Resumo: As relações de trabalho tem adquirido, conforme passam os anos, maiores níveis de complexidade, razão pela qual tem gerado, de modo proporcional, o aumento no número de conflitos entre os respectivos trabalhadores e empregadores, gerando, como de praxe, ao Poder Judiciário a competência para suas soluções, entidade esta que, devido às dificuldades administrativas pelas quais passa, se vê sufocada ante a demanda, momento em que se torna passível, data venia, dos mais variados erros, inclusive por parte dos auxiliares da justiça, como o perito contábil, por exemplo. Desta forma, tendo em vista as consequências jurídicas provenientes de execuções que se deram em valores superiores ao devido por conta de equívocos nos cálculos realizados na fase de liquidação, necessário se faz, por meio do presente trabalho, análise teórica e jurisprudencial quanto ao método mais adequado do exercício da repetição do indébito. Portanto, será feita abordagem relativa ao direito das obrigações, especificamente em relação à obrigação de pagar, seguida de análise do processamento da fase de liquidação, bem como do instituto da repetição do indébito, para, finalmente, observar-se o método mais adequado de reivindicação dos valores cobrados erroneamente.[1]
Palavras-chave: Direito Processual do trabalho; Repetição do indébito; Liquidação; Erros de cálculo; Ação autônoma.
Abstract: The labor relations have acquired, as the years pass, more and more levels of complexity, reason for which it has generated, in a proportional way, the increase in the number of conflicts between the respective workers and employers, generating, as usual, to the Judiciary Power the competence for its solutions, an entity that, due to the administrative difficulties it goes through, is suffocated by the demand, at which point it becomes subject, data venia, to the most varied errors, including by the auxiliaries of justice, such as the accounting expert, for example. Thus, in view of the legal consequences resulting from executions that occurred at higher values due to misunderstandings in the calculations made in the liquidation phase, it is necessary, through the present work, theoretical analysis and jurisprudence as to the most appropriate method of exercising the claim for repayment. Therefore, an approach will be taken with regard to the law of obligations, specifically with regard to the obligation to pay, followed by analysis of the processing of the liquidation phase, as well as the institute of claim for repayment, to finally observe the most appropriate method of claiming erroneously charged values.
Keywords: Labor procedural law; claim for repayment; liquidation; calculation errors; autonomous action.
Sumário: Introdução. 1. Relações obrigacionais. 1.1. Noções introdutórias. 1.2. Obrigação de pagar ou solver dívida em dinheiro. 1.3. Obrigação de pagar no direito do trabalho. 2. Direito processual do trabalho. 2.1. Liquidação de sentença. 2.2. Liquidação por cálculo. 3. Repetição do indébito. 3.1. Noções gerais. 3.2. A necessária ação autônoma de repetição do indébito nos casos de execução em valor a maior por conta de erro nos cálculos de liquidação. 4. Considerações finais. Referências. Nota.
INTRODUÇÃO
As relações jurídicas pelas quais têm vivido a sociedade brasileira no atual sistema econômico tem demandado cada vez mais regulamentações por parte do ordenamento jurídico e, consequentemente, do legislador, dada a contínua evolução pela qual tem passado. Destas relações, se mostra presente, em sua maioria, a realização da solvência de obrigações por meio de pecúnia, como forma de contraprestação, perceptível desde a compra de um chiclete, até os pagamentos das verbas devidas por determinada prestação de serviço.
Tendo tal dinâmica se incorporado ao cotidiano das pessoas há séculos, bem como os conflitos de interesse nascidos de tais relações, comum se tornou a apresentação destes ao Poder Judiciário, com o fim de ter as pretensões – que nada mais são do que o ato de compelir alguém ao cumprimento de determinada obrigação – deferidas, alcançando, desta forma a tão almejada tutela jurisdicional.
Por outro lado, como se percebe através das mais variadas limitações vividas pelo órgão julgador, bem como pela complexidade das relações jurídicas obrigacionais características do presente século, como nos casos que envolvem dívidas trabalhistas – visto que compostas de incontáveis cálculos matemáticos – rara é a possibilidade de uma decisão judicial, no momento de sua prolação, reconhecer as questões de fato e de direito pleiteadas apresentando sua respectiva liquidez de imediato, razão pela qual indispensável se faz a fase processual de liquidação da obrigação contida na sentença, em que através dos devidos cálculos exercidos pelo perito, conferirá ao réu o valor devido para cumprimento da decisão.
Isto posto, visa o presente trabalho analisar perguntas como: Se, após a realização dos cálculos responsáveis por conferir liquidez ao direito do autor e sua consequente execução, constatar-se a existência de erro, como se daria o procedimento para sua correção? Caberia o exercício da repetição de indébito para afastar o enriquecimento sem causa? Seria realizada tal análise nos mesmos autos? Se a investigação se desse nos mesmos autos, não violaria o contraditório, que agora seria do reclamante/exequente, visto não ser possível o conhecimento dos fatos na fase de execução?
Tal dilema nos leva a fazer necessária digressão teórica sobre o instituto do direito das obrigações, bem como do próprio direito do trabalho, levando-se em observação a variada compreensão doutrinária e jurisprudencial sobre o caso.
1. RELAÇÕES OBRIGACIONAIS
1.1. Noções introdutórias
As relações obrigacionais, elemento indispensável na contemporaneidade, são compostas por um complexo de atos e fatos dos quais não cuidou, no caso do ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil conceituar.
Tal complexidade se mostra constatável, inclusive, pelo fato de inúmeras serem as possibilidades e as competências judiciárias para trata-la, o que variará quanto à forma de sua prática e quanto ao contexto em que se deu.
Serve de parâmetro os exemplos apresentados por MARIA HELENA DINIZ, ao nos mostrar que:
“[…] Juridicamente, emprega-se esse vocábulo em acepções diferentes; afirma-se, p. ex., que o inquilino tem a obrigação de pagar o aluguel; que o mandatário é obrigado a aceitar a revogação do mandato ordenada pelo mandante; que os cidadãos são obrigados a pagar imposto de renda, conforme sua capacidade contributiva; que o réu tem a obrigação de contestar o pedido formulado pelo autor ou os fatos em que a pretensão se funda; que os rapazes, em certa idade, são obrigados a cumprir serviço militar” (DINIZ, 2007, p. 25).
Conforme se constata, várias são as possibilidades da manifestação do fenômeno obrigacional, podendo alcançar os mais variados âmbitos do Direito, como o Cível, Trabalhista, Consumo, inclusive a área do direito Administrativo, cada um – obviamente – com suas respectivas peculiaridades, razão pela qual compete-nos apresentar uma definição que sintetize de forma justa e clara a sua existência nuclear. Para isso debruçamo-nos sobre a doutrina de CARLOS ROBERTO GONÇALVES que, de forma magistral, conseguiu tamanha proeza, nos mostrando que:
“Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível” (GONÇALVES, 2012, p. 41-42).
A partir do trabalho doutrinário pela conceituação de tal instituto em sentido amplo, responsabilizou-se o próprio legislador em construir sua classificação de acordo com a situação em que se manifesta, para melhor e mais seguro tratamento prático. Esta classificação, através do Código Civil de 2002, divide a relação obrigacional em obrigação de Fazer (art. 247 a 249, CC/02), Não Fazer (art. 250 e 251, CC/02), de Dar Coisa Certa (art. 233 a 242, CC/02) ou Incerta (art. 243 a 246, CC/02), bem como a obrigação de pagar pecúnia – esta com especial tratamento – as quais tomou também a doutrina o encargo de analisa-las. Ante o exposto, foquemos naquela que será de importância sumária para o presente trabalho.
1.2. Obrigação de pagar ou solver dívida em dinheiro
Considerada como umas das espécies de relação obrigacional mais comuns no cotidiano do ser humano há séculos, visto ser o nosso sistema econômico pautado no movimento do capital, a obrigação de pagar, também chamada de obrigação de solver dívida em dinheiro, trata-se, nada mais, nada menos, do que relações obrigacionais cuja prestação dependa, em um de seus polos, de um quantum pecuniário, razão pela qual pode ser encontrada, em uma realidade conjunta com as outras espécies de obrigação.
MARIA HELENA DINIZ (2007, p. 82), constata o caráter sui generis deste instituto, ao nos mostrar que “a obrigação de solver dívida em dinheiro é uma espécie de obrigação de dar que, pelas suas peculiaridades, merece um exame especial. Abrange prestação consistente em dinheiro, reparação de danos e pagamento de juros, isto é, dívida pecuniária, dívida de valor e dívida remuneratória”.
Conforme demonstrado, a obrigação de pagar quantia em pecúnia, por própria compreensão lógica, é espécie de obrigação de dar, visto tratar-se do ato de entregar valor em dinheiro para cumprir determinada obrigação. Isso difere, por outro lado, do instituto do pagamento, ao qual se relaciona com uma noção de cumprimento de obrigação lato sensu, como um ato comissivo em uma obrigação de fazer, um ato omissivo em uma obrigação de não fazer, ou a quitação por meio de um valor em dinheiro em uma obrigação de pagar/dar.
Em consolidação a esta questão em específico, JUDITH MARTINS-COSTA (2002, p.82) apresenta que “dentro do gênero ‘extinção da obrigação’ as palavras ‘adimplemento’, ‘cumprimento’ e ‘pagamento’ expressam, pois, a satisfação qualificada da prestação devida pelo devedor”.
Realizada apertada síntese sobre o instituto da obrigação de pagar, necessária é a realização de sua análise na seara objeto deste estudo, qual seja, o Direito do Trabalho, tendo em vista o contexto de sua aplicação, bem como seus efeitos entre as partes envolvidas na relação de emprego ou de trabalho.
1.3. Obrigação de pagar no direito do trabalho
O Direito do Trabalho, âmbito jurídico de extrema relevância em nosso ordenamento, é caracterizado por ser a seara responsável principalmente pela regulação das relações jurídicas (obrigacionais) envolvendo figuras como empregado e empregador, nas relações de emprego, ou trabalhador e tomador de serviços, nas relações de trabalho.
Neste viés, trazemos o conceito apresentado por MAURÍCIO GODINHO DELGADO (2016, p. 47), responsável por nos demonstrar que o Direito Individual do Trabalho – com o qual lida o nosso foco – engloba um “complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam, no tocante às pessoas e matérias envolvidas, a relação empregatícia de trabalho, além de outras relações laborais normativamente especificadas”.
Diante de tal conceito, percebemos sem qualquer mistério que tanto a relação de trabalho, quanto a relação de emprego, nada mais são do que relações obrigacionais, que possuem como componente da figura de credor, o trabalhador ou empregado, por conta da atividade laborativa prestada, e devedor, o empregador, enquanto empresa única ou qualquer empresa de grupo econômico ao qual o referido credor esteja vinculado, bem como o tomador de serviços, que se veem obrigados a promover a contraprestação da obrigação por meio do pagamento das verbas remuneratórias devidas (obrigação de pagar), como salário, verbas natalinas, devidos adicionais, etc.
A supracitada relação jurídica possibilita o trabalhador/empregado a reivindicar, na posição de credor que lhe compete, por meio de uma ação de conhecimento no qual se aferirá as questões de fato e de direito sob a qual plana o vínculo, a tutela jurisdicional que visa compelir o devedor (empregador/tomador de serviços) a realizar os pagamentos devidos, visto ter sido omisso administrativamente.
Dada a constatação da causa de pedir e o deferimento da pretensão, terá por encerrada a fase de conhecimento, razão pela qual se iniciará a fase de cumprimento de sentença, na qual se fará necessária a apuração do quantum debeatur, por meio da fase de liquidação, para que o devedor, desta forma, seja executado tendo em vista o valor devido.
Tal fato mostra patente a necessidade de, a partir deste momento, migrar nosso foco do direito material para o direito processual, de modo que analisaremos o fundamental instituto da liquidação de sentença, responsável por tornar possível a execução e consequente pagamento do débito obrigacional.
2. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
2.1. Liquidação de sentença
O Direito Processual do Trabalho, âmbito que independente de seu tempo ainda é considerado como inovador nos mais variados sentidos, sofre de uma questão que alcança todas as searas processuais, que é a falta de liquidez da sentença judicial. Situação inevitável, dada a impossibilidade de o magistrado apresentá-la de plano, visto ser complexo, em sua maioria, os casos com os quais lida, razão pela qual se faz necessário uma apuração matemática para que só então possa ter início o cumprimento desta decisão.
Conforme nos mostra SÉRGIO PINTO MARTINS (2016, p. 963) torna-se claro o fato de que “Liquidação tem o sentido de tornar clara a sentença quanto a valores”.
Todavia, erra quem acredita que a liquidação se dá sobre a sentença em si. O procedimento liquidatório é mais profundo, ao ponto de alcançar a obrigação nascida da sentença condenatória proveniente da pretensão da reclamante, uma vez que se mostra necessário que o profissional designado, como é o caso do perito (contador), torne claro o valor que tal obrigação possui, a qual, após homologada pela sentença de liquidação (que se manifesta por meio de decisão interlocutória e, portanto, irrecorrível), dê início ao processo executório.
Neste sentido, continua:
“O ideal é falar na liquidação da obrigação contida na sentença e não na liquidação da sentença. Não se liquida a sentença, mas a obrigação nela contida. Liquidação de sentença é uma figura de linguagem (elipse). A liquidação de sentença é uma fase de execução, que irá preparar a execução, quantificando o valor devido ao empregado, pois o que é devido já foi estabelecido na sentença; falta quantifica-la” (MARTINS, 2016, p. 963 – 964).
No mesmo viés:
“A rigor, portanto, não é a sentença que é liquidada, e sim o comando obrigacional de pagar contido no seu dispositivo (decisum). Noutro falar, as sentenças condenatórias, a rigor, tornam certo apenas o débito (na debeatur), cabendo à liquidação a fixação do quanto devido (quantum debeatur)” (LEITE, 2016, p. 1384).
Desta forma, chega-se à conclusão de que uma sentença líquida é aquela cuja obrigação por si produzida é discriminada quanto ao seu objeto, quantidade e qualidade, e ilíquida, por outro lado, aquela que apresenta apenas seu objeto e a qualidade deste, omitindo-se, todavia, quanto a sua quantidade (quantum debeatur).
Outra interessante questão se manifesta nos casos de sentenças mistas, ou seja, aquela em que há tanto a manifestação de obrigações líquidas, quanto ilíquidas, de modo que será permitido ao reclamante promover a execução imediata da parcela líquida, bem como realizar a liquidação da outra, como manifestação expressa do princípio da Máxima Efetividade da Execução (Art. 509, § 1º, CPC/15).
Diferentemente do Código de Processo Civil de 2015 que, mantendo o entendimento de seu antecessor de 1973, ao tratar do procedimento de liquidação no Capítulo XIV do Título I, considerando-o como integrante da fase de conhecimento do processo, razão pela qual é tido como preparação à execução, a CLT, a seu turno, trata-o em seu Capítulo X, no Título V, colocando tal instituto como fase primária da execução.
O dispositivo processual civil expõe aos jurisdicionados, em seu artigo 509, as espécies de procedimentos cabíveis para fins de liquidação, conforme percebe-se:
“Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor:
I – por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação;
II – pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.
§ 1º Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.
§ 2º Quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença.
§ 3º O Conselho Nacional de Justiça desenvolverá e colocará à disposição dos interessados programa de atualização financeira.
§ 4º Na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou”.
A Consolidação Trabalhista, por sua vez, estipula em seu artigo 879 que:
“Art. 879 – Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos.
§ 1º – Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda nem discutir matéria pertinente à causa principal.
§ 1º-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas.
§ 1º-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente.
§ 2º – Elaborada a conta e tornada líquida, o Juiz poderá abrir às partes prazo sucessivo de 10 (dez) dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão.
§ 3º Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação da União para manifestação, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de preclusão.
§ 4º A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária.
§ 5º O Ministro de Estado da Fazenda poderá, mediante ato fundamentado, dispensar a manifestação da União quando o valor total das verbas que integram o salário-de-contribuição, na forma do art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, ocasionar perda de escala decorrente da atuação do órgão jurídico.
§ 6º Tratando-se de cálculos de liquidação complexos, o juiz poderá nomear perito para a elaboração e fixará, depois da conclusão do trabalho, o valor dos respectivos honorários com observância, entre outros, dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade”.
Desta forma, se faz perceptível que o regulamento processual trabalhista, com o qual focamos nosso viés, possibilita o procedimento de liquidação por três formas, quais sejam, por cálculo, por arbitramento e por artigos, dentre os quais o primeiro se mostrará de absoluta relevância para nossa análise.
2.2. Liquidação por cálculo
Conforme abordado em linhas supra, o procedimento de liquidação no direito processual trabalhista possui, por força do art. 879 da CLT, como uma de suas espécies, a liquidação por cálculo, responsável por fazer uso dos elementos presentes na sentença, bem como nos autos do processo, com o fim de, através dos variados cálculos matemáticos, alcançar o valor líquido da obrigação contida no referido título judicial.
É a presença dos elementos contidos nos autos que definirá a espécie do procedimento de liquidação que será utilizado, ou seja, sendo presente tais dados, será possível a liquidação por cálculo, por outro lado, em não havendo, deverá a liquidação se dar por arbitramento ou por artigos, o que dependerá do caso concreto.
Os cálculos, por força do art. 524 do CPC/15, passou a ter requisitos indispensáveis, como, dentre eles, o demonstrativo do cálculo (memória) em que se alcançou a liquidez das obrigações contidas na decisão, assim como suas respectivas correções monetárias e incidências de juros de mora, o que, na realidade fática da prática processual trabalhista, já era praticado.
Se faz possível constatar a integralidade dos requisitos do cálculo no dispositivo infra:
“Art. 524, CPC/15. O requerimento previsto no art. 523 será instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, devendo a petição conter:
I – o nome completo, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente e do executado, observado o disposto no art. 319, §§ 1º a 3º;
II – o índice de correção monetária adotado;
III – os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI – especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados;
VII – indicação dos bens passíveis de penhora, sempre que possível”.
Se os cálculos sobre os quais incidem no caso concreto forem demasiadamente complexos, ou se os valores demonstrados pelo exequente forem considerados superiores ao que se considera devido, poderá o próprio juiz nomear perito, o qual terá seus honorários definidos, após a conclusão do trabalho, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, conforme dispõe o art. 879, § 6º, CLT.
Consubstanciando:
“Poderá o juiz valer-se do contabilista do juízo, quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exequenda (§§ 1º e 2 do art. 524 do CPC). A utilização do contador do juízo é uma faculdade do juiz, pois a lei emprega o verbo poder e não o verbo dever. O contabilista, que é uma pessoa formada em Contabilidade, será usado quando a memória de cálculo apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exequenda. No Cível, existe contabilista. Entretanto, na Justiça do Trabalho, na maioria das regiões, não existe contabilista. O juiz do trabalho acaba designando um particular da sua confiança para fazer os cálculos, que, na prática, é chamado de perito” (MARTINS, 2016, p. 974).
Além das informações apresentadas, duas mais se mostram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho. A primeira situação é caracterizada de modo que, se alguns dos dados fundamentais para o desenvolvimento do cálculo encontrarem-se em posse do devedor ou de terceiros, poderá o credor peticionar ao juiz, solicitando seu requerimento ao devedor, o qual será compelido a entrega-los no prazo de 30 dias, sob pena, no caso de falta injustificada, serem considerados corretos os cálculos apresentados pelo credor baseados nos dados que dispõe, conforme emana o artigo 524, §§ 4º e 5º, do CPC/15.
Quanto aos dados fundamentais para os cálculos que se encontrem em posse de terceiros, dispõe o artigo 403 do CPC/15:
“Art. 403. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver.
Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão”.
A CLT, por outro lado, não dispõe de dispositivo equivalente, todavia, entende a relevante parte da doutrina que a aplicação subsidiária do dispositivo processual civil é cabível neste caso.
A segunda situação manifesta-se por meio do artigo 879, § 2º, da CLT, cuja redação fora dada pela Lei 8.432/92, em que, após elaborados os cálculos e liquidados os valores, fornecerá o juiz às partes o prazo sucessivo de 10 (dez) dias para exercício de impugnação fundamentada de seus elementos, sob pena de preclusão.
Além desta oportunidade de contrariar os cálculos apresentados, poderá o devedor, já na fase de execução, em observância ao artigo 884 da CLT e seus parágrafos 3º e 4º, apresentar embargos à penhora, nos quais poderá impugnar a sentença de liquidação.
Diante de tais informações, a seguinte pergunta poderia ser formulada: o que aconteceria se o devedor, acreditando que os cálculos estão corretos, deixasse de impugna-los, constatando porém, após a consumação da execução, a existência de vício? Seria a decisão nula, ou a coisa julgada a solidificaria? Seria cabível a ação de repetição de indébito para restituir o valor indevidamente cobrado, afastando, assim, o enriquecimento sem causa?
Desta maneira direcionaremos nossa análise para o próprio instituto da repetição do indébito, para que seja possível, desta forma, a observância do seu cabimento em situações tais.
3. REPETIÇÃO DO INDÉBITO
3.1. Noções gerais
O instituto da repetição do indébito, fundamental para as relações jurídicas que envolvam pecúnia, é caracterizado por ser o instrumento jurídico responsável pela restituição de valores cobrados indevidamente, os quais, a depender do caso concreto, se dará em dobro.
Como em muitas situações, a Consolidação das Leis do Trabalho se mostra omissa no tocante à abordagem da repetição do indébito, o que possibilita o uso, segundo o artigo 769 da referida norma, de instrumentos e dispositivos provenientes de outros ramos do Direito, razão pela qual é utilizado o artigo 940 do Código Civil Brasileiro de 2002, o qual explana:
“Art. 940, CC/02. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”.
Desta forma, com base em análise cognitiva do dispositivo supra, percebe-se que:
“[…] duas são as situações possíveis: (i) o credor pretende receber dívida já paga, hipótese em que responderá pagando ao devedor o dobro do que lhe houver cobrado e (ii) o credor pretende receber mais do que lhe é devido, caso em que responderá pagando ao devedor o excesso cobrado” (GUGLINSKI, 2014).
Cumpre ressaltar que a nova cobrança de valor já quitado, bem como a cobrança da dívida em valor superior ao devido, caracteriza ato ilícito, conforme dispõe o artigo 187 do Código Civil de 2002, o qual manifesta:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Além disto, perceptível se faz quanto ao fato de que o referido dispositivo tem como núcleo o verbo demandar, tornando claro que o valor cobrado, mas já recebido, ou cobrado à mais do que o devido, deve se manifestar por meio de ação judicial, o que, no nosso caso, associamos a uma cobrança de dívidas trabalhistas, mais precisamente à cobrança indevida por conta de erro no cálculo de liquidação da pretensão deferida pelo juiz.
Todavia, visto que o dispositivo ora tratado determina a devolução do valor em dobro ou o excesso cobrado, como forma de penalizar a má-fé proveniente da cobrança indevida, entende-se que no caso em análise, tal penalidade não seria devida, visto que o fato gerador do erro referente ao valor cobrado se deu por parte do perito, que, em regra, presta serviços para o próprio poder judiciário, não ficando caracterizada a má-fé, sequer a conduta por parte do credor, salvo se, no momento da repetição do indébito, com este intuito agir o credor, entendimento o qual inclusive é objeto de Súmula pelo próprio Supremo Tribunal Federal desde 1963, sob a égide do Código Civil de 1916, conforme se observa:
“Súmula nº 159, STF (13/12/1963): Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do Art. 1.531 do Código Civil”.
Antes o exposto, em apertada síntese, possível se fez a compreensão basilar do instituto da repetição do indébito, razão pela qual fundamental será a análise da sua aplicação stricto sensu no Direito Processual do Trabalho, nos casos em que o erro nos cálculos realizados na fase de liquidação resultou em execução de valores viciados, em quantidade superior ao que seria devido.
3.2. A necessária ação autônoma de repetição do indébito nos casos de execução em valor a maior por conta de erro nos cálculos de liquidação
Conforme tratado nos tópicos anteriores, a fase de liquidação pode ser considerada como um período extremamente sensível do processo, visto ser responsável por tornar líquido os direitos conquistados processualmente pela Reclamante, razão pela qual, em existindo qualquer vício matemático – levando-se em conta a liquidação por cálculos –, tonando o valor maior do que o devido, o qual não foi percebido por nenhuma das partes até que consumada a execução, dará ao executado o direito de reivindicar em face da parte contrária, os excessos que esta adquiriu, sob pena de caracterizar o enriquecimento sem causa.
A dúvida existente na prática se referia à forma pela qual seria exercida a repetição do indébito, ou seja, se esta se daria nos mesmos autos, dentro da execução, ou em ação autônoma, o que nos dá o dever de analisar as duas hipóteses.
No primeiro caso, em havendo a repetição do indébito nos mesmos autos da execução, visto que a fase de conhecimento encontra-se selada pela coisa julgada, nos depararíamos com o primeiro grande problema, o qual seria o cerceamento do direito de defesa, que agora seria do exequente, uma vez que não se discute, nesta etapa do processo, qualquer questão referente ao conhecimento dos fatos ou direitos, pondo tão somente em prática (executa) o que fora deferido pelo juiz na fase de conhecimento.
Deste modo, outra opção não resta senão ser a restituição pela cobrança indevida dada por ação autônoma, visto que será necessário a rediscussão desta problemática em específico, com a devida apresentação de argumentos e provas pelas partes, de modo a constatar a real existência ou não do vício, e a consequente devolução do valor por parte do antigo exequente.
Em sede de embargos de divergência, a Subseção de Dissídios Individuais da 1ª turma, de relatoria do Ministro José Roberto Freire Pimenta, julgou em Junho de 2017, formalizando o seguinte entendimento:
“Execução. Equívoco nos cálculos de liquidação. Levantamento de valores a maior. Devolução nos próprios autos da execução. Impossibilidade. Necessidade do ajuizamento de ação de repetição de indébito.
O meio processual idôneo para pleitear a devolução de valores levantados a maior em execução de sentença, decorrentes de equívoco nos cálculos realizados em liquidação, é a ação de repetição de indébito. A pretensão de restituição de tais valores nos próprios autos da execução é inviável, pois, nessa fase, a cognição é limitada e não proporciona ao exequente medidas capazes de assegurar o direito à ampla defesa e ao contraditório. Sob esses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negou-lhes provimento, mantendo, portanto, a decisão turmária que conhecera do recurso de revista dos exequentes por violação do art. 5º, LV, da CF e dera-lhe provimento para cassar a ordem de devolução de valores recebidos a maior expedida nos próprios autos. TST-E-ED-RR-59886-60.1993.5.05.0017, SBDI-I, rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 1º.6.2017”.
Desta forma, por meio do entendimento firmado, torna-se ainda mais patente o fato de ser fundamental a postulação de ação autônoma de repetição de indébito, como forma de garantir, em um Estado Democrático de Direito, o exercício pleno do contraditório, para que as partes alcancem na medida exata, desta forma, o direito que lhes compete.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do conteúdo ora exposto, conclui-se a presente análise, por meio da digressão teórica e observância doutrinária e jurisprudencial que, diante dos casos em que houver equívoco ou verdadeiro vício nos cálculos de liquidação por parte do perito, sem que tenha havido qualquer má-fé das partes, e que tal vício não tenha sido percebido até que consumada a execução, necessário se fará a cobrança do valor adquirido indevidamente por meio de ação autônoma de repetição do indébito, em observância ao princípio do contraditório e ampla defesa, bem como meio de impedir a ocorrência de enriquecimento sem causa, promovendo, desta forma, a devida justiça na busca por direitos.
Acadêmico de Direito no Centro Universitário Jorge Amado
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