2009).
A jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 522), completando a definição anterior, designa a aposentadoria como “o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição”.
Os servidores militares, em face das condições especiais e outras peculiaridades pertinentes às suas atividades, serão regidos por regime previdenciário específico, e de conformidade com as normas expressas na Carta Federal.
Faz-se mister registrar que, embora a aposentadoria seja concedida aos servidores públicos civis, e a reforma seja o benefício da inativação para o servidor militar (artigo 42, § 1º, da CF), as duas têm o mesmo objeto (decorrem de expressa previsão legal e o conteúdo a ser produzido ou o efeito jurídico pretendido será alterar a situação funcional do servidor, passando-o da atividade para a inatividade) e a mesma natureza jurídica (aqui se inclui a pensão por morte), segundo a classificação quanto à formação ou composição de vontade produtora do ato administrativo, como será demonstrado no decorrer desta obra.
1.2 Dos Registros dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão
A finalidade constitucional do Tribunal de Contas da União (TCU), em relação aos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, refere-se à apreciação de suas legalidades, verificando se foram praticados em conformidade com as normas em vigor, se está correta a justificação que os originaram ou se houve algum vício que os anulem.
Como esses atos se estendem por toda a vida, causando despesa ao erário público, foram submetidos constitucionalmente ao controle externo, visto que apenas o controle interno exercido pela autoridade administrativa não seria suficiente para evitar possíveis irregularidades.
O TCU, no exercício do controle externo, tem a competência constitucional (artigo 71, inciso III) de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos administrativos de pessoal, como admissão, aposentadoria, reforma e pensão.
Se esses atos forem considerados legítimos, serão homologados; se considerados ilegais, denegados, mas sempre em conformidade com a lei e em respeito aos princípios constitucionais. Essa apreciação é uma atividade auxiliar de controle e fiscalização, possuindo natureza administrativa de caráter eminentemente técnico.
Nessa diretriz, leciona Alexandre de Moraes (2002, p. 391): “O Tribunal de Contas da União é órgão auxiliar e de orientação do Poder Legislativo, embora a ele não subordinado, praticando atos de natureza administrativa, concernentes, basicamente, à fiscalização”.
O professor Rafael Da Cás Maffini (2005, p. 146) destaca o papel do TCU no desempenho de suas atribuições constitucionais com referência à apreciação da legalidade dos atos administrativos de pessoal sujeitos a registro: “Tal ‘apreciação, para fins de registro’, cumpre salientar, consiste na verificação, sem caráter jurisdicional, da legalidade ou, num sentido mais amplo, da validade dos atos administrativos benéficos àqueles que são investidos em funções públicas, inativados ou pensionados pela Administração Pública”.
Nos Estados Federados, os Tribunais de Contas deverão obrigatoriamente seguir o mesmo caminho da Constituição Federal quanto às suas atribuições (Artigo 75. “As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”), e também a observância ao princípio constitucional da simetria.
Cumpre observar que, consoante Francisco Eduardo Falconi de Andrade (2003, p. 93), auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, “as Cortes de Contas apenas examinarão os benefícios concedidos a servidores estatutários ocupantes de cargos efetivos e aos militares. Não lhes cabe apreciar, para fins de registro, os benefícios previdenciários dos servidores celetistas, temporários ou exclusivamente ocupantes de cargos comissionados, os quais são vinculados ao regime geral, administrado pelo INSS”.
1.3 Da Formação dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão
A Administração Pública, quando solicitada, mediante requerimento, para a formalização da aposentadoria, reforma ou pensão, deverá proceder ao exame documental, em cumprimento aos requisitos previstos na legislação vigente, para posterior concessão do ato, que passará, a partir de sua publicação, a produzir todos os efeitos que lhe são imanentes, obviamente em favor dos seus destinatários. Pode-se afirmar que se trata de um ato vinculado, pois a lei não permitirá ao agente público liberdade na sua confecção, ou seja, satisfeitos os requisitos vinculados à norma de inatividade preexistente, deverá a autoridade administrativa expedir o referido ato.
No caso específico de aposentadoria voluntária de servidor público efetivo, uma vez publicado o ato de concessão, o segurado usufruirá de todos os efeitos de sua aposentadoria, independentemente do registro pela Corte de Contas, e estará na condição de inativo, passando a perceber proventos em vez de vencimentos, ocorrendo, neste momento, a vacância do cargo. Na concessão de aposentadoria por invalidez ou compulsória, deverá haver o cumprimento de determinadas condições previstas na Constituição ou, excepcionalmente, em lei complementar. No entanto, após a publicação, segue-se a sua execução, irradiando todos os seus efeitos jurídicos.
Após a manifestação inicial da Administração Pública, o processo, com toda a documentação que o respaldou, será encaminhado ao Tribunal de Contas para a apreciação da legalidade do ato concessivo do benefício previdenciário e posterior registro ou não. Essa análise, entretanto, costuma levar algum tempo. Durante esse período, o segurado perceberá normalmente os proventos. Se isso realmente ocorrer, de acordo com as normas estabelecidas, será porque o ato concessivo do benefício é pleno de eficácia, fluindo inteiramente os seus efeitos próprios.
Se dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão já se produzem todos os efeitos que lhes são inerentes, independentemente do registro pela Corte de Contas, não haverá motivo para classificá-los como complexos, cujas eficácias só acontecerão depois de aperfeiçoados, com as fusões de todas as vontades envolvidas para suas formações ou existências.
A doutrina, de modo uniforme, assegura que o ato administrativo complexo somente produzirá efeitos após o seu aperfeiçoamento, o que ocorrerá quando a vontade de um órgão fundir-se ou integrar-se à vontade de outro órgão para a formação de um único ato, sendo a sua perfeição requisito essencial, sob pena de sua inexistência ou não formação na ordem jurídica.
Portanto, se o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão fosse complexo, o seu aperfeiçoamento e consequente eficácia dar-se-iam com o registro pelo Tribunal de Contas, que se integraria à concessão do benefício praticado pela Administração Pública para a formação de um ato único.
Essa interpretação é contestada pela doutrina majoritária e por uma parcela expressiva da jurisprudência. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, desde composição antiga, proferia decisões por meio dos votos condutores dos ministros Victor Nunes, no Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 8.657/ES, e Celso de Mello, no Mandado de Segurança (MS) nº 20.882-1/DF, no sentido de que a aprovação de aposentadoria, de natureza homologatória pelo Tribunal de Contas, trata-se de matéria declaratória de legitimidade para fins de execução e não integra para a formação do ato de concessão, in verbis:
“A aprovação do Tribunal não integra o ato mesmo; em relação a ele é um plus, de natureza declaratória quanto à sua legitimidade em face da Lei. Não é a validade, mas a executoriedade, em caráter definitivo, do ato que fica a depender do julgamento de controle do Tribunal de Contas” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RMS nº 8.657/ES. Relator: ministro Victor Nunes. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 06/09/1961. DJ, 9 nov. 1961).[1]
“A aprovação da aposentadoria de servidor da União pelo Tribunal de Contas não compõe, não integra o ato que a tenha outorgado, senão que apenas a declara legítima para efeito executório. Conseqüentemente, a revogação ou anulamento desse ato tem sua eficácia condicionada à aprovação do Tribunal”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 20.882-1/DF, RTJ 59/186. Relator: ministro Celso de Mello. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 23/06/1994. DJ, 23 set. 1994).[2]
Assim sendo, a manifestação de vontade da Corte de Contas, com o registro, não será constitutiva do ato concessivo de aposentadoria, por não participar de sua formação ou existência, mas, tão somente, ato de controle de legalidade.
A doutrina do mestre Caio Tácito (1958, p. 216-223) não destoa:
“O registro de aposentadoria é uma forma de controle de legalidade, e não uma nova manifestação de vontade necessária à formação do ato: Não há, no sentido jurídico estrito, aprovação do ato da administração, mas, apenas, forma de controle da legalidade do ato acabado […]. A vontade do Tribunal não integra o ato concessivo, que se consuma na esfera administrativa. A sua análise, circunscrita ao plano da legalidade e visando o erário, se realiza sobre o ato praticado pela autoridade administrativa competente”.
O doutrinador Lafayette Pondé (1988, p. 41-47) já confirmava essa premissa:
“O ato de controle não participa do ato controlado. É sempre um ato em confronto com este. Não há entre eles unificação de vontades, nem de objetivos. […] um a aposentadoria, ato decisório, de efeito externo, que desinveste o funcionário do serviço ativo e altera sua posição jurídica, o outro a aprovação, de efeito interno, sobre o decreto da aposentadoria, não sobre a relação funcional”.
Se tais atos não se integram ou se unem para a formação de um mesmo ato, é porque são autônomos quanto as suas formações, efeitos e fins; por conseguinte, não são complexos. Na doutrina, colhem-se as lições do jurista Elival da Silva Ramos (1989, p. 175-177), segundo as quais “o ato complexo é integrado por atos que não possuem efeitos e objetivos autônomos, uma vez que se fundem completamente ao ato resultante”.
1.4 Formação e Efeitos Jurídicos do Ato Administrativo
Este subitem acarretará uma melhor compreensão da matéria objeto do capítulo 9 com relação à tipicidade dos efeitos jurídicos do ato administrativo concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão.
A formação do ato administrativo diz respeito aos elementos que o compõem (perfeição, validade e eficácia). Alguns autores, em especial Hely Lopes Meirelles, adotam, além do plano de eficácia, o plano de exequibilidade para sua formação. Neste caso, o ato eficaz será o que estiver apto a produzir os seus efeitos finais, e o ato exequível será o que estiver produzindo efetivamente os seus efeitos finais ou estiver disponível para sua exequibilidade ou execução.
Celso Antônio Bandeira de Mello e a maioria dos doutrinadores modernos não fazem essa diferenciação. Para estes, se o ato administrativo for eficaz, já estará produzindo os efeitos que lhe são típicos ou próprios ou estará disponível para sua produção. Essa diferenciação só acontecerá em relação aos atos eficazes e exequíveis. Por conseguinte, “os atos ineficazes serão logicamente também inexequíveis” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 123).
Elementos que compõem o ato administrativo:
1) perfeição – significa que o ato completou todas as etapas necessárias para sua existência, ou seja, concluiu o seu ciclo de formação. Aqui não denota que o ato não possua vícios, apenas que se encontra concluído. Para a doutrina, perfeição e eficácia verificam-se no mesmo instante, excetuando-se quando a eficácia do ato estiver subordinada à condição ou termo futuro ou quando a lei ou o próprio ato dispuser expressamente sobre o início da eficácia.
2) validade – diz respeito à conformidade do ato com o ordenamento jurídico. O ato só será válido quando reunir todos os requisitos exigidos pela lei. Os inválidos possuem dissonância quanto ao sistema normativo. Em regra, ato válido legitima a eficácia.
3) eficácia – idoneidade que tem o ato administrativo para produzir os seus efeitos específicos. É a aptidão que o ato possui para a produção dos seus efeitos (efeitos oriundos do seu conteúdo específico). Ato eficaz – quando estiver produzindo os efeitos que lhe são típicos ou inerentes, não dependendo de condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador (Celso Antônio Bandeira de Mello) ou estiver apto a produzir os seus efeitos finais (Hely Lopes Meirelles).
4) exequibilidade – disponibilidade que a Administração Pública tem para dar operatividade ao ato, ou a perspectiva dele ser colocado de logo em execução. Ato exequível – quando realmente produzir de imediato os seus efeitos finais ou estiver disponível para sua exequibilidade, não dependendo de condição suspensiva, termo inicial ou ato complementar.
A maioria dos autores nacionais tem empregado a perfeição, validade e eficácia como os três momentos presentes no processo de formação do ato administrativo.
Abordar-se-á as duas correntes doutrinárias referentes à divisão ternária dos planos lógicos do ato jurídico[3], sendo a primeira (perfeição, validade e eficácia) do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2009) e seus adeptos; e a segunda (validade, eficácia e exequibilidade) do professor Hely Lopes Meirelles e seus partidários, a exemplo de José dos Santos Carvalho Filho (2005).
É essencial para o Direito a relação entre a perfeição, validade, eficácia e exequibilidade do ato jurídico, cujas hipóteses poderão ser:
a) perfeito, válido e eficaz – quando o ato concluiu o seu ciclo de formação ou existência, encontra-se plenamente ajustado às exigências legais e está disponível para a deflagração dos efeitos que lhe são típicos;
b) perfeito, inválido e eficaz – quando o ato concluiu todas as etapas do seu ciclo de formação ou existência, encontra-se em desconformidade com as exigências normativas e está produzindo os efeitos que lhe são inerentes;
c) perfeito, válido e ineficaz – quando o ato concluiu o seu ciclo de formação ou existência, está adequado aos requisitos de legitimidade e ainda não se encontra disponível para a eclosão dos seus efeitos típicos, por depender de uma condição suspensiva ou termo inicial, ou autorização, aprovação ou homologação por um órgão controlador;
d) perfeito, inválido e ineficaz – quando o ato concluiu todo o ciclo de formação ou existência, encontra-se em desconformidade com a ordem jurídica e os seus efeitos ainda não podem fluir, por se encontrarem na dependência de algum acontecimento previsto como necessário para a produção dos seus efeitos (condição suspensiva ou termo inicial, ou autorização, aprovação ou homologação dependente de outro órgão);
e) válido, eficaz e exequível – aqui os atos não só foram editados conforme à lei, como também já têm aptidão e efetiva possibilidade de serem concretizados;
f) válido, eficaz e inexequível – quando, embora compatível com a lei e apto em tese a produzir efeitos, sujeita sua operatividade a termo ou condição futura;
g) inválido, eficaz e exequível – nessa hipótese, o ato foi editado em desconformidade com a lei, mas já é idôneo a produzir efeitos e pode efetivamente produzi-los; e
h) inválido, eficaz e inexequível – o ato, desconforme à lei, embora completamente formado, está sujeito a termo ou condição futura, não sendo, pois, operante ainda.
2 CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS QUANTO À FORMAÇÃO OU COMPOSIÇÃO DE VONTADE
A natureza jurídica do ato administrativo poderá ser classificada, quanto à formação ou composição de vontade, em ato simples, ato composto e ato complexo (divisão tricotômica). Alguns doutrinadores são adeptos da divisão dicotômica (ato simples e ato complexo ou ato simples e ato composto).
Adotar-se-á a divisão tricotomizada, porque o intuito deste trabalho é demonstrar que os atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão são atos administrativos compostos, e não atos administrativos complexos (como aludem o STF, parte do STJ e parcela minoritária da doutrina pátria), tampouco atos administrativos simples.
Empregar-se-á também os critérios volitivo, da fonte do ato e orgânico para a constituição do ato administrativo complexo[4], pois todos, independentemente do grau de importância de seus elementos, participam de sua formação ou existência.
2.1 Do Ato Administrativo Complexo
O ato administrativo complexo é aquele para cuja formação ou existência serão necessárias várias manifestações de vontade conjugadas ou integradas de órgãos ou sujeitos distintos da Administração Pública para a produção de um único ato.
No ato administrativo complexo são duas ou mais manifestações de vontade independentes entre si, com identidade de conteúdo e unidade de fins, que se integram para sua formação ou existência, não havendo prevalência de vontades. A sua essencialidade ocorrerá com o aperfeiçoamento da última vontade integrada e somente a partir deste momento, como um todo, passará a existir na ordem jurídica e estará disponível para a produção dos seus efeitos (MIRANDA, 1998).[5]
Certos atos administrativos complexos possuem várias operações no decorrer de suas constituições (leis ordinárias, v. g.). No entanto, as suas complexidades apenas ocorrerão com as vontades declaradas pelos entes públicos que participam de suas formações. O que é essencial ou realmente imprescindível, nesses atos, são as suas existências e perfeições, com a integração das manifestações de vontade, e consequentes eficácias.
No ato administrativo complexo, as vontades que o compõem têm relação de unidade, e a sua impugnação só acontecerá a partir do seu aperfeiçoamento, com a integração da última vontade declarada.
As vontades que participam da formação do ato administrativo complexo, segundo a doutrina autorizada[6], poderão admitir variações quanto:
(i) à preponderância das vontades – quando as manifestações de vontade não possuírem o mesmo valor jurídico ou a preponderância de uma das duas vontades não implicar que a outra seja instrumental ou acessória (elas se equivalem, pois concorrem diretamente para a formação ou existência do ato); podendo ser iguais (manifestação de vontade do presidente da República e do Senado Federal) e desiguais (manifestação de vontade do presidente da República e do ministro de Estado).
(ii) à unidade ou pluralidade de entidades administrativas – em razão da grande quantidade de atos administrativos e da necessidade de uma categoria própria para eles, a corrente doutrinária clássica dividiu os órgãos do Poder Público em Executivo, Legislativo e Judiciário. Esta definição veio facilitar a determinação da categoria própria dos atos administrativos complexos, quanto à unidade ou pluralidade de entidades administrativas, que poderão ser:
– interna: as vontades provêm de órgãos da mesma entidade pública: nomeação de reitores das universidades brasileiras, referendos ministeriais a atos do chefe do Executivo da União etc. (os órgãos partícipes são da mesma entidade pública ou do mesmo poder público, isto é, do Executivo).
– externa: as vontades provêm de órgãos de entidades públicas diversas: ministros do Supremo Tribunal Federal – Executivo e Legislativo (Senado Federal), ministros do Tribunal de Contas da União – Executivo e Legislativo (Senado Federal), ministros do Superior Tribunal de Justiça – Executivo, Legislativo (Senado Federal) e Judiciário (lista tríplice do STJ), procurador-geral da República – Executivo e Legislativo (Senado Federal) etc. (os órgãos partícipes são de entidades públicas diversas ou poderes públicos distintos).
O jurista Edmir Netto de Araújo (1992, p.155-156), estudioso da matéria, é integrante da corrente doutrinária que define “os valores jurídicos das vontades em iguais ou desiguais (a predominância de uma delas faz parecer que as demais são meros acessórios ou pressupostos da vontade dominante) e com complexidade interna ou externa (esta decorrente de vontades unitárias diferentes, embora paralelas, emanadas de diferentes pessoas jurídicas, conjugando-se para atingir fim comum, podendo esta hipótese revelar caráter negocial)”.
O referido jurista continua seus ensinamentos, exemplificando vários atos de complexidade interna e externa. Em relação aos atos de complexidade interna cita “os atos subordinados a pareceres de órgãos consultivos, nomeações precedidas de indicações de órgãos técnicos ou não, consórcios administrativos entre órgãos da mesma administração”. Dentre os atos de complexidade externa aponta “os convênios e os consórcios administrativos (bilaterais e multilaterais)” (ARAÚJO, 1992, p. 156-157).
No caso específico da nomeação do procurador-geral da República, embora sejam apenas dois os órgãos efetivamente participantes do ato para sua formação ou existência, são três os órgãos envolvidos, uma vez que o Ministério Público da União, por meio das associações de classe dos seus membros, elaborará uma lista tríplice de candidatos mais votados, que será encaminhada ao chefe do Executivo para a escolha de um dos três nomes. Entretanto, esse processo de escolha adotado não tem previsão legal, embora, ultimamente, os nomes selecionados para o referido cargo sejam provenientes dessa lista.
Conforme previsão legal expressa, o escolhido, indicado e finalmente nomeado para procurador-geral da República pelo chefe do Executivo, depois da aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, poderá ser qualquer um dentre os integrantes maiores de trinta e cinco anos do Ministério Público da União. Assim, a manifestação de vontade declarada do Ministério Público da União não participará da formação do ato administrativo complexo, por omissão da lei. Ainda que participasse, seria mais uma entidade pública distinta que se integraria para a constituição desse ato.
Convém anotar que, em todos os exemplos citados de atos administrativos complexos, tanto os de complexidade interna quanto os de complexidade externa, nenhum, dentre eles, produziu efeitos antes do seu aperfeiçoamento, com a integração das vontades convergentes que participam de sua formação ou existência.
Cumpre também salientar que uma parcela da doutrina nacional, tendo como expoente Maria Sylvia Zanella Di Pietro, defende, declaradamente, que todos os cargos dispostos na Constituição Federal, para os quais será necessária a prévia aprovação pelo Senado Federal para posterior nomeação pelo chefe do Executivo, serão enquadrados na classe de ato administrativo composto, sendo o primeiro ato pressuposto do ato principal, ou seja, a aprovação pelo Senado Federal será o ato acessório ou secundário, e a nomeação pelo chefe do Executivo, o ato principal: nomeação do procurador-geral da República, dos ministros do STF, do presidente do Banco Central etc.
Importante evidenciar algumas considerações de renomados juristas concernentes ao ato administrativo complexo. Marcelo Caetano (1997, p. 463), doutrinador lusitano, assevera que o ato administrativo será complexo quando “a aprovação de vários órgãos é necessária para a produção de um acto, incidindo a manifestação de vontade de cada um sobre o conteúdo do futuro acto”. Sandra Julien Miranda (1998, p.60) assinala que “o ato administrativo complexo é o que se aperfeiçoa pela fusão ou integração de vontades de órgãos diversos, de que decorre manifestação de um só conteúdo e finalidade”.
O alemão Otto Gierke (apud MIRANDA, 1998, p. 44-45), pai da teoria do ato administrativo complexo, expõe este ato como “a forma pela qual se manifesta a vontade definitiva do Estado, resultante do concurso de mais de um órgão, nenhum dos quais tem competência para manifestar isoladamente essa vontade”. Lafayette Pondé (1998, p. 43) compactua, outrossim, com esse posicionamento ao definir o ato administrativo complexo como “ato único, indiviso: resultante de vontades distintas e homogêneas (nenhuma das quais idôneas a constituir um ato administrativo à parte); seus atos específicos não produzem nenhum efeito isolado, senão quando simultaneamente integrados”.
O célebre jurista Caio Tácito (1997, p. 1098 apud FERREIRA CUSTÓDIO, 2008) leciona que “é da essência do ato complexo que a sua perfeição e a consequente eficácia dependem da fusão de vontades que a lei de competência subordina à formação do ato, que inexiste enquanto não se realiza a integração”. Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 211), manifestando-se sobre o ato administrativo complexo, afirma que “as suas vontades são homogêneas; resultam de vários órgãos de uma mesma entidade ou de entidades distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins”.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1996, p. 164) conjuga esse mesmo pensamento, salientando que “o ato complexo existe sempre que duas ou mais vontades homogêneas tendentes a um mesmo fim se fundem numa só vontade declarada, idônea a produzir efeitos jurídicos que não poderiam de modo algum produzir-se, se faltasse tal concurso de vontades”. Bem assim, perfazendo os entendimentos anteriores, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 485) completa: “no ato complexo há manifestações provindas de órgãos distintos que se fundem em uma só expressão, em um só ato, porquanto as ‘vontades’ não cumprem funções distintas, tipificadas por objetivos particulares de cada qual; ou seja, nenhuma delas possui, de per si, identidade funcional autônoma na composição do ato”.
Por fim, a doutrina tanto no Direito Administrativo brasileiro quanto no Direito Administrativo comparado é unânime no sentido de que o ato administrativo complexo só produzirá os seus efeitos depois de aperfeiçoado, com a integração da última vontade de todas que se integrarão para sua formação ou existência, e que estas vontades tenham, necessariamente, a mesma identidade de conteúdo e unidade de fins.
2.2 Algumas Contestações dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma, Pensão como Complexos
A doutrina moderna e grande parte dos tribunais que integram o Judiciário nacional, inclusive parcela do STJ, têm discordado da classificação dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão como complexos. São inúmeros os artigos, ensaios e textos científicos a esse respeito de juristas e doutrinadores renomados. Apontar-se-á essa divergência em algumas manifestações doutrinárias e jurisprudenciais.
Wallace Paiva Martins Jr (2014), procurador de Justiça do Estado de São Paulo, mestre e doutor em Direito Administrativo, assegura que existe um critério que permitirá identificar o ato administrativo complexo e apartá-lo da categoria de ato administrativo composto: “quando na integração a outra manifestação de vontade convergente (prévia, concomitante ou sucessiva) seja requisito essencial de perfeição do ato”.
Na sua concepção, referindo-se ao ato concessivo de aposentadoria, considerado ato administrativo composto[7] pelo ministro relator, Luiz Vicente Cernichiaro, do STJ, quando do julgamento unânime do RMS nº 693/PR, Segunda Turma, DJU de 25 de fevereiro de 1991, “a decisão está correta na medida em que a manifestação de vontade do Tribunal de Contas não integra nem aperfeiçoa como elemento essencial o ato, cuja natureza revela ser composto e não complexo” (MARTINS, 2014, p. 22-23).
A então procuradora-geral do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), Fátima Maria Amaral Tavares Paes, discorreu assim sobre o assunto:
“Embora reconheça a lógica e a importância da tese (sic: do ato complexo), entendo que há alguns obstáculos à sua plena aceitação. Com efeito, o artigo 71 da Constituição Federal firma a competência do Tribunal de Contas no sentido de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal…, bem como a das concessões de aposentadorias. Logo, a redação da norma sugere que a aposentadoria já tenha sido concedida antes de encaminhada ao Tribunal para registro, até porque os efeitos típicos do ato já se verificam desde a manifestação inicial da Administração a qual estaria o servidor vinculado, devendo, porém, sofrer um controle posterior que poderá, inclusive, importar na sua desconstituição. Creio, pois, que a manifestação de vontade inicial da Administração é suficiente para consumar o ato de aposentadoria do servidor público, que, porém, fica sujeito a ato complementar de controle, de natureza homologatória. Tal controle pode concluir pela legalidade da concessão do benefício, pela sua invalidade, ou pela necessidade de sua reforma, sendo sempre posterior ao ato da Administração, não contribuindo, a rigor, para a formação deste.
É de se considerar, ainda, que a manifestação do Tribunal de Contas tem objetivos nitidamente distintos daquela exarada pelo órgão administrativo; esta última materializa uma ação administrativa, de organização de pessoal, que visa a transformar o servidor ativo em inativo; aquela verifica a regularidade dessa ação administrativa. Logo, o ato inicial afigura-se perfeito, desde logo apto a produzir efeitos, pendendo, apenas, de um controle de legalidade posterior”. (CAETANO, 2014).
José Luiz Levy consigna que a aposentadoria não é ato administrativo complexo, visto que se encontra perfeita e acabada desde a manifestação inicial da Administração Pública, o Tribunal de Contas não participa de sua formação ou existência e as vontades dos órgãos envolvidos não possuem a mesma identidade de conteúdo e unidade de fins:
“[…] Não resiste a uma análise mais profunda a posição quase consolidada do Supremo Tribunal Federal – e também do STJ – de que o registro de aposentadoria integra o ato concessório, aperfeiçoando-o como um único ato complexo.
Como leciona a doutrina, o ato complexo é um ato único, indiviso, embora resultante de um concurso de vontades de diferentes órgãos administrativos, e se aperfeiçoa com a manifestação do último órgão de uma mesma entidade ou de entidades públicas distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 211).
Porém, conforme se deduz até mesmo da simples leitura no art. 71, inciso III, da CF, não é isso que ocorre, quando da aposentadoria submetida a registro pela Corte de Contas. Na atuação dos órgãos envolvidos vislumbram-se vontades que não se revestem do mesmo conteúdo, e tampouco visam aos mesmos fins. Um é o ato de aposentadoria, que já se pressupõe concedida de maneira perfeita e acabada pela Administração, e o outro é o ato de controle externo, realizado ‘a posteriori’ e visando a fins completamente diferenciados.
[…] Se o ato de aposentadoria não é complexo, é preciso concluir-se, dentre outros tópicos, que o início do prazo de decadência para a sua análise pela Corte de Contas – e não para o exercício de despesa – é a data da publicação de sua concessão.
[…] A apreciação da aposentadoria, pelo Tribunal de Contas, consiste em uma simples verificação de legalidade, limita-se a eliminar ou resolver a incerteza do Direito ou de uma relação jurídica, com consequente aprovação e registro respectivo, ou, ao invés, a rejeição do ato e denegação do registro. Tem efeito meramente declaratório, e não constitutivo, condenatório ou mandamental, como leciona Rodolfo Camargo Mancuso (Sobre a Execução das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas, especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 743, dez/mar. 1997, p. 74)”. (LEVY, 2010).
O administrativista Marçal Justen Filho, refletindo posicionamento anterior, tece, em consonância com a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, considerações, também, com o objetivo de reconhecer que a concessão de aposentadoria não é um ato administrativo complexo:
“Nesse ponto, altera-se o entendimento anteriormente adotado e se reconhece a procedência do raciocínio de Carvalho Filho, no sentido de que a aposentadoria não é um ato complexo. Nas edições anteriores seguia-se o posicionamento tradicional no sentido de que a aposentadoria se aperfeiçoava mediante a edição de decreto da autoridade mais elevada do Poder conjugada com a aprovação pelo Tribunal de Contas. No entanto e como procedentemente aponta Carvalho Filho, a aposentadoria se aperfeiçoa com a mera emissão do decreto. O ato de aprovação do Tribunal de Contas envolve apenas controle a posteriori sobre a regularidade do ato” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 933).
No âmbito do STF, o ministro Cezar Peluso, no julgamento do MS nº 26.353/DF, de relatoria do ministro Marco Aurélio, manifestou dúvida acerca da classificação do registro de aposentadoria como ato administrativo complexo, in verbis:
“A segunda observação, Senhor Presidente, é que, embora eu tenha votado a favor da súmula, estou repensando seriamente a própria exceção que a súmula contempla porque, não obstante o que esta Corte tem professado há muito tempo, me parece duvidosa a afirmação de que os registros de aposentadoria correspondam à categoria dos atos administrativos ditos complexos. Os atos administrativos ditos complexos são aqueles que só se aperfeiçoam com o último ato de todos aqueles que deva integrar. Não é o caso do regime de aposentadoria” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 26.353/DF. Relator: ministro Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 06/09/2007. DJe, 7 mar. 2008).
Ainda em relação ao STF, o ministro Ayres Brito, quando da relatoria do MS nº 25.116/DF, fez algumas ponderações no debate travado no plenário pelos ministros dessa Corte, asseverando que a aposentadoria não é ato administrativo complexo[8]:
“[…] É que essa natureza complexa tem sido posta em causa, aqui, e superada, porque, com a aposentadoria do servidor, constante de decreto ou portaria, dá-se instantaneamente a vaga no cargo. O servidor aposentado se desgruda dos quadros estatais e deixa a vaga que será preenchida por concurso público. Não é mais ato complexo. […] Não, a intervenção do Tribunal de Contas é para um único efeito: reconhecer ao servidor aposentado o direito de crédito contra a Fazenda Pública vitaliciamente, apenas isso. Então, o ato não é complexo não. Nós já temos superado essa discussão aqui quanto à natureza do ato” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 25.116/DF. Relator: ministro Ayres Brito. Tribunal Pleno. Julgado por maioria em 08/09/2010. Dje, 10 fev. 2011).
Do Ministério Público Federal, registram-se trechos do Parecer nº 8569, no RE 636.553/RS, do então subprocurador-geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros:
“[…] O TCU, segundo a dicção do inciso III do art. 71 da CF/88, apenas julga a legalidade do ato de concessão inicial para fins de registro. Exerce, pois, o controle externo de legalidade dos atos da administração pública, de modo que, considerando ilegal o ato de concessão inicial de aposentadoria, o TCU não poderá retificá-lo ou alterá-lo, mas, tão somente, negar-lhe o registro. O registro pelo TCU do ato de concessão inicial não consubstancia vontade autônoma e parcial integrante do ato de concessão de aposentadoria, caracterizando, tão somente, ato de controle a posteriori. Assim, do fato do ato de concessão inicial estar sujeito a registro pelo TCU não decorre a premissa de ser a aposentadoria um ato administrativo complexo, senão, quando muito, a de lhe reconhecer a natureza jurídica de ato administrativo composto.
[…] Sendo a aposentadoria plenamente operante desde a concessão inicial pelo órgão da Administração Pública — muito embora sujeita à condição resolutiva consistente no registro pelo TCU — o prazo decadencial do art. 54 da Lei 9.784/99 tem como termo a quo a publicação do decreto de aposentadoria e não a data da publicação do registro na imprensa oficial”.
Na esfera do STJ, tem-se uma explicação meticulosa do relator do REsp nº 1.047.524/SC, ministro Jorge Mussi, na qual afirma, enfaticamente, que a inativação de servidor público não é ato administrativo complexo, litteris:
“[…] A classificação proposta por Hely Lopes Meirelles, seguida por toda a doutrina, divide os atos administrativos em simples, compostos e complexos. Eis a definição que interessa para o exame do presente caso: Ato complexo é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. O essencial, nesta categoria de atos, é o concurso de vontades de órgãos diferentes para a formação de um ato único. Não se confunda ato complexo com procedimento administrativo. No ato complexo integram-se as vontades de vários órgãos para a obtenção de um mesmo ato; no procedimento administrativo praticam-se diversos atos intermediários e autônomos para a obtenção de um ato final e principal. Exemplos: a investidura de um funcionário é um ato complexo consubstanciado na nomeação feita pelo Chefe do Executivo e complementado pela posse e exercício dados pelo chefe da repartição em que vai servir o nomeado; […] Essa distinção é fundamental para saber-se em que momento o ato se torna perfeito e impugnável: o ato complexo só se aperfeiçoa com a integração da vontade final da Administração, e a partir desse momento é que se torna atacável por via administrativa ou judicial (in Direito Administrativo Brasileiro, 34ªed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 174).
[…] Verifica-se do texto transcrito que o elemento primordial para o conceito é a necessidade de várias vontades conjugadas para a formação ou existência do ato administrativo.
No entanto, a inativação de servidor público, ato que se sujeita ao registro nos Tribunais de Contas, não se enquadra nesse conceito. Independentemente da manifestação da Corte de Controle, a concessão da aposentadoria pela Administração produz efeitos desde sua expedição e publicação.
O beneficiário, com a concessão da aposentadoria pela Administração, afasta-se da atividade e passa a perceber proventos, tornando vago o cargo, nos termos do que dispõe o art. 33, VII, da Lei nº 8.112/90. Esses efeitos são típicos do ato de afastamento, que se consolidam com a expressão da vontade de um único órgão, aquele que concede a aposentadoria.
A produção de efeitos da concessão de aposentadoria realizada pela Administração permite concluir que não existe a conjugação de vontades para a formação de um ato único, mas sim duas decisões independentes e autônomas, quais sejam, o ato propriamente dito e seu registro, com o conseqüente controle de legalidade pelo Tribunal de Contas competente.
Não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para conceder a aposentadoria. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade.
A doutrina tem demonstrado o desejo de refletir sobre o tema, como demonstram os artigos publicados pelos professores Rafael Da Cás Maffini (Atos Administrativos Sujeitos a Registro pelos Tribunais de Contas e a decadência da Prerrogativa Anulatória da Administração Pública) e Luísa Cristina Pinto e Netto (Ato de Aposentadoria – Natureza jurídica, registro pelo Tribunal de Contas e decadência), ambos publicados na Revista Brasileira de Direito Público – RDPB.
O professor Caio Tácito, no artigo publicado na RDA nº 53, p. 216-222, com o título Revisão Administrativa de Atos Julgados pelos Tribunais de Contas, ressalta que o registro de aposentadoria é uma forma de controle de legalidade e não uma nova manifestação de vontade, necessária à formação do ato: ‘Não há, no sentido jurídico estrito, aprovação do ato da administração, mas, apenas, forma de controle da legalidade do ato acabado, cuja executoriedade fica suspensa até que se opere o julgamento do ente fiscalizador. […] A vontade do Tribunal não integra o ato concessivo, que se consuma na esfera administrativa. A sua análise, circunscrita ao plano da legalidade e visando o erário, se realiza sobre o ato praticado pela autoridade administrativa competente’.
[…] Assim, em que pese toda a construção feita na doutrina e na jurisprudência sobre o assunto, não se coaduna com a definição de ato complexo a concessão da aposentadoria pela Administração e sujeito a verificação de legalidade, para fins de registro, pelo Tribunal de Contas.
[…] A falta de imposição de um prazo razoável ao Tribunal de Contas acaba por gerar situações em que o decurso do tempo torna impossível a correção do vício, defeito esse que teve origem na Administração, e não no servidor.
[…] Em segundo lugar, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 vem consolidar o princípio da segurança jurídica dentro do processo administrativo, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje estabilidade e previsibilidade dos atos administrativos. Por isso, não permite a perpetuação da prerrogativa anulatória da Administração, impondo a preservação de atos mesmo que inválidos, se ultrapassado, da sua prática ou fruição de seus efeitos patrimoniais, o prazo decadencial de cinco anos […].
[…] Nesse contexto, impossível se falar que o termo inicial para a incidência do art. 54 da Lei nº 9.784/99 é a conclusão do ato de aposentadoria, após a manifestação dos Tribunais de Contas, pois o período que permeia a primeira concessão pela Administração e a conclusão do controle de legalidade deve observar os princípios constitucionais da Eficiência e da Proteção da Confiança Legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo.
Em face dos fundamentos utilizados, propõe-se uma releitura do tema. Seja por não ser possível a classificação do ato de aposentadoria como complexo, ou pela abrangência do art. 54 da Lei nº 9.784/99 a toda a Administração Federal, ou pelos dois motivos, deve ser imposto aos Tribunais de Contas prazo para o exame da legalidade da concessão da inativação” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.047.524/SC – 2008/0078202-4. Relator: ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. Julgado por unanimidade em 16/06/2009. DJe, 3 ago. 2009).
Diante de todas essas considerações supra, conclui-se que o ato de concessão de aposentadoria sujeito a registro pelo Tribunal de Contas não é ato administrativo complexo, mas ato administrativo composto, pois, na verdade, são:
“duas manifestações de vontade de órgãos diferentes para a formação de 2 (dois) atos, um principal (a prática do ato concessivo pela Administração Pública) e outro secundário, meramente complementar (o registro de tal ato pelo Tribunal de Contas), sendo esses 2 (dois) atos administrativos autônomos, seja quanto a formação, seja quanto aos efeitos, seja, por fim, quanto aos princípios que orientam suas respectivas perfectibilizações” (MAFFINI, 2005, p. 152-153).
Embora sejam duas manifestações de vontade, apenas uma, a principal, terá conteúdo próprio e será responsável pela formação ou existência do ato de concessão de aposentadoria; a outra, acessória ou complementar de controle, não terá nenhuma participação, limitando-se a sua ratificação ou não.
Nessa ordem de pensamento, o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 126) também ressalta: “nos atos complexos há certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações […], já os atos compostos não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há uma única vontade de conteúdo próprio, porém, o ato principal depende de confirmação, ou seja, da verificação de legitimidade do conteúdo do ato próprio”.
2.3 Do Ato Administrativo Composto
O ato administrativo composto nasce da vontade de um órgão que pratica o ato principal. É uma vontade única condicionada à ratificação ou aprovação, cuja eficácia prevalecerá precariamente, por depender de um ato acessório de verificação para que esteja apta a produzir os seus efeitos finais (condição de eficácia para alguns doutrinadores ou condição de exequibilidade para outros). No entanto, o ato acessório em nada alterará o conteúdo do ato principal, que carrega em si a vontade própria da Administração.
O ato administrativo composto, por possuir uma única vontade de conteúdo próprio, que se identifica pelo conteúdo do ato principal, origina-se juridicamente com a realização deste ato, porquanto a sua eficácia, consectário de sua existência, iniciar-se-á a partir da prática do ato principal. A eficácia do ato principal, em caráter definitivo, irá depender da aprovação ou ratificação de outra autoridade.
No ato administrativo composto, os atos que o compõem têm relação de dependência e são impugnáveis isoladamente.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 211) ministra as diferenças básicas entre os atos administrativos composto e complexo:
“Ato composto é o que resulta da manifestação de dois ou mais órgãos, em que a vontade de um é instrumental em relação à do outro, que edita o ato principal. Enquanto no ato complexo fundem-se vontades para praticar um ato só, no ato composto praticam-se dois atos, um principal e outro acessório; este último pode ser o pressuposto ou complementar daquele”.
O ato acessório, seja ele pressuposto ou complementar do ato principal, apenas aprova ou ratifica; portanto, esse ato tem, tão somente, como conteúdo a aprovação ou ratificação do ato principal. Se a aprovação ou ratificação for prévia, sua função será autorizar o ato principal; se for posterior, sua função será confirmar a eficácia ou execução definitiva do ato principal.
2.4 Algumas Considerações dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão como Compostos
Na visão aqui adotada, o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão é um exemplo autêntico de ato administrativo composto, no qual o ato acessório ou complementar de controle apenas ratifica ou aprova o ato de concessão inicial, tornando-o exequível.
Na concessão desses benefícios, o primeiro ato praticado pela Administração Pública será o principal, sendo o segundo, a homologação do registro pelo Tribunal de Contas, realizado a posteriori, mera manifestação instrumental de regularidade do ato principal, não se constituindo em elemento essencial para a perfeição deste.
A aprovação de aposentadoria pela Corte de Contas, segundo o competente doutrinador Hely Lopes Meirelles (1964, p. 179-180 apud STEIN, 1975, p. 28), seria ato administrativo composto porque “resultante de vontade única de um órgão, mas dependente da verificação por parte de outro, para sua exequibilidade. Distinguir-se-ia do ato complexo, porque este só se forma com a conjugação de vontades de órgãos diversos, ao passo que o ato composto resulta de uma só vontade, apenas ratificada por outra autoridade”.
O procurador de Justiça aposentado do Estado de São Paulo Joachim Wolfgang Stein (1975), discorrendo sobre os atos praticados pela Administração Pública e pelo órgão de controle, invoca as doutrinas de Carlos Smith de Barros Jr. e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, respectivamente, para consolidar o seu pensamento:
“A manifestação de controle não integra o ato administrativo. O ato sujeito a crivo é diferente do ato de controle. Permanecem autônomos, pelo conteúdo e fins diversos que objetivam. Um é ato de ‘vontade’, o outro, ato de controle, é ato de ‘inteligência’, um processo racional, não volitivo. O ato é perfeito, mas pendente, em termos de operatividade ou exequibilidade” (BARROS JR., 1972, p. 50 apud STEIN, 1975, p. 29).
“Há, aqui, um ato composto, em que a manifestação de vontade expressa por um determinado ato administrativo acha-se unida por vínculo funcional a outro, numa relação de caráter meramente instrumental, e não unitário, porque ausente a homogeneidade das respectivas vontades. Funcionam como pressupostos do ato principal (como a solicitação do interessado ou a proposta de um órgão para outro praticar o ato principal) ou como complementares a ele (como aprovação ou homologação). Esses atos instrumentais funcionam como elemento propulsor ou como elemento de eficácia” (BANDEIRA DE MELLO, 1969, p. 475 apud STEIN, 1975, p. 29).
É inconteste que, na concessão de aposentadoria, a manifestação de vontade inicial da Administração Pública terá finalidade distinta da manifestação de vontade do Tribunal de Contas; esta última praticará o controle externo, cuja finalidade será somente a verificação, para efeito de registro, da legalidade ou validade do ato de concessão de aposentadoria; aquela praticará uma ação administrativa, cujo objetivo será a inatividade do servidor, ou seja, não há unidade de fins ou de objetivos nas duas manifestações de vontades.
Demais disso, as duas manifestações de vontade não se revestem do mesmo conteúdo, o qual no órgão administrativo é o ato concessivo de inativação, e no órgão de controle, apenas a ratificação ou aprovação do referido ato.
Portanto, não haverá uniformidade (homogeneidade) de vontades para a formação de um ato único, porque essas vontades não se integram, por possuírem conteúdos e fins autônomos. Desta forma, por não possuir identidade de conteúdo e unidade de fins nas diversas vontades, não haverá como se considerar a concessão de aposentadoria ato administrativo complexo.
Caio Tácito (1958, p. 216-223) compartilha essa concepção, quando expressa:
“desde que se limite o conceito de aprovação aos atos típicos de controle, especialmente de entes personalizados, não há identidade de fins e de conteúdo entre as duas manifestações de vontade, que, embora concorrentes, atendem a interesses distintos. O pronunciamento inicial constitui, assim de per si, um ato perfeito, de eficácia condicionada à aprovação. Nesta, a autoridade administrativa exprime um juízo sobre a legitimidade e a oportunidade de um ato jurídico já praticado por outra autoridade. Quando o controle sucessivo à formação do ato limita-se ao exame de legalidade não há aprovação, mas apenas visto, com o qual menos ainda se conforma a concepção unitária do ato complexo”.
Nessa linha de raciocínio, o tratadista italiano Guido Zanobini (1958, p. 292-295) assinala que o ato administrativo complexo “resulta do concurso de vontades de vários órgãos ou vários sujeitos da Administração Pública, sendo requisitos indispensáveis do ato administrativo complexo a identidade de conteúdo e a unidade de fins das diversas vontades, que se fundem para a formação do ato”. (grifo nosso).
Sandra Julien Miranda (1998, p. 60-61) também destaca que, no ato administrativo complexo, “o requisito unidade de conteúdo e fim das diversas vontades é essencial para distingui-lo de outras formas de concurso de vontades, como os atos coletivos, o contrato entre entes públicos […], os atos compostos e tantos outros que com eles não se identificam ou que com eles apresentem pontos de contato”. (grifo nosso).
Desse modo, na concessão de aposentadoria, a manifestação inicial da Administração Pública constituirá um ato perfeito, de eficácia condicionada à ratificação ou aprovação pela Corte de Contas, sendo o pronunciamento desta Corte ato complementar de controle de legalidade, de natureza homologatória ou suspensiva, tendo como função apenas tornar a eficácia ou execução precária do ato inicial ou principal em permanente. Por conseguinte, a manifestação de vontade do Tribunal de Contas configurará somente condição de eficácia ou de execução definitiva.
O jurista Francisco Campos (1956, p. 140), enfocando esse assunto pelo mesmo aspecto, profere: “o registro pressupõe acabado, integrado e perfeito o ato administrativo, já dotado de uma executoriedade provisória, correspondendo a uma função de controle, que não colabora na formação do ato, sendo apenas condição de executoriedade definitiva”.
Tal consideração, a de que o ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão sujeito a registro pelo Tribunal de Contas é ato administrativo composto, e não ato administrativo complexo, prontamente se prestaria ou bastaria para contradizer esse equívoco de premissa, de uma parte da jurisprudência, que, baseada na categoria do ato, usa o argumento do ato de concessão do benefício como complexo para fundamentar suas decisões pela inocorrência da regra decadencial antes do ato de registro pela Corte de Contas.
E esse equívoco ficará mais evidente, quando do julgamento contraditório de atos de categorias semelhantes pelo STF. Como considerado no início desta obra, a competência da Corte de Contas para a apreciação da legalidade de atos sujeitos a registro, como admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão, tem assento na Lei Maior.
Assim, tanto o ato de admissão de pessoal como os atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão dependerão da manifestação da Corte de Contas, que apreciará as suas legitimidades de acordo com os pressupostos constitucionais e legais, exercendo o controle externo dos atos praticados pela Administração Pública.
É remota a compreensão do STF, com referência à categoria desses atos sujeitos a controle pelo Tribunal de Contas, no sentido de que possuem a natureza jurídica de ato administrativo complexo (STF – RMS nº 8.610/ES. Relator: ministro Cândido Motta. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 22 de janeiro de 1962. “Revista Trimestral de Jurisprudência”, v. 22/01, p. 91).
A consequência desse entendimento é que o prazo de cinco anos, do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, não se aplicará aos atos administrativos de pessoal, como admissão, aposentadoria, reforma e pensão, até que o Tribunal de Contas venha a se manifestar. Entretanto, o STF, em diversas decisões[9], sentenciou que na ascensão funcional (forma derivada de admissão no serviço público, admitida antes da CF/88), o alcance da lei decadencial ocorrerá, tomando-se como base a publicação do ato pelo órgão administrativo, configurando, em face disto, outra categoria de ato, ou seja, ato administrativo simples, diferentemente do posicionamento adotado em relação aos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão.
Nesses casos, a aludida Corte continua julgando pelo alcance da regra decadencial a partir da manifestação do Tribunal de Contas, havendo, claramente, um descompasso em decisões que envolvem atos que são submetidos ao mesmo controle e fiscalização; portanto, adotando juízos diversos diante de situações iguais, em total inobservância ao princípio constitucional da igualdade ou da isonomia (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 25.525/DF. Relator: ministro Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 17/02/2010. DJe, 19 mar. 2010).
Marçal Justen Filho (2011, p. 933) já alertava para esse desconexo:
“Ora, é incontroverso que a admissão não é ato complexo e se aperfeiçoa mediante a atuação isolada da autoridade e que o registro pelo Tribunal de Contas tem natureza de controle. Idêntica orientação tem de ser admitida, então, em relação à aposentadoria. Não existiria fundamento lógico-jurídico para que as duas categorias de atos, objeto de idêntica disciplina num único dispositivo constitucional, tivessem regime jurídico diverso”.
Esse argumento do STF (de que o ato concessivo de aposentadoria ou pensão, por ser complexo, somente se iniciaria o prazo decadencial de cinco anos a partir da manifestação do Tribunal de Contas) também vai de encontro ao § 1º do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, no qual se ignora por completo a natureza jurídica do ato administrativo para, partindo de seus efeitos patrimoniais contínuos, privilegiar o beneficiário da relação, estabelecendo que o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
Nesse viés, dispõe o professor Almiro do Couto e Silva (2007, p. 81):
“Estatui o § 1º do art. 54 que, ‘no caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á do primeiro pagamento’. Vencimentos e demais vantagens remuneratórias de servidor público, proventos de aposentadoria, pensões, são prestações que se repetem no tempo, assim como sucede também, por vezes, com as subvenções. O primeiro pagamento, nessas hipóteses, marca o início do prazo decadencial”. (grifo nosso).
A Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1.238.355/SC, de relatoria do ministro Mauro Campbell, pronunciou-se nesse sentido, in verbis:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PRAZO DECADENCIAL. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. EFEITOS FAVORÁVEIS. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99. PRAZO DECADENCIAL. APOSENTADORIA. OBSERVÂNCIA PELO TCU. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.
1. A Corte de origem julgou a lide em consonância com a jurisprudência do STJ, com base no disposto do artigo 54, § 1º, da Lei nº 9.784/99, segundo a qual o direito da administração anular os seus próprios atos, quando deles decorram efeitos favoráveis aos respectivos destinatários, decai em cinco anos, contados do pagamento decorrente do ato, salvo hipótese de má-fé.
2. O mesmo artigo 54 da Lei 9.784/99, fundamentado na importância da segurança jurídica no âmbito do Direito Público, aplica-se aos processos em curso perante a Corte de Contas que tenham por objeto o exame da legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões.
3. Recurso especial não provido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.238.355/SC – 2011/0036185-6. Relator: ministro Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 04/08/2011. Dje, 15 ago. 2011).
2.5 O Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal e os Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão
O Tribunal de Contas tem a competência de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão (artigo 71, inciso III, da CF). Assim, deduz-se do texto constitucional que esses atos já existem ou foram concebidos antes da manifestação dessa Corte, até porque não se valida ou invalida o que não existe.[10]
Consequentemente, se já existem, não haverá que se falar da participação do Tribunal de Contas nas suas formações ou existências. A apreciação de tal Corte, verificando a legalidade ou validade dos atos sujeitos a seu controle, tem natureza jurídica meramente declaratória, e não constitutiva desses atos.
A Corte de Contas, no âmbito de suas atribuições constitucionais, apenas aprovará ou não o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, não o integrando para sua formação ou existência. Ao aprovar, homologando o registro, será mantido o ato de concessão do benefício, declarando-lhe, em definitivo, a sua legitimidade e executoriedade ou, num sentido mais amplo, a sua validade.
Após a homologação, validando o ato de concessão, a autoridade administrativa só poderá revogar ou anular esse ato com o consentimento da Corte de Contas ou por decisão judicial, por força da Súmula nº 6 do STF: “A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria, ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de aprovada por aquele tribunal, ressalvada a competência revisora do Judiciário” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 6. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/ portal/cms/verTexto. asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_001_100>. Acesso em: 24 jun. 2014).
Cumpre destacar que, da jurisprudência precursora dessa súmula, a decisão mais relevante, a relacionada ao RMS nº 8.657/ES, não considerava o registro pelo Tribunal de Contas como condição de perfeição do ato de concessão de aposentadoria, muito menos parcela integrativa para sua formação ou existência, concepções estas que não se conformam com a classe de ato administrativo complexo. Contudo, a Corte de Contas, com base na Súmula nº 6 do STF, tem erroneamente caracterizado tanto o ato de concessão de aposentadoria quanto os de reforma, pensão e admissão como complexos, sendo os três últimos por analogia.
Por outro lado, se a Corte de Contas denegar o registro, em virtude de vícios de legalidade, o ato de concessão inativado ou pensionado será inválido, nulo de pleno direito; todavia, essa anulação terá de ser feita no prazo de cinco anos a começar da data da prática desse ato pela Administração Pública, uma vez que “o ato administrativo composto, por ser autônomo, o vício de uma das partes atingirá somente a ela”.[11]
No entanto, antes de a Corte de Controle denegar, participará ao órgão administrativo a irregularidade observada, recomendando a sua retificação ou a modificação do título, caso seja preciso, por não possuir competência para modificar esse ato (o Tribunal de Contas não tem competência para registrar o benefício nos termos diversos de sua concessão pela Administração Pública), conforme decisão da Suprema Corte (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 21.466/DF. Relator: ministro Celso de Mello. Tribunal Pleno. Julgado por maioria. DJ, 6 maio 1994).Se a autoridade administrativa, porventura, não tomar as devidas providências solicitadas para sanar o vício, o Tribunal de Contas denegará o registro, determinando ao órgão concedente a anulação do benefício irregular. A sua decisão tem caráter impositivo e vinculante.
A denegação do registro pela Corte de Contas ocasionará a resolução do ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, com a interrupção imediata dos seus efeitos iniciais ou provisórios e, por consequência, a sustação do pagamento dos proventos. Em contrapartida, a homologação do registro, por essa Corte, acarretará a eficácia ou execução definitiva desse ato.
2.6 Do Ato Administrativo Simples
O ato administrativo simples resultará da manifestação de vontade de um único órgão unipessoal ou colegiado, estando perfeito, acabado e pronto para gerar efeitos a partir dessa manifestação unitária. Quando o órgão for colegiado, a manifestação será expressa pela maioria. O que importa é a vontade unitária declarada que origina esse ato.
O administrativista Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2009, p. 167) aborda, com nitidez de compreensão, a diferença entre os atos administrativos simples e composto: “Assim, no caso de ato composto, embora ele seja editado por um único órgão, que lhe infunde existência, validade e eficácia, tal como se dá com o ato administrativo simples, deste difere, apenas, porque a sua execução fica pendente de uma manifestação complementar provinda de outro órgão”. (grifo nosso).
Cabe registrar-se a existência de uma corrente doutrinária que considera o ato concessivo de aposentadoria perfeito e acabado desde a sua prática pela Administração Pública, visto que produzirá de imediato todos os efeitos que lhe são inerentes, notadamente em benefício do segurado, selando definitivamente a sua origem como ato jurídico; o servidor passará para a inatividade, afastando-se terminantemente das atividades do cargo; e, por fim, é ato formal, autônomo e independerá de seu posterior registro para sua constituição. Logo, já completou todo o seu ciclo evolutivo de formação.
Participam desse entendimento, dentre muitos da doutrina moderna, os juristas Rafael Da Cás Maffini, “Atos administrativos sujeitos a registro pelos tribunais de contas e a decadência da prerrogativa anulatória da administração pública” (2005); Luísa Cristina Pinto e Netto, “Ato de aposentadoria – natureza jurídica, registro pelo Tribunal de Contas e decadência” (2006); José Luiz Levy, “O Tribunal de Contas e as aposentadorias” (1999); Flávio Germano de Sena Teixeira, “O Controle das aposentadorias pelos tribunais de contas” (2004); João Henrique Blasi (atualmente desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina pelo quinto constitucional – OAB/SC), artigo publicado em “Grandes temas de direito administrativo: homenagem ao professor Henrique Blasi” (2009); e Angélica Petian, “Regime jurídico dos processos administrativos ampliativos e restritivos de direito” (2010).
O ministro Victor Nunes, do STF, comungava desse pensamento. Em seu voto, no RMS nº 8.657/ES, Tribunal Pleno, julgado por unanimidade em 6 de setembro de 1961, p. 7, fez a seguinte observação: “Tal é a natureza da função de controle, que não integra, nem completa o ato, já anteriormente acabado e perfeito”. Aqui, o ministro, em perfeita harmonia com as doutrinas dos juristas Francisco Campos e Caio Tácito, deixou explícito que o registro de aposentadoria pelo Tribunal de Contas é ato de controle; portanto, ato que não se coaduna com o conceito unitário de ato administrativo complexo.
Esses juristas, com exceção de Rafael Da Cás Maffini, João Henrique Blasi e Angélica Petian, que consideram a concessão de aposentadoria ato administrativo composto, são adeptos da teoria do ato administrativo simples. Para eles, os efeitos decorrentes do benefício da inativação iniciam-se com o simples ato de aposentadoria, já perfeito e acabado, de modo que a sua apreciação pela Corte de Contas consistirá em uma simples verificação de legalidade, sendo o registro uma mera forma de controle dessa legalidade, e não uma nova manifestação necessária para a formação ou existência do ato de concessão do benefício.
No entendimento ora exposto, a imposição constitucional de controle externo dos atos sujeitos a registro pelo Tribunal de Contas (artigo 71, inciso III) inviabiliza a concessão de aposentadoria como ato administrativo simples, haja vista que, em função desse implemento constitucional, não se trata mais de um simples ato, mas sim de dois atos autônomos, um principal, o ato de concessão de inatividade praticado pela Administração Pública, e o outro secundário ou complementar, o registro de tal ato pelo Tribunal de Contas.
Se não houvesse esse dispositivo constitucional, poder-se-ia afirmar, seguramente, que o ato concessivo de aposentadoria bem como os de reforma e pensão se enquadrariam na categoria de ato administrativo simples, dadas as suas existências, perfeições e eficácias a partir da manifestação de vontade inicial da Administração Pública.
O Supremo Tribunal Federal, em função dessa determinação constitucional, considera a concessão de aposentadoria ato administrativo complexo, o qual somente se formará e aperfeiçoará com o registro pela Corte de Contas, acentuando que apenas a partir deste momento, na condição de perfeito e acabado, será alcançado pelo instituto da decadência.
Na verdade, na aposentadoria, praticam-se dois atos sequenciais[12], e não um ato único resultante da soma ou fusão de vontades de órgãos distintos. Ainda que o ato administrativo complexo não fosse derivado da união de manifestações de vontade, e sim da união de atos decorrentes dessas manifestações; estes atos, se fossem os de inatividade e de registro, não se integrariam para a formação de um ato único resultante, por possuírem efeitos, conteúdos e fins autônomos. Assim sendo, os atos de inativação e de registro não se enquadrariam na classe de ato administrativo complexo.
Ademais, os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva aplicam-se a todo ato administrativo desde o início da sua efetiva produção de efeitos, indiferente à categoria em que se enquadra, para a manutenção de situações consolidadas pelo decurso do tempo.
3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CORRELATOS
Do doutrinador cearense Paulo Bonavides (2006, p. 294), tem-se a magnitude dos princípios constitucionais:
“Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição”.
3.1 Princípio da Segurança Jurídica
Embora o princípio da segurança jurídica não esteja expresso na Constituição Federal, há no preâmbulo e no caput do seu artigo 5º referência expressa à segurança, quando o texto constitucional assevera que um dos objetivos do Estado Democrático brasileiro é “assegurar a segurança”.
Alguns autores consideram a segurança jurídica e a proteção da confiança um único princípio, devido às relações mútuas que existem entre eles. No entanto, a doutrina e a jurisprudência recentes reputam a existência de dois postulados distintos. Adotar-se-á o segundo entendimento sem nenhuma increpação quanto ao primeiro.
O princípio constitucional da segurança jurídica tem como finalidade proteger os direitos dos cidadãos, consagrados no artigo 5°, inciso XXXVI, da Carta Federal, em decorrência das constantes evoluções que o Direito sofre ao longo do tempo, assegurando tranquilidade e confiança ao segurado para conduzir sua vida sem mudanças inesperadas.
Esse princípio atua, ainda, como limite temporal para a invalidação pela Administração Pública dos atos eivados de vício de legalidade, sempre em consonância primordial com o interesse público, impondo ao Estado limitações no direito de modificar o seu comportamento e de invalidar atos favoráveis para os seus destinatários de boa-fé, diante da convicção gerada nos beneficiários de que aquele ato era lícito, preservando, assim, a estabilidade das relações jurídicas constituídas e consolidadas pelo decurso do tempo, convalidando-as inobstante a eventual existência de vício de origem.
Em função da boa-fé dos administrados, do decurso do tempo e do princípio da segurança jurídica, colhe-se do magistério de Weida Zancaner (1993, p. 61-62):
“[…] Com efeito, atos inválidos geram conseqüências jurídicas, pois se não gerassem não haveria qualquer razão para nos preocupar com eles. Com base em tais atos certas situações terão sido instauradas se na dinâmica da realidade pode converter- se em situações merecedoras de proteção, seja porque encontrarão em seu apoio alguma regra específica, seja porque estarão abrigadas por algum princípio de Direito. Estes fatos posteriores à constituição da relação inválida, aliados ao tempo, podem transformar o contexto em que esta se originou, de modo a que fique vedado à Administração Pública o exercício do dever de invalidar, pois fazê-lo causaria ainda maiores agravos ao Direito, por afrontar a segurança jurídica e a boa-fé”.
Hely Lopes Meirelles (2008, p. 100), citando o mestre Almiro do Couto e Silva, averba:
“No direito público, não constitui uma excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalecimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses, o interesse público prevalecente estará precisamente na conservação do ato que nasceu viciado, mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade do ato. Alterar esse estado de coisas, sob o pretexto de restabelecer a legalidade, causará mal maior do que preservar o status quo. Ou seja, em tais circunstâncias, no cotejo dos dois subprincípios do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro, como imposição da justiça material. Pode-se dizer que é a solução que tem sido dada em todo o mundo, com pequenas modificações de país para país”.
3.2 Princípio da Proteção da Confiança (Legítima)
O princípio da proteção da confiança legítima[13] tem como objetivo promover a previsibilidade e estabilidade dos atos e procedimentos das atividades estatais. Esse princípio garantirá a previsibilidade de o Direito ser honrado, protegendo o cidadão de boa-fé, em função da confiança depositada nos atos, procedimentos e condutas do Estado, presumíveis legítimos, e por confiar na estabilidade e manutenção desses comportamentos benéficos para os seus destinatários.
Rafael Da Cás Maffini (2006, p. 187) acrescenta:
“[…] mesmo que a conduta não seja ela mesma legítima, a confiança que nela foi depositada há de ser qualificada como tal, porquanto não se pode exigir dos administrados destinatários ou terceiros em relação a tais atos que deles desconfiem. Ao contrário, há uma espécie de induzimento a que todos quantos forem alcançados pelas mais variadas formas de atividade pública nelas depositem confiança”.
Nas lições do doutrinador Hartmut Maurer (2001, p. 68), considerado um dos expoentes do Direito Administrativo alemão, “a proteção da confiança parte da perspectiva do cidadão. Ela exige a proteção da confiança do cidadão que contou, e dispôs em conformidade com isso, com a existência de determinadas regulações estatais e outras medidas estatais”.
Almiro do Couto e Silva (2007, p. 38) faz distinções sutis com relação aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança:
“A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualificarem como atos Legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. […] a outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”.
Ainda consoante o insigne mestre em tela, recorrendo ao Direito Administrativo comparado, bastante prestigiado pelo STF, o princípio da proteção da confiança atuará com o propósito de preservar o status quo, mormente nos casos em que envolvem proventos de aposentadorias ou pensões, uma vez que esta remuneração, de caráter essencialmente alimentar, está relacionada a situações de economia social e familiar:
“Na aplicação do princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) e não da regra decadencial, há situações que praticamente impõem a manutenção do status quo, com o afastamento, portanto, do princípio da legalidade, como aquelas, por exemplo, que envolvem proventos de aposentadoria ou pensões, em que a anulação, ainda que só com eficácia ex nunc, implicaria grave modificação das condições de vida dos beneficiários que confiaram em que as vantagens seriam mantidas”. (SILVA, 2007, p. 86).
3.3 Princípio da Boa-Fé Objetiva
O princípio da boa-fé objetiva é de suma importância no Direito Administrativo pátrio, em razão da convicção de legitimidade dos atos administrativos. Está relacionado com a lealdade, confiança, honestidade e probidade como padrões de conduta eticamente aceitáveis nas relações públicas, impondo correção e lisura ao comportamento praticado, na ideia de não se fraudar ou abusar da confiança de outrem. Possui também a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos, na medida em que tem como objetivo evitar abusos a esses direitos, em função da não razoabilidade de outra conduta.
É o princípio da boa-fé que protegerá, em conjunto com os da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, o direito comum dos cidadãos, quando de suas relações com o Estado, para que se tenha segurança e confiança.
Quando nessa relação houver dolo, caberá à parte prejudicada o ônus da prova. Logo, se houver a má-fé por parte do administrado, o ônus da prova competirá à Administração Pública. Ela terá de provar que o beneficiário do ato contribuiu para sua prática ou, ainda, omitiu-se dolosamente perante erro involuntário da própria Administração.
Sérgio Ferraz e Adilson Dallari (2000, p. 83) evidenciam a boa-fé no caso concreto:
“A boa-fé é um elemento externo ao ato, na medida em que se encontra no pensamento do agente, na intenção com a qual ele fez ou deixou de fazer alguma coisa. É impossível perscrutar o pensamento, mas é possível, sim, aferir a boa (ou má) fé, pelas circunstâncias do caso concreto, por meio da observação de um feixe convergente de indícios […] no processo administrativo, no tocante à decisão de validar ou invalidar um ato, de manter ou desconstituir uma situação jurídica, de aplicar ou não uma penalidade, a boa-fé do particular envolvido deve ser levada em consideração, pois sua intenção é efetivamente relevante para o Direito. Essa relevância está expressamente ressaltada no art. 2º, IV, da Lei 9.784, de 1999, e reiterada em seu art. 4º, II”.
3.4 Princípio da Razoabilidade/Proporcionalidade
O princípio da razoabilidade tem sido largamente adotado em decisões proferidas pelas cortes superiores, amparado na equidade, na prudência, na proteção dos direitos individuais e no bom senso jurídico.
No caso das aposentadorias, o segurado buscará evitar o retorno à atividade depois de estar na inatividade por um longo intervalo de tempo e vivendo dentro de um orçamento familiar já programado. Em vista disto, seu retorno causará um desequilíbrio social, diante da perda das vantagens incorporadas à aposentadoria, afetando-lhe seriamente a situação financeira e dos seus dependentes, sem falar da sua capacitação técnica que, certamente, não será mais a mesma, por causa da idade avançada e do próprio progresso tecnológico nos dias atuais. Enfim, são vários os fatores que dificultarão o reingresso do segurado à atividade após longos anos como inativo.
Essas aposentadorias litigiosas, na sua maioria, estão relacionadas ao magistério, classe muito sacrificada em termos de remuneração e merecedora, após muitos anos labutando, de uma aposentadoria digna, tranquila e com a segurança de que não ficará eternamente sob a tutela do órgão de controle para sua devida aprovação. No que diz respeito às pensões, o beneficiário buscará, igualmente, a manutenção desses benefícios, muitas vezes o seu único meio de sobrevivência e da própria família.
Com fundamento nessas considerações, o Tribunal de Contas deverá ser comedido, a fim de evitar excessos na determinação de obrigações ou na restrição de direitos do segurado. O desfazimento de atos que produziram efeitos durante muitos anos, mesmo que sejam eivados de vício, mostra-se desarrazoado. O vício do ato administrativo não deverá sobrevir à situação jurídica já consolidada pelo transcurso do prazo, dada a inércia da autoridade de controle.
O ministro Ayres Brito, do STF, quando do julgamento do MS nº 24.448/DF, discorrendo sobre a Corte de Contas e o princípio da razoabilidade, relatou no seu voto:
“É até intuitivo que a manifestação desse órgão constitucional de controle externo há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade intersubjetiva ou mesmo intergrupal. Quero dizer: a definição jurídica das relações interpessoais ou mesmo coletivas não se pode perder no infinito. Não pode descambar para o temporalmente infindável”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 24.448/DF. Relator: ministro Ayres Britto. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 27/09/2007. DJe, 13 nov. 2007).
No julgamento unânime do RMS nº 25.652/PB contra demissões, até mesmo de servidores aposentados, o ilustre ministro relator, Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, em sua iluminada decisão, concedendo provimento, ressaltou:
“Cumprir a lei nem que o mundo pereça é uma atitude que não tem mais o abono da Ciência Jurídica, neste tempo em que o espírito da justiça se apóia nos direitos fundamentais da pessoa humana, apontando que a razoabilidade é a medida sempre preferível para se mensurar o acerto ou desacerto de uma solução jurídica” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 25.652/PB – 2007/0268880-8. Relator: ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Quinta Turma. Julgado por unanimidade em 16/09/2008. Dje, 13 out. 2008).
Seria irrazoável e contrário ao interesse público e à estabilidade das relações jurídico-administrativas exigir–se, agora, que o segurado retorne às funções depois de um prolongado período, em virtude de possível irregularidade para a qual não concorreu.
3.5 Princípio da Eficiência
O princípio da eficiência foi incluído explicitamente no caput do artigo 37, da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional (EC) nº 19/1998. A Magna Carta declara em seu artigo 5°, inciso LXXVIII (EC nº 45/2004): “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A respeito dessa emenda, esclarece o jurista Luiz Flávio de Oliveira (2006):
“A razoável duração do processo insere-se como um acréscimo ao princípio do acesso à justiça, ampliando-o. Denota, a partir da recém-aprovada emenda, a preocupação do legislador constitucional com a temática do tempo na prestação da tutela jurisdicional, nos Estados que se constituem em Estado Democrático de Direito. Tem como fundamento o pleno exercício da cidadania e o respeito à dignidade da pessoa humana, atributos que consolidam a compreensão dos princípios inerentes aos Direitos Humanos”.
O princípio da eficiência no processo administrativo tem como objetivo a celeridade, a economicidade e a simplicidade. Se o processo tramitar durante longos anos, haverá claro desrespeito aos princípios da eficiência e da dignidade da pessoa humana. Desse modo, o Tribunal de Contas não terá cumprido com competência as suas responsabilidades, apreciando a legalidade dos atos em um prazo razoável, como apregoam a doutrina, a Suprema Corte e a própria Lei Maior.
Não se poderá, em função de possível ilegalidade do ato, deixar o cidadão indefinidamente em estado de incerteza e refém da inércia do Tribunal de Contas, sob pena de ofensa aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, que, no caso concreto, devem prevalecer em relação ao princípio da legalidade estrita mediante um juízo de ponderação.
Estabelecer que não existe prazo para a apreciação da legalidade dos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão pelo Tribunal de Contas é desrespeitar esses dois princípios, sendo essa ideia desarrazoada, pois a Corte de Contas estaria a se revestir de um poder que nenhum outro órgão possui, jurisdicional ou não.
Demais disso, seguir o princípio da legalidade, de maneira formalista, invalidando atos que poderiam ser perfeitamente convalidados, é ignorar todos os demais princípios e privilegiar o legalismo, ato, hoje, inadmissível no Estado Constitucional de Direito.
O ministro Octávio Galloti, do STF, já afirmava que a prescrição atinge todo e qualquer direito, independentemente de sua natureza, in verbis:
“[…] Os termos da lei são incisivos, peremptórios mesmo: atinge a prescrição qüinqüenal que beneficia o Poder Público todo e qualquer direito a ação, seja qual for sua natureza. Não distinguiu o legislador os direitos assegurados por lei ao servidor público, que se integram no seu status para declará-los imprescritíveis. Na enfática e até redundante afirmação de que prescreve em cinco anos todo e qualquer direito, seja qual for a sua natureza, não se podem, data venia, entrever distinções. Todo e qualquer direito é, data venia, só pode ser todo e qualquer mesmo” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 107.503/MG, RTJ 106/1095. Relator: ministro Octávio Galloti. Primeira Turma. Julgado por unanimidade. DJ, 6 jun. 1986).
Nesse ponto, Sandra Julien Miranda (1998, p. 96) é conclusiva quando sustenta que a prescrição, administrativa ou judicial, veta a anulação do ato administrativo complexo, dada a estabilidade das relações jurídicas:
“no que se refere a prescrição, seja ela administrativa ou judicial, sempre impedirá a anulação do ato administrativo complexo, pois, segundo a melhor doutrina, interessa a estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração. Conclui-se, portanto, que a afirmação de que a nulidade de um ato pode ser alegada a qualquer tempo pressupõe que o seja dentro dos prazos admitidos”.
O ministro José Dantas, do Tribunal Federal de Recursos, um dos órgãos máximos do Poder Judiciário do Brasil, que veio a ser substituído pelo Superior Tribunal de Justiça, já declarava à época que a prescrição aplicava-se a partir da publicação do ato de aposentadoria, e não do pronunciamento do Tribunal de Contas:
“Funcionalismo. Aposentadoria. Revisão. Prescrição. O quinquênio prescricional da ação se abre com a publicação do ato de aposentadoria, e não da declaração de sua e legalidade pelo Tribunal de Contas” (BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Ac. nº 137.925/CE. Relator: ministro José Dantas. DJ, 12 set. 1988).
A prescrição administrativa é fundamento básico da segurança das relações jurídicas, consubstanciando a regra geral da prescritibilidade, sendo a imprescritibilidade a exceção. A própria Constituição Federal passou a garantir o princípio geral da perda da pretensão (prescrição) ou do direito (decadência) pelo decurso do tempo, estabelecendo, como únicas exceções, os crimes de racismo e de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, incisos XLII e XLIV), e as ações previstas no § 5º do artigo 37 da CF, destinadas ao ressarcimento de dano causado ao erário por ilícitos praticados por agentes públicos.
A prescritibilidade é a regra, não tendo os Tribunais de Contas privilégios com referência à prescrição e/ou decadência, mesmo porque para o Supremo Tribunal Federal, no MS nº 27.962/DF (que atacou a anulação de pensão pelo Tribunal de Contas da União), cujo acórdão é da lavra do eminente ministro Celso de Mello, restou assentado que “os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, juntamente com o da boa-fé objetiva, aplicam-se a todos os órgãos do Estado, inclusive os Tribunais de Contas, para preservar situações administrativas já consolidadas no passado”.
Presentes, também, os princípios:
3.6 Da Actio Nata
Eliane Alfradique, mestra e doutora em Direito, dispondo acerca do ato de concessão de aposentadoria e do princípio da actio nata, reporta-se à doutrina do renomado jurista Dalmo de Abreu Dallari (1995 apud ALFRADIQUE, 2007):
“De fato, no caso da aposentadoria, tão logo seja publicado o ato de aposentação do servidor, este já passa a 'ostentar' o status de aposentado. Se este ato possui algum vício em benefício do ex-servidor, neste momento surge o interesse da administração em revê-lo ou anulá-lo. É a actio nata. Como o ordenamento jurídico reza, toda vez que nasce um direito de agir para que alguém influa na esfera jurídica de outro, seja por conta de um direito potestativo ou de um direito patrimonial, o tempo exerce influência em tal relação e o faz de tal forma, que o seu decurso poderá acarretar na decadência ou na prescrição do direito, conforme um ou outro caso. Não pode existir interesse de agir não sujeito a prazo prescricional”.
O ministro Carlos Veloso, do STJ, Segunda Turma, relator do REsp nº 1.560/RJ, indiferente à natureza jurídica do ato de concessão de aposentadoria e em observância ao princípio da actio nata, proferiu decisão nesse sentido, in verbis:
“ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIO. APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO. ATO COMPLEXO. INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REGISTRO NO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO OBSTANTE COMPLEXO O ATO ADMINISTRATIVO DA APOSENTADORIA, CERTO É QUE, A PARTIR DE SUA EXPEDIÇÃO, SEGUE-SE A SUA EXECUÇÃO, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO ATO, POIS, COMEÇA A CORRER A PRESCRIÇÃO QUINQÜENAL DA AÇÃO QUE TEM COMO OBJETO ALTERÁ-LO, PRESENTE O PRINCÍPIO DA ACTIO NATA, E NÃO DA DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS QUE APRECIA A SUA LEGALIDADE E QUE NÃO PODE, NESSA ATIVIDADE FISCALIZADORA, MODIFICAR O SEU FUNDAMENTO” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.560/RJ – 1989/0012288-6. Relator: ministro Carlos Velloso. Segunda Turma. Julgado por unanimidade. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1990).
3.7 Da Igualdade/Isonomia
Há que prevalecer o princípio da igualdade entre os sujeitos da relação jurídica. É inadmissível que o início do prazo prescricional para o segurado solicitar a revisão do ato concessivo de aposentadoria seja a partir do órgão concedente, e que o início do prazo prescricional e/ou decadencial para o segurado contestar a anulação desse mesmo ato pela Administração Pública seja a partir do órgão de controle; não havendo igualdade de tratamento entre o administrado e a Administração. Em obediência ao princípio da igualdade, os prazos tanto para os administrados quanto para a Administração Pública serão os mesmos e contados sempre a partir da publicação do ato na origem.
A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Agravo de Instrumento (AI) nº 70.070/PE, alheia também à classe do ato de concessão de aposentadoria, assentou que o prazo decadencial para a Administração rever a concessão de aposentadoria de servidor público tinha início a partir da produção de efeitos do respectivo ato, e não da data do registro pela Corte de Contas, em obediência ao princípio da igualdade, litteris:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. ATO DE APOSENTADORIA. PRAZO DECADENCIAL. INÍCIO A PARTIR DOS SEUS EFEITOS.
– A aposentadoria tem eficácia plena e imediata, e independe de condição ou ato futuro para ter repercussão no mundo jurídico. O registro do ato no TCU tem natureza meramente homologatória ou suspensiva; o prazo decadencial para a Administração rever a aposentadoria do servidor tem início a partir do respectivo ato, quando operam os efeitos concretos e específicos, e não da data do respectivo registro no TCU.
– Se a prescrição para o servidor rever o ato de aposentadoria, conta-se da data em que o respectivo ato produziu seus efeitos concretos, não há razão para considerar o início do prazo decadencial contra a Administração a data do registro do ato pelo TCU, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade. Vantagem funcional (GAE) incorporada em agosto de1992. Suspensão dos proventos em dezembro de 2002. Decadência consumada. Recurso improvido” (RECIFE. Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5. AI nº 70.070/PE – 2006.05.00.047917-6. Relator: desembargador federal Ridalvo Costa. Terceira Turma. Julgado por unanimidade em 07/03/2007. DJ, 18 maio 2007).
4 DA DOUTRINA PÁTRIA
A doutrina vem, reiteradamente, insistindo quanto à necessidade de um prazo razoável de cinco anos para a Administração invalidar seus próprios atos eivados de vício, inclusive no que se refere às decisões dos Tribunais de Contas:
“Evidentemente, cinco anos para que a Administração possa invalidar seus próprios atos é um prazo bastante razoável, além do que, condiciona com mais força o constante exercício da autotutela sobre os atos administrativos, tanto pela ciência de que estes podem vir a se estabilizar pelo decurso do tempo, como pela possibilidade de o agente vir a responder nas órbitas civil, administrativa e penal por sua negligência em tolerar um ato inválido, quando fora possível fulminá-lo” (SILVA, 2001, p. 112).
“O artigo 54 da lei nº 9.784/99 deu a medida do que seria prazo razoável para influir no juízo de precedência do princípio da segurança jurídica sobre o da legalidade, no cotejo ou no balancing test entre esses dois princípios, em face da prolongada inação da Administração Pública no exercício do seu poder de autotutela” (SILVA, 2001, p. 85).
“Os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé, como projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana, aplicam-se ao controle de aposentadorias, reformas e pensões, pelos Tribunais de Contas, para preservação de situações que tenham sido consolidadas pelo decurso considerável de tempo, tendo por analogia, o prazo médio razoável de 5 (cinco) anos” (FREITAS, 2009, p. 103).
5 DA JURISPRUDÊNCIA (APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS)
A jurisprudência do STF tem como tradição classificar o ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão como ato administrativo complexo, que somente se aperfeiçoará com a homologação do registro pelo Tribunal de Contas, por imposição do artigo 71, inciso III, que exercita a competência constitucional de controle externo, consolidando, em face disso, a orientação de que o prazo decadencial, do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, não se aplicará a esse ato sujeito a controle antes do pronunciamento da Corte de Contas.
Tal orientação, entretanto, não vem sendo adotada pela maior parte dos tribunais que compõem o Judiciário brasileiro. Alguns divergem em relação à classe do ato, fundamentados na doutrina prevalente; outros, simplesmente, invocam os princípios constitucionais, uma vez que o STF, nesses casos, vem privilegiando, embora com ressalvas, os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva.
Toda divergência, independente da instância, é salutar, principalmente nos tribunais, nos quais as ideias e os pensamentos nunca serão os mesmos; e, se fossem, não teriam sentido. A liberdade de pensamento do colegiado faz parte do debate jurídico e engrandece o resultado do julgamento.
A jurisprudência está aí para ser mudada, de acordo com o clamor social, com o avanço tecnológico, mudança de regras etc. Acredita-se que nada deve se eternizar, nem mesmo as sentenças da Corte Suprema, ainda mais quando se tratarem de decisões questionáveis por praticamente toda a doutrina e a jurisprudência do país e que envolvam matéria de cunho social.
Às vezes é mais cômodo acompanhar o relator do que iniciar uma dissidência, não obstante seja o procedimento correto, quando o magistrado tem ponto de vista diverso dos seus pares, não importando se o seu voto será vencido ou não, e sim o conhecimento jurídico sobre o assunto e a certeza de estar fazendo justiça.
Há de se convir que o voto dissidente também representará uma parcela do colegiado e da própria comunidade jurídica e que, algumas vezes, apoiado em decisões isoladas, mas muito bem fundamentadas, coerentes, com uma concepção nova e em conformidade com a doutrina dominante, passará à condição de voto majoritário.
No STJ, nos autos do MS nº 8.527/DF, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, divergindo da ministra relatora, Laurita Vaz, atentou para a divergência de votos nos colegiados e sobre o perigo na uniformização das decisões, in verbis:
“Se está em julgamento agora, penso que é possível haver o dissenso, ou então a Sra. Ministra Laurita Vaz poderia ter resolvido sem trazer para este Colegiado. Mas no instante em que traz, penso que nos desafia à discussão. Aliás, é exatamente para isso que serve o julgamento colegiado. Falamos porque temos a segura convicção de que aqueles ilustres Colegas que nos ouvem têm a mente aberta, um espírito receptivo, a consciência sensível para ouvir os argumentos e aceitá-los ou não. Aliás, esse é o grande perigo dos precedentes uniformizadores e produtores de indiscutilidade: decidir o feito assim. Às vezes muda a composição, muda o clima político, muda o clima ideológico, muda até o clima religioso. Tudo muda na vida, tudo vai se alterando sucessivamente, muda-se o tempo, muda-se a vontade, muda-se o amor, muda-se a confiança. É preciso que acompanhemos essa evolução sob pena de ficarmos como múmias fossilizadas” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 8.527/DF – 2002/0085518 -3. Relator (a): ministra Laurita Vaz. Terceira Seção. Julgado por maioria em 14/04/2008. Dje, 3 jun. 2008).
Nesse mesmo diapasão, Rafael Da Cás Maffini (2005, p. 143-144) assenta doutrina questionando a categoria dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão, tidos há muito tempo pelo STF como complexos, e da possibilidade de alteração desse entendimento. Diz o doutrinador gaúcho em passagem do seu ensaio:
“[…] Por certo, a interpretação constitucional oriunda do Pretório Excelso merece respeito e impõe obediência, dada a legitimação institucional que lhe é imanente.
No entanto, o mister institucional cometido ao Supremo Tribunal Federal de ser a boca que pronuncia as palavras da Constituição Federal, seu intérprete autêntico, pois, não o imuniza de críticas.
Ao jurista se impõe uma avaliação atenta das decisões exaradas pelo STF – ou por qualquer outro órgão jurisdicional – seja para revelar e reconhecer a correção dos fundamentos que ensejaram a decisão, seja para apontar eventuais equívocos de premissa ou, em sentido mais amplo, a incorreção inerente ao julgamento analisado.
Tal posicionamento crítico, longe de significar afronta ao importante papel desempenhado pelo STF, o coloca em relevo. O produto da atividade jurisdicional necessariamente carece de mediatização humana e, como tal, apresenta-se suscetível a erros. Tanto quanto falível, a condição humana traz consigo a característica da mutabilidade, razão pela qual se permite cogitar de uma alteração de posicionamento, mesmo que levado a efeito pelo Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, o papel da Ciência Jurídica, e, pois, daqueles que dela se ocupam, deve visar sempre à construção, mesmo que, para tanto, tenha de destruir, no plano teórico, os argumentos jurídicos empregados como fundamentos para as decisões judiciais”.
Contudo, já existe, felizmente, uma luz no fim do túnel, pois, em diversas decisões do STJ, verifica-se uma tendência à reorientação do tema com a finalidade de privilegiar os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, quando o decurso do prazo para a anulação do ato de concessão do benefício for exacerbado.
A prova inicial dessa divergência é a decisão relacionada ao REsp nº 1.047.524/SC, que encarou o assunto com profundidade, esmiuçando o tema com proficiência e confirmando, no caso concreto, a predominância dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, quando em confronto com o da legalidade estrita, tendo em vista o transcurso do tempo e a inércia da Corte de Contas.
Essa decisão também evidenciou a necessidade da aplicação desses princípios em conjunto com os princípios da boa-fé objetiva e da eficiência, além da imposição de um prazo razoável aos Tribunais de Contas. Encerra a questão, afirmando o equívoco que o STF e o STJ cometeram, ao longo do tempo, ao classificar o ato concessivo de aposentadoria como complexo, propondo, com discernimento, a revisão da matéria com base em tais fundamentos.
Em seguida, relacionam-se literalmente algumas decisões que arrolam os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da razoabilidade e da boa-fé objetiva na manutenção dos atos de concessão de aposentadoria e de pensão, devido ao decurso do prazo e à inércia do Tribunal de Controle.
5.1 Dos Tribunais de Justiça dos Estados
No MS nº 1.322/RJ, julgado pelo Órgão Especial, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro convalidou ato de concessão de aposentadoria, anulado pelo prefeito de Goitacaz, em razão do transcurso do tempo e da inação do Tribunal de Contas. Disse o relator em um trecho de seu voto:
“[…] O impetrante está aposentado há quase 15 anos, como poderá começar tudo de novo? Onde fica o princípio da segurança jurídica? Fala-se muito hoje nos princípios – princípio da legalidade, princípio da moralidade administrativa, princípio da impessoalidade, princípio da dignidade da pessoa humana – mas parece que estamos nos esquecendo que o princípio dos princípios é o princípio da segurança jurídica. […] Em situações de inércia da administração, que já permitiu a constituição de situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, gerando nos espíritos convicção de legitimidade, a decisão de nulidade do ato irregular configuraria aquilo que os juristas chamam de decisões imprevistas e tardias, dos quais o ato deve ser preservado, em nome do princípio da segurança jurídica que neste passo se eleva sobranceiro ao princípio da legalidade estrita. […] Em suma, o vício originário, pelo decurso do tempo e em razão da inação da administração, presente também a boa-fé, acaba por desaparecer, uma vez que o desfazimento do ato poderá ser mais prejudicial ao aspecto social envolvido do que a sua proteção. […] concedo a segurança para garantir ao impetrante o direito de preservar a sua aposentadoria” (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. MS nº 1.322/RJ. Relator: desembargador Sergio Cavalieri Filho. Órgão Especial. Julgado por unanimidade. Rio de Janeiro, 6 de abril de 2009).
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no Reexame Necessário nº 70029369402, também convalidou, por meio de sua Corte Especial, ato concessivo de aposentadoria, anulado pelo prefeito de Canela, dada a inércia da Corte de Contas e o decurso do prazo:
“REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DE CANELA. SERVIDOR PÚBLICO. SUPRESSÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. NÃO-APLICAÇÃO DO § 2º DO ART. 475 DO CPC. APLICAÇÃO DO ART. 12, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 1533/51. PRINCÍPIO DE ESPECIALIDADE. DIVERGÊNCIA NO ÂMBITO DA CÂMARA. DECISÃO DA CORTE ESPECIAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 687.216-SP E 654.837-SP. NEGATIVA DE REGISTRO DO ATO DE APOSENTADORIA PELO TRIBUNAL DE CONTAS. TRANSCORRIDOS APROXIMADAMENTE 09 (NOVE) ANOS DO ATO CONCESSIVO ATÉ A NEGATIVA DE REGISTRO. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Reexame Necessário nº 70029369402/RS. Relator (a): desembargadora Agathe Elsa Schmidt da Silva. Quarta Câmara Cível. Julgado por unanimidade. Porto Alegre, 29 de maio de 2009).
5.2 Do Superior Tribunal de Justiça
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA. REVISÃO. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL CONTADO DO ATO DE CONCESSÃO. OCORRÊNCIA.
1. Em se tratando de atos de verificação das concessões de aposentadoria, deve ser aplicado o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, contado da concessão da aposentadoria, com base no princípio da segurança jurídica, ressalvadas as hipóteses em que comprovada a má-fé do destinatário do ato administrativo.
2. Na espécie, portanto, havendo a concessão da aposentadoria sido deferida em 5.11.95, a sua revisão pelo TCU somente em 13.6.2008 não mais pode operar efeitos em face da decadência.
3. Recurso especial não provido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.239.926/PR – 2011/0041955-9. Relator: ministro Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 07/04/2011. Dje, 15 abr. 2011).
“ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO INDEVIDO. ANULAÇÃO DO ATO. DECADÊNCIA. SITUAÇÃO CONSOLIDADA COM O TEMPO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Cuidam os autos de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Delegado Regional do Ministério do Trabalho do Rio de Janeiro que exigiu que a impetrante optasse por uma das pensões recebidas, por morte ou aposentadoria.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, em atenção ao princípio da segurança jurídica e à existência de situação fática, consolidada pelo decurso do tempo, a Administração não pode rever o ato concessivo de pensão especial por morte, paga por mais de cinco anos, sem que tenha sido comprovada a má-fé por parte do beneficiário” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 1.198.896/RS – 2010/0107602-4. Relator: ministro Herman Benjamin. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 02/12/2010. Dje, 4 fev. 2011.)
5.3 Do Supremo Tribunal Federal
“Direito Administrativo. 2. Aposentadoria. 3. Tribunal de Contas da União. Negativa de registro de aposentadoria. 4. Segurança jurídica como subprincípio do estado de direito. Situação consolidada, prevalecendo a boa-fé e a confiança. 5. Aptidão da justificação judicial para produzir os efeitos a que se destina. 6. Segurança concedida” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 22.315/MA. Anulação de aposentadoria pelo TCU. Relator: ministro Gilmar Mendes. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 17/04/2012. Dje, 16 maio 2012).
“Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem desse modo, situações já consolidadas no passado” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 27.962 MC/DF. Anulação de pensão pelo TCU. Relator: ministro Celso de Mello. Julgado em 24/04/2009. Decisão monocrática. Acórdão nº 405/09. Brasília, 30 de abril de 2009).
“Mandado de Segurança. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. […] Pensão concedida há vinte anos. […] Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Direito constitucional comparado. […] Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. […] Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. […] Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV)” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 24.268/MG. Anulação de pensão pelo TCU. Relator (a): ministra Ellen Gracie. Relator p/ Acórdão: ministro Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado por maioria em 05/02/2004. DJe, 17 set. 2004).
No julgamento desse último mandado de segurança, embora a impetrante houvesse solicitado a segurança apenas no que diz respeito ao contraditório e à ampla defesa (direito esse que lhe foi cerceado), o ministro Gilmar Mendes, no seu voto, concedendo a segurança, fez a ressalva a seguir: “É possível que, no caso em apreço, fosse até de se cogitar da aplicação do princípio da segurança jurídica, de forma integral, de modo a impedir o desfazimento do ato. Diante, porém, do pedido formulado e da 'Causa Petendi' limito-me aqui a reconhecer a forte plausibilidade jurídica deste fundamento”.
6 A DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA E OS ATOS CONCESSIVOS DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO
A delimitação prazal é prevista, no plano federal, no artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, que estabelece a segurança jurídica, não permitindo à Administração Pública estender-se indefinidamente no poder de anular ato benéfico para seu destinatário de boa-fé, impondo a sua manutenção, quando inválido, se ultrapassado o prazo decadencial de cinco anos, in verbis:
“Art. 54 – O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§1º – No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento” (BRASIL. Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 5 maio 2014).
O doutrinador e procurador de Justiça aposentado do Estado do Rio de Janeiro José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 257) pontifica o objetivo do texto legal:
“Não há dúvida de que o dispositivo ostenta nítida carga de densidade no que toca a seu objetivo, o de proporcionar segurança às relações jurídicas que acabam por sedimentar-se em virtude do fator tempo. Se o ato, a despeito de seu vício, veio produzindo efeitos favoráveis ao beneficiário durante todo qüinqüênio, sem que tenha havido iniciativa da administração para anulá-lo, deve ser alvo de convalidação, impedindo-se, então, seja exercida a autotutela, ou seja, o direito de o Poder Público proceder a anulação”.
No caso do alcance desse texto em relação aos atos praticados pela Administração Pública e pelo Tribunal de Contas, quando do benefício da concessão de aposentadoria, José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 661) registra:
“Como consequência da diversidade dos referidos atos, a Administração – pelo autocontrole – ou o Tribunal de Contas – pelo controle externo – submetem-se ao prazo de cinco anos para anular ou alterar o ato de aposentadoria impondo gravame ao aposentado; não o fazendo, consuma-se a decadência em favor deste, tornando-se imutável o ato. A conclusão decorre da aplicação do princípio da segurança jurídica e de seu corolário, o princípio da proteção da confiança, em ordem a evitar-se que o aposentado fique eternamente à mercê de decisão desfavorável do Poder Público. De fato, seria um absurdo que o servidor já venha fruindo normalmente sua aposentadoria quando, dez anos depois, o Tribunal de Contas resolva considerar o ato inválido ou passível de alteração. A admitir-se tal possibilidade, estar-se-á premiando a inércia, a desídia e a ineficiência da Administração controladora em desfavor do interessado, que, afinal, confiou no ato concessivo do benefício; tratar-se-ia de uma desproteção à confiança e à segurança jurídica”.
A Lei nº 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo Federal), em seu artigo 1º, estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, objetivando a proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
O § 1º desse mesmo artigo também determina a aplicabilidade dos preceitos dessa norma aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.
O Tribunal de Contas da União é um órgão auxiliar do Poder Legislativo no controle externo contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial da Administração Pública Federal; pratica atos de índole administrativa e exerce competências estabelecidas na Constituição Federal (artigos 71 a 74 e 161) e por lei específica (Lei nº 8.443/92 – Lei Orgânica do TCU) (CARVALHO FILHO, 2009; MEIRELLES, 2008; MORAES, 2002; SIQUEIRA CASTRO, 2000).
As decisões do TCU, no exercício do controle externo, possuem natureza administrativa e, por essa razão, a Lei nº 9.784/1999, à luz do seu artigo 1º, § 1º, aplicar-se-á aos atos dos processos analisados por tal Corte.
Ocorre que o TCU, além de exercer competências outorgadas pela Constituição da República (norma superior), possui lei específica (norma especial), e estes dispositivos constitucionais e legais, em virtude dos critérios da hierarquia e da especialidade, respectivamente, deverão prevalecer sobre a Lei nº 9.784/1999 (norma geral), excetuando-se quando houver omissão nos seus dispositivos de matéria disposta na norma geral.
Nesse caso, a Lei do Processo Administrativo Federal, em complemento à aplicação ao artigo 71, inciso III, da CF, e à Lei Orgânica do TCU, refletirá de forma subsidiária[14], porque, conforme o seu artigo 69, “os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”.
A professora Irene Patrícia Nohara (2009, p. 454-457) tece considerações a respeito da aplicação subsidiária da Lei nº 9.784/1999, quando houver omissão na lei específica:
“Os preceitos da LPA [lei do processo administrativo] têm, conforme disposição expressa, aplicação subsidiária aos procedimentos específicos quando eles se omitirem em questões tratadas na lei geral federal. […] A LPA e as leis específicas coexistem, sendo, no entanto, perfeitamente utilizáveis os direitos expressos na lei geral que tenham sido omitidos pela lei específica. […] Constata-se […] que qualquer garantia prevista em princípio ou regra constante da LPA poderá ter aplicação subsidiária aos procedimentos federais específicos que não tenham dispositivo legal que trate do assunto de outra forma”.
Como não existe nenhuma ressalva expressa no artigo 71, inciso III, da CF, tampouco na Lei nº 8.443/1992 com relação ao limite temporal para a anulação dos atos administrativos de pessoal sujeitos a registro pelo TCU, como admissão, aposentadoria, reforma e pensão, então, deverão ser aplicadas, aos referidos atos, as disposições do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999.
A ministra Cármen Lúcia, do STF, no MS nº 31.300/DF, reportou-se, de igual modo, à Lei nº 8.443/1992, quando da aplicação da Lei nº 9.784/1999, subsidiariamente:
“A Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/1992) não estabelece prazo para o exercício do direito de anular atos administrativos submetidos ao seu exame, daí a aplicação subsidiária da Lei nº 9.784/1999 nesse ponto” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 31.300/DF. Relator (a): ministra Cármen Lúcia. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 16/10/2012. Dje, 10 out. 2012).
A lei decadencial é uma visão nítida do princípio da segurança jurídica, que tem sido aplicado unanimemente em decisões judiciais para a preservação de atos inválidos, ante a inércia da Administração e do decurso de tempo, promovendo a estabilidade das relações jurídicas constituídas.
Essa lei, em seu artigo 54, expressa-se de maneira clara e inequívoca no sentido de que o prazo decadencial iniciar-se-á na data da prática do ato pela Administração, e que desse ato decorrerão, obrigatoriamente, efeitos favoráveis para seu beneficiário de boa-fé. Em nenhum momento faz ressalvas quanto à sua operatividade a certos tipos de atos, ou consigna em seu texto, ou pelo menos está subentendido, que a sua aplicabilidade, na concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, só acontecerá a partir do registro pela Corte de Contas.
O Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de sua Corte Especial, argumentando sobre o momento da aplicação da Lei nº 9.784/1999, também se manifestou pelo início do prazo decadencial a partir da prática do ato[15] pela Administração Pública:
“Segundo o entendimento firmado pela Corte Especial, caso o ato acoimado de ilegalidade tenha sido praticado antes da promulgação da Lei nº 9.784/99, a Administração tem o prazo de cincos anos para anulá-lo, a contar da vigência da aludida norma; caso tenha sido praticado em momento posterior, o prazo qüinqüenal da Administração tem início a partir da sua prática, sob pena de decadência, nos termos do art. 54 da Lei nº 9.784/99”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 669.213/SC. Relator (a): ministra Laurita Vaz. Quinta Turma, julgado por unanimidade em 10/06/2008, Dje, 4 ago. 2008).
Na Apelação Civil no MS nº 1.0342.05.053245-2/001, o desembargador Belizário de Lacerda, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, validando sentença de 1º grau contra ato do prefeito de Ituiutaba, que cassou aposentadoria de segurado, em face da negativa do registro pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG), manifestou-se pela aplicação da regra decadencial a partir da prática do ato de concessão da aposentadoria pela Administração Pública, litteris:
“Com efeito, a legislação pertinente (lei 9784/99) para a contagem do prazo decadencial é a data em que o ato foi praticado, não estabelecendo a regra de que o início para o cômputo seria adiado para a data da homologação do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação civil no MS nº 1.0342.05.053245-2/001/MG. Relator: desembargador Belizário de Lacerda. 7ª Câmara Cível. Julgado por unanimidade em 03/10/2006. DJe, 7 dez. 2006).
O desembargador Wander Marotta, do mesmo Tribunal de Justiça, na Apelação Civil no MS nº 1.0024.05.698437-0/003, confirmando sentença de 1º grau da comarca de Belo Horizonte contra ato praticado pelo governo estadual, que cassou aposentadoria de beneficiária, devido à denegação do registro pelo Tribunal de Contas do Estado, enfatizou no seu voto:
“O direito da Administração invalidar os atos por ela praticados sujeita-se ao prazo legal de decadência, não merecendo acolhida a tese de que tal prazo só tem início após a homologação do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas, pois esse condicionamento não está na lei. Nem o próprio TCE/MG, através de sua sumula 105, como se viu, com ele convive” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação civil no MS nº 1.0024.05.698437-0/003/MG. Relator: desembargador Wander Marotta. 7ª Câmara Cível. Julgado por unanimidade em 27/05/2008. DJe, 24 jun. 2008).
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais editou a Súmula nº 105, recepcionando a Lei nº 9.784/1999 para a prática de seus atos:
“Nas aposentadorias, reformas e pensões concedidas há mais de cinco anos, bem como nas admissões ocorridas em igual prazo, contado a partir da entrada do servidor em exercício, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos que a Administração já não puder anular, salvo comprovada má-fé” (MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Súmula nº 105. Disponível em: <http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1441.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014).
Ora, se o que se visa com a regra decadencial é a observância do princípio da segurança jurídica, então, a expressão inicial do alcance dessa regra deverá ser necessariamente a prática do ato de concessão do benefício pela Administração Pública, porque será a partir desse momento que fluirão os efeitos favoráveis do aludido ato e iniciar-se-á sua confiança digna de proteção, conjugadamente com a presunção de legitimidade e aparência de legalidade, independente da homologação do registro pelo Tribunal de Contas.
O jurista Rafael Da Cás Maffini (2005, p. 158), argumentando sobre o início do prazo decadencial, na concessão de aposentadoria, arremata: “Ultima ratio, a confiança digna de proteção já se inicia com a prática do ato e não tão-somente com o seu registro, razão pela qual o prazo decadencial há de ter seu início quando efetivamente se inicie a produção de seus efeitos”. (grifo nosso).
Nesse viés, a única hipótese do ato de concessão do benefício, praticado pela Administração Pública, não se submeter à regra decadencial e aos princípios em vigor seria a não produção de efeitos até a sua aprovação pelo Tribunal de Contas, isto é, o beneficiário somente perceberia os proventos após o pronunciamento do Tribunal de Contas, homologando o registro; característica essa, aliás, própria do ato administrativo complexo, cuja eficácia só acontecerá depois de aperfeiçoado, com a integração de todas as vontades que participam de sua formação ou existência, o que não é o caso, visto que publicado o ato concessivo do benefício, seguirá a sua execução, embora precária, por ser condicionada à aprovação pela Corte de Contas, mas com plena produção dos efeitos que lhe são inerentes.
Sob esse prisma, quando o segurado passar a receber os proventos, o ato de concessão do benefício praticado pela Administração Pública, ao produzir os seus efeitos, submeter-se-á, sim, às leis e aos princípios vigentes. Caso esse ato seja inválido e não anulado em um prazo interregno de cinco anos, fatalmente será alcançado pela lei decadencial e pelos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, desde que praticado de boa-fé e que decorram benefícios e vantagens para o segurado.
Rafael Da Cás Maffini (2005, p.161) discorre assim na conclusão do seu elucidativo ensaio:
“Considerando-se que o prazo decadencial se fundamenta na confiança legitimamente depositada no ato pelo destinatário, que os atos sujeitos a registro pelos Tribunais de Contas já produzem os seus efeitos desde a sua prática pela Administração Pública, bem como desde esse momento já se encontram portadores do atributo da presunção de legitimidade, a confiança digna de proteção depositada em tais atos apresenta-se legítima desde quando a Administração Pública o pratica e não desde quando venha o Tribunal de Contas a se pronunciar quanto ao registro, razão pela qual é da prática do ato que deve ser contado o prazo da decadência administrativa”.
Os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva estão relacionados à estabilização das relações administrativas, não permitindo a eternização da prerrogativa anulatória da Administração no exercício de suas funções.
O princípio da proteção da confiança, dimensão subjetiva da segurança jurídica, tem um papel de destaque, por garantir a proteção dos direitos dos cidadãos, enquanto agente ou sujeito (direito subjetivo), nas diversas relações sociais, objetivando a estabilidade e previsibilidade dos atos, procedimentos e condutas do Estado.
Esses princípios, por si sós, bastariam para decidir a favor do segurado, tendo em vista situação fática consolidada pelo decurso do tempo, dada a inércia do Tribunal de Contas, e em face do caráter alimentar do ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão e da incorporação dele ao patrimônio pessoal do beneficiário.
Contudo, o STF, sem explicitar como o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, na qualidade de ato administrativo complexo, produz a totalidade dos seus efeitos antes do seu aperfeiçoamento, tem afirmado que, na concessão desse benefício, o marco inicial para a atuação da decadência e dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança será a partir da manifestação do Tribunal de Contas, uma vez que tal benefício, por configurar ato administrativo complexo, só será considerado juridicamente perfeito após o pronunciamento dessa Corte de Controle, homologando o registro; portanto, apenas a partir deste momento irá gerar direitos e se submeterá às normas em vigor.
Acontece que, no ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, todos os elementos integrativos para sua perfeição e consequente eficácia já foram implementados a partir de sua formação ou existência pela Administração Pública.
Não há, então, como alegar a imperfeição do ato de concessão do benefício para não aplicação ou observância dessas normas, uma vez que todos os seus elementos de aperfeiçoamento[16] já se realizaram, quando de sua prática pela Administração Pública.
Nesse contexto, não se trata a manifestação do Tribunal de Contas condição de existência ou perfeição do ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão; mas sim condição de eficácia ou de exequibilidade, pois o referido benefício já se encontra perfeito ou concluído desde a manifestação inicial da Administração Pública, pendendo, apenas, de um controle de legalidade por parte da Corte de Contas para sua eficácia ou execução definitiva.
Além do mais, esses benefícios são direitos que se incorporam ao patrimônio jurídico do destinatário desde o instante em que são reunidos todos os requisitos exigidos na legislação vigente para as suas concessões[17]; são garantias de segurança e estabilidade das relações jurídicas do beneficiário, de natureza objetiva (direito adquirido) ou de natureza subjetiva (direito subjetivo).
Por outro lado, o ato inicial de concessão do benefício, ao produzir os seus efeitos, causará repercussões no mundo jurídico. Na concessão de aposentadoria, por exemplo, essas repercussões jurídicas serão, dentre outras, a inativação, os proventos e a declaração de vacância do cargo.
Por conseguinte, não há que se dizer que a regra decadencial e os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança atuarão somente a partir do pronunciamento do Tribunal de Contas, uma vez que o ato de concessão do benefício praticado pela Administração Pública, ao produzir os seus efeitos, gerará direitos e causará repercussões no mundo jurídico, independentemente da manifestação da Corte de controle.
Desse modo, a aplicação da regra decadencial e a observância dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança serão a partir da prática do ato de concessão do benefício pela Administração Pública, porque a partir deste momento é que tal ato consumar-se-á, produzindo os seus efeitos, e não a partir do pronunciamento do Tribunal de Contas, com a homologação do registro, como aduz equivocadamente a Corte Maior, por não se tratar de ato administrativo complexo.[18]
7 O ATO DE ADMISSÃO DE PESSOAL
Antes de adentrar o estudo da natureza jurídica do ato de admissão de pessoal, far-se-á algumas considerações no que concerne à nomeação, posse e exercício do servidor público estatutário ocupante de cargo efetivo, para melhor discernimento.
A nomeação constitui ato unilateral da Administração Pública que dará início à investidura do nomeado no cargo. Por sua vez, a posse é a assinatura do nomeado no livro do órgão em que vai atuar (termo de posse), para sua investidura definitiva no cargo, aceitando formalmente as atribuições impostas a ele. Somente a partir desse momento, o nomeado será considerado servidor público. E, finalmente, o exercício é o instante no qual o servidor inicia efetivamente as suas atribuições funcionais.[19]
A doutrina autorizada de Hely Lopes Meirelles (2008, p.174) leciona que “a investidura de um funcionário é um ato complexo consubstanciado na nomeação feita pelo Chefe do Executivo e complementado pela posse e exercício dados pelo chefe da repartição em que vai servir o nomeado”.
Nesse mister, o ato administrativo complexo se formará ou completará com a posse e o exercício do nomeado no cargo pela Administração Pública; consequentemente, o termo inicial para a incidência do prazo decadencial, do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, deverá ser a data do efetivo exercício do servidor, pois este momento é tido como o termo inicial para a produção de todos os efeitos oriundos da atribuição funcional do servidor público. Aqui, a contagem do prazo decadencial de cinco anos previsto na lei decadencial começará a partir da manifestação da Administração Pública.
Essa concepção (ato de admissão como complexo) foi adotada durante muito tempo pelo STF, inclusive antes da imposição constitucional do artigo 71, inciso III. Nesta circunstância, o ato administrativo complexo só se formava ou completava com o pronunciamento da Corte de Contas; portanto, o cômputo inicial para a aplicação da lei decadencial era a data da manifestação desta Corte de Controle.
Com fundamento no exposto, cumpre consignar que, embora Hely Lopes Meirelles e o STF afirmassem que a admissão de pessoal consubstanciava ato administrativo complexo, havia uma incongruência nas suas concepções quanto à formação ou existência deste ato, refletindo, assim, no marco inicial da norma decadencial, que, como demonstrado, são distintos. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal, nos seus julgados, não seguia a doutrina desse administrativista, como alegavam alguns autores inadvertidamente.
Hely Lopes Meirelles[20] sustenta que, na admissão de um funcionário, o ato administrativo complexo se complementará com a posse e o exercício deste servidor público. Conforme posicionamento ora discorrido, a posse e o exercício são operações necessárias para dar provimento ao cargo; todavia, constituirão apenas uma mera formalidade administrativa, e não um ato complementar responsável pela constituição do ato administrativo composto, ou uma segunda vontade que se integrará à vontade inicial para a formação do ato administrativo complexo.
Essa observação ficará evidente no exemplo a seguir: na nomeação dos conselheiros do Tribunal de Contas, as vontades declaradas, que participam efetivamente da formação do ato administrativo complexo, são do chefe do Executivo e do Legislativo (Assembleia). A posse e o exercício do conselheiro na Corte de Contas são apenas cerimônias administrativas necessárias para prover o cargo, e não outra vontade indispensável para a composição de tal ato. Na verdade, são três os órgãos envolvidos, mas somente dois participarão de fato da formação do ato.
O Tribunal de Contas só participará da formação desse ato quando, no momento do preenchimento das vagas oriundas de sua cota constitucional, manifestar o seu direito por meio de uma lista tríplice, de forma alternada, dentre auditores e membros do Ministério Público junto à Corte. Essa lista, elaborada pelo Pleno do Tribunal de Contas, entre os concorrentes mais votados, será enviada ao chefe do Executivo para escolha de um dos três nomes, que, por sua vez, encaminhará ao Legislativo o nome escolhido para a aprovação. Após a aprovação, o chefe do Executivo emitirá o ato de nomeação do conselheiro da Corte de Contas.
Nesse caso, sim, serão três os órgãos envolvidos e todos participarão, declarando as suas vontades. Aqui, a posse e o exercício do conselheiro do Tribunal de Contas também são protocolos (ou rituais) administrativos para dar provimento ao cargo.
O ato de admissão de servidor público, em cargo de provimento efetivo, configurará ato administrativo composto pelos mesmos motivos arrolados em relação aos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão. E, como estes, o alcance da regra decadencial deverá considerar o ato de nomeação praticado pela Administração Pública[21], por intermédio do chefe do Poder Público, e não a data da homologação do registro pela Corte de Contas, e, adicionalmente, em observância ao princípio constitucional da igualdade ou da isonomia.
8 DA TIPICIDADE DOS EFEITOS JURÍDICOS DOS ATOS CONCESSIVOS DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO
O ato administrativo complexo, consoante unanimidade doutrinária, só produzirá efeitos jurídicos após o seu aperfeiçoamento, com a integração das vontades que participam de sua formação ou existência. Entretanto, os atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, considerados atos administrativos complexos pelo Supremo Tribunal Federal, já estão aperfeiçoados e produzindo todos os efeitos que lhes são inerentes desde quando praticados pela Administração Pública, independentemente da manifestação do Tribunal de Contas.
Destarte, não haverá razão para a Suprema Corte classificar tais atos como complexos, pois não se integram as vontades da Administração Pública e do Tribunal de Contas para conceber esses benefícios e aperfeiço-á-los, tampouco para a produção dos seus efeitos jurídicos.
Portanto, a única hipótese admissível para que esses atos sujeitos a controle pelo Tribunal de Contas fossem complexos e gerassem efeitos antes dos seus aperfeiçoamentos, com a homologação dos registros, seria se fossem atípicos, como observou o ministro César Peluso[22], do STF, quando da declaração do seu voto no MS nº 25.116/DF. No entanto, mesmo atípicos, ainda assim, como será discorrido neste capítulo, seriam atos administrativos compostos atípicos, e não atos administrativos complexos atípicos.
O ato administrativo será eficaz sempre que estiver apto a produzir os seus efeitos (efeitos oriundos do seu conteúdo específico). Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 383), “o ato será eficaz quando estiver disponível para a produção de seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos na se encontra dependente de qualquer evento posterior, como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade”.
Alguns atos, além dos efeitos típicos ou próprios (principais), poderão produzir efeitos atípicos ou impróprios (secundários). Os efeitos atípicos dividem-se em preliminares ou prodrômicos e reflexos (estes atingem terceiros estranhos às suas práticas). O nosso trabalho está relacionado ao efeito atípico preliminar ou prodrômico do ato, por compreender apenas as partes envolvidas na sua prática.
Para a doutrina, o efeito atípico preliminar ou prodrômico surgirá quando existir situação de pendência no ato administrativo, ou seja, quando um órgão se manifestar e, alheio a sua manifestação de vontade, haverá a obrigatoriedade de outro também se pronunciar. Assim, enquanto subsistir pendência, o efeito produzido pelo ato será atípico. Após a manifestação complementar (autorização, aprovação, homologação etc.) provinda de outro órgão, o ato passará a produzir os seus efeitos normais ou próprios.
Nesse contexto, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 383) leciona:
“Os efeitos atípicos podem ser de dupla ordem: efeitos preliminares ou prodrômicos e efeitos reflexos. Os preliminares existem enquanto perdura a situação de pendência do ato, isto é, durante o período que intercorre desde a produção do ato até o desencadeamento de seus efeitos típicos. Serve de exemplo, no caso dos atos sujeitos a controle por parte de outro órgão, o dever-poder que assiste a este último de emitir o ato controlador que funciona como condição de eficácia do ato controlado”.
Desse modo, enquanto o ato sujeito a controle não for complementado por outro órgão para a obtenção de sua eficácia ou execução definitiva (plano de eficácia para alguns doutrinadores ou plano de exequibilidade para outros), por meio da autorização, homologação, aprovação, ratificação, visto etc., não estará produzindo efeitos próprios ou típicos.
José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 126), dispondo sobre o plano de eficácia, já afirmava: “embora, nos atos compostos, uma das vontades já tenha conteúdo autônomo, indicando logo o objetivo da Administração, a outra vai configurar-se, apesar de meramente instrumental, como verdadeira condição de eficácia”. (grifo nosso).
Nesse mesmo sentido, o mestre José Maria Pinheiro Madeira (2008, p. 219) também chancelava: “nos atos compostos há sempre dois órgãos realizando atos diversos. Sempre que o ato administrativo fique com sua eficácia dependente de uma condição, que vai ser atendida por outro órgão, este ato será composto”.
Como no ato administrativo composto, o ato complementar consubstanciará somente condição de eficácia ou de exequibilidade do ato principal[23], então, o ato sujeito a controle, como aposentadoria, reforma ou pensão, pendente, para sua eficácia ou exequibilidade, de ratificação meramente instrumental pelo Tribunal de Contas, configurará ato administrativo composto atípico.
Além do entendimento doutrinário apresentado, classificando o ato de concessão do benefício como composto atípico, esse posicionamento também evidenciará a inviabilização desse ato como complexo atípico, uma vez que o ato pendente pressupõe um ato perfeito, isto é, ato que concluiu todas as fases necessárias para sua formação ou existência, embora dependente de condição ou termo futuro para sua eficácia ou exequibilidade. Se o ato de concessão do benefício fosse complexo, apenas após o pronunciamento do Tribunal de Contas, homologando o registro, aperfeiçoar-se-ia.
Assim sendo, mesmo que o ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão sujeito a controle produza efeitos atípicos, por ser ato pendente de complementação proveniente da Corte de Contas, ainda assim será enquadrado na categoria de ato administrativo composto, embora atípico.
Nesse caso, o efeito produzido de início não será do conteúdo específico do ato principal, mas sim do efeito atípico preliminar ou prodrômico, e o ato de concessão, na divisão ternária dos planos lógicos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009), será perfeito, válido e ineficaz, porque já concluiu o seu ciclo de formação ou existência; está adequado aos requisitos de legitimidade e ainda não se encontra disponível para a eclosão dos seus efeitos típicos, por depender de uma condição suspensiva ou termo inicial, ou autorização, aprovação ou homologação por uma autoridade controladora. Aqui, o ato só produzirá os seus efeitos próprios ou típicos após a verificação da condição, termo ou a emissão de ato controlador de que depende a sua eficácia. (condição de eficácia).[24]
Por sua vez, o ato de concessão, na divisão ternária dos planos lógicos de Hely Lopes Meirelles (2008, p. 162-176) será válido, eficaz e inexequível, tendo em vista que provém de autoridade competente para praticá-lo e contém todos os requisitos necessários à sua eficácia; está apto a produzir os seus efeitos finais e ainda não é exequível, por lhe faltar a verificação de uma condição suspensiva ou a chegada de um termo, ou ainda a prática de um ato complementar[25] (aprovação, visto, homologação, decisão de recurso de ofício etc.) necessário ao início de sua execução ou operatividade. Neste ponto, o ato administrativo só produzirá os seus efeitos regulares ou finais depois de verificado a condição, termo ou a prática de ato complementar de que depende a sua exequibilidade ou operatividade. (condição de exequibilidade).[26]
No entendimento aqui assumido, o efeito produzido de início não será do efeito atípico preliminar ou prodrômico, mas sim do conteúdo específico do ato principal ou ato de concessão do benefício praticado pela Administração Pública, que estará sujeito à condição resolutiva de eficácia ou de exequibilidade, que se implementará se não houver aprovação pelo órgão de controle.
De toda maneira, se considerarmos a concessão do benefício ato administrativo composto, a produção dos efeitos jurídicos do ato inicial ou principal será imediata, independentemente de sua tipicidade. No ato administrativo composto, os efeitos imediatos produzidos pelo ato principal se conformam perfeitamente com a produção antecipada de efeitos causada pelo efeito atípico preliminar ou prodrômico.
Na visão presentemente adotada, após a edição e publicação, a concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão será um ato perfeito, válido e eficaz, não dependendo de aprovação para produzir os efeitos que lhe são típicos ou próprios, visto que eles já são produzidos, quando de sua formação ou existência pela Administração Pública. [27]
Não é outra a concepção do administrativista José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 122), quando leciona que, “se o ato completou seu ciclo de formação, podemos considerá-lo eficaz, e isso ainda que dependa de termo ou condição futuros para ser executado. O termo e a condição podem constituir óbices à operatividade do ato, mas nem por isso descaracterizam sua eficácia”.
Inegavelmente, a inatividade do servidor público, o percebimento dos proventos, a declaração de vacância do cargo e até o seu provimento por outra pessoa concursada são efeitos típicos do ato inicial de concessão, após a sua expedição e publicação, e não meros efeitos atípicos preliminares ou prodrômicos desse ato que implicam na obrigação de outro órgão se pronunciar.
Em decisões contra o direito de a Administração Pública anular os seus próprios atos indefinidamente (aposentadoria, reforma, pensão etc.), tribunais alinham-se com a finalidade de fundamentar suas decisões na regra decadencial, in verbis:
“RECURSO ESPECIAL. ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. REVISÃO DO ATO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA.
1. Não é possível examinar violação a dispositivos da CF, ainda que para fins de prequestionamento sob pena de usurpar a competência do STF.
2. O STJ já decidiu que a decisão do Tribunal de Contas, no que toca à legalidade do ato de aposentadoria de servidores públicos, tem natureza jurídica meramente declaratória, e não constitutiva do ato referido. Precedente
3. A nova situação jurídica surge com a própria publicação do ato de aposentadoria, do que decorre a sua imediata, e não obstante precária, execução, nos termos em que foi concedida. Consequentemente, a partir deste momento inicia o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99.
4. Agravo regimental improvido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 1.168.805/RS – 2009/0230174-7. Relator: ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. Julgado por unanimidade em 11/05/2010. Dje, 7 jun. 2010).
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ. APOSENTADORIA. REVISÃO, DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. CONCESSÃO. MÁ-FÉ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 211/STJ E 282/STF. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Súmula 182/ STJ).
2. Hipótese em que a parte agravante limita-se a deduzir, de forma genérica, afronta ao art. 535, II, do CPC, sem infirmar os fundamentos da decisão agravada, mediante a demonstração das supostas omissões existentes no acórdão regional embargado.
3. A tese de existência de má-fé da parte agravada, que afastaria a incidência do art. 54 da Lei 9.784/99, em momento nenhum foi apreciada no acórdão recorrido, restando ausente seu necessário prequestionamento. Súmulas 211/STJ e 282/STF. Diferentemente do que ocorre com a boa-fé, ‘a má-fé deve ser comprovada’ (REsp 1.188.091/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dje 6/5/11).
4. ‘A aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concedê-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla a sua legalidade’. (AgRg no REsp 1.233.820/RS. Rel. Min. HUMBERTO MARTINS. Segunda Turma. DJe, 14/04/11)’.
5. Agravo regimental não provido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 121.238/PE – 010/0161833-0. Relator: ministro Arnaldo Esteves. Primeira Turma. Julgado por unanimidade em 02/06//2011. DJe, 10 jun. 2011).
“ADMINISTRATIVO. ATO DE APOSENTADORIA. REVISÃO. PRAZO. INÍCIO. ATO DE CONCESSÃO. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. DECADÊNCIA CONFIGURADA.
1. A aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concedê-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla a sua legalidade.
2. Aplica-se o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 aos processos de contas que tenham por objeto o exame da legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, ressalvadas as hipóteses em que comprovada a má-fé do destinatário do ato administrativo.
3. Transcorrido mais de cinco anos da entrada em vigor da Lei 9.784/99 e o ato de revisão pelo TCU, caracterizada está a decadência.
4. Agravo regimental improvido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 1.233.820/RS – 2011/0021934-2. Relator: ministro Humberto Martins. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 07/04/2011. Dje, 14 abr. 2011).
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ATO DE CONCESSÃO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O termo inicial para a incidência do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 não é a conclusão do ato de aposentadoria, após a manifestação do Tribunal de Contas, mas a data de concessão pela Administração. Precedentes do STJ.
2. Agravo regimental não provido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 1.198.317/SC – 2010/0112177 – 9. Relator: ministro Arnaldo Esteves. Primeira Turma. Julgado por unanimidade em 21/10/2010. DJe, 18 nov. 2010).
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. ANULAÇÃO. ATO COMPOSTO, E NÃO COMPLEXO. EXAME DA LEGALIDADE. SUJEIÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS AO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO EM LEI. 1. Conquanto venha sendo repetida como verdadeiro dogma a premissa adotada em julgados recentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o ato de aposentadoria de servidor público estaria inserido na categoria dos atos administrativos complexos e dependeria, para se aperfeiçoar, da manifestação favorável do Tribunal de Contas, não encontra respaldo na teoria administrativista mais atual. Conforme bem salientado no acórdão objeto dos embargos de divergência, ‘aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concedê-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade’. 2. Por vício de legalidade, à administração é dado anular aposentadoria de servidor público, devendo tal prerrogativa ser exercida no prazo decadencial previsto em lei, salvo quando comprovada má-fé, iniciando-se a contagem com a publicação do ato, e não somente após o julgamento pelo Tribunal de Contas. Em outras palavras: ressalvada a hipótese de má-fé do beneficiário, em que a anulação tem lugar a qualquer tempo, o exame de legalidade do ato de aposentadoria deve ser realizado pela Corte de Contas em até 5 (cinco) anos da publicação, sob pena de ficar inviabilizado o desfazimento, ainda quando caracterizada alguma ilegalidade, por consumada a decadência do direito à anulação.
3. Caso em que a aposentadoria do servidor federal, publicada em 21/5/1998, foi julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União em 28/6/2005, donde a impossibilidade de anulação do ato, porquanto ultrapassado o prazo decadencial de 5 (cinco) anos fixado pelo art. 54 da Lei n. 9.784/1999, cuja contagem se iniciou, por se tratar de aposentadoria concedida antes da vigência da referida lei, em 1º/2/1999, com término em 1º/2/2004. 4. Agravo regimental provido para se negar provimento aos embargos de divergência” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EREsp 1047524/SC -2009/0243307-0. Relator: ministro Sebastião Reis Junior. Relator p/ Acórdão: ministro Marco Aurélio Bellizze. Terceira Seção. Julgado por maioria em 14/05/2014. Dje, 6 nov. 2014).
9 DO MANDADO DE SEGURANÇA Nº 25116/DF
No Mandado de Segurança nº 25.116/DF, relatado pelo ministro Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu no sentido de conceder a segurança, a fim de o impetrante desfrutar das garantias do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da CF), após o transcurso in albis do interregno quinquenal.
No entanto, o voto do ministro Cezar Peluso foi pela aplicação da regra decadencial com o objetivo de preservar a aposentadoria do segurado pelo decurso do prazo, provocado pela inércia do Tribunal de Contas, em observância aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, no que foi acompanhado pelo ministro Celso de Mello:
“[…] A aposentadoria se dera em 1998, e concluiu que sua invalidação, em 2004, ofenderia os princípios da segurança jurídica e da boa-fé na exata medida em que tenderia a desfazer uma situação jurídica subjetiva, estabilizada por prazo razoável e de vital importância para o servidor, o qual se aposentara na presunção de validez do ato administrativo. […] as concessões de reformas, aposentadorias e pensões seriam situações precárias, porquanto provisórias sob o aspecto formal geradas pelo implemento de ato administrativo que, embora, se complexo, seria atípico, não sendo possível negar, dada a especial natureza alimentar, a incorporação dos benefícios ao modus vivendi do pensionista ou aposentado. Observou que os ex-servidores e seus dependentes passariam a ostentar desde logo esse status e a projetar as suas vidas nos limites de seu orçamento, agora representado pela aposentadoria, reforma ou pensão recebidas sob a presunção de boa-fé.”
Nessa decisão, três ministros (Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence[28] e Ellen Gracie) não concordaram com a segurança pleiteada, pois consideraram complexo o ato concessivo de aposentadoria, portanto, pela inocorrência da regra decadencial a partir de sua prática pela Administração Pública; cinco ministros (Ayres Brito, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa) concederam a segurança em parte, assegurando somente o contraditório e a ampla defesa, mas após o interregno quinquenal; um ministro não participou da primeira votação (Eros Grau); e, finalmente, dois ministros (Cezar Peluso e Celso de Mello) concederam a segurança pleiteada in totum.
Os ministros Eros Grau e Dias Toffoli não participaram dessa votação; o primeiro não estava presente no julgamento inicial e o segundo não compunha à época essa Corte Constitucional. O ministro Sepúlveda Pertence votou no julgamento inicial e, ao aposentar-se, foi substituído pelo ministro Menezes Direito. Este, ao falecer, teve a sua vaga ocupada pelo ministro Dias Toffoli.
No julgamento desse mandado de segurança, como observado, três ministros não concederam a segurança, fundamentando seus votos na natureza jurídica complexa do ato e na Súmula Vinculante nº 3 do STF, que não permite a aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao ato de concessão inicial de aposentadoria, quando submetido a Corte de Contas para a apreciação de sua legalidade, impedindo o segurado de desfrutar dessas garantias constitucionais.
O primeiro fundamento é equivocado, pois esse ato é composto. Mesmo que fosse complexo, o ato de concessão de inatividade praticado pela Administração Pública, ao produzir os seus efeitos, subordinar-se-ia não só às regras em vigor, mas também aos princípios constitucionais vigentes.
E esse é o pensamento de Rui Portanova (1999, p. 14), quando o jurista descreve, com maestria, a real importância dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro, asseverando que “os princípios não são meros acessórios interpretativos. São enunciados que consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos na lei, aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos”.
O segundo fundamento é tecnicamente inviável por limitar no tempo garantias constitucionais previstas no artigo 5º, inciso LV. O próprio voto majoritário do ministro Ayres Brito ignorou a Súmula Vinculante nº 3, na medida em que concedeu o contraditório e a ampla defesa ao ato inicial de concessão de aposentadoria após o interregno quinquenal. Se esta compreensão prevalecer em futuras decisões, provavelmente essa súmula será revogada ou reformada.
A decisão do ministro Ayres Brito, acompanhada por quatro ministros, disciplinando temporalmente os princípios do contraditório e da ampla defesa, de modo que operem apenas depois de cinco anos da prática do ato de concessão de inativação pela Administração Pública, é tecnicamente inviável pelos mesmos motivos citados. Após o interregno de cinco anos, significa que poderá ser de hoje a seis anos, como também de hoje a vinte anos ou mais.
Essa interpretação, além de não definir um prazo razoável para os julgados dos Tribunais de Contas, não tem apoio da doutrina pátria e afronta princípios constitucionais, que são a única garantia para o cidadão de que os seus direitos não serão violados.
Muitos autores renomados consideram a Súmula Vinculante nº 3 do STF, inconstitucional por afrontar o princípio do devido processo legal e seus subprincípios autônomos do contraditório e da ampla defesa e de cercear direito garantido pela Constituição Federal, invocando desta Carta (artigo 5º, inciso LV), em torno das inderrogáveis prerrogativas de cidadania, segundo a qual “aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Para esses juristas, Djanira Maria Radamés de Sá (1996), José de Anchieta da Silva (1998), Sérgio Sérvulo da Cunha (1999), Dalmo de Abreu Dallari (1997), Pontes de Miranda (1997), dentre outros, a Súmula Vinculante n° 3 do STF, ao negar ao cidadão o devido processo legal e seus consectários, não só lhe tira ou priva de um direito garantido pela Constituição, mas também afronta princípios constitucionais.
Infelizmente, a natureza jurídica do ato de concessão de aposentadoria ainda é motivo de controvérsia. O ministro Castro Meira, do STJ, membro da Segunda Turma, reconsiderando entendimento anterior, deixa patente essa afirmação no seu voto, in verbis:
“[…] O Tribunal de Justiça Catarinense concedeu a segurança pleiteada para reconhecer "a decadência do poder-dever de a Administração rever o ato de aposentadoria da impetrante, cuja concessão ocorreu em 30/06/1997 (Decreto nº1580/1997- fl. 13), enquanto a decisão do Tribunal de Contas do Estado, pela denegação do respectivo registro, está datada de 31/03/2008 (fl. 20), quando, desde muito, extravasado o prazo do art. 54, 1º, da Lei Federal nº 9.784/1999" (e-STJ fl. 100).
No especial, o Estado de Santa Catarina, em resumo, sustenta que o acórdão recorrido incidiu em ofensa aos seguintes dispositivos de lei federal:
a) artigo 535, inciso II, do Código do Processo Civil, pois "a instância de origem insistiu em não se pronunciar sobre a controvérsia infraconstitucional suscitada, incorrendo em omissão" (e-STJ fl. 123);
b) artigo 54 da Lei nº 9.784/99, pois o Tribunal de origem considerou como marco inicial para a decadência nele prevista a data da aposentadoria do servidor. Segundo entende, só após o registro no âmbito do Tribunal de Contas é que o ato de aposentadoria se aperfeiçoa, já que se trata de ato complexo, ocasião em que se iniciaria a fluência do prazo decadencial.
Por ser prejudicial, examino a assertiva de nulidade do julgado. No caso, o recorrente não demonstrou, de maneira analítica, como teria se dado a omissão e porque estava a Corte local obrigada a se pronunciar sobre o assunto. Com efeito, o pedido encontra-se embasado na seguinte motivação: […] Por outro lado, reconheço que houve o prequestionamento explícito do disposto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, o que me leva a conhecer do apelo, passando a analisá-lo.
A questão não é pacífica na jurisprudência desta Casa e, para seu deslinde, torna-se imprescindível examinar, ainda que perfunctoriamente, a natureza do ato inicial de concessão da aposentadoria, a fim de constatar a sua natureza jurídica, se ato simples, composto ou complexo.
Como se sabe, o ato simples encontra-se perfeito e acabado pela sua simples prática; já o ato composto, apesar de produzir todos os seus efeitos a partir de sua realização, assim como o ato simples, depende da verificação, por outro órgão, para se tornar exequível; por final, o complexo é o que se aperfeiçoa pela fusão de vontades de órgãos diversos de mesma hierarquia.
A depender da natureza do ato de concessão da aposentadoria, teremos soluções distintas para a fixação do termo a quo do prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54, 1º, da Lei nº 9.784/99.
Se o ato for considerado simples ou composto, a contagem se inicia a partir da concessão do benefício pela Administração; se complexo, da negativa de seu registro pelo órgão de contas.
O aresto recorrido diverge da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual o ato de concessão inicial da aposentadoria é complexo, não se operando "a decadência prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99 no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou pensão e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas da União – que consubstancia o exercício da competência constitucional de controle externo (art. 71, III, CF)" (MS 24.781- DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno. Julgado por maioria em 02.03.11, DJe de 08.06.11)
[…] Não desconheço, outrossim, a nova orientação jurisprudencial, que considero se achar em harmonia com os princípios da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima do administrado, a qual assevera que o ato de concessão de aposentadoria não é complexo e que o registro pelo órgão de contas constitui ato meramente homologatório, na medida em que se realiza um juízo de legalidade do ato.
[…] No entanto, em obséquio à orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal e, malgrado tenha me manifestado em sentido contrário em outras oportunidades, curvo-me ao seu posicionamento para afastar a decadência, por entender que se trata de ato complexo. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial, para dar-lhe provimento. É como voto” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.244.336/SC – 2011/0057082-2. Relator: ministro Castro Meira. Segunda Turma. Julgado por unanimidade em 22/11/2011).
CONCLUSÃO
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS nº 25.116/DF, de certa forma, deu sinal de mitigação na sua vetusta jurisprudência, relacionada aos atos sujeitos a controle pelo Tribunal de Contas, como admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão, ao conceder o contraditório e a ampla defesa ao segurado depois do interregno quinquenal, pois as suas decisões anteriores eram sempre no sentido da não concessão da segurança, em virtude desses atos consubstanciarem atos administrativos complexos e da Súmula Vinculante nº 3 dessa Corte Constitucional.
Contudo, o maior progresso da Suprema Corte, no tocante aos atos sujeitos a controle, está relacionado à classificação da ascensão funcional (forma derivada de admissão no serviço público), como ato administrativo simples, afastando definitivamente o dogma de que, por estar tal investidura submetida a controle e fiscalização pela Corte de Contas, configuraria ato administrativo complexo.
Acredita-se que o STF, sem prejuízo do dispositivo constitucional (artigo 71, inciso III)[29] que rege os atos sujeitos a controle, sabiamente, não tardará a adotar outro posicionamento em relação aos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, uma vez que as evidências revelam-se expressivas e convincentes no sentido de que estes atos não são complexos, mas sim compostos.
De outra parte, como já discorrido, os tribunais, na sua grande maioria, têm privilegiado os princípios constitucionais, quando do transcurso do prazo, tido por razoável pela jurisprudência e doutrina, independentemente da natureza jurídica do ato, privilegiando a segurança jurídica em detrimento da legalidade estrita.
Outrossim, resta-nos o consolo de que, agora, o alcance da norma decadencial somente a partir da aprovação ou ratificação de tais atos pelo Tribunal de Contas, por serem considerados complexos pelo STF e STJ, não será mais uma unanimidade.
O primeiro passo, com outra concepção, foi dado tanto pela classificação do ato de admissão ou investidura como ato administrativo simples pelo STF quanto pelas várias decisões do STJ, contestando a classificação dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão como complexos.
Apesar de concordar-se plenamente com o jurista Rafael Da Cás Maffini, em “Atos administrativos sujeitos a registro pelos tribunais de contas e a decadência da prerrogativa anulatória da administração pública”, e com o voto condutor do ministro Jorge Mussi, do STJ, no REsp nº 1.047.524/SC, serão feitas duas ressalvas, que em nada alterarão as essências do ensaio do doutrinador e do voto condutor do ministro, que são pelo alcance da regra decadencial e da observância aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima, da boa-fé objetiva, da razoabilidade e da eficiência a partir ato inicial de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão.
A primeira, alusiva à doutrina, quando o doutrinador afirma que o ato de concessão de aposentadoria encontra-se perfeito ou concluído desde a manifestação inicial da Administração Pública. O entendimento manifestado, em outras ocasiões, era de que este ato só estaria perfeito depois do pronunciamento do órgão de controle, homologando o registro.
No entanto, o autor, aprofundando-se no assunto, verificando as diversas correntes e suas ponderações, rende-se aqui à corrente doutrinária que considera o ato concessivo de aposentação perfeito desde o pronunciamento da autoridade administrativa, não porque seja o pensamento majoritário, mas pela clareza, coerência e convencimento de suas alegações.
A perfeição do ato de concessão de aposentadoria, a partir do ato inicial ou principal, é explícita, condizente e persuasiva, isso porque todos os seus elementos de aperfeiçoamento já foram implementados, quando da prática do ato principal pela Administração Pública.
O ato secundário ou complementar de controle, por não ter autonomia, ou conteúdo próprio, apenas ratifica ou não. Além do mais, os atos, cujos efeitos são declaratórios, somente regularizam o estado precedente de fato ou de direito, nada criam ou modificam.
A segunda, atinente ao REsp nº 1.047.524/SC, trata da natureza jurídica do ato de concessão de aposentadoria. O ministro Jorge Mussi, quando do julgamento desse recurso especial, concluiu o seu voto, demonstrando de maneira clara que o referido ato, indubitavelmente, não é complexo.
Entretanto, refere-se à concessão de aposentadoria como ato típico de afastamento, isto é, ato cuja natureza jurídica se enquadra à classe de ato administrativo simples. No ato administrativo simples, tem-se uma decisão única, autônoma e independente. Esta concepção tem apoio de uma forte corrente doutrinária, que, geralmente, tem preferência pela classificação dicotomizada (ato administrativo simples e ato administrativo complexo).
Este trabalho está centrado na corrente cuja classificação é tricotomizada (ato administrativo simples, ato administrativo composto e ato administrativo complexo), e, como exposto nos subitens 3.6 e 3.3, respectivamente, o ato administrativo simples é o que resultará de uma única decisão, ou seja, da manifestação de vontade de um único órgão unipessoal ou colegiado, estando perfeito, acabado e pronto para gerar efeitos a partir dessa manifestação de vontade unitária, portanto, será autônomo e independerá de outro órgão, enquanto o ato administrativo composto resultará de uma vontade unitária e autônoma de um órgão, mas dependerá da ratificação por parte de outro para se tornar exequível.
Fundamentado nessas observações e na imposição constitucional do artigo 71, inciso III, pede-se vênia para discordar do posicionamento do eminente ministro (aposentadoria como ato administrativo simples), apenas, neste sentido, visto que são duas decisões distintas praticadas por dois órgãos distintos (o órgão administrativo e o órgão de controle), nas quais um pratica o ato principal e o outro, em face da lei, simplesmente declara a sua legitimidade para efeito de eficácia ou de execução, tratando-se, pois, de ato administrativo composto, e não de ato administrativo simples.
Finalizando, conclui-se que:
1. A decisão do Tribunal de Contas, aprovando ou homologando o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, tem natureza jurídica meramente declaratória, e não constitutiva desse benefício.
2. O Tribunal de Contas, ao aprovar ou homologar o ato de concessão do benefício, como aposentadoria, reforma ou pensão, imputar-se-á esse pronunciamento como ato de controle a posteriori, e não manifestação volitiva integrada à manifestação da Administração Pública para a formação ou existência de um ato único complexo.
3. Na aprovação ou homologação do ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, o Tribunal de Contas exprime apenas juízo de legitimidade (limita-se ao controle de legalidade) do ato perfeito e acabado, e não juízo de oportunidade e conveniência (ou juízo de mérito) do ato imperfeito, como acontece no ato administrativo complexo.
4. O pronunciamento do Tribunal de Contas, homologando o registro, consubstanciará condição de eficácia ou de exequibilidade do ato inicial de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, e não condição de existência ou perfeição, como afirma o STF, pois o referido benefício já se encontra perfeito e acabado desde a sua formação ou existência pela Administração Pública, pendendo, somente, de um controle de legalidade por parte da Corte de Contas para sua eficácia ou execução definitiva.
5. A perfeição e a consequente produção de efeitos de início dos atos sujeitos a controle pelos Tribunais de Contas, como aposentadoria, reforma e pensão, têm sido fatores para que tais atos não sejam complexos, pois não se integram às vontades da Administração Pública e do Tribunal de Contas para suas existências, perfeições e eficácias.
6. O § 1º do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999 é outro fator a contribuir para que os atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão não sejam complexos, pois ignora por completo a natureza jurídica do ato administrativo para, partindo de seus efeitos patrimoniais contínuos, privilegiar o beneficiário da relação, estabelecendo que o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
7. O ato de concessão do benefício da aposentadoria, reforma ou pensão é um exemplo típico de ato administrativo composto, no qual o ato acessório ou complementar de controle apenas ratifica ou aprova o ato de concessão inicial ou principal, tornando-o exequível.
8. A aprovação ou homologação do ato de concessão do benefício pelo Tribunal de Contas, realizado a posteriori, consiste numa mera manifestação instrumental de regularidade do ato principal, não se constituindo em elemento essencial para a perfeição deste.
9. Mesmo que o ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão sujeito a controle produza efeitos atípicos, por ser ato pendente de complementação provinda da Corte de Contas, ainda assim será enquadrado na categoria de ato administrativo composto, embora atípico.
10. O ato de admissão de servidor público, em cargo de provimento efetivo, configurará ato administrativo composto pelas mesmas razões discorridas em relação às concessões dos benefícios da aposentadoria, reforma e pensão, e, também, em observância ao princípio constitucional da igualdade ou da isonomia, por estar tal ato amparado pelo mesmo dispositivo constitucional e sujeito ao mesmo critério de controle desses benefícios.
11. A Lei nº 9.784/1999 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e discorre sobre a perda do direito potestativo da Administração Pública, devido a sua inércia em exercê-lo no período fixado na ordem jurídica. O artigo 54 dessa lei fixou o prazo decadencial de cinco anos contados da prática do ato pela Administração Pública ou, no caso de efeitos patrimoniais contínuos, da percepção do primeiro pagamento, para a anulação dos atos eivados de vício de legalidade, que resultem efeitos favoráveis para os seus beneficiários, quando praticados de boa-fé. Assim sendo, o instituto decadencial não permitirá a anulação do ato de concessão do benefício, mesmo que inválido, se ultrapassado o prazo de cinco anos de sua prática pela Administração Pública ou da percepção do primeiro pagamento do segurado, em observância aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva.
12. O Tribunal de Contas, ao apreciar a legalidade dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão, estará exercendo uma atividade auxiliar de controle e fiscalização inerente ao desempenho de função administrativa; portanto, a Lei nº 9.784/1999 alcançará também os atos dos processos analisados por essa Corte de Controle, ainda que subsidiariamente.
Assessor de Procurador de Justiça. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Mestre em Políticas Públicas e Doutorando em Direito
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