A problemática do reconhecimento pessoal fotográfico

Isabela Buosi Ribeiro[1]; Alessandro Dorigon[2]

Resumo: Este artigo teve como objetivo analisar eventuais problemáticas e modalidades do reconhecimento pessoal fotográfico, bem como a urgente necessidade em revisar as condenações realizadas com base unicamente nesta prova, eis que comprovada tamanha ilegalidade diante das várias condenações injustas. As referidas problemáticas não condizem com os princípios estabelecidos por nossa Constituição, ferindo diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois tira desta o direito da presunção da inocência, sendo que, por muitas vezes, os acusados sofrem condenações injustas. Por fim, evidenciou-se a extrema necessidade de mudança no sistema jurídico brasileiro, em razão da persistência do racismo e preconceito social em nossa sociedade.

Palavras-chave: Reconhecimento pessoal fotográfico; Modalidades do reconhecimento; Ilegalidades nas condenações; Valor probatório.

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THE PROBLEMATICS OF PERSONAL PHOTOGRAPHIC RECOGNITION

Abstract: The present article had as its objective to analyze eventual problematics and modalities of personal photographic recognition, as well as the urgent necessity in reviewing the convictions based uniquely in this proof, once the illegality was proved from many unfair convictions. The referred problematics do not match with the principles established by our Constitution, harming straightforwardly the Principle of Human Dignity, since it takes away from it the right of presumption of innocence, being that, in many cases, the accused suffer unfair convictions. Lastly, it became evident the extreme necessity of change in the Brazilian law system, in face of the persistence of racism and social prejudice in our society.

Keywords: Personal photographic recognition; Modalities of recognition; Illegality in convictions; Probative value.

 

Sumário: Introdução; 1. Dos Meios de Provas. 1.1. Das Provas Nominadas – art. 155 do Código de Processo Penal. 1.2. Das Provas Inominadas. 2. O Reconhecimento do Réu por Foto. 2.1. Princípios Aplicáveis. 2.2. Formalidades e Efeitos do Reconhecimento Pessoal por Foto. 2.3. Modalidades do Reconhecimento Fotográfico. 2.4 Valor probatório. 3. Falsas Memórias. 4. Outra Problemática: Racismo – Catálogo de Negros ou de Acusados? 5. Soluções e Entendimento Jurisprudencial. Conclusão. Referências.

 

 INTRODUÇÃO

Até que ponto a justiça brasileira é capaz de ir para conseguir uma suposta “justiça” pela vítima? Tal pergunta será o principal questionamento dos assuntos posteriormente abordados, mas primeiramente, deve-se entender o que é o reconhecimento do réu por foto.

Pondera-se que cerca de 70% das condenações realizadas injustamente decorreram de um falso reconhecimento (WEST; METERKO, 2015). Essa modalidade de prova não está prevista no Código de Processo Penal, sendo considerada uma prova inominada, realizada na fase de investigação policial, sendo que, seu valor probatório, teoricamente, não merece tamanha credibilidade.  Existem diversas modalidades para o reconhecimento, mas a principal delas e de grande problemática, acontece quando a vítima, ao se dirigir à delegacia é apresentado uma espécie de álbum de suspeitos, que, no calor do momento, pode afirmar quem seria o suposto denunciado (BRASIL, 1941).

De fato, a mente humana, guarda lembranças de determinados acontecimentos, porém, é cedido que a vítima, por muitas vezes quando ouvida, possua dificuldades para o reconhecimento, por conta do lapso temporal ou até mesmo por possuir imagens distorcidas do acontecimento, apresentando uma dificuldade em apontar, com certeza, o acusado.

Logo, deve-se fazer uma análise minuciosa a respeito dos aspectos do reconhecimento pessoal fotográfico, com o objetivo de identificar problemáticas e possíveis soluções.

 

1 DOS MEIOS DE PROVAS

Primeiramente, deve-se entender que as provas são um instrumento de verificação da existência ou não de um fato, permitindo que o julgador tenha ciência do acontecido, possibilitando o devido julgamento.

A fim de entender um pouco mais do valor probatório do reconhecimento do réu por foto, deve-se entender quais são os meios de provas.

 

1.1 Das Provas Nominadas – art. 155 do Código de Processo Penal

No atual ordenamento jurídico brasileiro, os meios de prova no processo penal estão definidos entre os artigos 155 e 250 do Código de Processo Penal.

Assim, pode-se verificar que as provas nominadas são: o interrogatório (artigos 185 ao 196, do CPP e na Lei 10.792/03), acareação (artigos 229 e 230), confissão (artigo 201), prova testemunhal (artigos 202 ao 225), prova pericial (artigos 158 ao 184), reconhecimento de pessoas e de coisas (artigos 226 a 228), prova documental (artigos 165, 170 e 231 ao 238) e busca e apreensão (artigos 240 ao 250) (BRASIL, 1940).

Complementando, segundo Edilson Bonfim Mougenot BONFIM, Edilson (2008, p. 303) “A prova é um instrumento usado pelos sujeitos processuais para comprovar os fatos da causa, isto é, aquelas alegações que são deduzidas pelas partes como fundamento para o exercício da tutela jurisdicional”.

Diante disso, deve-se analisar especialmente o artigo 226 do CPP (BRASIL, 1940), que prevê a possibilidade do reconhecimento de pessoas e coisas, visando identificar o acusado. Em seus incisos, traz as etapas para o procedimento, as quais devem ser cuidadosamente seguidas, pois constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime.

Então, primeiramente, a vítima ou a testemunha ocular deve descrever as características do suposto acusado antes de poder vê-lo, bem como deve também o acusado ser colocado ao lado de pessoas semelhantes para o reconhecimento, conforme o ensinamento de Carrara (1957, p. 442):

 

O preceito do reconhecimento inter plures emana de um critério lógico, e é prescrito pelos práticos de todos os tempos. Sem essa formalidade, nunca se pode ter certeza da espontaneidade do reconhecimento, e, por conseguinte, de sua veracidade. Mas não basta que, por um sistema grosseiro, quase ridículo, sejam colocadas entre duas outras pessoas ou dois outros objetos a pessoa ou objeto que se deseja fazer reconhecer. É mister ainda que sejam: 1.º desconhecidos de quem faz o reconhecimento; 2.º quanto possível, semelhantes à pessoa ou ao objeto a ser identificado. Isto não demanda demonstração, por ser ordenada o reconhecimento inter plures. E causa mágoa ver, com demasiada frequência, conculcadas essas cautelas, com escárnio da lei e do próprio sendo comum

 

A inobservância das etapas descridas nos incisos torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, sendo que essa prova perderá sua eficácia, mesmo que já reconhecida pelo juiz, conforme o exposto no seguinte entendimento do doutrinador Lopes Junior (2016, p. 266): “(…) trata-se de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e, partindo de que – em matéria processual penal – forma é garantia, não há espaços para informalidades judiciais”.

 

1.2 Das Provas Inominadas

Este meio de prova não está expressamente previsto em nosso Código de Processo Penal, mas se tornaram moralmente legítimas, em virtude do princípio da liberdade e licitude das provas, inserido no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal, demonstrando que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988).

O doutrinador Lopes Júnior (2016, p. 566) traz a seguinte orientação:

 

[…] somente as provas previstas no CPP podem ser admitidas no processo penal? O rol é taxativo? Como regra, sim, é taxativo. Entendemos que, excepcionalmente e com determinados cuidados, podem ser admitidos outros meios de prova não previstos no CPP. Mas, atente-se: com todo o cuidado necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova, sob pena de ilicitude ou ilegitimidade dessa prova

 

Nesse sentido, ressaltou o pesquisador Amaral (2015, p. 190):

 

O ordenamento jurídico brasileiro veda o aproveitamento no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF/1988, art. 5, LVI). Trata-se da imposição pela constituição de um limite moral ao direito à prova, que norteia a conduta das partes e a atividade do juiz no processo. O código de processo civil contemplou em sede infraconstitucional a proibição de provas ilícitas a contrário sensu, ao admitir a produção de provas atípicas desde que sejam legais e moralmente legítimas

 

Destarte, tal modalidade deve ser observada com cuidado, uma vez que, conforme o artigo 157 do Código de Processo Penal, é inadmissível a prova ilícita, aplicando a famosa teoria dos frutos da árvore envenenada (“fruits of the poisonous tree”) criada pela Suprema Corte norte-americana no caso Silverthorne lumber & Co v. United States, ou seja, a prova lícita obtida por meios ilícitos, também deve ser considerada ilícita e acabam contaminando todas as demais provas que dela sejam consequências (DEZEM, 2008, p. 134).

Ainda, o mesmo doutrinador explica que a prova é “atípica” em duas situações: a) quando ela está prevista no ordenamento jurídico, mas o seu procedimento não; b) quando nem a prova e nem o seu procedimento são previstos em lei. Além disso, complementa que a “atipicidade” das provas não deriva do seu posicionamento fora do rol, mas pelo fato de pertencer a uma “voz” deste catálogo que compreende elementos atípicos enquanto não “tipificados” pelo objeto ou estrutura (DEZEM, 2008).

Cumpre analisar mais um pensamento do referido doutrinador, o qual cita de exemplo a oitiva da testemunha pelo órgão da acusação no seu gabinete e a consequente introdução desta nos autos do processo como se fosse um documento, devendo analisar meticulosamente a ação, eis que fere diversos princípios, bem como um documento pode ser juntado a qualquer tempo do processo, mas a prova testemunhal deve ser requerida no começo da instrução, tendo momentos determinados para a sua produção dentro do processo (DEZEM, 2008).

Então, restou comprovada a necessidade de uma meticulosa análise para a produção desse meio. Logo, deve-se fazer o seguinte questionamento, eis que o reconhecimento fotográfico é considerado um tipo de prova inominada: esta prova é válida para concretizar uma condenação? O mero reconhecimento fotográfico tem embasamento suficiente para decretar uma prisão?

Tais questionamentos serão devidamente analisados a seguir.

 

  1. O RECONHECIMENTO DO RÉU POR FOTO

2.1 Princípios Aplicáveis

Previsto no art. 5.º, inciso LVII, o princípio da presunção da inocência garante que todas as pessoas devem ser consideradas inocentes até que se prove o contrário, estabelecendo um limite sobre a autoridade do Estado, garantindo um processo penal justo e democrático (BRASIL, 1988).

Logo, a presunção da inocência possui a garantia mínima ao denunciado, a fim de evitar condenações precipitadas e errôneas. Portanto, deve-se analisar o art. 11 da Declaração Universal dos Diretos Humanos da ONU (1948) “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” (ONU, 1948).

Ainda assim, deve-se acrescentar o princípio do in dubio pro reo, que, com base no art. 386, inciso VII do Código de Processo Penal, o juiz deve absolver o réu caso não existir provas suficientes para a condenação. Por isso, o reconhecimento fotográfico, por si só, não pode ser suficiente para decretar a prisão do agente (BRASIL, 1940).

Além do mais, a acusação, seja pelo Ministério Público ou pela vítima por meio do assistente de acusação, possui o ônus de apresentar a culpabilidade do acusado, devendo utilizar os meios de provas necessários e legais para comprovar o fato típico, antijurídico e culpável, atribuindo os princípios constitucionais, para garantir que a condenação do acusado seja feita nos moldes do nosso atual ordenamento jurídico e que aquele não obtenha prejuízos pela má gestão dos princípios e das provas.

 

2.2 Formalidades e efeitos do reconhecimento pessoal por foto

Destarte, conforme o exposto anteriormente, o art. 226 do Código de Processo Penal, prevê a possibilidade de reconhecimento de pessoas e de coisas, dispondo como deve ser realizado o procedimento para evitar eventual nulidade da prova. Entretanto, o referido artigo, não traz quaisquer informações de como se deve proceder no reconhecimento pessoal fotográfico (BRASIL, 1940).

Logo, para se verificar as formalidades e efeitos, deve-se analisar o entendimento dos doutrinadores para a admissibilidade do reconhecimento do réu por foto no processo.

Segundo Lopes Júnior (2013, p. 403): “O reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal, nos termos do art. 226, inciso I, do CPP, nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada”.

Ainda assim, o referido doutrinador explica que esse meio de prova também pode ser utilizado quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal, ou seja, exercendo o seu direito de silêncio (LOPES-JÚNIOR, 2013).

Sobre o tema, Nucci (2016, p. 454), aponta o seguinte entendimento:

 

A identificação de uma pessoa ou o reconhecimento de uma coisa por intermédio da visualização de uma fotografia pode não espelhar a realidade, dando margem a muitos equívocos e erros. Entretanto, se for essencial que assim se proceda, é preciso que a autoridade policial ou judicial busque seguir o disposto nos incisos I, II e IV, do art. 226. Torna-se mais confiável, sem nunca ser absoluta essa forma de reconhecimento. Em nossa avaliação, o reconhecimento fotográfico não pode ser considerado uma prova direta, mas sim indireta, ou seja, um mero indício

 

Sendo assim, é cedido que, para que essa prova seja admitida, é necessário a observância da autoridade policial ou judicial, dos incisos do art. 226 do Código de Processo Penal, tornando a qualificação da autoria mais confiável, sem nunca ser absoluta essa forma de reconhecimento (NUCCI, 2015).

Além do mais, é interessante analisar o disposto no Manual de Procedimentos de Polícia Judiciária do Estado da Paraíba, em específico nos artigos 45 e 46, que prevê para o reconhecimento fotográfico, deve-se seguir as orientações do reconhecimento de pessoas e de coisas:

Art. 45. No reconhecimento de pessoas ou coisas, deverão ser observados os requisitos previstos nos artigos 226 a 228 do código de Processo Penal.

Art. 46. Na impossibilidade de efetivação do reconhecimento pessoal, poderá ser feito o reconhecimento fotográfico, observada as cautelas aplicáveis àquele (PARAÍBA, 2013).

 

Sendo assim, o tão famoso álbum de suspeitos, demonstra certa ineficácia, uma vez que são apresentados à vítima múltiplos suspeitos, ou seja, são teoricamente pessoas que já cometeram algum delito ou possuem alguma passagem na polícia, ocasião que já influencia o entendimento da vítima e, além disso, tal modo gera uma sobrecarga cognitiva, em razão da grande quantidade de rostos ao mesmo tempo, que por muitas vezes, não apresentam um padrão, estando em preto e branco e baixa qualidade.

Por fim, é importante analisar o exposto pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (2019), apresentando os seguintes argumentos:

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O reconhecimento fotográfico realizado no âmbito da delegacia de polícia, por si só, não é suficiente para a decretação de um decreto condenatório, especialmente quando, mesmo sendo possível, não é renovado em juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa. 2. A palavra da vítima possui inegável importância nos crimes patrimoniais. Contudo, para que seja apta a fundamentar uma condenação, é preciso que ela seja firme e inequívoca, encontrando respaldo no acervo probatório. 3. Diante de dúvidas razoáveis acerca da autoria do delito, fragilizando um possível decreto condenatório, é sempre bom lembrar que melhor atende aos interesses da justiça absolver um suposto culpado do que condenar um inocente, impondo-se, no presente caso, a manutenção do brocardo “in dubio pro reo” (DISTRITO FEDERAL, 2019).

 

Destarte, resta evidente que tanto a doutrina como a jurisprudência definem que para utilização do reconhecimento pessoal fotográfico, deve ser observada diversas formalidades, com o intuito de prevenir a ocorrência de eventuais nulidades.

 

2.3 Modalidades do reconhecimento fotográfico

O reconhecimento pelo álbum de fotos é apenas uma das diversas modalidades dessa prática, sendo que, até o momento, o método mais coerente seria o alinhamento (line-up).

O referido método, consiste na apresentação do suspeito com demais pessoas, em específico 05 (cinco), podendo ser realizado pessoalmente ou por fotografia. Essa modalidade possui o objetivo de prevenir eventuais injustiças, mas para isso, é necessário que o suspeito seja apresentado com indivíduos que possuam características semelhantes.

O art. 226 do Código de Processo Penal, que trata sobre o reconhecimento de pessoas e coisas, utiliza o formato line up, uma vez que traz a necessidade de colocação ou apresentação com coisas ou pessoas semelhantes, para eventual comparação.

Em contrapartida com esse método, ainda possui a modalidade de show-up, ocasião em que a vítima visualiza uma única foto do suspeito, e posteriormente o reconhece com demais pessoas (CLARK, 2012). Logo, deve-se analisar a seguinte notícia realizada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (2021):

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um homem após analisar um Habeas Corpus (HC) da Coordenação de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), em um novo caso de reconhecimento fotográfico ilegal. Ele havia sido preso após ser reconhecido por uma vítima de roubo de carro, contudo, a privação da liberdade se baseou apenas na foto do acusado, que também foi o único suspeito apresentado à vítima para reconhecimento, seis meses após o crime (FANTÁSTICO, 2021).

 

Nesse caso, fica nítida a desigualdade e a ineficácia da prova, tendo em vista que a vítima já possui um rosto em sua memória, sendo totalmente divergente com as formalidades do art. 226 do CP e a modalidade de line-up, em razão direcionar a vítima a um único suspeito, condicionado essa condenar a primeira pessoa reconhecida.

Com base no pensamento do doutrinador Clark (2012), o show-up equivale a um teste de verdadeiro ou falso, em que a testemunha deve comparar o rosto do suspeito com a representação mental do criminoso e responder se ambos são a mesma pessoa.

Por fim, existe mais uma modalidade a ser analisada, sendo popularmente conhecida como “Álbum de suspeitos”, sendo que é apresentado a vítima diversas fotos que teoricamente são pessoas suspeitas, com condenações, ocasião em que pode apontar o autor do seu delito, marcando simplesmente um “X” em sua foto.

Dessa forma, nota-se a divergência de cada uma das modalidades, sendo que em uma há sobrecarga de informações, apresentando diversas fotos de pessoas teoricamente suspeitas (álbum de suspeitos) ou, como o caso da modalidade de show-up, apresentar uma única foto a vítima, a qual também possui tamanha problemática, uma vez que direciona a vítima, de forma certeira, a um único suspeito. Veja-se então, a importância do balanceamento entre as duas modalidades, conforme o demonstrado pelo método do alinhamento, previsto no art. 226 do Código de Processo Penal.

Dessa forma, fica evidente que o reconhecimento do réu fotográfico, por mais que não está previsto no nosso Código de Processo Penal, possui formalidades a serem seguidas, com o intuito de garantir ao acusado o devido processo legal.

 

2.4 Valor probatório

Ainda, cumpre analisar alguns pontos quanto ao valor probatório do reconhecimento fotográfico.

Segundo o doutrinador Oliveira (2008):

 

O reconhecimento fotográfico não poderá, jamais, ter o mesmo valor probatório do reconhecimento de pessoa, tendo em vista as dificuldades notórias de correspondência entre uma (fotografia) e outra (pessoa), devendo ser utilizado este procedimento somente em casos excepcionais, quando puder servir como elemento de confirmação das demais provas (OLIVEIRA, 2008).

 

Corroborando com o exposto, Nucci, afirma que (2016):

 

Quando produzido na polícia, torna-se uma longe do crivo do contraditório, embora possa ser confirmada em juízo não só por outro reconhecimento, mas também pela inquirição das testemunhas, que assinarem o auto pormenorizado na fase extrajudicial. Tem, como as demais provas colhidas no inquérito, valor relativo, necessitando de confirmação (NUCCI, 2016, p. 534).

 

Cumpre ainda analisar o julgado do Supremo Tribunal Federal, no HC 598.886/SC: “O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis” (BRASIL, 1998).

De fato, este meio de prova, possui suma importância para a apuração da autoria. Entretanto, não pode, isoladamente, embasar um decreto condenatório, devido a ser de fraco valor probatório. Acontece que, em nosso cotidiano, é possível verificar inúmeros casos que a mencionada prova foi suficiente para gerar uma condenação.

Dessa forma, restou evidente a necessidade de uma formalização para utilização dessa modalidade de prova, como o previsto no art. 266 do Código de Processo Penal no reconhecimento de pessoas e de coisas, afim de evitar o alto subjetivismo e uma eventual condenação equivocada.

 

  1. FALSAS MEMÓRIAS

Conforme explicado, o reconhecimento fotográfico é baseado na lembrança que a vítima tem de um fato, assim indicando um acusado com base nas fotos apresentadas.

Entretanto, a mente humana seria tão confiável a ponto de realizar um julgamento e condenando uma pessoa com essa mera lembrança da vítima? Logo, deve-se entender sobre as falsas memórias.

Segundo o entendimento de Loftus (2005), as falsas memórias podem ser elaboradas pela junção de lembranças verdadeiras e de sugestões vindas de outras pessoas, sendo que durante este processo, a pessoa fica suscetível a esquecer a fonte da informação ou elas se originariam quando se é interrogado de maneira evocativa.

Ainda assim, em um trabalho do mesmo pesquisador, junto ao seu companheiro Hoffman, realizou-se uma análise quanto ao “Efeito da Falsa Informação”, comprovando que, logo após o acontecido, se apresentado informações falsas, mas coerentes com o fato (como o reconhecimento fotográfico), há um aumento nos índices de reconhecimentos falsos e uma diminuição nos verdadeiros (LOFTUS; HOFFMAN, 1989).

Logo, é cedido que a mente humana possui a função de aprender, porém quando se apresenta um rosto à vítima, e esta o reconhece como sendo o autor do crime, seu cérebro apreende e identifica que esse é o acusado (CECCONELLO; STEIN, 2020). Diante disso, é nítida a necessidade de o reconhecimento fotográfico estar corroborado por outras provas, ou, até mesmo, outros reconhecimentos, a fim de garantir uma maior solidez nas provas obtidas.

Além do mais, verifica-se que a vítima, ao passar por uma situação de vulnerabilidade, ao chegar na delegacia, fica sujeita a sugestões e ao apresentar fotografias de pessoas que já são, supostamente, acusadas ou com maus antecedentes, acabam distorcendo o fato e possuindo dificuldades em realmente entender o que aconteceu e quem foi o autor do delito.

Outrossim, a memória é passível de esquecimento, em específico, nos casos de alta intensidade emocional, que são comuns de gerar uma Amnesia Funcional (KAPALN, 2016). Bem em como, em razão do lapso temporal, é comum a ocorrência de distorções nas memórias, pois a pessoa pode acabar incorporando elementos externos e apresentar esquecimentos, situação natural da memória, tendo o cérebro a função de selecionar as lembranças indesejáveis ou inconvenientes, evitando-se que sejam recordadas (DI GESU, 2008).

Destarte, deve-se analisar o seguinte entendimento jurisprudencial (TJSC, 2016):

 

RECURSO CRIMINAL – CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, § 2º, I E IV) E HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO (CP, ART. 121, § 2º, I E IV, C/C ART. 14, II, E ART. 73)- DECISÃO DE PRONÚNCIA – INSURGÊNCIAS DEFENSIVAS – PEDIDO DE IMPRONÚNCIA – ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA – NÃO ACOLHIMENTO – RÉUS QUE TERIAM, POR DESENTENDIMENTO EM RAZÃO DA POSSE DE UMA CASA, MATADO UMA VÍTIMA E LESIONADO OUTRA POR ERRO DE PONTARIA – DEPOIMENTO DE INFORMANTES E TESTEMUNHAS – VALORAÇÃO SOBRE A CREDIBILIDADE DA PROVA A SER FEITA PELO CONSELHO DE SENTENÇA – RECONHECIMENTO DE PESSOAS – DESCUMPRIMENTO DO PROCEDIMENTO LEGAL – MERA IRREGULARIDADE – FALSAS MEMÓRIAS E SUGESTIONABILIDADE – ANÁLISE PELOS JURADOS – PRONÚNCIA MANTIDA. A credibilidade da prova testemunhal e a eventual ocorrência de falsas memórias ou influência externa no reconhecimento fotográfico são questões a serem valoradas pelo Conselho de Sentença. (TJ-SC – RSE: 00162723520158240023 Capital 0016272-35.2015.8.24.0023, Relator: Getúlio Corrêa, Data de Julgamento: 15/03/2016, Segunda Câmara Criminal)

Bem como, o Superior Tribunal de Justiça, apresentou o seguinte entendimento:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ROUBO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL REALIZADOS EM SEDE POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. INVALIDADE DA PROVA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA. AUTORIA ESTABELECIDA UNICAMENTE COM BASE EM RECONHECIMENTO EFETUADO PELA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018) 2. A jurisprudência desta Corte vinha entendendo que “as disposições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da prevista em lei” (AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe de 13/6/2017). Reconhecia-se, também, que o reconhecimento do acusado por fotografia em sede policial, desde que ratificado em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, pode constituir meio idôneo de prova apto a fundamentar até mesmo uma condenação. 3. Recentemente, no entanto, a Sexta Turma desta Corte, no julgamento do HC 598.886 (Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 18/12/2020, revisitando o tema, propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, para estabelecer que “O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa”. 4. Uma reflexão aprofundada sobre o tema, com base em uma compreensão do processo penal de matiz garantista voltada para a busca da verdade real de forma mais segura e precisa, leva a concluir que, com efeito, o reconhecimento (fotográfico ou presencial) efetuado pela vítima, em sede inquisitorial, não constitui evidência segura da autoria do delito, dada a falibilidade da memória humana, que se sujeita aos efeitos tanto do esquecimento, quanto de emoções e de sugestões vindas de outras pessoas que podem gerar “falsas memórias”, além da influência decorrente de fatores, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor; o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (tais como visibilidade do local no momento dos fatos); estereótipos culturais (como cor, classe social, sexo, etnia etc.). 5. Diante da falibilidade da memória seja da vítima seja da testemunha de um delito, tanto o reconhecimento fotográfico quanto o reconhecimento presencial de pessoas efetuado em sede inquisitorial devem seguir os procedimentos descritos no art. 226 do CPP, de maneira a assegurar a melhor acuidade possível na identificação realizada. Tendo em conta a ressalva, contida no inciso II do art. 226 do CPP, a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito será feita sempre que possível, devendo a impossibilidade ser devidamente justificada, sob pena de invalidade do ato. 6. O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial. (STJ – HC: 652284 SC 2021/0076934-3, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 27/04/2021, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/05/2021) (BRASIL, 2020).

 

Portanto, fica evidente que a condenação do investigado não pode estar sujeita a uma falsa memória da vítima, uma vez que essa, por muitas vezes, não possui total certeza da indicação, estando sujeita a cometer erros e em hipótese alguma deveria sustentar, como único meio de prova, a prisão do denunciado.

 

  1. OUTRA PROBLEMÁTICA: RACISMO – CATÁLOGO DE NEGROS OU DE ACUSADOS?

             Cerca de 83% das pessoas presas inocentemente, por meio do reconhecimento fotográfico, são negras, segundo o levantamento realizado pela Condege e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (MORGANA, 2021), deixando claro que essas são as maiores vítimas desse erro.

Além disso, foi verificado que entre os anos de 2012 a 2020, em média, foram realizadas 90 prisões injustas por meio do reconhecimento fotográfico, sendo que, 79 dessas prisões foram de negros. Ainda assim, em média, esses indivíduos ficaram 9 (nove) meses presos inocentemente, variando em cada caso de 24 (vinte e quatro) a 851 (oitocentos, cinquenta e um) dias na prisão (MORGANA, 2021).

Diante disso, deve-se analisar o pensamento dos Defensores Públicos que realizaram o levantamento de dados (MORGANA, 2021): “Os estudos revelam não só um racismo estrutural, como também a necessidade de um olhar mais cuidadoso para os processos que se sustentam apenas no reconhecimento fotográfico da vítima como prova da prática do crime”.

Recentemente, houve uma reportagem jornalística abordando o tema (FANTÁSTICO, 2021), onde é possível verificar a gravidade dessa problemática, explicando como funciona o “catálogo de acusados”. Acontece que, à vítima, ao se dirigir à delegacia de polícia é apresentado um álbum com uma sequência de fotos, que geralmente possui um padrão de pessoas negras, pobres e jovens, sendo que, essas fotos estão em baixa qualidade e em preto e branco. A vítima, por sua vez, analisa o catálogo, e marca um “x” no suposto acusado, porquanto, em muitos casos, a pessoa é presa baseado nessa única prova, sem ao menos realizar o reconhecimento pessoal.

No mais, em relação ao “catálogo de acusados”, esse é baseado em meras abordagens policiais, visto que, possui fotos de pessoas inocentes, mesmo que declarada extinta sua punibilidade e comprovado sua inocência, a foto vai permanecer no catálogo. No mais, verifica-se que, tais pessoas já possuem um futuro condenado, uma vez que, por diversas vezes, são acusadas e presas por outros crimes, pois foram reconhecidas novamente pelo “catálogo de acusados”, mesmo sendo essa a única prova do processo, ferindo diretamente o princípio da presunção de inocência, dignidade da pessoa humana e da ampla defesa.

Portanto, fica evidente que, o grande problema, nesses casos, é que estão julgando apenas o sujeito e não se atentando ao fato em si, nessa busca incansável de justiça pela vítima, o suposto acusado é esquecido de seus direitos.

Caso que foi muito bem retratado pelo seriado “Os olhos que condenam” da plataforma digital Netflix, que faz menção ao famoso caso dos norte-americano “Os cinco do Central Park”, onde cinco garotos negros foram condenados, equivocadamente, pelo crime de estupro, mesmo sem provas, passaram cerca de 14 anos retidos, sendo apenas declarados inocentes após a confissão do verdadeiro autor.

Além do mais, essas prisões realizadas injustamente afetam diretamente a saúde mental dos acusados, bem como a vida de seus familiares, uma vez que passam dias ou até mesmo anos de suas vidas, sendo castigados por crimes que não cometeram, passando por situações de humilhação e perigo na cadeia, tendo a verdade dos fatos ignorada e sua voz não escutada, possuindo prejuízos até mesmo após a condenação, quando passam a ser mal vistos perante a sociedade por ter passagens na cadeia, mesmo que provado sua inocência, a sociedade o menospreza e o rotula como criminoso, atrapalhando, por exemplo, na sua vida profissional e amorosa. Prejuízos esses, que viram cicatrizes que nunca serão esquecidos ou superados, torna-se uma marca na vida da pessoa, e que nenhuma indenização seria capaz de suprir.

Acontece que, não é cabível falar que o sistema está quebrado e que deve ser consertado, pois ele nunca esteve correto, são pensamentos enraizados e que precisam urgentemente ser mudados, a fim de garantir a equidade a todas as pessoas, independentemente de sua raça ou gênero.

 

  1. SOLUÇÕES E ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Primeiramente, conforme demonstrando quanto as modalidades, restou evidente que a modalidade de reconhecimento fotográfico que possui maior eficácia seria do alinhamento (line-up), consistente na apresentação de 05 (cinco) suspeitos, com características semelhantes, podendo ser realizada pessoalmente ou por fotografia, sendo que nesse último, as fotografias devem possuir um padrão e a mesma qualidade, afim de evitar desigualdades, sendo que dessa maneira a vítima não é aduzida a um único rosto, como da modalidade de “show-up” ou sobrecarregada com muitas informações, como a apresentação do “álbum de acusados”, levando a um reconhecimento mais claro.

Ainda assim, mesmo utilizando a modalidade de alinhamento, é de extrema importância que a respectiva prova esteja acompanhada de demais que ratifiquem com o apresentado, visto que, mesmo seguindo todas as formalidades, a mente humana é suscetível a falhas. Dessa forma, deve-se analisar o seguinte entendimento jurisprudencial do HC: 610.811(BRASIL, STJ, 2020):

 

“Aduz que há irregularidades no reconhecimento do réu por fotografia, uma vez que inicialmente fora denunciado o paciente e seu filho, ambos reconhecido por uma testemunha protegida, no entanto, ficou provado que o filho do paciente sequer estava no local dos fatos, sendo que este foi impronunciado, o que denota a falsidade no reconhecimento fotográfico. “

 

No mesmo entendimento deve-se analisar o HC: 188760 (BRASIL, STF, 2021):

 

“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. ROUBO MAJORADO POR CONCURSO DE AGENTES. SUPOSTA INSUFICIÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA AUTORIA DELITIVA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE SEGUIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte reconhece que “o reconhecimento fotográfico do acusado, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e da ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para lastrear o édito condenatório” (HC 104404, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, j. 21.09.2010). Precedentes. 2. Eventual divergência quanto às premissas adotadas pelas instâncias antecedentes implicaria o reexame de fatos e provas, providência inviável em sede de habeas corpus. 3. Agravo regimental desprovido.”

 

Ainda, nas palavras do ministro Rogerio Schietti, o reconhecimento (BRASIL, STJ, 2021).

é a prova mais envergonhadamente admitida na nossa jurisprudência”, responsável por uma infinidade de pessoas cumprindo pena com base apenas no reconhecimento, um cenário que inclui, ainda, questão racial sistêmica […]. Assim, o objetivo da decisão é sinalizar que o disposto no artigo 226 não é mera recomendação do legislador, mas uma obrigatoriedade. O que se tem, em sua análise, é uma praxe policial totalmente divorciada das diretrizes do CPP, e que se torna ainda mais suscetível a erro quando feita por fotografia. “É uma prova colhida inquisitorialmente, sem a presença de advogado, do juiz, do Ministério Público. Não tem ninguém para fiscalizar esse ato. O que se faz não é reconhecimento. É a confirmação de um ato processual. É uma prova indireta […], criticou.

 

Evidencia-se a extrema problemática dessa modalidade de prova, sendo inadmissível a aceitação de prisões injustas baseadas unicamente em um reconhecimento extremamente subjetivo

Diante de todo o exposto, surge o questionamento: uma indenização é capaz de reparar o dano que essas pessoas passaram na prisão?

 

CONCLUSÃO

Perante ao exposto, nota-se que o reconhecimento pessoal fotográfico não está previsto em nosso ordenando jurídico, sendo considerado um tipo de prova inominada ou atípica e por essa razão possui um valor probatório um tanto quanto relativo, necessitando de demais provas que demonstrem a autoria e materialidade do delito para embasar o decreto condenatório.

Além do mais, para não gerar a nulidade do reconhecimento fotográfico, é necessário seguir rigorosamente com as etapas expostas no art. 226 do Código de Processo Penal, que diz a respeito do reconhecimento de pessoas e coisas, visando garantir os princípios mínimos e o devido processo legal ao réu.

Destarte, para que ocorra a referida garantia mínima, restou evidente que a modalidade “line-up” é a mais recomendada, em conformidade com o exposto no art. 226 do CPP, eis que apresenta um equilíbrio entre as modalidades mais extremistas conhecidas como “show-up” e do “Álbum dos acusados”.

Tal modalidade ajuda na prevenção das problemáticas expostas, como as falsas memórias, uma vez que a mente humana é suscetível a falhas, mas seguindo com as formalidades do reconhecimento de pessoas e de coisas é possível prevenir que ocorra tal manipulação. Bem como, a problemática do racismo, que por sua vez, é muito comum na modalidade do “álbum de acusados”, necessita urgentemente ser revista, eis que é inadmissível que os indivíduos sofram com uma prévia condenação, sem qualquer embasamento para tal ato, por conta de sua raça, sem que lhe sejam garantidos os princípios básicos dessa constituição.

Ocorre que, ao tentar reparar o erro do falso reconhecimento, é comum fazê-lo com uma indenização, entretanto, apenas esse ato não é suficiente para cobrir os diversos prejuízos sofridos pela parte, deixando marcas e cicatrizes que nenhuma indenização é capaz de suprir, prejuízos esses que vão ser carregados ao longo de toda uma vida, restando evidente a extrema necessidade de mudança quanto ao procedimento, seguindo o recomendando pelo entendimento jurisprudencial, com o intuito do acusado ter o mínimo de respeito no processo.

Destarte, o reconhecimento do réu por foto é um meio de prova de suma importância para a apuração da autoria delitiva, mas deve ser utilizado da maneira correta, a fim de garantir o devido processo legal e a ampla defesa para ambas das partes e fazer jus a palavra justiça.

 

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[1] Discente do curso de direito na UNIPAR – Universidade Paranaense

[2] Mestre em direito, professor do curso de direito na UNIPAR – Universidade Paranaense

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