Resumo: É fato que a temática do meio ambiente tornou-se assunto generalizado como objeto das mais distintas preocupações sociais, em especial a partir de 1.970, com a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, também nomeada de Conferência de Estocolmo. Desde então, as mais diversificadas áreas das ciência sociais têm se debruçado sobre o assunto, conferindo, inclusive, uma releitura das clássicas fontes para a temática ambiental. Nesta linha de exposição, o presente debruça-se em estruturar uma análise da recorrente questão ambiental, realçado, de maneira determinante, a partir dos esforços globais em edificar documentos internacionais voltados para a preservação ambiental, empregando, para tanto, o pensamento proposto por Karl Marx, alinhando o seu clássico discurso à problemática contemporânea, ofertando uma releitura da obra. De igual modo, assentando uma análise contemporânea da teoria da estruturação de Anthony Giddens, consistente em uma abordagem abrangente da modernidade e, nos últimos anos, em uma proposta vanguardista de reestruturação do radicalismo político.
Palavras-chaves: Meio Ambiente. Desenvolvimento Econômico. Degradação Ambiental. Karl Marx. Anthony Giddens.
1 Comentários iniciais
É imperioso reconhecer que, para as ciências sociais, a incorporação dos fatores naturais na dinâmica social revela-se dotado de proeminente complexidade. Tal fato decorre da premissa que a dificuldade está, umbilicalmente, atrelada ao conturbado e ambivalente liame que, historicamente, tem se estabelecido entre as ciências sociais e a biologia e outras disciplinas cujo objeto de estudo está centrado no ambiente natural. “O pensamento sociológico é fortemente influenciado pelas imagens de desenvolvimento, evolução e adaptação de organismos, pela utilização de conceitos trazidos pela ecologia biológica, e pela adoção de posturas metodológicas das ciências biológicas e naturais”, como observou Frederick H. Buttel (1992, p. 69). De maneira paralela, a afirmação disciplinar da sociologia, na condição de ciência, pretendia explicar a vida social humana, reagindo, via de consequência, a toda espécie de reducionismo biológico.
Com destaque, ao se considerar o ideal cientifico, na seara propriamente humana, reclama a taxativa afirmação de que os processos que envolvem os indivíduos são históricos e não naturais. Destarte, a afirmação disciplinar das ciências sociais deu-se, concomitantemente, com a extirpação das variáveis biológicas das suas explicações, culminando na delimitação da sociedade e da natureza como componentes epistemológicos antagônicos. Entretanto, a partir da década de 1990, denota-se o aparecimento de uma plêiade de desenvolvimentos sociológicos que passou a incorporar os problemas oriundos da relação sociedade/natureza como essenciais para uma atualizada caracterização sociológica do mundo contemporâneo. Todavia, mais que influenciados pelos discursos contemporâneos, emoldurados pela preocupação de um desenvolvimento pautado na sustentabilidade ou mesmo nas preocupações dos Estados em preservar e recuperar áreas degradadas, é possível identificar nas obras clássicas que sustentam as Ciências Sociais passagens e menções que já faziam referência à questão ambiental, tal como as consequências da degradação do meio ambiente.
Nesta linha de exposição, o presente debruça-se em estruturar uma análise da recorrente questão ambiental, realçado, de maneira determinante, a partir dos esforços globais em edificar documentos internacionais voltados para a preservação ambiental, empregando, para tanto, o pensamento proposto por Karl Marx, alinhando o seu clássico discurso à problemática contemporânea, ofertando uma releitura da obra. Em que pese o recorrente discurso utilizado por Marx para criticar a exacerbada exploração estruturada pelo modelo capitalista, o qual privilegia a exploração da massa trabalhadora em prol do acúmulo de lucro e aumento na produção de mercadoria, o presente propõe uma análise, na percepção do autor supra, da questão ambiental, enfocando as consequências do modelo capitalista para o meio ambiente, sobretudo o impacto produzido em prol do acúmulo de riqueza e a degradação da natureza para alcançá-lo. Para tanto, será utilizado como marco teórico, os Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, cuja essência consiste em um conjunto de textos do período juvenil do sobredito autor, compreendendo temáticas, tal como o próprio título sugere, de questões acerca da economia (salário do trabalho, lucro do capital etc.) e filosofia (crítica da dialética e da filosofia de Hegel) e O Capital, considerado como a mais significativa produção acadêmica de Karl Marx.
De igual modo, em decorrência da contemporaneidade do assunto, é possível, nesse cenário, fazer clara alusão, a fim de analisar a questão ambiental, à teoria construída por Anthony Giddens, ao incorporar a temática em destaque em sua obra, a qual foi objeto de uma robusta valoração de suas teorias, em especial no campo das ciências sociais. “A razão desse sucesso vincula-se ao seu esforço em delinear os problemas chaves da teoria social contemporânea e estabelecer, simultaneamente, as referências teóricas para superar tais desafios” (LENZI, 2006, p. 105). Ora, a conjunção de esforços apresentadas por Giddens culminou na elaboração de uma teoria social maciça da sociedade, nomeada de teoria da estruturação, consistente em uma abordagem abrangente da modernidade e, nos últimos anos, em uma proposta vanguardista de reestruturação do radicalismo político.
2 O discurso da natureza na obra de karl marx: identificando a abordagem ambiental em os manuscritos econômico-filosóficos e em o capital
É fato que o pensamento de Karl Marx ganhou prodigioso reconhecimento nas searas da economia, sociedade, filosofia e política, influenciando, de maneira maciça, a construção da base das ciências sociais clássicas, tal como estabeleceu a concepção embrionária da luta de classes e outros conceitos que orbitam em torno do modo de produção capitalista e suas críticas. Entretanto, a partir das leituras filosóficas e econômicas, é possível consignar que grande parte dos estudiosos e críticos do marxismo renegou as questões alusivas ao meio ambiente a um patamar à margem das questões consideradas mais proeminentes, maiormente os âmbitos da economia e da filosofia. Contemporaneamente, vivencia-se uma recorrente revisitação à obra de Karl Marx, impulsionado, sobretudo, pela recente generalização de discursos e preocupações ambientais, sendo forçoso o reconhecimento de que “a humanidade chegou a um ponto crítico quanto à degradação do meio ambiente e ao uso dos recursos naturais” (FUSER, 2009, p. 01), inspirando, por consequência, um movimento que reclama a renovação do pensamento marxista, sendo externada, de modo concomitante, na prática política, uma multiplicidade de lutas sociais em prol da defesa ambiental.
Reaviva-se, diante das discussões ambientais, conceitos e ideários caracterizadores da obra de Karl Marx, em especial as críticas estabelecidas em relação ao modelo capitalista de exploração do trabalhador e, em um sentido mais contemporâneo, do meio ambiente, em busca da concentração de lucro e aumento na produção de mercadoria. Na gênese do processo, identifica-se uma dupla crise apoiada na perspectiva de esgotamento das reservas energéticas, sobretudo do petróleo e do gás natural, tal como a tragédia ambiental produzida pelo uso descontrolado desses mesmos recursos naturais, ambicionando tão apenas o atendimento do anseio insaciável do crescimento econômico e a acumulação de capital numa escala, cada vez mais, crescente. Em decorrência da edificação de um tema tão espinhoso, dotado de proeminente complexidade, já que antagoniza, de uma lado, a busca pela acumulação de capital e aumento na produção de mercadoria e, do outro, a degradação ambiental e o agravamento da exploração dos trabalhadores, passou-se a dispensar uma análise dos escritos de Marx, alinhando-os às problemáticas caracterizadoras da contemporaneidade, em especial aquelas advindas da intensa industrialização e expansão do capitalismo. Desta feita, as análises estruturadas em relação à obra de Karl Marx induzem ao reconhecimento de que a continuidade do modo de produção de capitalista, norteado, sobremaneira, pela busca incessante dos lucros, conduz, tendencialmente, a uma crescente exploração, alienação e expropriação da força de trabalho, por um viés, e, por outro, ao esfacelamento da base de produção econômica, da fonte da riqueza, ou seja, a natureza.
Convém reconhecer que a temática associada às discussões ambientais sofreu forte influência, sobretudo, em âmbito internacional, com a construção da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, também nomeado de Conferência de Estocolmo, considerada como marco na regulação da questão ambiental, conferindo proeminência ao tema, responsável por traçar, de maneira clara, um liame que explicita a dependência do ser humano com o meio ambiente. A partir do sobredito documento, o homem passou a ser encarado, ao mesmo tempo, como obra e construtor do meio ambiente que o cerca, em razão de lhe dá sustento material e lhe oferecer oportunidade para desenvolver-se em diversos âmbitos. Ao lado disso, é possível, ainda, colocar em destaque, que o documento internacional ora mencionado expressa, com clareza ofuscante, que:
“Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de condições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os países em desenvolvimento devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, tendo presente suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente. Com o mesmo fim, os países industrializados devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento. Nos países industrializados, os problemas ambientais estão geralmente relacionados com a industrialização e o desenvolvimento tecnológico” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2013).
“A maior parte da literatura marxiana acerca da ecologia encontra-se em passagens, relances, ou seja, a contextualização da Natureza aparece apenas como pano de fundo” (RIBEIRO JÚNIOR et all, s.d., p. 03), sendo um cenário inerte no qual se desenrolam eventos históricos, ao passo que a natureza é o material passivo com o qual os seres humanos edificam seus mundos. A obra de Marx estabelece, em um contato inicial, um quadro conceitual que coloca a atividade social dos seres humanos no interior de um ambiente natural, assim como estabelece uma distinção radical entre o processo de trabalho em geral e o processo de produção capitalista. Com destaque, a obra de Karl Marx não tratava, prioritariamente, de ecologia e questões associadas à problemática ambiental, eis que se debruçava, com prioridade, em assuntos atinentes à economia, à política e filosofia. No mais, insta salientar que a temática ambiental, no cenário histórico da produção de Marx, era algo inadmitido, pois as preocupações estavam assentadas, essencialmente, em discussões envolvendo a exploração da massa trabalhadora em prol de atender o modelo capitalista, que, por si só, gerava desigualdade acentuada e exaurimento das forças de produção.
“No entanto, pode-se perceber que Marx (e Engels) demonstra(vam), mesmo que de maneira incipiente, preocupação com os desdobramentos socioambientais decorrentes do desenvolvimento do capitalismo industrial”. (RIBEIRO JÚNIOR et all, s.d., p. 01). Passagens e referências são acolhidas, ainda que de maneira bem pontual e esparsa, na obra de Karl Marx fazendo menção, por via reflexa, da questão ambiental e sua afetação pelo modelo capitalista. Ao examinar os Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, salta aos olhos que a obra está alicerçada em questões econômicas e filosóficas, sendo, contudo, possível identificar, ainda, traços embrionários capazes de caracterizar a interação homem-natureza:
“A Natureza é o corpo inorgânico do homem, ou seja, a Natureza na medida em que não é o próprio corpo humano. O homem vive na Natureza, ou também, a Natureza é o seu corpo, com o qual tem de manter-se permanente intercâmbio para não morrer. Afirmar que a vida física e espiritual do homem e a Natureza são interdependentes significa apenas que a Natureza se inter-relaciona consigo mesmo, já que o homem é uma parte da Natureza” (MARX, 2006, p. 116).
Na Crítica ao Programa de Gotha, de 1875, quase três décadas depois dos Manuscritos, Marx faz duras críticas ao Partido Operário Alemão liderado por Lassale. Verifica-se que Marx insiste em ponderar que o liame entre homem-natureza sempre existiu, sendo que “a natureza é constantemente modificada pela ação humana, através do trabalho humano, que a submete e a ajusta às suas necessidades essenciais” (ARAÚJO; NUNES, 2012, p. 03). É possível pontuar que a natureza antecede ao trabalho e ao trabalhador, porém o homem só existe na relação prática com a natureza, na proporção em que existe a transformação daquela, pelo trabalho humano, no que concerne aos valores de uso. Ao formular suas críticas, estas começam justamente pela temática da natureza, colocando que diferente do que fora apresentado no programa, dizia Marx:
“O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material!), nem mais nem menos que o trabalho, que não é mais que a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem. Essa frase encontra-se em todas as cartilhas e só é correto se subentender que o trabalho é efetuado com os correspondentes objetos e instrumentos. Um programa socialista, porém, não deve permitir que tais tópicos burgueses silenciem aquelas condições sem as quais não têm nenhum sentido” (MARX, 2004).
Ao lado disso, não é possível esquecer que o liame entre o ser humano e a natureza é definido pelas relações de produção vigentes na sociedade, em determinado momento histórico, logo, para compreender a complexidade da destruição ambiental é necessário analisar suas condições históricas e sociais. Cuida reconhecer que, no modo de produção capitalista, tudo tende a ser transformado em mercadoria e o produtivismo é a tendência predominante, aspecto característico da busca insaciável da obtenção de lucro pelo capitalismo e pelo aumento na produção de mercadoria. “Não é o valor de uso ou a utilidade de um produto ou serviço que tem prioridade e sim seu valor de troca, como aspecto formal e quantitativo” (ANDRIOLI, 2007, p. 02). Ao lado disso, sublinhar é carecido que os interesses de lucro definem, de maneira determinante, as inovações técnicas, as condições de produção e a qualidade dos produtos, tal como sua sustentabilidade ecológica e social e, até mesmo, a degradação das áreas ambientais interessantes ao desenvolvimento do modelo capitalista adotado. Denota-se, assim, que as inovações apresentadas têm como objetivo estruturar mecanismos capazes de alargar a concentração de lucro, alimentando a insaciável engrenagem do modelo capitalista, alvo das recorrentes críticas marxistas.
Nesse passo, há que se considerar, ainda, que, no capitalismo, tanto o trabalho como a natureza são explorados em forma de mercadoria, a natureza, inclusive, sem custo e sem levar em consideração sua capacidade de reprodução. Como bem evidencia Andrioli (2007, p. 03), “é impensável, na perspectiva marxiana, alguma solução efetiva do problema sem a superação da sociedade capitalista, baseada na 'dominação mecanicista da natureza com o interesse voltado à constante e crescente expansão da produção em si mesma'”. Karl Marx (1996) salienta, em sua obra O Capital, que para os seres humanos livremente associados interessa regrar racionalmente intercâmbio com a natureza, ao invés de serem dominados pelo poder cego do mercado capitalista. Ora, ainda que as consequências ecológicas da sociedade capitalista não tenham sido objeto significativo da obra de Marx, conjugado com o fato de muitos de seus escritos reclamarem uma análise emoldurada pelo período histórico em que foram escritos, é possível sublinhar que a problemática ambiental não restou renegada. Ao reverso, mesmo que em uma órbita secundária, é plenamente possível identificar as observações apresentadas pelo autor no que se refere ao esgotamento do meio ambiente (natureza), visando tão somente atender a busca pelo aumento de lucro.
“Marx previu a dimensão destrutiva do capitalismo, mesmo que, em determinadas partes, incluindo sua obra principal, possa ser identificado um entusiasmo com a maquinaria e a sua crítica da técnica tenha sido direcionada principalmente ao seu uso”, como bem pondera Andrioli (2007, p. 03). Neste passo, em seus estudos, Karl Marx, ao estabelecer suas críticas ao modelo capitalista, ultrapassou a questão essencialmente econômica, alcançando, inclusive, a temática ambiental, diretamente afetada pela busca de obtenção de lucro e de aumento na produção. Mesmo que em passagens bem delineadas e excertos pontuais, Marx sintetiza a consequência danosa do modelo capitalista em relação ao meio ambiente, sobretudo a intensa degradação da natureza, o que é de fácil percepção quando se analisa o esgotamento das fontes energéticas (petróleo e gás natural), decorrente, sobretudo das contínuas, e cada vez maiores, necessidades da indústria capitalista.
No mais, é aspecto caracterizador do modelo capitalista, arrimado na produção de mercadorias, advindo da exploração do trabalho humano, a transformação da matéria prima, empregado em um sentido abrangente, a fim de alcançar a natureza exterior, m bens materiais a serem vendidos como valor de troca de forma generalizada e, corriqueiramente, insustentável a médio e longo prazo. Cuida colocar em destaque que “a natureza, muitas vezes, é identificada como integrante da sociedade, pois através dela o modo de vida pode ser reproduzido e perpetuado. Ao contrário disso, o capitalismo significou a transformação destas relações sociais e com a natureza constituindo novas”, como afiançam Barenho e Machado (2007, p. 04). Robustas foram as previsões críticas identificadas na obra de Marx, notadamente aquelas relacionadas aos impactos oriundos da industrialização e da agricultura que, em seu tempo, ganhava mais força nos Estados Unidos da América.
“Tanto na agricultura quanto na manufatura, a transformação capitalista do processo de produção aparece, ao mesmo tempo, como martirológio dos produtores, o meio de trabalho como um meio de subjugação, exploração e pauperização do trabalhador, a combinação social dos processos de trabalho como opressão organizada de sua vitalidade, liberdade e autonomia individuais. A dispersão dos trabalhadores rurais em áreas cada vez maiores quebra, ao mesmo tempo, sua capacidade de resistência, enquanto a concentração aumenta a dos trabalhadores urbanos. Assim como na indústria citadina, na agricultura moderna o aumento da força produtiva e a maior mobilização do trabalho são conseguidos mediante a devastação e o empestamento da própria força de trabalho. E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade. Quanto mais um país, como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, se inicia com a grande indústria como fundamento de seu desenvolvimento, tanto mais rápido esse processo de destruição. Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador”. (MARX, 1996, p. 133). (destacou-se).
A partir do excerto transcrito, é possível perceber que, para Karl Marx, a grande indústria e a grande agricultura produzem os mesmos efeitos e ambas trazem à tona que o ideário de que a sustentabilidade não é conciliável com a economia do mercado capitalista, na qual o ser humano e a natureza estão alçados à condição de mercadorias. Nesse ponto, uma agricultura racional reclama a superação das relações de dominação capitalista, de modo que a produção agrícola e o desenvolvimento das forças produtivas estejam submetidos ao controle dos trabalhadores, alcançando os pequenos agricultores autônomos e produtores livremente associados. Assim, a crítica marxista da agricultura repousa especialmente no que concerne à propriedade da terra, a forma de apropriação privada da natureza como base da exploração do homem e da destruição das condições de vida das futuras gerações.
De um lado, a grande propriedade rural reduz a população agrícola a um mínimo decréscimo contínuo e lhe contrapõe uma população industrial em constante crescimento, concentrada em grandes centros urbanos. Tal fato desencadeia condições que provocam uma insanável ruptura no contexto do metabolismo social, estabelecido pelas leis naturais da vida, devido ao desperdício da força da terra, o qual produz efeitos além das fronteiras do país. Conforme estruturam Lowy (2005, p.19-40), a grande indústria e a grande agricultura, quando explorada industrialmente, atuam conjuntamente, diferenciando-se, em um primeiro momento, pelo fato da primeira devastar e arruinar mais a força de trabalho do que a força natural do homem, ao passo que a última, mais diretamente, afeta a força natural da terra. Todavia, com o decurso do tempo, denota-se que o sistema industrial, na zona rural, exauria os trabalhadores e, por seu turno, a indústria e o comércio proporcionam à agricultura os meios para o esgotamento da terra. Em ambos os casos, tanto a grande indústria e a grande agricultura, em razão do modelo capitalista, revelam-se como instrumentos de exploração do trabalhador e esgotamento da fonte de mercadoria, compreendendo a natureza, neste cenário, como diretamente afetada pela busca de aumento na produção de mercadoria.
“No que se refere aos efeitos ecológicos da industrialização capitalista da agricultura, Marx alertava para o perigo da redução da fertilidade dos solos com base no exemplo da utilização intensiva de adubação química”, como bem observou Andrioli (2007, p. 06). Neste passo, cada progresso apresentado pela agricultura não está restrito a um progresso na arte de expropriar o trabalhador, mas, concomitantemente, na arte de expropriar o solo; cada progresso em aumento da sua fertilidade por um determinado tempo é, ao mesmo tempo, uma ruína da fonte da sua fertilidade em longo prazo. Ora, é forçoso o reconhecimento do modelo capitalista, na visão de Marx, enquanto causador não apenas de exaurimento das forças de trabalho, impactando o proletariado e projetando a burguesia, mas também a degradação do meio ambiente (natureza) para propiciar a afirmação do modelo adotado, sobretudo na agricultura, no qual não apenas a força humana é exaurida, mas também a terra é explorada em prol do aumento de produção, a fim de atender a lógica do mercado, no qual a ampliação do lucro dá-se em decorrência da massificação da produção da mercadoria. Nesta linha de raciocínio, é justamente visando o lucro que a degradação ambiental encontra o argumento autorizador para a sua manutenção, fortalecendo com o ideário de acumulação de lucro e riqueza as práticas degradadoras adotadas. “No modelo capitalista, por meio da apropriação privada da natureza, o que impera é a lógica de ‘natureza como mercadoria’ e/ou ‘objeto de troca visando lucro’” (BARENHO; MACHADO, 2007, p. 04).
Salta aos olhos que, para Marx, o homem não apenas está na natureza, mas sim ele é um ser da natureza, sendo dotado de sensibilidade e é condicionado e limitado tal como os animais irracionais e as plantas. “Sendo assim a Natureza aparece em Marx como uma exteriorização do ser humano, algo objetivo, real, sensível, indispensável para atendimento das necessidades humana. A Natureza é objeto do homem: imprescindível e que lhe garante a vida” (RIBEIRO JÚNIOR et all, s.d., p. 05). Ora, a conversão de forças produtivas em forças destrutivas, advindo da adoção do modelo capitalista, se refere à natureza e ao meio ambiente e que os progressos do modo de produção adotado somente são passíveis de compreensão como progressos parciais, estruturados em uma utilização destrutiva da base natural da produção. De maneira paralela à contradição essencial entre as forças produtivas e relações de produção no modo de produção capitalista, examinada amplamente nos escritos de Karl Marx, reconhece a contradição entre forças produtivas e forças de produção, sendo que o ponto limítrofe do desenvolvimento das forças produtivas, em decorrência da destruição ambiental ensejada, passa a ser integrados ao objeto da análise.
“De acordo com a concepção marxiana clássica, a necessidade de uma sociedade pós-capitalista estava dada na convicção de que, do ponto de vista econômico e político, o capitalismo, considerando o estágio de desenvolvimento humano, não teria como continuar e que a continuidade do desenvolvimento das forças produtivas exigiria outras relações sociais. Diante da crise ambiental global, entretanto, que apresenta limites à continuidade do modo de produção capitalista, é integrada a dimensão ecológica, pois ao invés de conduzir ao socialismo ele pode resultar na barbárie e na destruição da humanidade.” (ANDRIOLI, 2007, p. 07).
Entretanto, é coerente com a pressuposição marxiana de estabilidade de toda futura sociedade, que necessita de uma relação equilibrada e totalmente nova do ser humano com a natureza. No mais, o modo de produção capitalista permanece produzindo a sua própria negação e esfacela a base da acumulação do capital. Doutro ângulo, o capital ainda vindica um imenso potencial de expansão, constituindo territórios e formas de produção, isto é, condicionando-os ao seu modo de produção, a fim de convertê-los em formas de geração de valor de troca. A partir do exposto, a ampliação das fronteiras produtivas, com o comprometimento áreas ambientalmente preservadas, culminando no agravamento de tal questão, em especial no Brasil contemporâneo, em prol de aumentar a produção de grãos e influenciar, positivamente, a exportação, passa a assumir, na releitura da visão de Marx e sua crítica ao modelo capitalista, uma feição positiva, mesmo que os passivos ambientais e as consequências danosas sejam robustos. Afinal, a partir do discurso de desenvolvimento econômico, como elemento para legitimar a degradação e impactos ambientais potencializados, alcança-se o núcleo sensível do modelo capitalista, consistente no aferimento do lucro por meio do aumento da produção/mercadoria.
No mais, o desenvolvimento das forças produtivas explicita que a sociedade fundada em um modelo industrial capitalista não reúne condições de solucionar os problemas ecológicos e sociais que produz. Tal fato é demasiadamente acentuado nos países subdesenvolvidos, cujos efeitos negativos do modelo industrial induzido ficam ainda mais robustos no crescimento da desigualdade, potencializando o abismo entre a pequena classe que concentra a renda e a massa explorada, tal como a destruição ambiental, em prol da satisfação e fomento ao modelo capitalista adotado, pautado no aumento de lucro. O discurso de desenvolvimento que é projetado pelo modelo capitalista ganha ainda mais proeminência em realidades caóticas, típicas de países subdesenvolvidos, despidos de mínima estrutura, nos quais os meios de produção são arcaicos e a mão de obra trabalhadora tem pouca ou nenhuma qualificação é algo plenamente tocável.
Verifica-se que a contribuição apresentada por Karl Marx continua extremamente atual, concatenada com as questões contemporâneas revestidas de substancial importância, logo, para evitar a armadilha ideológica de redução do debate ambiental a um tema de afirmação de valores, à moralização da economia ou mesmo uma deturpada dicotomia entre o ecocentrismo e antropocentrismo é necessário encarar a problemática com cientificidade, analisando o tema a partir de um prisma crítico. Da mesma forma, a edificação de um pensamento pautado na crítica à degradação ambiental, proveniente do modelo capitalista adotado, vindica a compreensão do liame humano com a natureza, estando associada a relações dotadas de aspecto material e social. Nesta linha, essa concepção da natureza e sua interação com a definição materialista da história acenam que o pensamento apresentado por Karl Marx está profundamente arrimado em uma visão atual da problemática ambiental, carecendo, inclusive, de uma releitura contemporânea, a fim de concatenar a questão contemporânea com as clássicas críticas dispensadas pelo pensador supra ao modelo capitalista adotado.
Ora, é possível, em uma interpretação contemporânea, promover o alinhamento do discurso do agravamento da degradação ambiental, sobretudo nos países subdesenvolvidos, com a busca insaciável do modelo capitalista, no qual a concentração de lucro e a necessidade de ampliação na produção de mercadoria torna-se uma constante que antagoniza, de maneira maciça, a exploração dos trabalhadores e, em uma acepção mais abrangente, da natureza. A visão de Karl Marx, em especial as críticas ao modelo capitalista, encontram verdadeiro descanso no cenário contemporâneo, sobretudo quando a degradação da natureza decorre do discurso desenvolvimentista proliferado, no qual o exaurimento do meio ambiente é consequência da busca pelo aumento do lucro e afirmação do modelo capitalista. A degradação ambiental passa a ser sustentada pelo discurso do desenvolvimento uma vez que com maior exploração, em especial das áreas não utilizadas, é possível aumentar a produção. Nesta concepção, não somente o trabalhador é exaurido, a natureza passa a integrar o contingente afetado pelo modelo capitalista, no qual a ampliação da produção de mercadoria passa a legitimar a degradação ambiental.
3 Um liame entre a teoria da estruturação de anthony giddens e o meio ambiente: a natureza socializada como recurso alocativo e insumo à prática social
É cediço que diversos estudos foram edificados com o intuito de examinar a validade das ideias apresentadas por Anthony Giddens, contida em sua teoria de estruturação, na qual “identifica as divisões que apartam as grandes correntes teóricas no campo das ciências sociais, tais como o funcionalismo (incluindo a teoria dos sistemas) e o estruturalismo, de um lado, e a hermenêutica e outras formas de ‘sociologia interpretativa’, de outro lado” (MONT’ALVÃO; NEUBERT; SOUZA, 2011, p. 188). Mesmo por caminhos distintos, tanto o estruturalismo quanto o funcionalismo dispensam ênfase a preponderância do todo social sobre suas partes individuais, isto é, os atores, sujeitos humanos.
Ao dispensar uma ótica pautada na questão ambiental, é possível de observar a teoria da estruturação como um regresso na avaliação entre sociedade e meio ambiente, sobretudo quando dispensa uma ótica pautada na premissa de natureza socializada. “Isso porque essa teoria se alicerça ainda numa separação ontológica entre o mundo social e natural. Em alguns de seus textos, Giddens afirma que há uma necessidade de separar ‘natureza’ e ‘sociedade’ enquanto domínios distintos” (LENZI, 2006, p. 106). A distinção proposta por Anthony Giddens seria justificável, encontrando validação em uma separação entre ciências sociais e naturais, o que é, plenamente, observável na introdução da obra Novas Regras do Método Sociológico, em especial quando o sobredito autor faz a seguinte ponderação:
“A diferença entre sociedade e natureza reside no facto de a segunda não ser um produto humano, não ser criada pela acção humana. Enquanto entidade pluripessoal, a sociedade é criada e recriada constantemente, se não ex nihilo, pelos participantes em cada um dos encontros sociais. A produção da sociedade é uma realização engenhosa, sustentada e <<criada para acontecer>> por seres humanos.” (GIDDENS, 1996a, p. 29).
Ora, ao considerar a natureza como não sendo produto advindo da ação humana seria algo simples, despido de engenhosidade. Nesta perspectiva, apenas a ação humana, na condição de produção da sociedade seria capaz de realizar algum engenhoso, dotado de complexidade e criada para acontecer por seres humanos. A partir do excerto colacionado, é possível sublinhar que a divisão proposta por Giddens alcança uma concepção de hermenêutica dupla, desdobrando-se em uma órbita lógica e outra empírica. Na primeira, é possível observar a ênfase que o mundo social reside na premissa que ele está constituído por agentes humanos, dotados de conhecimento sem paralelo em outras espécies, os quais gozam de capacidade para estruturar uma produção pautada na complexidade e engenhosidade. Assim, a sociedade só se torna viável porque cada agente humano é um teórico social prático, como bem delineia Giddens (1996a, p. 30). “Isso significa que não apenas a sociologia, mas todas as ciências sociais são ‘irremediavelmente hermenêuticas’. O que também significa que, para deslindar o que o mundo social é, as ciências sociais devem ser capazes de descrever ‘o que alguém está fazendo’” (LENZI, 2006, p. 107).
Diante de tais considerações, é possível enfatizar que o meio ambiente, a partir das premissas contidas na teoria da estruturação, se apresenta na condição de estrutura e, portanto, como um meio e resultado inerentes à ação humana. No mais, convém rememorar que, para Anthony Giddens, estruturas são constituídas por regras e recursos, sendo que estes últimos permitem uma abordagem na condição de recursos autoritários e alocativos. Os recursos alocativos seriam “recursos materiais envolvidos na produção do poder, incluem o ambiente natural e os artefatos físicos e derivam do domínio humano sobre a natureza” (GIDDENS, 1989, p. 20). Desta feita, salta aos olhos que eles seriam constituídos: (i) aspectos materiais do meio ambiente, alcançando a matéria prima e as fontes de energia; (ii) os meios de produção e reprodução material, inclusive instrumentos de produção e tecnologia; (iii) os bens produzidos, advindos da interação entre os elementos constantes dos itens “i” e “ii”. É patente, desta maneira, que os recursos alocativos derivam diretamente do domínio exercido pelo ser humano sobre a natureza.
Infere-se, dessa maneira, que os fatores ambientais são colocados em posição de destaque na teoria da estruturação, já que está alcançado por um conceito central da teoria em comento, qual seja: o conceito de dualidade da estrutura. Segundo Giddens (1989, p. 303), a dualidade da estrutura pode ser definida como meio e o resultado da conduta que ela recursivamente organiza; as propriedades estruturais de sistemas sociais não existem fora da ação, contudo estão umbilicalmente envolvidos em sua produção e reprodução. É necessário reconhecer que a acepção conceitual de estrutura, em harmonia com a ótica defendida por Giddens, não corresponde a uma realidade subjetiva decorrente da estrutura externa, porém advém de uma dimensão propiciada pelas práticas reais. “O conjunto de regras e recursos, os quais compõem a estrutura, possui efetividade somente na medida em que são introduzidos na consciência prática do agente” (MONT’ALVÃO; NEUBERT; SOUZA, 2011, p. 189-190).
“Nesse caso, fatores ambientais encontram-se diretamente associados com a capacidade cognitiva dos seres humanos na medida em que as estruturas só podem ser reproduzidas pelas capacidades cognitivas dos agentes humanos” (LENZI, 2006, p. 107). Na condição de recurso alocativo, o meio ambiente pressupõe, nesse cenário, a dimensão cognitiva que está implícita na prática social. Ora, os seres humanos não se relacionam com uma matéria inerte, mas somente com propriedades constituintes dessa mesma matéria, que, sempre, carecem de uma técnica ou conhecimento que deve ser empregado para que as propriedades inerentes sejam reconhecidas. Como Claude Raffestim (1993, p. 225) salienta, os recursos naturais ou matérias primas tem sua existência atrelada à função de um atos capaz de mobilizar determinada técnica. “A relação entre estruturas (recursos alocativos) e agentes é sempre mediada pelas capacidades cognitivas destes últimos” (LENZI, 2006, p. 108).
Impende reconhecer que o papel exercido pela natureza, em um cenário propiciado pela teoria da estruturação, está sempre associado a práticas sociais e se coloca sempre como uma natureza socializada. Inexiste espaço para a concepção ingênua de natureza intocada, alheias às mudanças produzidas pelo homem. Nesta linha, a condição dos fatores ambientais, no patamar de recursos alocativos, pode ser mais bem compreendida ao analisar o papel desempenhado pela terra nas sociedades pré-capitalistas se apresentava como um recurso alocativo dotado de relevância. Tal fato decorria da premissa que a terra era o principal meio de relação entre as populações e o meio ambiente e, corriqueiramente, especialmente a partir do florescimento das sociedades agrárias, passou a receber o status de propriedade.
Entrementes, com o aparecimento do modelo capitalista, o que passa a gozar da condição de recurso alocativo não é a terra propriamente dita, mas sim a propriedade dos instrumentos empregados em sua própria transformação. “Os sistemas sociais não têm estruturas, senão que exibem propriedades estruturais. As estruturas não existem per se no tempo e no espaço, mas se manifestam dentro dos sistemas sociais na forma de práticas reproduzidas” (MONT’ALVÃO; NEUBERT; SOUZA, 2011, p. 190). No capitalismo, as principais formas de propriedade são fábricas, escritórios e máquinas, conquanto a própria terra, uma vez capitalizada, se encontre em um recurso produtivo necessário. Cuida reconhecer que os recursos alocativos, na visão de Giddens, possuem uma dimensão material e concreta, substancializando matérias-primas, instrumentos e bens produzidos. De igual maneira, os recursos alocativos também abarcam uma dimensão normativa sem a qual não poderiam vir a se constituir. “Nesse caso, recursos alocativos não exercem suas capacidades coercitivas sobre agentes humanos apenas por suas qualidades intrínsecas, apenas na condição de recursos materiais, mas exercerão maior ou menor influência a partir dos recursos autoritários existentes” (LENZI, 2006, p. 108).
Neste passo, a crise ecológica, segundo Anthony Giddens, na obra Para Além da Esquerda e da Direito (1996b, p. 234), teve sua gênese na dissolução da natureza, considerada em seu sentido mais óbvio, como quaisquer objetos ou processos eu existem independentemente da intervenção humana. Ora, tal como dito alhures, Giddens repudia a visão de natureza intocada, considerando-a como sensível às mudanças propiciadas pela sociedade, exercendo papel determinante nas práticas sociais desempenhadas. “A natureza começa a “chegar ao fim” no sentido de que o mundo natural é ordenado cada vez mais segundo os sistemas internamente reflexivos da modernidade” (GIDDENS, 2002). O enfraquecimento da natureza, na percepção giddesiana, deflui da incorporação de conhecimento técnico-científico, impulsionado, sobremaneira, após a estruturação do modelo adotado pela sociedade industrial. Nas sociedades pré-agrárias, com efeito, é possível identificar uma inter-relação íntima e cognitiva com a natureza, moldura esta que tende a enfraquecer com o conhecimento técnico-científico social construído, denominado de sistemas peritos, incorporado pelas sociedades durante o industrialismo.
A natureza está se tornando cada vez mais socializada, na proporção em que sociedade e natureza estão fortemente integradas. Doutro turno, é justamente em decorrência de tal socialização, do distanciamento das relações sociais e instituições envolvidas em sua produção, que as pessoas se distanciam de uma associação tangível com os processos e mecanismos da natureza e das circunstâncias envolvendo a sua manipulação. “A modernidade radical (ou reflexiva) leva, então, a um distanciamento espaço-temporal da natureza. A transformação da natureza, por meio da produção de bens, envolve cada vez mais uma divisão de trabalho global” (LENZI, 2006, p. 113). Nesta perspectiva, a escassez tem escoado qualquer aspecto local ou regional, podendo, via de consequência, ser produzida de maneira artificial por um processo produtivo, o qual pode assumir, inclusive, uma feição global. Tal fato ganha, ainda mais, destaque quando se analisa o tempo da poluição, o qual, desprendendo-se dos limites territoriais, atinge globalmente a sociedade.
No início da industrialização, o fito dos impactos ambientais era dotado de aspecto mais regional ou nacional, porém, contemporaneamente, eles podem assumir um âmbito que ultrapassa as fronteiras nacionais, desvinculando-se de seu local de origem. No novo contexto propiciado pela industrialização, pessoas e organizações podem se afastar dos danos ambientais que criam ou, por outro turno, podem sofrer com o impacto ambiental produzido por outrem, mesmo que espacial e temporalmente distantes. As consequências danosas e potencialmente avassaladoras dos danos ambientais, na sistemática contemporânea, foram maciçamente agravadas, desencadeando a conjunção de esforços globais para a minoração das consequências da industrialização e da poluição.
“Esse distanciamento espacial da transformação da natureza propiciada pela produção, combinado com o distanciamento temporal envolvido com os efeitos ambientais, torna problemática a confiança depositada pelas pessoas nas formas usuais de conhecimento. […] as velhas formas de confiança, baseadas em experiência e observação direta (conhecimento leigo), sofrem um deslocamento através da preponderância do conhecimento e especialização científicos que passam a ser mediadores no contato com a natureza. Uma das principais consequências desse processo é que o camponês que estabelecia uma “inter-relação íntima e cognitiva com a natureza” tende a desaparecer” (LENZI, 2006, p.113).
É constatável que a possibilidade de modificar todo o processo de degradação ambiental, advindo do fortalecimento da industrialização, agravado, de maneira significativa na contemporaneidade, parece ser algo claro, plenamente tangível. Como Anthony Giddens (1996b, p. 241) colocou em destaque, não “podemos escapar da civilização científico-tecnológica, não importando as ‘nostalgias verdes’ que ela tende a provocar”. Tal fato decorre da incorporação dos sistemas peritos à realidade vigente, eis que apresentam um aspecto inescapável da contemporaneidade e passam a figurar nas próprias tentativas de preservação da natureza. A experiência global da contemporaneidade revela uma maciça interligação entre as instituições nos acontecimentos da vida cotidiana, desdobrada nas relações indefinidas no tempo e no espaço.
Assim, Giddens estabelece que a natureza, em decorrência dos impactos advindos das sociedades industrializadas, passa a contrastar com a cidade, assumindo, corriqueiramente, uma feição idealizada; o natural passa a ser encarado como aquilo que está separado da intervenção humana. A destruição do ambiente físico, da natureza intocada passou a refletir o período histórico de ascensão das sociedades agrárias e robustecido com as sociedades industriais, passando a figurar como estrutura socializada, sofrendo as influências diretas dos sistemas peritos, manifestados pelo desenvolvimento de novas tecnologias que, ironicamente, passam a ser empregadas no discurso de preservação ambiental. Desta feita, ao abordar a questão ambiental em Giddens, em especial assumindo como viés analítico a teoria da estruturação, é possível conferir ênfase para a ótica dispensada ao meio ambiente como estrutura sobre a qual o ser humano passa a exercer influência, sobretudo quando considerada como fonte de matéria prima e fontes energéticas. A visão ingênua da natureza intocada é abandonada, na visão de Giddens, erigindo, em seu lugar, uma ótica da natureza socializada, em especial da umbilical relação existente entre natureza e sociedade.
4 Considerações finais
A problemática ambiental passou, na contemporaneidade, receber especial enfoque, sobretudo a partir da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, também nomeada de Conferência de Estocolmo, na qual foi possível perceber a conjunção de esforços supranacionais para a construção de um documento internacional acerca do tema. Tais esforços, refletiam, de maneira robusta, as preocupações já existentes com a degradação ambiental, proveniente do aumento maciço dos índices de poluição e perigo de esgotamento das fontes energéticas, motivado, sobretudo, pelo discurso de desenvolvimento econômico adotado pelo modelo capitalista. Em razão da proporção assumida pela temática, verificou-se, em especial, a partir da década de 1990 a estruturação dos primeiros escritos, nas Ciências Sociais, tratando do tema, incorporando, ainda que de maneira incipiente, a problemática ambiental aos estudos propostos. Tratou-se de dispensar uma interpretação hermenêutica ao tema, no qual órbitas distintas do conhecimento passaram a alçar, como objeto de estudo, a relação mantida entre sociedade e natureza, tais como as influências e consequências daquela sobre essa.
Em que pese a atualidade do tema, ao analisar os escritos de Karl Marx, em especial os Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, e O Capital, é possível colher, do clássico discurso de crítica ao modelo capitalista, passagens e excertos nos quais o mencionado autor, mesmo concebendo a natureza como pano de fundo, apresenta análise da temática ambiental. O modelo capitalista, objeto da crítica marxista, desdobra consequências também no exaurimento do meio ambiente, sendo tangível tal temática ao alinhar o discurso proposto nas obras ora mencionadas e os danos causados aos trabalhadores e ao solo pela relação predatória dos homens com a natureza. Mesmo condicionado a pano de fundo, a natureza, em razão da matéria-prima explorada e das fontes energéticas (petróleo, carvão mineral e gás natural) passa a ser densamente impactada pela busca de desenvolvimento econômico. Salta aos olhos que, a partir linha de raciocínio adotada, o discurso de Marx reclama uma revisitação contemporânea, eis que se revela atual e informativo para o cenário contemporâneo. Trata-se, com efeito, de, a partir da vertente crítica utilizada no século XVIII, utilizar o texto marxiano como crítica ao argumento que legitima a predação ambiental a partir do modelo econômico capitalista, impulsionado pelo núcleo denso daquele, qual seja: a maximização do lucro e o aumento na produção de mercadoria.
É possível, em uma interpretação contemporânea, estabelecer um ponto sensível entre o discurso de agravamento da degradação ambiental, especialmente nos países subdesenvolvidos, com a busca insaciável do modelo capitalista, notadamente no que se refere à concentração de lucro e à necessidade de aumento na produção de mercadoria, materializando a exploração dos trabalhadores e da natureza, notadamente na seara da agricultura industrial. Exemplo iconográfico utilizado foi a terra, extremamente impactada com a utilização de uma agricultura industrial, na qual até os trabalhadores e a área utilizada passam a ser explorados em prol do sistema. A degradação ambiental passa a ser sustentada pelo discurso do desenvolvimento uma vez que com maior exploração, em especial das áreas não utilizadas, é possível aumentar a produção. Nesta concepção, não somente o trabalhador é exaurido, a natureza passa a integrar o contingente afetado pelo modelo capitalista, no qual a ampliação da produção de mercadoria passa a legitimar a degradação ambiental.
Anthony Giddens, por sua vez, contemporâneo dos problemas florescidos no século XX, em especial a partir da década de 1950, propõe uma análise das questões ambientais estabelecendo um liame com a sociedade, fazendo clara menção ao ambiente ou a natureza modificada pela ação humana (natureza socializada), refletindo, desta maneira, os impactos sociais, econômicos, políticos e culturais das ações sobre o cotidiano social, abordando as mudanças nas suas diversas dimensões. Cuida salientar que o esfacelamento do ambiente físico, da natureza intocada passa a refletir, de maneira ofuscante, o período histórico das sociedades agrárias e, posteriormente, substituídas pelas sociedades industriais. Assim, a natureza, desprendendo-se de uma moldura idealizada, típica das bucólicas cenas agropastoris, passa a ostentar uma feição mais dinâmica, dando ensejo a uma estrutura socializada, sofrendo as influências diretas dos sistemas peritos, decorrentes do desenvolvimento de novas tecnologias que, ironicamente, passam a ser empregadas no discurso ambiental.
Ao se conceber a natureza socializada, a partir da Teoria da Estruturação de Giddens, verifica-se que as pessoas passam a se adaptar às novas realidades construídas pelo capitalismo e industrialismo em razão da dinâmica da vida, a qual é importa pela sociedade industrial, fomentado pelo desenvolvimento progressivo da ciência e da tecnologia, os sistemas peritos que passam, cada vez, influenciar a modificação do ambiente físico, o qual passa, sobretudo em decorrência da dinamicidade da vida contemporânea e a rápida difusão tecnológica, a ser substituído pelo ambiente modificado. Há uma transformação crescente na relação entre sociedade e natureza, tal como elevada adaptação das pessoas à natureza socializada, tal fato decorre, em especial, devido à estruturação de sistemas peritos, maiormente quando a natureza é considerada como detentora das matérias-primas e fontes energéticas.
É possível, desta maneira, identificar nas obras de Karl Marx e Anthony Giddens, ao tratar a questão ecológica, tanto no que se refere à crítica ao modelo capitalista e as consequências introjetada na natureza, sustentada pelo primeiro, quanto na concepção do ambiente como estrutura, influenciado, de maneira determinante, pelas inovações tecnológicas e evolução científica, proposta pelo segundo, liames que se tocam. A questão ambiental, nos autores utilizados como paradigmas para a edificação do presente, possibilita uma releitura da problemática contemporânea, utilizando o texto clássico de Marx e a visão vanguardista de Giddens, os quais confluem para a degradação ambiental decorrente do modelo capitalista adotado, no qual a busca pela exasperação do lucro, impulsionado pelo aumento de matéria-prima e pela utilização das fontes energéticas são fatores que tendem a impactar e deteriorar a natureza.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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