THE PROOF IN THE ADMINISTRATIVE PROCESS
Autor: Natália Frugis
Coautor: Bruno Limberto Brito
RESUMO: O objetivo do presente artigo é aclarar o procedimento de produção de provas no Processo Administrativo Tributário, bem como confrontar a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos, sendo, portanto, necessário a produção de provas pelo Fisco. A problemática ora enfrentada consiste na redação do Decreto nº 70.235/72, mais especificamente no artigo 16º, §4º, alíneas “a”, “b” e “c”, que prevê a preclusão da prova não encartada no Processo Administrativo no momento da apresentação da impugnação. A solução para a questão é embasada nos princípios do contraditório, ampla defesa, informalismo e verdade material, os quais regem o Processo Administrativo.
PALAVRAS-CHAVES: Processo Administrativo. Prova. Princípios.
ABSTRACT: The purpose of this article is to clarify the procedure for the production of evidence in the Administrative Tax Process, as well as to confront the presumption of legitimacy and veracity of administrative acts, and therefore, it is necessary to produce evidence by the Treasury. The problem now being faced is the drafting of Decree No. 70.235 / 72, more specifically in Article 16, Paragraph 4, paragraphs “a”, “b” and “c”, which provides for the estoppel of proof not included in the Administrative Process at the time of Submission of the challenge. The solution to the question is based on the principles of the contradictory, ample defense, informalism and material truth, in which they govern the Administrative Process.
KEYWORDS: Administrative Process. Proof. Principles.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Princípios; 1.1 Princípios da Ampla defesa e do Contraditório; 1.2 Princípio da Verdade Material; 2 Legitimidade do ato administrativo; 3 Meios de prova; 3.1 Prova documental; 3.2 Prova pericial; 4 Preclusão; 5 Conclusões; Referências;
INTRODUÇÃO
As decisões tomadas por órgãos julgadores em processos administrativos, como também por órgãos judiciais, são tomadas com base em um juízo de cognição do órgão competente sobre as alegações e provas produzidas no processo.
Ocorre que existe momento oportuno para que as partes produzam provas, vez que, via de regra, em certo momento procedimental abre-se mão da certeza em prol da efetividade. Nada adiantaria que, em qualquer momento temporal, as partes pudessem reabrir discussões acabadas.
No processo administrativo, as partes deverão produzir provas até a impugnação apresentada, ressalvada exceções previstas expressamente em lei, chamadas de provas necessárias.
Entretanto, o que se pretende analisar neste trabalho é justamente a possibilidade de produção de outras provas que não aquelas tidas como necessárias, após o momento processual oportuno com base nos princípios da verdade material, contraditório e ampla defesa.
1 PRINCÍPIOS
Para iniciar este tópico denominado “princípios” vamos buscar a etimologia da referida palavra, e, portanto, dar melhor compreensão a este instituto que possui significativa influência no ordenamento jurídico.
Nestes termos, “etimologicamente, o termo “principio” (do latim principium, principii) encerra a ideia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer”[1]. “Por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema”[2].
Assim, como aponta o professor Paulo de Barros Carvalho:
o vocábulo “principio” porta, em si, uma infinidade de acepções, que podem variar segundo os valores da sociedade num dado intervalo da sua história. No Direito, ele nada mais é do que uma linguagem que traduz para o mundo jurídico-prescritivo, não o real, mas um ponto de vista sobre o real, caracterizado segundo os padrões de valores daquele que o interpreta[3].
Continua trazendo que:
ao fazer uma reflexão semântica divide princípio em a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independente das estruturas normativas; e d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar e conta a estrutura da norma; enquanto nos dois últimos. “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”[4].
Resumidamente, os princípios assumem no ordenamento jurídico uma postura basilar para as demais normas jurídicas, onde são utilizados como referência e para suprir as lacunas existentes.
Portanto, os princípios, sejam eles implícitos ou explícitos, são utilizados como critério de exata compreensão do sistema normativo, tendo em vista sua grande generalidade vinculam as demais normas, buscando estabelecer um equilíbrio em todo o ordenamento jurídico.
Finalizada a demonstração conceitual do signo princípio, passamos, então, a analisar sua definição estrutural no ordenamento jurídico, para assim, podermos com clareza entender a importância dos princípios no processo administrativo.
Para a doutrina pátria permanece nebulosa a questão de definição estrutural dos princípios como sendo ou não normas, para Norberto Bobbio: “Os princípios são, apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. (…) Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras”[5].
Na lição de, Norberto Bobbio no direito posto os princípios gerais, são normas como qualquer outra. Assim, fundamentar uma decisão em princípios, normas generalistas, ou em uma norma específica não traz consequência diversa, portanto, não há porque diferenciar princípios de normas.
Roque Antonio Carazza indica que:
A doutrina brasileira costuma designar como princípios algumas normas que não necessariamente têm a citada estrutura (algumas são, a rigor, regras). E isso se deve ao fato de que, para alguns autores, também são consideradas como “princípios” aquelas normas que, independentemente de sua estrutura normativa, consubstanciam a positivação ou o desdobramento de valores fundamentais para a ordem jurídica[6].
A partir das premissas estabelecidas podemos concluir que os princípios são normas valorativas utilizadas como alicerce para as demais normas, tendo em vista sua grande carga axiológica.
Neste contexto, “os princípios assumem uma espécie de norma jurídica que não prevê hipóteses nem prescreve determinadas condutas, mas sim consagra determinados valores, fins ou objetivos, a serem seguidos, na medida do que for jurídica e factualmente possível, na elaboração, na interpretação e na aplicação de outros princípios, e especialmente das regras jurídicas”[7].
Desta forma, a legislação Constitucional e Infraconstitucional consagrou diversos princípios, no nosso ordenamento jurídico, sendo utilizados como base para o processo administrativo e judicial.
O Art. 2º da Lei 9.784/1999, estabelece que, no Processo Administrativo Federal a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, impessoalidade, segurança jurídica, interesse público, eficiência, publicidade, informalismo, oficialidade, gratuidade e verdade real.
Apesar da existência de inúmeros princípios, trataremos apenas neste trabalho sobre os princípios da ampla defesa, contraditório e verdade material, sendo os dois primeiros princípios explícitos na Constituição Federal e decorrente dos princípios da legalidade e segurança jurídica, já o terceiro, princípio da verdade material, este é implícito na nossa legislação, tendo em vista a ausência de dispositivo específico.
A questão da existência de princípios expressos (explícito) ou não expressos (implícito) não traz qualquer diferenciação entre eles, já que os expressos são normas descritas no direito posto de forma generalista e os não expressos são, nas palavras de Norberto Bobbio: “aqueles que se podem tirar por abstração de normas especificas ou pelo menos não muito gerais”[8]. Posto isso, concluímos que ambos os princípios derivam da generalidade da norma, atribuindo ao intérprete sua aplicação no sistema.
De qualquer forma, podemos concluir que os princípios são a base de qualquer ordenamento jurídico, conferindo tanto embasamento para aplicação de outras normas, como validação de interpretação normativa.
Em continuidade, será abordado neste trabalho os princípios da ampla defesa e do contraditório de forma conjunta, pois ambos exprimem a ideia de impossibilidade de desenvolvimento do processo administrativo ou judicial sem a possibilidade de gozo da garantia constitucional de defesa.
Salienta-se que a garantia estabelecida pela Constituição Federal de defesa, nasce no momento do exercício do contraditório, assim, no quando o contribuinte apresenta sua impugnação, está exercendo seu direito ao contraditório e a ampla defesa.
É inegável que os princípios da ampla defesa e do contraditório tornaram-se imprescindíveis em razão de sua dignidade constitucional (art. 5º, inciso LV, Constituição Federal), ao estabelecer que “os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes”.
A partir deste dispositivo legal, não restaram dúvidas da aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa na fase litigiosa administrativa, pois o legislador cuidadosamente determinou sua aplicabilidade em âmbito administrativo.
Segundo Iris Vânia Santos Rosa:
O contraditório e ampla defesa são garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; está assegurado no inciso LV, do art. 5 da atual Constituição, juntamente com a obrigatoriedade do contraditório; Por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado, como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis[9].
Diante disso, “a ampla defesa pode ser entendida como meio de assegurar ao contribuinte o conhecimento de todos os elementos que integram o processo tributário, iniciando-se pela ciência do lançamento e dos documentos que embasam a cobrança fazendária”[10].
Sobre o tema, Paulo de Barro Carvalho leciona que:
O princípio da contradição não assume, propriamente, a categoria de um primado independente, mas tem como premissa a configuração procedimental dentro da amplitude do “devido processo legal”. A realização desse cânone tem como corolário imediato que se estabeleça uma seqüência contraditória, em que Administração e administrado se coloquem numa situação de equilíbrio, apta a propiciar o desdobramento do feito e ensejar a edição do ato conclusivo, para o qual propende[11].
Tratam-se, pois, de princípios complementares, contraditório e ampla defesa, de modo que garante que os litigantes, em processo administrativo ou judicial, possam defender-se das pretensões que lhes forem negativas de modo amplo, possibilitando a produção de quaisquer modalidades de defesas necessárias e, ainda, contradizer tudo o que lhe for imputado.
1.2 PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
Já no tocante ao princípio da verdade real ou material, decorrente do princípio da legalidade, tem-se a coibição da Administração Pública de agir baseada apenas em presunções, sendo indispensável a observância das leis.
Este princípio indica uma busca processual pela efetiva correspondência dos acontecimentos fáticos, contrapondo-se pelo princípio da verdade forma, predominante na esfera cível, que pretende indicação da verdade, entretanto, com possibilidade de ser desigual do mundo fático.
Segundo os ensinamentos de Ferraz e Dallari:
Em oposição ao princípio da verdade formal, inerente aos processos judiciais, no processo administrativo se impõe o princípio da verdade material. O significado deste princípio pode ser compreendido por comparação: no processo judicial normalmente se tem entendido que aquilo que não consta nos autos não pode ser considerado pelo juiz, cuja decisão fica adstrita às provas produzidas nos autos; no processo administrativo o julgador deve sempre buscar a verdade, ainda que, para isso, tenha que se valer de outros elementos além daqueles trazidos aos autos pelos interessados[12].
Por aplicação do princípio da verdade material se busca descobrir se o fato gerador ocorreu ou não, ou seja, é o meio utilizado para verificar a partir da linguagem das provas, a ocorrência do fato jurídico que originou a obrigação tributária e, consequentemente, a cobrança do credito tributário em questão.
Modo que, se a prova dos fatos demonstrar a inexistência da ocorrência do fato gerador, não haverá amparo legal para a cobrança do crédito tributário, passo que, o auto de infração que consubstancia a cobrança do tributo deverá ser declarado improcedente.
Em outras palavras, a verdade material é o princípio que objetiva a confirmação da realidade fática, e ela se realiza pelas provas apresentadas, que, de certa forma, reconstruírem uma versão dos fatos que originaram a cobrança, sendo, portanto, possível verificar se o fato gerador realmente ocorreu.
Logo, “no processo administrativo predomina o princípio da verdade material no sentido de que se busca descobrir se realmente ocorreu ou não o fato gerador, pois o que está em jogo é a legalidade da tributação”[13].
Nesse sentido, a busca da verdade material é “um dever de investigação dirigido ao órgão julgador, que tem ampla liberdade para apurar os fatos, trazendo ao processo todos os dados (documentos, informações etc.) sobre a matéria discutida, sem se ater apenas aos elementos carreados pelas partes”[14].
Odete Medauar, sobre o tema, aponta que:
O princípio da verdade material ou real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar as decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos consideras pelos sujeitos. Assim, no tocante a provas, desde que obtidas por meios lícitos (como impõe o inciso LVI do art. 5º da CF), a Administração detém liberdade plena de produzi-las[15].
Deste modo, a aplicação dos princípios da ampla defesa, contraditório e verdade material, no processo administrativo torna o contencioso administrativo menos inquisitório, já que estamos diante da realidade que o Estado configura como julgador e sujeito ativo, onde poderia surgir choque de interesses e, consequentemente, a ausência de efetiva utilidade ao contencioso administrativo.
A observância ao princípio da verdade material impõe a busca pela efetiva equiparação entre o mundo fático e o processual – mesmo que impossível a correspondência exata entre um e outro -, de modo que as partes possam e devam a todo momento atuar/contribuir para que o processo corresponda ao mundo fático, garantindo ao fisco uma atuação concreta e ao contribuinte um procedimento efetivo. Não significa que o mundo jurídico irá retratar de forma absolutamente perfeita o mundo fenomênico, porquanto impossível, mas que haverá uma busca ampla por tal equiparação perfeita entre mundo fenomênico e jurídico.
2 LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO
O processo administrativo tributário nada mais é que o meio de controle da legalidade do ato administrativo de lançamento, posto que a própria administração pública revisa seu ato quando instaurado o contencioso administrativo.
Desta forma, o contencioso administrativo não se limita ao conflito de interesse, como no processo judicial, passo que a revisão do ato administrativo pelo próprio fisco em esfera administrativa o impede de levar ao judiciário a discussão.
Assim, dispõe Iris Vania Santos Rosa:
A construção do processo administrativo tributário tem caráter de exceção do regime geral do processo e está alicerçado em dois polos. De um lado, o Estado precisa de meios para combater a evasão tributária, e, a lide tributária em si, instituindo para tal, órgãos administrativos que identifiquem a obrigação promovam a cobrança administrativa e decidam os conflitos daí resultantes. Do outro lado, o contribuinte necessita de um órgão que garanta a revisão dos atos da administração e sua conformação com a Lei[16].
Portanto, com o fito de evitar o acesso ao judiciário, o legislador dotou o processo administrativo de princípios como o da verdade material, informalismo, pois, assim, a finalidade do processo administrativo é alcançada com mais facilidade, sendo realizado o controle da legalidade dos atos de constituição do crédito tributário.
Antes de introduzirmos as questões atinentes à legitimidade do ato administrativo de lançamento, nada melhor que a conceituação de ato administrativo: pode ser entendido como um ato unilateral de manifestação de vontade do Estado.
Destarte, o ato administrativo nada mais é que:
Uma declaração jurídica do Estado, porque representa uma situação estabelecida por ele, que traz consequências jurídicas para Direito; portanto, se impõe como espécie do gênero ato jurídico. Essa situação estabelecida pode advir de um ato emitido pelo próprio Estado ou de quem lhe faça as vezes, ou seja, de uma delegação para emitir e praticar um ato administrativo[17].
Já o lançamento tributário nada mais que é o ato privativo da autoridade administrativa de constituir o crédito tributário, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível (art. 142 do CTN).
O Professor Paulo de Barros Carvalho leciona que “o lançamento tributário, ao ser lavrado pela autoridade administrativa competente, vem impregnado dos atributos da presunção de legitimidade e da exigibilidade”[18].
Portanto, o lançamento tributário é uma modalidade de ato administrativo, no qual pretende o Estado apurar a ocorrência do fato gerador de incidência tributária.
Passadas tais considerações, passamos a discorrer sobre a presunção de legitimidade:
A presunção de legitimidade decore que o ato seja considerado regularmente praticado, até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o e a exigibilidade é o poder de cobrar do administrado a observação da prescrição introduzida no ordenamento pelo ato administrativo[19].
A presunção de legitimidade é um dos atributos relativos ao ato administrativo, junto com a imperatividade e coercitividade, tipicidade e autoexecutoriedade, sendo “a presunção de legitimidade implícita em todo ato administrativo, no sentido de se afirmar que o ato é valido até que se prove o contrário – presunção iuris tantum”[20].
As presunções utilizadas pelo Estado no direito tributário são presunções relativas, por possibilitarem ao contribuinte a produção de provas em sentido contrário, porque, como sabemos os atos administrativos gozam do pressuposto de que seu conteúdo é verdadeiro.
Conforme Odete Medauar (2012) a presunção de legitimidade decorre da submissão da Administração à lei. Tal característica não exime a mesma de motivar o ato apontando as razões de fato e de direito.
Neste sentido a presunção de legitimidade “não exime a administração do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como das circunstâncias em que este se verificou”[21]
Diante disso, a administração pública não poderá basear-se apenas em presunções de ocorrência do fato gerador para efetuar o lançamento em face do contribuinte, pois caberá a autoridade lançadora provar a ocorrência do fato constitutivo do direito de lançar.
Salienta-se que “os indícios e presunções são considerados modalidades de prova indireta, em que, a partir de um fato provado, chega-se, ao fato principal, que se deseja demonstrar”[22].
Portando, não cabe ao fisco apenas fundamentar o lançamento em presunção de legitimidade, pois o lançamento deve respeitar a legalidade e também ter amparo probatório.
Assim, “apenas o lançamento que estiver devidamente respaldado em provas poderá ser considerado legítimo, em conformidade com o sistema”[23].
Diante de tais considerações, alegar que não há necessidade do fisco apresentar provas do lançamento em face da legitimidade do ato administrativo cai por terra, sendo, necessário que o lançamento tributário esteja embasado em provas, caso contrário estará maculado na motivação, e, portanto, um ato viciado, passível de anulação.
3 MEIOS DE PROVA
Antes de adentramos nos meios de prova em si, faz-se necessária algumas considerações quanto aos fatos jurídicos, quer dizer, aqueles constituídos pelas provas.
Primeiro, vale lembrar que, evento e fato se distinguem, eis que evento será todo “acontecimento do mundo fenomênico, despido de qualquer relato linguístico”[24], quer dizer, todo acontecimento enquanto não traduzido em linguagem. Enquanto que, fato, por sua vez, todo acontecimento relatado linguisticamente.
Entretanto, nem evento nem fato serão objetos de provas, ambos não possuem relevância no mundo jurídico. O evento apenas passa a ter relevância jurídica quando esse for convertido em linguagem específica, quer dizer, apenas quando corresponder a evento descrito em norma jurídica.
Nas palavras de Karem Jureidini Dias:
Um evento corresponde a um fato jurídico se vertido em linguagem competente, introduzida no ordenamento jurídico por procedimento e formalidade legal. Um evento adquire a qualificação de fato jurídico com a norma. Na norma, a partir do fato jurídico, por meio de linguagem prescritiva, determina-se a consequência jurídica, representada por uma relação modalizada deonticamente, a qual corresponde aos efeitos jurídicos do fato: se A, então deve ser B[25]
Não significa que o evento previsto juridicamente seja um fato jurídico, mas sim, que um evento com possibilidade de ter efeitos jurídicos seja levado ao mundo jurídico por meio de provas que o constituam ou desconstituam.
Nos termos do artigo 319, VI, do Código de Processo Civil as provas são utilizadas como meio de demonstrar a verdade dos fatos alegados, ou seja, trata-se de um procedimento realizado através de determinados atos necessários e obrigatórios, com o fim de se buscar a verdade material.
Nas palavras de Scarpinella Bueno a prova pode ser entendida como:
“tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor”[26].
Sendo assim, a instrução probatória assume um papel importante na solução do litígio, pois contribui significativamente para um deslinde justo, e a ideia de impossibilidade de apresentação de algumas provas no processo administrativo após a impugnação, contribui para a existência do cerceamento de defesa.
Em outras palavras, o impedimento descrito no artigo 16 do Decreto nº 70.235/72 no tocante a juntada de provas após a impugnação, ou seja, prova preclusa, tema este que será tratado a seguir, traz a ideia de cerceamento de defesa, pois foi criado pelo legislador um obstáculo ao contribuinte com relação a forma de defender-se.
Modo que, “a defesa somente poderá ser considerada ampla na medida em que o contribuinte possa utilizar todos os meios de prova”[27].
Não basta a permissão ao contribuinte para utilizar-se de todos os meios de provas como citado acima, se a utilização de tais provas for restrita a um limite temporal dentro do processo, ou seja, a apresentação da impugnação.
Modo que, a defesa para ser considerada ampla como dispõe o renomado autor José Eduardo Soares de Melo, não basta a possibilidade de utilização de todos os meios de provas, mas sim a possibilidade de apresenta-la em qualquer momento.
Posto isso, determinar momento oportuno para apresentação de provas no contencioso administrativo, conforme dispõe o Decreto nº 70.235/72, nada mais é do que impedir as partes de dar um deslinde adequado ao processo administrativo e, ainda, contribui para o acumulo de distribuição de processos no judiciário.
Além de tudo, “é dever da autoridade administrativa certificar-se da ocorrência ou não do fato jurídico desencadeador do liame obrigacional, o que só é possível mediante linguagem das provas”[28].
Como dito acima, as provas são os meios utilizados para buscar a verdade das alegações, sem elas não haveria como demonstrar que as argumentações das partes são reais, modo que as provas se reportam a realidade dos fatos, e, portanto, somente com elas podemos identificar ou não a ocorrência do fato constituído como jurídico.
Ademais, “a inexistência de uniformidade de tratamento da matéria probatória na legislação reguladora do processo administrativo, uma vez que não menciona todos os meios de prova que podem ser utilizados”[29], nos traz a ideia de impossibilidade de apresentação de algumas modalidades de provas, o que não é verdade, tendo em vista que com o advento da Lei 13.105/2015, Código de Processo Civil, foi regulamentada a aplicação supletiva e subsidiaria do Código Processo Civil no processo administrativo, nos termos do 15º artigo.
Salienta-se, que mesmo antes da referida disposição legal o Código de Processo Civil já era utilizado para suprir as lacunas existentes no Decreto nº 70.235/72, que regulamenta o processo administrativo fiscal em âmbito federal.
Com efeito, trazemos o julgado do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF demonstrando a aplicabilidade do CPC no tocante a provas:
“Nos termos do art. 333 do CPC/73, que tem sua aplicação subsidiaria ao processo administrativo fiscal, é ônus do postulante a incentivo fiscal a prova das suas alegações que faz”
(Acordão nº 9303-002.619, sessão de 12/11/2013).
Desta forma, a ausência de disposição legal no Decreto nº 70.235/72, que regulamenta o processo administrativo federal, não impede que seja regrada a fase instrutória do procedimento administrativo, tendo em vista a aplicação subsidiaria e supletiva do Código de Processo Civil.
Aproveitamos a oportunidade para trazer nas palavras da renomada autora Fabiana Del Padre Tome que a legitimidade do ato administrativo, demonstrada no capitulo 2, não se sobressai a necessidade de o fisco apresentar provas:
“O atributo da presunção de legitimidade, inerente aos atos administrativos, não dispensa a construção probatória por parte do agente fiscal. Essa figura presuntiva é juris tantum, significando a possibilidade de ser ilidida por prova que a contrarie, o que reforça nosso posicionamento no sentido de que os atos de lançamento e de aplicação de penalidade dependem da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram”[30].
Neste contexto, o art. 29 do Decreto nº 70.235/72, prescreve que: “na apreciação das provas, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias”, ou seja, a possibilidade de o julgador requerer diligencias faz com que a busca pela verdade real seja alcançada com maior agilidade e facilidade.
Diante de tais considerações, não restam dúvidas quanto à necessidade de instrução probatória ampla no processo administrativo, com a apresentação de provas também pelo fisco, pois, assim, podemos garantir que o lançamento não estará baseado apenas em presunções.
Ocorre que, atualmente a instrução probatória não é realizada por parte do fisco, pois o ônus da prova é inteiramente do contribuinte, já que o fisco se apoia na ideia de legitimidade do ato administrativo para se eximir de apresentar provas para efetuar o lançamento e autuar o contribuinte.
Diante disso, passamos a demonstrar alguma das modalidades de provas utilizadas no processo administrativo.
3.1 Prova Documental
Dentre os meios de prova, quer dizer, dentre os instrumentos utilizados para formação da convicção pelo juízo, destaca-se a prova por meio documental.
Documento e prova documental, na realidade, não se confundem, vez que o primeiro, na verdade, é o meio pelo qual a informação será levada ao juízo, enquanto que o segundo é o produto dos procedimentos processuais para aceitação e valoração deste documento como prova. Enunciação e enunciado.
Assim, prova documental “tem conotação processual, pois é o meio de prova concebido pelo legislador, que disciplina o método pelo qual a informação será levada ao processo para ser examinada pelo juiz”[31].
Significa dizer que se trata de modalidade de prova que via de regra é pré-constituída, produzida anteriormente ao processo (administrativo ou judicial), como meio rápido e hábil a provar outro fato jurídico. Assim, a prova documental é fato jurídico destinado a prova a existência ou veracidade de outro fato jurídico.
Logo, dispõe Fabiana Del Padre Tome:
A prova documental ocupa lugar de destaque no processo administrativo, podendo os documentos ser públicos, privados, produzidos com a deliberada intenção de constituir prova, elaborados sem qualquer intenção futura, escritos, gráficos, gravados fonográfica ou fotograficamente[32].
O documento, quer dizer, o instrumento que será levado ao processo e aceito pelo julgador (enunciação) com conotação de prova documental (enunciado), poderá ser público ou particular.
O documento público, nos termos do artigo 405 do Código de Processo civil, “faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença”, ou seja, possuem fé-pública e gozam de presunção relativa de veracidade.
Quanto aos documentos particulares, José Manoel de Arruda Alvim Netto alude que:
Se o documento contiver declaração de ciência, isto é, nele se dá ciência (= se declara) que um determinado fato se passou de uma dada maneira, é certo que o documento provará, tão somente, que certa pessoa (o declarante, o autor [intelectual] do documento) tem conhecimento de como se passou tal ou qual fato. Provará, pois, esse conhecimento por parte de alguém (= signatário), mas não necessariamente o fato em si mesmo.[33]
Diante disso, podemos concluir que os documentos particulares apenas exprimem como verdadeiro o conhecimento, ciência ou vontade de um particular, enquanto que, o documento público exprime a mesma verdade extrínseca de suas declarações, como também, sobre os fatos que ocorreram na presença da autoridade que a lavrou, no caso, o representante do Fisco.
Destarte, a prova documental no direito tributário assume significativa influencia, tendo em vista que, o vínculo obrigacional de pagamento de tributo surge com o compromisso de apresentação dos deveres instrumentais, tais como declarações e registros contábeis.
Diante disso, o Código Tributário Nacional prescreve a indispensabilidade da prova documental. Vejamos:
Art. 195. (…) Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.
Consequentemente, a prova documental é o meio mais utilizado pelo contribuinte para confirmar suas alegações dos fatos em matéria tributária e, assim, desconstituir o lançamento tributário, portanto, não restam dúvidas, da importância da prova documental no contencioso administrativo.
3.2 Prova Pericial (Diligências)
A prova pericial será aquela produzida através de conhecimento técnico de pessoa alheia ao processo, atuando como auxiliar para verificar os elementos que embasaram o lançamento tributário.
É importante destacar que qualquer causa poderá demandar a produção de prova pericial, esta é indicada sempre que a demanda necessitar de um conhecimento técnico, acima do conhecimento médio.
Pouco importa se o julgador ou representante das partes possua tal capacidade técnica, havendo esta necessidade, não poderá ser feito por qualquer pessoa que interaja no processo. Como apontam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
Não importa se o magistrado que está tratando da causa, em virtude de capacitação técnica individual e específica (porque é, por exemplo, formado em engenharia civil), tenha conhecimento para analisar a situação controvertida. Se a capacitação requerida por essa situação não estiver dentro dos parâmetros daquilo que se pode esperar de um juiz, não há como se dispensar a prova pericial, ou seja, a elucidação do fato por prova em que participe um perito – nomeado pelo juiz -, e em que possam atuar assistentes técnicos indicados pelas partes, a qual deve resultar em um laudo técnico-pericial, que por estas possa ser discutido [34].
Com base no artigo 16, IV do Decreto nº 70.235/72, ao solicitar a realização de perícias e diligências caberá ao contribuinte expor os motivos que justifiquem seu pedido, bem como formular os quesitos e indicar perito com a sua qualificação profissional.
Diante do dispositivo supracitado, concluímos que a realização de perícia deve ser fundamentada, ou seja, a parte ao solicita-la deverá expor os motivos que ensejam a necessidade de sua realização, portanto, a realização de perícia deverá ser requerida de forma expressa indicando o elemento fático que devem ser examinados.
Salienta-se, que o julgador poderá negar o pedido de perícia/diligência caso entenda pela desnecessidade de sua produção, ao meu ver, a negativa ao pedido de perícia ou diligência, quando não fundamentada, infringe os princípios do contraditório e ampla defesa, pois foi negado a parte a utilização de todos os meios de provas.
Inclusive, a necessidade de fundamentação da decisão que negou o pedido de realização de perícia foi disposta no artigo 28 do Decreto n° 70.235/72[35], em outras palavras, a ausência de fundamentação à negativa de realização de perícia, faz com que a decisão seja nula, pois não foi observado todos os seus requisitos.
Em contrapartida, quando deferida a prova pericial o julgador indicará servidor, para atuar como perito da União, bem como será intimado o perito do contribuinte para iniciar os trabalhos, devendo ambos apresentarem seus laudos no prazo estipulado pelo julgador.
Importante ressaltar que no decorrer dos trabalhos de perícia e diligência, seja constatado omissões, incorreções ou inexatidão no lançamento que resulte na majoração do tributo, não poderá o fisco majorar o auto de infração baseado nestas informações.
Nestes casos, será necessário que o fisco proceda com um novo lançamento e, consequentemente, seja lavrado um novo auto de infração, possibilitando, assim, ao contribuinte apresentar uma nova defesa (impugnação) com relação aos novos fatos.
A necessidade de lavratura de novo auto de infração inclusive é indispensável caso o fisco venha alterar a fundamentação legal da autuação.
Portanto, não restam dúvidas que esta modalidade de prova contribui de forma significativa na instrução probatória do processo administrativo, tendo em vista a reanalise realizada no lançamento por pessoa com capacitação técnica.
4 PRECLUSÃO
O processo é um instrumento de solução de conflitos sociais e, para que tal fim seja alcançado “é preciso que as fases e situações processuais ultrapassadas tornem-se estáveis, sem perigo de retorno”[36].
Neste sentido, o processo tende a estabilizar uma situação de crise de certeza, e por outro lado, para que a discussão não se eternize foi criado o instituto da preclusão.
Sabendo-se que, a preclusão é o instituto que impede o prolongamento do processo. Nas palavras de Giuseppe Chiovenda, a preclusão “consiste na perda duma faculdade processual por haverem tocados os extremos fixados pela lei para o exercício dessa faculdade no processo”[37].
No processo administrativo a prova documental deverá ser apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-la em outro momento processual, exceto nas hipóteses descritas nos incisos do “a”, “b” e “c” do §4º do artigo 16 do Decreto nº 70.235/72[38].
Art. 16. A impugnação mencionará:
Como regra, a apresentação de documentos, visando produzir provas, deve ser feita na peça de apresentação de defesa, no caso de procedimento administrativo tributário, o contribuinte apresentará todas as provas que possuir junto com a impugnação.
Tal regra é prevista tanto no direito administrativo tributário, por meio do art. 16, §4 do Decreto nº 70.235/72, como também, de forma análoga, no artigo 434 do Código de Processo Civil.
Contudo, existem situações excepcionais onde o impugnante não terá como apresentar documentos, destinados à prova, no momento da defesa, tais situações excepcionais são previstas tanto no art. 16,§4, alíneas “a”, “b” e “c” como também no parágrafo único do artigo 435 do Código de Processo Civil.
Pode, pois então, a parte ter deixado de apresentar documentos, destinados a prova, no momento de sua defesa – impugnação – por motivo de força maior. Lembre-se que o motivo de força maior seriam os fatos humanos ou naturais cuja a previsibilidade é possível, mas, de qualquer forma, inevitável.
Na mesma exceção encontram-se os documentos que se refiram a fatos posteriores a apresentação da impugnação, tal exceção baseia-se na obviedade. Ora, não poderia ser apresentado em defesa documentos que visam provar fatos que à época não existiam. Tal é a previsão da alínea “b” do parágrafo 4 do artigo 16 do Decreto nº 70.235/72.
E, finalmente, no mesmo sentido encontra-se o permissivo elencado na alínea “c” da mesma norma, vez que possibilita que seja apresentado documento que vise contraprova de fatos ou razões apresentadas posteriormente, sendo assim, impossível de serem apresentados no momento da defesa.
Entretanto, ao depararmos com a previsão administrativa tributária e a processual civil, vemos que a norma processual prevê com maior amplitude a produção de provas após a defesa. O parágrafo único do artigo 435 prevê a possibilidade de apresentação de documentos formados, conhecidos, acessíveis ou disponíveis após a defesa. Não se confunde com o permissivo administrativo tributário, vez que não se trata de prova não apresentada por fato de força maior, sobre fato superveniente ou contrapondo fatos ou alegações novas. A permissão processual civil é de maior amplitude e possibilita a apresentação posterior, mas, incumbe ao juízo a análise da conduta da parte de acordo com os ditames da boa-fé.
Veja, de qualquer forma o documento apresentado tardiamente será mantido nos autos e avaliado como prova pelo julgador. Em atenção ao princípio do contraditório, será possibilitada a parte contrária manifestar-se sobre os novos documentos, mas não será anulada ou retirada tal documentação dos autos.
Assim, entende-se é possível a discussão quanto a apresentação, por qualquer motivo, de documentos visando a produção de prova documental após a defesa.
O renomado Professor José Eduardo Soares Melo preleciona:
“O fato é que as provas também podem ser oferecidas no decorrer do processo, até mesmo por ocasião do julgamento na segunda instância, com assentimento dos julgadores, evidenciando o princípio do informalismo e a busca da verdade material”[39].
Para corroborar com o entendimento exposto acima, o parágrafo 5º do Decreto nº 70.235/72, dispõem que a juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, ou seja, não se torna preclusa a apresentação de provas após a impugnação, desde que sejam supervenientes e possam demonstrar a não ocorrência do fato gerador.
Neste mesmo sentido, a Terceira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais dispõe:
EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO – PROVA MATERIAL APRESENTADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA DE JULGAMENTO – PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL E A BUSCA DA VERDADE MATERIAL – a não apreciação das provas trazidas aos autos depois da impugnação e já na fase recursal, antes da decisão final administrativa, fere o princípio da instrumentalidade processual prevista no CPC e a busca da verdade material, que norteia o contencioso administrativo tributário.
(Proc. Nº 10825.001713/96-01 – Acordão CSRF/03-04.371)[40]
O disposto no artigo 16, §6º no Decreto nº 70.235/72[41], é de suma importância para a controvérsia entre a preclusão da prova não apresentada no momento da impugnação, pois este dispositivo consagra o princípio da verdade material, ao dispor que após a decisão de primeira instância, serão apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância, os documentos existentes nos autos.
Em outras palavras, o disposto no artigo supracitado demonstra que é possível a instrução probatória em fase recursal, contrapondo, assim, a ideia prevista no artigo 16, § 4º e 5º do Decreto nº 70.235/72, que prevê a preclusão da prova não apresentada com a impugnação.
Ao meu ver, o referido dispositivo (§6º do artigo 16 do Decreto nº 70.235/72), traz a possibilidade ao contribuinte, mesmo quando já proferida decisão de primeira instancia, apresentar as provas descritas nas alíneas “a”, “b” e “c” do, § 4º, do artigo 16.
Diante desta possibilidade, se abre também, a oportunidade para apresentar as demais provas, ou seja, provas que não se enquadram nas alíneas do § 4º, do artigo 16, do Decreto n° 70.235/72, baseando-se no entendimento que o rol descrito por este dispositivo se trata de um rol extensivo.
Neste sentido dispõe Andrea Medrado Darzé:
“É fácil concluir que na esfera do processo administrativo tributário a prova há de ser feita em toda a sua extensão, de tal modo que se assegurem as prerrogativas constitucionais de que desfrutam os sujeitos passivos de só serem gravados nos exatos termos que a lei tributária especificar. Somente assim ter-se-á efetivamente respeitado o princípio da legalidade tributária”[42].
E a Autora continua:
“A produção probatória no processo administrativo tributário compete concorrentemente às partes e ao juiz. Assim, mesmo na hipótese de a prova ser trazida aos autos quando já precluso o direito de o particular fazê-lo, o julgador pode e deve analisá-la, desde que o faça por iniciativa própria, dentro dos limites de sua atuação. Para isto basta que se trate de prova necessária”[43].
Partindo as premissas estabelecidas acima, chegamos à conclusão que se tratando de provas necessárias, aquelas estabelecidas no rol do §4º do artigo 16, não se deve cogitar a preclusão, podendo, as mesmas serem apresentadas durante todo o processo administrativo.
Já as modalidades de provas não descritas no artigo 16, alíneas, a”, “b” e “c” do §4º do Decreto nº 70.235/72, também devem ser analisadas pela autoridade julgadora, pois em busca da verdade material a preclusão deve ser flexibilizada, bem como deve-se apoiar na ideia que as possibilidades de provas descritas no dispositivo supracitado, como necessárias, se tratam de um rol extensivo e não taxativo.
Assim, a regra de preclusão estabelecida no artigo 16, §4º do Decreto nº 70.235/72 prevê apenas a preclusão ao contribuinte. Vejamos o posicionamento da renomada Tributarista Andréa Medrado Darzé:
“Com efeito, a preclusão relaciona-se ao impulso processual. Ocorre que no processo administrativo tributário, o impulso compete não apenas às partes, mas também à autoridade julgadora. Portanto, tendo o legislador se referido apenas ao impugnante no § 4º do art. 16 do Decreto nº 70.235/72, não se pode defender a aplicação extensiva desta regra de preclusão ao juiz[44].
Melhor dizendo, após a impugnação poderá autoridade julgadora solicitar perícias, diligências ou qualquer outro meio de prova que se faça necessária para a formação de sua convicção, modo que, a preclusão é direcionada tão somente ao contribuinte.
Importante salientar que a flexibilização da preclusão no processo administrativo vem amparada pelos princípios do informalismo e verdade material, bem como esta flexibilização traz a redução de demanda ao poder judiciário para dar solução a questões que poderiam ser solucionadas em esfera administrativa, apenas com o aceite de apresentação de provas após a impugnação.
5 CONCLUSÕES
Podemos concluir diante das disposições apresentadas neste trabalho que é imprescindível no processo administrativo tributário a utilização dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como a importância pela verdade material.
O lançamento deve ser baseado na verdade material, predominando ao requisito do ato administrativo de legitimidade, pois só assim temos um lançamento que seguirá os padrões do sistema jurídico.
Ademais, sabendo-se que as provas apresentadas corroboram com o alcance da verdade material, a impossibilidade de apresentar provas após a impugnação gera prejuízo manifesto, pois diante da realidade refletida e probatória, o lançamento pode ser desconstituído em fase administrativa, sendo desnecessária a busca pelo Poder Judiciário.
Apesar do Decreto nº 70.235/72 prever de forma clara as hipóteses de apresentação de provas após a impugnação, tal disposição deve ser entendida de forma extensiva e não taxativa, pois a busca pela verdade material deve sempre prevalecer a instrumentalidade das formas, ainda mais, que o processo administrativo goza do princípio do informalismo.
Sendo assim, a flexibilização da preclusão da prova, torna-se o meio mais correto para o deslinde justo no processo administrativo, devendo ser analisada todas as provas apresentadas, mesmo após a impugnação, com o fito de desconstituição do ato administrativo de lançamento.
Em outras palavras, a preclusão no tocante a apresentação de provas é aplicada de certa forma, tão somente, as partes, a autoridade administrativa devendo apresentar conjuntamente com o ato de lançamento as provas que embasaram o lançamento e o contribuinte deve comprovar suas alegações junto com a impugnação, tal afirmação vem amparada pelo fato que provas “preclusas” juntada aos autos do processo administrativo após a impugnação, devem ser analisadas pelo órgão julgador.
Ou seja, não há na legislação (Decreto nº 70.235/72), disposição que estabeleça limite temporal para que a autoridade julgadora analise as provas apresentadas após a impugnação.
Diante das disposições legais previstas no Decreto nº 70.235/72 concluímos pela existência de duas formas de apresentação de provas após a impugnação, a primeira com relação à prova necessária amparada pelo §4º do artigo 16, hipótese na qual não há necessidade de flexibilização da preclusão, tendo em vista que se trata de disposição legal, na qual prevê a apresentação de prova não anexada com a impugnação.
Já a segunda hipótese de apresentação de provas é baseada unicamente a flexibilização da preclusão da prova, pois juntada aos autos a prova preclusa, ou seja, após a impugnação, mesmo não se tratando das opções descritas nas alíneas do §4º do artigo 16, provas necessárias, deve a autoridade julgadora analisar a prova para buscar a validade ou não do ato administrativo de lançamento tributário.
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[1] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p 42.
[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p 42.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p 256
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.25 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 154/155.
[5] BOBBIO. Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Editora UNB, 1999, p.158.
[6] SEGUNDO. Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 13/14.
[7] SEGUNDO. Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 13.
[8] BOBBIO. Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Editora UNB, 1999, p.
[9] ROSA, Íris Vânia Santos. “Processo Administrativo Tributário – Protocolo Intempestivo e Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário”. In Congresso Nacional de Estudos Tributários – IBET, v.8, 2011, São Paulo. Derivação e Positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p.403-423.
[10] MELO, José Eduardo Soares. Processo Tributário Administrativo e Judicial.2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p 63
[11] CARVALHO, Paulo de Barros. “Segurança jurídica no novo CARF”. In ROSTAGNO, Alessandro (Coord.). Contencioso administrativo tributário: questões polemicas. São Paulo: Noeses, 2011, p. 1-34.
[12] FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. Ed Malheiros, 2ª edição. Pg 109.
[13] MELO, José Eduardo Soares. Processo Tributário Administrativo e Judicial.2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p 73
[14] DARZÉ, Andrea Medrado. “Preclusão da prova no processo administrativo tributário: um falso problema”. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord). Contencioso administrativo tributário: questões polemicas. São Paulo: Noeses, 2011, p. 67-96.
[15] MEDAUAR, Odete. A Processualidade do Direito Administrativo. RT. 2ª edição, p. 131
[16] ROSA, Íris Vânia Santos. “Processo Administrativo Tributário – Protocolo Intempestivo e Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário”. In Congresso Nacional de Estudos Tributários – IBET, v.8, 2011, São Paulo. Derivação e Positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p.403-423.
[17] SANTOS. Marcia Walquiria dos Santos. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2015, p. 213
[18] CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pág 413.
[19] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses, pág 323.
[20] SANTOS. Marcia Walquiria dos Santos. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2015, p. 222
[21] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses, pág 271.
[22] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses, pág 150.
[23] DARZÉ, Andrea Medrado. “Preclusão da prova no processo administrativo tributário: um falso problema”. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord). Contencioso administrativo tributário: questões polemicas. São Paulo: Noeses, 2011, p. 67-96.
[24] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses.2011.p 35.
[25] KAREM, Jureidini Dias. Fato Tributário: Revisão e efeitos jurídicos. São Paulo: Noesis. 2013, p 1/2.
[26] SCARPINELLA BUENO, Cassio. “Curso sistematizado de direito processual civil”. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol 2, Tomo I. 3ª ed. P. 261.
[27] MELO, José Eduardo Soares. Processo Tributário Administrativo e Judicial.2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p 24.
[28] TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses, pág 336.
[29] MELO, José Eduardo Soares. Processo Tributário Administrativo e Judicial.2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p 114.
[30] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses, pág 337.
[31]AMARAL, Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais.2015, p 159.
[32] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Noeses, pág 131.
[33] ALVIM, José Manoel de Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 16 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013. p 1016.
[34] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p 376.
[35] Art. 28. Na decisão em que for julgada questão preliminar será também julgado o mérito, salvo quando incompatíveis, e dela constará o indeferimento fundamentado do pedido de diligência ou perícia, se for o caso.
[36] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 2vol. 7ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p 228
[37] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. J. Guimarães Menegale. Campinas/SP: Editora Bookseller, 2009. p 450
[39] MELO, José Eduardo Soares. Processo Tributário Administrativo e Judicial.2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p 114.
[40] BRASIL. Conselho Administrativa de Recursos Fiscais. Processo n 10825.001713/96-01. Distrito Federal. Relator: Paulo Roberto Cucco Nunes. Pesquisa de jurisprudência. Acórdão, 1, de janeiro de 2017. Disponível em 23/08/2005, acessado em: 21/03/2017.
[41] § 6º Caso já tenha sido proferida a decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, se for interposto recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância.
[42] DARZÉ, Andrea Medrado. “Preclusão da prova no processo administrativo tributário: um falso problema”. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord). Contencioso administrativo tributário: questões polemicas. São Paulo: Noeses, 2011, p. 67-96.
[43] DARZÉ, Andrea Medrado. “Preclusão da prova no processo administrativo tributário: um falso problema”. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord). Contencioso administrativo tributário: questões polemicas. São Paulo: Noeses, 2011, p. 67-96.
[44] DARZÉ, Andrea Medrado. “Preclusão da prova no processo administrativo tributário: um falso problema”. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord). Contencioso administrativo tributário: questões polemicas. São Paulo: Noeses, 2011, p. 67-96.
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