Por Thays Martinez
Aparentemente, estar em um pedestal pode parecer ocupar um lugar de destaque; um lugar em que o nosso “ser especial” é reconhecido. Sim, acredito que todos nós somos especiais e temos o direito de nos sentirmos assim. E essa é uma coisa curiosa. Se todos, ou quase a totalidade, somos especiais, ninguém é especial. Concorda? Aliás, é exatamente essa equação que tentamos resolver nas terapias. Essas afirmações são verdadeiras, no meu entender – e complicadas! Se tivermos um pensamento binário ou maniqueísta, no qual tudo tem de ser classificado como bom ou mau, certo ou errado não conseguiremos fechar essa conta. Mas, eu repito: fuja do pedestal, como o diabo foge da cruz, tenha você resolvido ou não essa equação. Em tempos de pandemia, estar longe do pedestal e da cruz pode ser um fator de força interior para passarmos por essa fase.
Defendo a fuga do pedestal, porque quando estamos nesse lugar – ou quando colocamos alguém nesse espaço hipotético –, não garantimos a ocupação de uma posição de destaque; na verdade, garantimos um isolamento e anulamos a oportunidade do pertencimento, do confortável lugar de humanidade, do lugar em que devemos estar para sermos nós mesmos – ou seja, aquele lugar em que podemos tentar, acertar, errar, corrigir, tentar novamente.
E o que é o pedestal? É a prisão em que colocamos pessoas, ou nos deixamos colocar; um espaço onde tudo o que conseguimos ver são as expectativas alheias e tudo o que sentimos é uma enorme solidão e o medo paralisante de dar um passo em falso. Então, esse é outro aspecto importante: além de não se deixar aprisionar em um pedestal, por favor, não condene ninguém a esse lugar cruel e irreal. Estamos em um contexto de distanciamento social; um momento em que podemos olhar para dentro e iniciar um processo de reconstrução; de alinhamento de expectativas; de aceitação de que os planos traçados para 2020 devem ser revistos e alterados.
Diante das mudanças trazidas por esse vírus, dedicamos os dias a buscar um herói. Entretanto, deveríamos buscar e reconhecer pessoas que, em razão da própria experiência, conhecimento e atitude são capazes de nos ajudar. A busca por nossa humanidade e a construção de uma nova sociedade mais igualitária requer darmos mais um passo na direção desse ser humano mais real e profundamente empático. Enquanto continuarmos na fantasiosa busca de fadas e heróis, duas tristes consequências advirão.
A primeira, acreditando que existem pessoas perfeitas, vamos nos deixar levar por discursos daqueles suficientemente malucos e/ou mentirosos que se apresentam como salvadores. Na segunda situação, não nos sentiremos capazes de colocar a nossa mão para girar a roda, porque – conscientes da nossa imperfeição – concluiremos que não estamos à altura dessa missão.
Com essa reflexão, chega de buscar a nota 10! Vamos compreender que um oito ou nove são notas mais do que suficientes para que possamos fazer essa roda da transformação social girar para o lado – e com a velocidade que achamos correta. Vamos parar de descartar pessoas por elas não terem acertado a questão final que lhes daria a nota 10. Lembra, combinamos que a nota oito ou nove está mais do que bom. Talvez até seis ou sete – que significam mais acertos do que erros. E, se afastamos a nota oito para abrir espaço para um eventual 10, também estamos abrindo o mesmo espaço para as notas quatro, três ou zero.
Então, gostaria de propor um trato: vamos passar a aplaudir as notas oito – nossas e dos demais – e, quando reconhecermos um erro, lembremos de que isso apenas significa que não será possível o 10, mas que estamos perfeitamente satisfeitos com o oito. Assim, teremos a paz de espírito e lucidez imprescindíveis para promovermos as transformações humanas necessárias. Que seja possível emergir do mundo pós-pandemia um novo pacto social.
| Thays Martinez
Nascida em São Paulo, em janeiro de 1974, Thays Martinez é formada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). A advogada, palestrante e empreendedora social possui especialização em Direito Penal e em Interesses Transindividuais; e MBA em Marketing de Serviços. Deficiente visual desde os quatro anos, Thays foi conselheira do Conselho Nacional de Assistência Social e membro da comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB. Voluntária de Relações Institucionais do Instituto Magnus, a advogada é consultora e ministra palestras em empresas (públicas e privadas) e em estabelecimentos de ensino, abordando temas como motivação, mudança, inovação e superação; Direito; acessibilidade; e inclusão social. É autora do livro “Minha vida com Boris – A comovente história do cão que mudou a vida de sua dona e do Brasil (Globo Livros)” e idealizadora do projeto “Heróis à Vista”.
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