A necessidade do controle jurisdicional nas questões de concurso público formuladas com erros

Resumo: o presente artigo traz em seu bojo, de forma bem sucinta, a análise sobre a necessidade do Poder Judiciário interpretar e estender seu controle nas questões em que envolva bancas examinadoras de concursos públicos, mais precisamente, na discursão sobre o controle jurisdicional das questões formuladas com erros, não estando, observado as regras constitucionais pela Administração Pública.

Palavras-chave: concurso público; critérios de correção; legalidade; moralidade; múltipla escolha; múltipla escolha;

Sumário: 1 – Introdução; 2 – As Provas Objetivas; 3 – Visão Constitucional; 4 – A Legalidade; 5 – Considerações Finais; Referências.

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1 – Introdução

Recentemente, no mês de maio, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº. 632853, com Repercussão Geral, decidiu que o Poder Judiciário não pode interferir em critérios fixados por banca examinadora de concursos. Na orientação técnica dos magistrados, segundo o voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do acórdão, a jurisprudência do Supremo é antiga no sentido de que o Poder Judiciário não pode realizar o controle jurisdicional sobre o mérito de questões de concurso público.

Na decisão, houve destaque, também, à reserva da administração, o que impede ao Judiciário a substituição das bancas examinadoras de concursos, por ser um espaço que não é suscetível de controle externo. Neste tema, o enunciado da repercussão geral, a ser adotado obrigatoriamente em casos similares, em todas as instâncias, é o seguinte: “Os critérios adotados por banca examinadora de concurso público não podem ser revistos pelo Judiciário”.

Cabe razão aos ministros daquela Casa judiciária, realmente a jurisprudência formada pelos tribunais brasileiros como um todo, sempre foi na direção de se afastar da responsabilidade em discutir questões óbvias… Pode-se, inicialmente, sugerir que os nossos juízes deram a gerentes e responsáveis por bancas examinadoras o título de semideuses, pois não cometem erros, ou se cometem não cabe ao judiciário julgá-los.

Veja porém que, apenas inicialmente se pode ter tal ideia… No entendimento dos ministros, a história jurisprudencial brasileira, permite, aos juízes, apenas que se verifique se o conteúdo das questões corresponde ao previsto no edital, sem entrar em qualquer questão que vislumbre questão de mérito, a não ser nos casos de ilegalidade ou inconstitucionalidade.

2 – As provas objetivas:

Nas provas chamadas objetivas, confeccionadas geralmente pelo método de múltipla escolha, pede-se que o candidato assinale a resposta certa ou a resposta errada. O certo ou o errado  será aferido pelo confronto da resposta com o estado atual das ciências, da técnica ou das artes, conforme a área de conhecimento em que tais provas se situam. O gabarito oficial deverá espelhar com fidelidade essa situação, indicando como alternativa certa a que assim for considerada pela atualidade dos estudos técnicos e científicos sobre o tema em análise. Se a resposta em conformidade com o gabarito oficial é a considerada certa, a que a ele não se ajustar é tida como errada. É tudo ou nada; não há meio termo, pois não há qualquer espaço para avaliação das respostas por critérios subjetivos, não sendo também necessário comparar as provas entre si. A comparação é apenas com o gabarito.

Com tais considerações surge um questionamento óbvio: estando a resposta de uma questão, em avaliação de um determinado concurso, reconhecida pela banca examinadora como certa, apontando para direção completamente diversa ao que determina a ciência técnica específica como correto, não estaria tal entendimento administrativo eivado de ilegalidade?

No entendimento inicial provavelmente: não! Essa não é uma ilegalidade passível de correção pelo judiciário, já que, sua competência deve se limitar ao exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do concurso, sendo vedada a análise dos critérios de formulação de questões, de correção de provas, atribuição de notas aos candidatos, matérias cuja responsabilidade é da Administração Pública.

Ora, vejam, porém que o entendimento de legalidade é amplo e aponta para um prisma de análise mais complexo… Aceitar o raciocínio apenas de maneira abstrata é aceitar que um questionamento de concurso, no qual se pede o resultado da soma de dois mais dois [2 + 2], que, dentro da ótica matemática (lógica matemática1), qualquer resultado diferente de quatro, por lógica, estará errado; sendo assim, mesmo que a Banca Examinadora, do exemplo citado, aponte como resposta verdadeira o número cinco, este nunca será um resultado correto, e se assim o for, tal resultado, mesmo que afirmado pela seara administrativa, será ilegal e imoral.

Neste tema, outro não pode ser o entendimento que, uma das atribuições do princípio da legalidade é justamente estabelecer paradigmas para que se realize o controle e a avaliação do funcionamento dos chamados “aparatos de poder”, desse modo: as ações administrativas, inclusive de bancas examinadoras de concursos, só têm, e gozam, de legitimidade quando estão em consonância com o estabelecido pelas regras legais.

Instruir um ato decisório com respaldo de uma imaginada discricionariedade administrativa, e nessa senda, resvalar-se ao entendimento que trata-se de um campo ao qual jamais se permitiu que o Poder Judiciário tivesse acesso, pois, do contrário, restaria violado o princípio da separação das funções do Estado2, na ótica legalista não é a mais aceitável, estando ferindo a observância dos princípios constitucionais.

3 – Visão Constitucional:

Por mais óbvio que seja, há certa resistência no judiciário em acatar a diplomação contida nos incisos XXXIV e XXXV, do artigo 5º – da Constituição Federal; em tais itens, se resume o ordenamento que ao cidadão – detalhadamente no caso aqui em análise –, enquanto candidato de um concurso, discordando de uma resposta apontada como correta pela banca examinadora, tem o direito de levar ao Poder Judiciário sua indignação, seu pleito. Por outro lado, ao judiciário cabe a apreciação da suposta lesão ao direito, e esta, estando demonstrada, cabe ainda desconstituir a decisão administrativa anterior que a sublinhou como correta, e não meramente se excluir de tal obrigação.

Com tais considerações, pode-se observar que, mesmo na teoria tradicional, é aceito o controle da existência e adequação dos motivos, em relação ao objeto (conteúdo) do ato, matéria que, para esse fim, é transportada para o campo da legalidade.

4 – A Legalidade:

Visto pelo âmbito da legalidade, então, o mérito dos atos administrativos estão, sim, sujeito a controle judicial, sob o critério de razoabilidade. A autoridade julgadora não deverá avaliar se o administrador, como é de seu dever, fez o melhor uso da competência administrativa, mas cabe-lhe ponderar se o ato conteve-se dentro de padrões médios, de limites aceitáveis, fora dos quais considera-se erro e, como tal, estando sujeito a anulação. O conceito de razoabilidade, pela valoração que envolve, não evita uma zona de penumbra – ponto de transição –, fenômeno que, ultrapassado o racionalismo, tornou-se típico das instituições jurídicas; assim, em caso de dúvida – e somente assim – sobre se um ato comporta-se, ou não, dentro de fronteiras razoáveis, deve o juiz optar pela sua confirmação. Sob tal critério, o julgador deve, pois, avaliar se houve erro na formulação de uma questão de prova de concurso, mediante instrução probatória ou, quando a prova for pré-constituída ou desnecessária, até em mandado de segurança3.

O Tribunal Constitucional Federal alemão, ao julgar processo similar ao aqui em análise, sustentou a inexistência de margem de apreciação no tocante às questões de exame de natureza técnica ou científica e a existência dessa margem ou “área de apreciação”, quando se cogitar de prova, por exemplo, cuja avaliação não dispense a análise das provas de todos os demais candidatos. É o que sucede nas provas de natureza dissertativa nas quais, para a justa avaliação de uma delas, será indispensável o cotejo com as outras.

A aplicação do princípio da legalidade tem como objetivo subordinar completamente tanto o processo administrativo, quanto o procedimento que vise à organização do concurso público aos ditames da lei, tendo, pois, como escopo principal, coibir arbitrariedades e excessos dos administradores públicos.

Os tribunais superiores já substanciaram jurisprudência forte sobre tal tema, ressaltando que, a legitimidade de um processo administrativo – no caso o Concurso Público – está diretamente ligada à garantia de sua legalidade:

“Ementa: REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÕES CÍVEIS – CONCURSO PÚBLICO – QUESTÕES OBJETIVAS – ERRO NA ELABORAÇÃO DE QUESTÕES DE MULTIPLA ESCOLHA QUE APRESENTARAM MAIS DE UMA RESPOSTA CORRETA – ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO – EXCEPCIONALIDADE – SENTENÇA CONFIRMADA NO REEXAME NECESSÁRIO. – O concurso público é o meio legítimo, democrático, idôneo e eficiente de investidura no serviço público. Desta forma, excepcionalmente, é cabível a anulação de questão objetiva de concurso público, pelo Poder Judiciário, quando ocorre erro flagrante erro na elaboração de questões de múltipla escolha que apresentaram mais de uma alternativa correta, a fim de se ver garantida a idoneidade e a legitimidade do Concurso Público. [TJMG – Ap Cível/Reex Necessário AC 10024121792360003]”

Cabe lembrar as palavras do mestre Hely Lopes Meirelles, de que, o administrador não tem vontade própria e por isso, só lhe é permitido fazer o que é autorizado por lei. 5

Na verdade, ao apontar e decidir sobre uma ilegalidade contida em questão de concurso – decidindo se a resposta dada foi ou não correta –, o Poder Judiciário não está, de forma alguma, substituindo a banca examinadora. Ora, está sim, respondendo a um claro afrontamento aos princípios maiores da Constituição Federal, qual seja: a legalidade e a moralidade; isso porque, o reexame dos critérios empregados pela banca examinadora na elaboração, correção e atribuição de notas em provas de concurso público é admissível – e dentro da legalidade que impõe ao judiciário um posicionamento – em algumas situações limítrofes, como, por exemplo:

“I – se a questão impugnada pelo candidato apresentar-se dissociada dos pontos constantes do edital;

II – se a questão revelar-se absolutamente teratológica – contrária à lógica da ciência em análise – em cotejo à resposta constante do gabarito oficial;

III – se a questão objetiva – do tipo: múltipla escolha – apresenta duas, ou mais opções de resposta como corretas; estando o edital, determinando apenas uma.”

5 – Considerações Finais:

Por fim, é importante destacar que, em matéria científica, técnica ou artística, não pode a banca examinadora reputar como certa resposta insustentável à luz da técnica ou da ciência ou, inversamente, considerar como errada posicionamento que, por aqueles padrões, é correta. Neste particular, o controle jurisdicional é, em princípio, total e irrestrito, só podendo ser limitado pelo próprio órgão julgador caso conclua que os elementos constantes do processo não lhe permitem afirmar que a solução tida como correta pela banca ou comissão examinadora é errada, ou vice-versa.

Com tais considerações, cabe sim ao juiz ou tribunal reparar erro de banca examinadora, e decidir se a resposta dada a uma questão foi ou não correta, ou se determinada questão poderia ter mais de uma resposta dentre as oferecidas à escolha do candidato, desde que, a resposta dada como correta pela administração esteja claramente em divergência à ciência em estudo, ou ainda, que duas, ou mais, opções concretizem o que foi definitivamente pedido ao candidato; tal assertativa não vai contra o posicionamento do STF, e a sua Repercussão Geral.

 

Notas:
1 ___ GERÔNIMO, João Roberto; FRANCO Valdeni Soliane. Fundamentos de matemática: uma introdução à lógica matemática, teoria dos conjuntos, relações e funções. 2º Edição 2008.
___ Lógica Matemática é uma sub-área da matemática que explora as aplicações da lógica formal para a matemática. Basicamente, tem ligações fortes com Matemática, os fundamentos da matemática e ciência da computação teórica. (GERÔNIMO, João Roberto; FRANCO Valdeni Soliane. Fundamentos de matemática: uma introdução à lógica matemática, teoria dos conjuntos, relações e funções. 2º Edição 2008).
2 ___  Consagrada em todos os Estados democráticos, a tripartição das funções do Estado erige-se como princípio fundamental estruturante da Constituição Federal, dispondo o seu artigo 2° que a União é dotada de três poderes, independentes e harmônicos entre si, a saber: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
___ Constituição Federal. Disponível em: www.senado.gov.br/atividade/const/constituicao-federal.asp
___ Artigo 5º => Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
3  ___ TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO – AMS 2002.34.00.035228-5/DF
4 ___ Revista da Procuradoria-Geral do Estado [do Rio Grande do Sul]. -Porto Alegre : Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. Vol. 27; nº. 57 – 2003.
___ Allgemeines,…140 “Der Kandidat ist daher auch mit der Behauptung zu hören, seine Antwort auf die Prüfungsfrage sei zutreffend oder zumindest vertretbar gewesen. Zu Recht stellt das BVerfG fest das eine vertretbare un mit gewictigen Argumenten folgerichtig begründete Lösung nicht als falsch gewetet wwerden darf”. E, ainda mais incisivo, Elementos…, pág. 59: “O examinador não deve avaliar como errônea uma solução exposta pelo examinando se ela esta conseqüentemente fundamentada e na literatura, em alguma parte, é eustentada seriamente, mesmo que ele próprio a considere como errônea”.
5 ___ MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Eder Machado Silva

 

Policial Militar da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em direito e filosofia – com especialização em processo civil e direito militar. Mestrando em Antropologia. Autor de livros jurídicos e artigos em revistas e sites especializados. Membro titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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