Renan Reway Ruthes[i]
Elizeu Luiz Toporoski[ii]
RESUMO: A presente pesquisa, pautada na Lei n. 11.101/2005, tem como objetivo a análise da recuperação extrajudicial da empresa, com base no princípio da Preservação da Empresa. O propósito é demonstrar que a concepção de recuperação extrajudicial, trazida com o advento da Lei n. 11.101/2005, vem como uma nova forma de manter os principais objetivos da fonte produtora ativos, trazendo consigo formas e requisitos para que esse benefício possa ser requerido e cumprido nas disposições presentes na Lei mencionada. Analisa-se, ainda, a recuperação extrajudicial relacionando-a à maneira de vinculação dos credores, podendo assim, ser ordinária ou extraordinária, bem como os requisitos necessários para a homologação do plano de recuperação e a maneira com que se dará a homologação, caso os mesmos sejam atendidos. Para tanto, empregou-se o método dedutivo, dando destaque às concepções doutrinárias e normativas sobre o tema.
Palavras-Chave: Recuperação; Extrajudicial; Preservação; Empresa; Eficácia.
ABSTRACT: This research whose legal foundation is on Law n. 11.101/2005, has as objective the enterprise “out of court” recovery analysis based on the Principle of Company Preservation. The purpose is to demonstrate that the “out of court” recovery conception, introduced by the Law n. 11.101/2005, emerges like a new way to keep the main objectives of the asset producing source, bringing with it new forms and requirements for this benefit can be required and fulfilled according to the mentioned Law provisions. It also analyses the “out of court” recovery, relating it to a way of linking creditors, in an ordinary or extraordinary way, as well as the necessary requirements for the approval of the recovery plan, and the way of how this approval would be done, if the requeriments are fulfilled. To do so, the deductive method has been used, emphasizing the doctrinal and normative conceptions on the subject.
Keywords: Recovery; Extrajudicial; Preservation; Company; Efficiency.
Sumário: Introdução. 1. Recuperação Extrajudicial. 1.1. Espécies de Recuperação Extrajudicial. 1.1.1 Recuperação extrajudicial ordinária. 1.1.2. Recuperação extrajudicial extraordinária. 1.2. Requisitos para Aderir ao Plano. 1.2.1. Requisitos subjetivos. 1.2.2. Requisitos objetivos. 1.3. Impugnação do Procedimento da Recuperação Extrajudicial. 1.4. Princípio da Preservação da Empresa. 1.4.1. Eficácia do sistema de recuperação de empresas. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Lei n. 11.101 de fevereiro de 2005 (BRASIL, 2005) tem como objetivo proporcionar as sociedades empresárias, que se encontram em dificuldades extremas, se reestruturarem baseando-se no princípio da preservação da empresa. Esse princípio tem como principal objetivo preservar a atividade, bem como o quadro de funcionários e o interesse dos credores.
Ao analisar o instrumento da Recuperação, verifica-se que duas são as formas para o requerimento da Recuperação empresarial, qual seja judicial e extrajudicial.
O presente artigo analisa especificamente a Recuperação Extrajudicial, a qual pode ser requerida através de duas modalidades, sendo a primeira, a Recuperação Extrajudicial Ordinária, prevista no art. 162 da Lei n. 11.101/2005, na qual os credores terão acesso ao plano diretamente pelo Credor e caso aceite, assinará o contrato. Esta modalidade está livre de envolvimento por parte do Estado, os credores podem livremente apresentar seu plano com suas próprias intenções. A segunda, denominada de Recuperação Extrajudicial Extraordinária, prevista no art. 163 da Lei n. 11.101/2005, na qual, da mesma forma, o credor precisará colher assinatura dos credores dispostos a aderir ao plano apresentado, porém, nessa modalidade, nem todos os credores serão obrigados a aceitar, ou seja, se 3/5 dos créditos totais forem a favor do plano, os demais serão incluídos automaticamente concordando ou não.
Importante destacar que o plano de Recuperação Extrajudicial não pode ser requerido por qualquer devedor, tendo algumas determinações a serem seguidas, conforme o art. 48 da Lei n. 11.101/2005, ou seja, o devedor deve ter em exercícios suas atividades de forma regular há mais de 02 (dois) anos, bem como o devedor não pode ser falido, caso já tenha sido, sua falência deve ser declarada extinta por sentença judicial transitada em julgado, ou seja, deve estar reabilitado. Outros requisitos para o requerimento estão relacionados a não ter pedido Recuperação Judicial nos últimos 05 (cinco) anos, bem como não possuir condenação nem ter como administrador alguém que tenha sido condenado por qualquer dos crimes previstos na Lei de Recuperação Judicial.
Outro aspecto importante para análise está relacionado aos credores, não são todos os aptos a participar da aceitação do plano da recuperação extrajudicial, de acordo com o §1º do art. 161 da mesma Lei, ali se limitam aqueles que podem ser submetidos ao procedimento. Ou seja, titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, bem como proprietário fiduciário de bens móveis e imóveis, arrendador mercantil de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.
Depois de respeitados os procedimentos necessários, o plano será homologado por Juiz competente para que os credores tenham ciência e, se for de vontade apresentem sua insatisfação a determinados aspectos via impugnação.
Sobre a impugnação, esta pode conter o seguinte conteúdo, caso seja de vontade a impugnação, o credor só terá direito a alegar: o não preenchimento dos 3/5 mínimo dos credores, ou a prática dos atos previstos no art. 94 ou 130 desta Lei, ou o descumprimento de qualquer exigência legal.
Devido ao momento de crise financeira atual, é cada vez mais frequente o pedido de Recuperação de Empresas, porém, a real intenção ao realizar o pedido de recuperação nem sempre prioriza os objetivos principais. Com base nesse raciocínio o presente artigo irá analisar a realização do plano de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, se está sendo feito com o propósito de preservação da empresa e sua razão social, ou unicamente com intuito de renegociar as dívidas para assim ter mais tempo e não ser prejudicado correndo risco de ser decretada falência.
1 RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Com a Lei de Recuperação e Falências, a tentativa de acordo a pagamento de dívidas que anteriormente era vista como ato de ensejo de falência, vindo a penalizar o devedor que reunisse seus credores com esse intuito, agora trata como diverso método de recuperação extrajudicial, presente nos artigos 162[1] e 163[2] da mencionada Lei.
As inovações trazidas pelo novo ordenamento aumentaram consideravelmente as opções do devedor no tocante à preservação de sua unidade produtora, porém, com plena participação de seus credores quando perceba que sua situação financeira não esteja saudável e precise tomar alguma atitude para evitar o processo de falência. Sendo assim Luiz Felipe Salomão (2017, p. 407) ilustra perfeitamente a finalidade da Recuperação Extrajudicial:
“Na recuperação extrajudicial, o devedor, para resolver problemas de liquidez, propõe a seus credores, na maioria dos casos, remissão ou dilação. Esse procedimento – extremamente simples – tem por finalidade dar transparência e segurança às negociações, desde que seja garantido aos credores, tenham ou não aderido ao contrato, as mesmas condições de prorrogação de prazo de vencimento ou redução percentual do passivo. Por isso, é desnecessário exigir um plano de reorganização empresarial, pois a recuperação extrajudicial significa apenas uma renegociação parcial com alguns credores escolhidos pelo devedor. Para tal finalidade, basta que o devedor comprove ter condições de cumprir o acordo. Essa modalidade de acordo pressupõe uma proposta de dilação ou remissão previamente elaborada e não faz sentido convocar uma assembleia para deliberar a respeito da matéria. Havendo necessidade de convocação de credores em assembleia, o procedimento toma os contornos de uma recuperação judicial, e não extrajudicial.”
Ao falar no termo extrajudicial, Marcelo Barbosa Sacramone (2018, p. 501) define que “a composição entre os credores e o devedor é privada. Apenas após os credores já terem aderido à proposta negociada é que os seus termos e condições são apresentados à homologação judicial”.
Waldo Fazzio Júnior (2015, p. 109) define a expressão Recuperação Extrajudicial:
“A expressão recuperação extrajudicial pode levar à compreensão de que se trata de expediente que dispensa a participação jurisdicional. Não é assim. O adjetivo extrajudicial está relacionado não com a recuperação, mas com a composição de interesses preliminar da recuperação, cujo desenvolvimento não prescinde da homologação judicial. A LRE não cogita de um procedimento administrativo de recuperação completamente alheio à supervisão judicial, porque esta é que confere certeza e segurança aos credores e ao devedor.”
Com a inovação e o consequente advento da recuperação extrajudicial, os juristas brasileiros trazem consigo uma maneira mais informal e facilitada para que os devedores consigam chegar a seus objetivos principais através de solução dos litígios por meio de acordos, com o escopo de manter funcionando sua empresa, como unidade produtora. (FAZZIO JÚNIOR, 2015, pg. 110).
Nas palavras de Marlon Tomazzete, (2018, p. 279) “tais acordos extrajudiciais eram tratados como atos de falência no regime anterior e agora passam a ser expressamente admitidos pelo nosso ordenamento jurídico, representando uma alternativa de superação das crises”.
1.1 ESPÉCIES DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Com a Lei de Recuperação e Falências, a tentativa de acordo a pagamento de dívidas que anteriormente era vista como ato de ensejo de falência, vindo a penalizar o devedor que reunisse seus credores com esse intuito, agora trata como diverso método de recuperação extrajudicial, presente no art. 162 da mencionada Lei.
Sendo assim, serão tratados a seguir os dois métodos a respeito da Recuperação Extrajudicial.
1.1.1 RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL ORDINÁRIA
A Recuperação extrajudicial ordinária, também pode ser denominada de plano de recuperação extrajudicial individualizado, uma vez que pode o devedor, quando das negociações, apresentar em juízo documento com termos e condições, assinado pelos credores que à ele aderiram (NEGRÃO, 2018, p. 230).
No mesmo sentido é a previsão do artigo 162 da Lei n. 11.101/2005, no qual se permite o requerimento da homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.
Consiste, assim, na apresentação de um plano, que busca a obtenção de concordância da totalidade dos credores, através de sua assinatura, tornando facultativa a homologação judicial do acordo, cabendo às partes tomar a decisão de homologá-la (TOMAZETTE, 2018, p. 282-283).
Entretanto, há hipóteses em que o devedor possui o desejo da homologação do plano em Juízo, isso para que seja evitada a desistência da adesão por parte dos credores, que, após a juntada das assinaturas dos referidos juntamente com a petição inicial, em tese, não será permitida a desistência, salvo se for de vontade dos demais credores que também aderiram, como preceituado no parágrafo 5º do art. 161 da Lei de Falências (CRUZ, 2018, p. 883).
Além disso, o art. 166 aborda dois reais motivos para que o credor faça questão de homologar seu acordo, Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 452) explica:
“A homologação do plano de recuperação extrajudicial que conta com a adesão de todos os credores alcançados é facultativa. Visa apenas revestir o ato de maior formalidade, chamando a atenção das partes para a importância dele, ou possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas, se for essa uma medida de reerguimento da devedora.”
Ou seja, mediante homologação ou não do acordo, fica aberta a possibilidade, a critério das partes, realizá-la ou não em Juízo, porém como bem dito por Marlon Tomazette (2018, p. 283) “sem a homologação, haveria um simples acordo privado, mas não uma recuperação judicial. A homologação não é essencial para o acordo, mas é essencial para que ele produza os efeitos já mencionados”.
Sendo assim, pode-se afirmar que a assinatura dos credores no plano apresentado é uma forma de garantia para ambas as partes, facultando a procura pelo Poder Judiciário apenas para homologação do referido plano, tornando-o assim, título executivo judicial, para que, se necessário, proceda-se a sua execução (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 374).
1.1.2 RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL EXTRAORDINÁRIA
A respeito da Recuperação extrajudicial extraordinária, a principal diferença fica a critério do número de créditos que se sujeitam a aceitar ou não o plano apresentado pelo devedor.
Denominada também como Recuperação Extrajudicial Obrigatória, tem como característica principal a homologação do plano de recuperação, porém não abrangendo a totalidade de seus créditos, e sim uma parte significativa deles, levando em consideração a contra vontade de pequena parte dos credores, seria injusto ter negada a oportunidade de uma empresa em se reerguer por ocasião da não aceitação do plano apresentado. Sendo assim, a vontade da maioria dos credores compensa a necessidade da aderência espontânea dos demais (COELHO, 2013, p. 454).
O segundo ponto, encontra-se disposto no art. 43[3] e seu parágrafo único, onde é determinada a não computação de algumas modalidades de créditos para fins de contagem da porcentagem.
Seguindo as diretrizes corretamente, o devedor levará seu plano de Recuperação Extrajudicial para homologação, para que suas finalidades sejam obedecidas (TOMAZETTE, 2018, p. 287).
Nesse sentido, Carlos Eduardo da Cruz (2016):
“O devedor deverá juntar justificativa e documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que aderiram ao plano, sua situação patrimonial, demonstrações contábeis documentos que comprovem seus poderes para transigir ou novar, além da relação de credores, com suas respectivas classificações quanto a tipo de crédito, classe, valor. Caso não apresente o plano não será homologado. “
Então, para que tenha validade o plano da Recuperação Extrajudicial, conforme o art. 165 da Lei n. 11.101/2005 é imprescindível a homologação judicial, para que daí possa produzir seus efeitos legais e ser cumprido em sua totalidade.
1.2 REQUISITOS PARA ADERIR AO PLANO
Os requisitos para aquisição do pedido estão dispostos em Lei, não é qualquer devedor que pode simplesmente apresentar um plano e tentar recuperar sua empresa das dívidas que a sufocam. Para conseguir a benesse, é necessário seguir e cumprir requisitos legais, para comprovação de sua credibilidade além do interesse que está realmente disposto ao objetivo principal da recuperação (MAMEDE, 2018c, p. 213).
Existem duas classes de requisitos de necessário cumprimento, são chamados por alguns autores de requisitos subjetivos e objetivos, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 434): “subjetivos (dizem respeito à sociedade empresária requerente) e objetivos (são pertinentes ao plano submetido à homologação)”.
1.2.1 REQUISITOS SUBJETIVOS
O primeiro requisito subjetivo para requerer a Recuperação Extrajudicial, determinado pelo art. 48, caput, da Lei de Falências, consiste na obrigatoriedade do requerente exercer sua atividade há mais de dois anos, regularmente, devendo comprovar tal condição através de documentos hábeis, como por exemplo, registro mercantil.
Esse requisito garante autenticidade, eficácia e informações referentes à empresa, no mesmo diapasão, conceitua Gladston Mamede (2018a, p. 105):
“O registro mercantil é feito por meio de órgãos federais e estaduais, de forma sistêmica, com o objetivo de (1) dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, que sejam legalmente submetidos a registro; (2) cadastrar as empresas mercantis nacionais e estrangeiras em funcionamento no país e manter atualizadas as informações pertinentes (os atos constitutivos de empresas são ali arquivados, se o contrário não for disposto em lei especial); e (3) proceder à matrícula dos agentes auxiliares do comércio, bem como ao seu cancelamento.”
Além disso, o devedor não pode ser falido, se por ventura for, é necessário para o pedido da Recuperação, que essa falência tenha sido declarada extinta por sentença transitada em julgado (art. 161 c/c art. 48, I, ambos da Lei n. 11.101/2005).
Outro requisito subjetivo é não possuir condenação por crime falimentar. Em relação a esse requisito, pode-se tomar como fonte secundária o princípio descrito no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o qual preceitua que ninguém será culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ou seja, pautando-se no princípio da presunção da inocência, esse requisito subjetivo só terá validade após decisão definitiva do juízo competente. No que se refere a exigência deste requisito, tem-se que, quando se tratando unicamente do empresário, é estabelecido à sua própria pessoa, já no que diz respeito às sociedades empresárias, é exigido em relação aos seus administradores e sócios controladores (TOMAZETTE, 2019, p. 292).
Por fim, é requisito o devedor não ter pedido outra Recuperação nos últimos 2 (dois) anos, visto que nesse caso, a solução não seria válida para alguém que repetidamente se utilize do benefício para se valer de uma má administração de sua empresa ou algo parecido (art. 161, § 3º, Lei n. 11.101/2005).
1.2.2 REQUISITOS OBJETIVOS
Além dos requisitos que dizem a respeito da pessoa do devedor, existem também os requisitos que versam sobre o plano em si apresentado.
Em relação aos requisitos objetivos, o plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas, ou seja, é vedado o pagamento a apenas alguns dos credores filiados, a fim de evitar que, em caso de falência, alguns saiam beneficiados em relação a outros. No mesmo sentido do princípio anterior, o princípio do tratamento desfavorável aos credores que não tenham aderido ao plano vai ao mesmo sentido de não beneficiamento, visto que se cumprido os 3/5 necessários, não há que se falar em tratamento diferente entre os credores (TOMAZETTE, 2019, p. 293).
O terceiro requisito consiste na necessidade do plano abranger uma ou mais espécies dos créditos constantes no art. 83 incisos até a data do requerimento solicitando homologação, sendo eles créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; créditos com privilégio especial; créditos com privilégio geral; créditos quirografários; e créditos subordinados (MAMEDE, 2018c, p. 216).
Já a classe dos credores que compõe a assembleia- geral, é composta por: credores com garantia real, credores com privilégio especial, credores com privilégio geral, credores quirografários e credores subordinados (TOMAZETTE, 2018, p. 170).
Ainda, desse percentual de 3/5, deve ser observado dois pontos importantes. Primeiro, em relação ao crédito em moeda estrangeira, onde será convertida em moeda nacional pelo câmbio no momento anterior da assinatura do plano, nas palavras de Gladston Mamede (2018c, p. 217): “[…] o percentual será calculado levando-se em conta essa data de assinatura, sendo que posteriores desvalorizações cambiais, a implicar redução da expressão monetária nacional daquela obrigação”.
Também é requisito objetivo necessário que, no que se refere aos créditos de moeda estrangeira, a variação só seja afastada se o credor aceitar expressamente previsão diversa constante no plano de Recuperação (art. 163, § 5º, da Lei n. 11.101/2005).
Ao discorrer acerca das formalidades necessárias ao conteúdo do plano extrajudicial de recuperação, notadamente no que se refere aos créditos em moeda estrangeira, preceitua Marlon Tomazette (2018, p. 286):
“Também é requisito objetivo a concordância dos credores para o afastamento da variação cambial que lhes era assegurada originalmente (Lei n. 11.101/2005 – art. 163, § 5º). Além disso, na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia (Lei n. 11.101/2005 – art. 163, § 4º).”
Preenchidos os requisitos listados, o credor estará apto a homologar seu plano e ter seus efeitos garantidos, salvo disposição em contrário.
1.3 IMPUGNAÇÃO DO PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Protocolado e distribuído o pedido de Recuperação Extrajudicial, o Magistrado homologará o plano. Nas palavras de Pacheco (2013, p. 437) “homologação é o ato pelo qual o juiz, sem julgar conflito de interesses, limita-se a dar validade e eficácia, à deliberação ou acordo entre as partes, desde que atendidas as prescrições legais”
Recebido, o Juiz fará com que esse plano seja publicado em Edital de Órgão Oficial e em jornal de Grande de circulação, nacional ou local, para que todos os credores possam apresentar suas manifestações a respeito do plano apresentado, conforme determinado no art. 164, caput, da Lei de Falências.
Para engrandecimento do estudo, traz-se ao presente artigo uma imagem explicativa do processo desde o pedido de homologação:
A partir da publicação do Edital, os credores têm prazo de 30 (trinta) dias para se manifestarem acerca do plano, caso seja de vontade, a impugnação do plano da Recuperação deve ser fundada apenas nos aspectos, ou matérias, determinados pelo art. 164, §3 da Lei de Falência e Recuperação (Lei n. 11.101/2005, art. 164, § 2º).
Consoante redação trazida pela Lei n. 11.101/2005, no seu artigo 164, § 3º, como matéria passível de impugnação tem-se (I) o não preenchimento do percentual mínimo de mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, (II) a prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94[4] ou do art. 130[5] da Lei n. 11.101/2005, ou o descumprimento de requisito previsto na referida Lei e (III) o descumprimento de qualquer outra exigência legal.
Caso seja apresentada qualquer impugnação válida, ou seja, que verse apenas sobre as matérias citadas acima, será aberto novo prazo, agora de 5 (cinco) dias para que o devedor se manifeste ou apresente alguma objeção às impugnações feitas pelos credores (art. 164, § 4º, Lei n. 11.101/2005).
Findos os prazos de impugnações e manifestações de ambas as partes, o Juiz terá mais 05 (cinco) dias para apreciação das devidas manifestações e assim homologar o plano por sentença, caso entenda que não implica prática de atos previstos no art. 130 da Lei de Falências e Recuperação Judicial e que não há outras irregularidades que recomendem sua rejeição (MAMEDE, 2018b, p. 454).
1.4 PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Dentre vários princípios incorporados na Lei de Falências e Recuperação Judicial e Extrajudicial, um deles, e também um dos mais importantes, é o princípio da preservação da empresa. Quando da leitura do art. 75 da Lei n. 11.101/05, podemos extrair que, ao realizar o afastamento do devedor da direção da empresa, visa-se a preservação de sua atividade econômica, os empregos, a função dentro da Sociedade econômica.
Sobre o princípio abordado, deve-se ter em mente primeiramente que sua principal função está atrelada à continuação das atividades empresariais, visando a sociedade consumidora e atividade empresarial, ou seja, em hipótese alguma busca-se o interesse da pessoa do empresário. Nesse sentido, têm-se as lições de Marlon Tomazette (2019, p. 81):
“A empresa (atividade) é mais importante que o interesse individual do empresário, dos sócios e dos dirigentes da sociedade empresária. Não importa se estes terão ou não prejuízos, o fundamental é manter a atividade funcionando, pois isso permitirá a proteção de mais interesses (fisco, comunidade, fornecedores, empregados…). Não se descarta a manutenção da atividade com o mesmo titular, mas a preferência é a manutenção da atividade em si, independentemente de quem seja o titular.”
Consoante entendimento do autor acima mencionado, a manutenção da atividade empresarial com a figura do mesmo sócio que solicitou a Recuperação, não reflete o real significado extraído do princípio, isso porque, como o próprio nome já diz, remete-se a preservação da empresa, de sua atividade, e não do seu empresário, do seu sócio ou de seus administradores.
No tocante à preservação da atividade, corrobora com o princípio estudado também o Código Civil (BRASIL, 2002), que determina em seu art. 974, que a continuação da empresa pode ser exercida por incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, ainda, no seu art. 1.033, que a sociedade poderá permanecer ativa mesmo que ocorra a retirada de um ou mais sócios do quadro, sendo possível a continuidade pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias antes que ocorra a dissolução da Sociedade. (MAMEDE, 2018a, p. 51).
O princípio da Preservação da Empresa está presente na maioria dos diplomas legais, em seu caso específico e principal na presente pesquisa, a qual se baseia nos ditames da Lei n. 11.101/05, dentre outras diversas menções, devemos atenção ao art. 94[6] da lei acima mencionada.
O antigo Decreto-Lei n. 7.661/45 que regulamentava sobre o assunto abordado, não trazia em seu texto uma margem, ou limite mínimo, para declaração de falência, ou seja, no antigo texto a prioridade era o encerramento da atividade econômica, não tendo enfoque na preservação empresarial (BUDNHAK; SANTOS, 2010).
Já na redação atual trazida pela Lei n. 11.101/2005, que revogou o antigo Decreto, se torna evidente que o principal objetivo é à manutenção do capital social, interesse público, arrecadação de impostos objeto perante a sociedade, e não o encerramento e/ou afastamento da atividade do empresário junto ao seu estabelecimento comercial (MAMEDE, 2018a, p. 50).
Ao analisar a importância da Preservação da empresa, com a nova Lei de Falências e Recuperação Judicial, busca-se de alguma forma o não encerramento dos serviços prestados pela empresa, ou seja, a continuação da prestação dos serviços, existindo a possibilidade do Juiz, ainda na sentença declaratória de falência, pronunciar sobre a continuidade as atividades do estabelecimento de forma provisória, como bem determina o art. 99, XI, ou, em últimos casos determinar sua lacração caso haja risco ao interesse dos credores (COELHO, 2011, p. 385).
1.4.1 EFICÁCIA DO SISTEMA DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
O procedimento extrajudicial foi incluído no projeto da lei de falências como um meio de simplificar a recuperação das empresas, tornando o processo mais célere e menos formal (FONSECA; KOHLER, 2005, p. 05-06).
Em que pese a intenção do legislador em facilitar e tornar menos oneroso o pedido de recuperação, analisando as estatísticas divulgadas pelo Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações[7], o número de requerimentos e homologações de recuperação extrajudicial ainda é ínfimo se comparado aos pleitos de recuperação judicial.
A fim de demonstrar tal situação, faz-se uma análise das estatísticas levantadas em 10 de setembro de 2019 pela base de dados da Serasa Experian, a qual encontra-se disponível para consulta em meio eletrônico (https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/numero-de-recuperacoes-judiciais-aumenta-76-em-agosto-de-2019-revela-serasa-experian).
O Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações, em relação especificamente aos pleitos de recuperação extrajudicial, constatou que até o mês de agosto/2018 foram realizados 10 requerimentos, tendo apenas 01 sido homologado. Do período de agosto/18 até julho/2019, não houve requerimentos. Em agosto/2019, houve 02 requerimentos, tendo sido ambos homologados. (SERASA EXPERIAN, 2019)
No comparativo realizado pelo referido indicador entre os meses de janeiro a agosto dos anos de 2017, 2018 e 2019, percebe-se que o número apresentado no ano de 2018 é menos significativo que o apresentado no mesmo período dos anos de 2017 e 2019. Isso porque, no ano de 2017 foram realizados 16 requerimentos, no ano de 2018 foram feitos 12 pedidos de recuperação, ao passo que, no ano de 2019, o número de requerimentos ultrapassou os realizados em 2017 e também os realizados em 2018, totalizando 18 pleitos em 2019. Quanto às homologações, em 2017 foram homologados 30 pedidos, enquanto em 2018 totalizaram 02, e em 2019 houve 07 homologações (SERASA EXPERIAN, 2019).
Ainda, dos dados obtidos junto ao Serasa Experian (2019), denota-se que o número de recuperações judiciais requeridas no período de janeiro a agosto do ano de 2017 é 157,76% maior do que de recuperações extrajudiciais. Situação análoga se percebe no mesmo período do ano de 2018, onde se sobressaiu 117,84% e em 2019, quando teve uma diferença de 168,48%.
Analisando os dados acima expostos, percebe-se, uma nítida diferença no número de requerimentos de recuperação judicial, se comparados aos requerimentos de recuperação extrajudicial.
Por mais que a recuperação extrajudicial traga diversas vantagens, o irrisório número de requerimentos homologados desde que vigente a Lei n. 11.101/2005, podem ser justificados pela ausência de estrutura do regime para atender as carências das empresas em recessão (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 376).
CONCLUSÃO
Ao longo da elaboração do presente trabalho, observou-se que, com o advento da Lei n. 11.101/2005, houve uma modernização no sistema jurídico brasileiro, no que se refere à recuperação e a falência de empresas.
A Lei n. 11.101/2005 foi promulgada com o intuito de regulamentar o sistema de recuperação e falência de maneira a atender a sociedade moderna, uma vez que, no final do século XX, foi afetada pela globalização, o que causou impacto direta na economia e no direito empresarial.
A referida lei trouxe em seu bojo maior responsabilização patrimonial ao devedor, como pessoa jurídica, afastando a velha concepção da responsabilidade pessoal daquele que responde pela sociedade empresarial.
Apontou-se como princípio norteador da Lei de Falências e Recuperação Judicial e Extrajudicial, o princípio da preservação da empresa, por meio do qual prega-se a primazia da continuação das atividades empresariais, frente a conveniência e os benefícios que poderia ir a ter a pessoa do empresário.
Destacou-se a existência de duas maneiras de vinculação dos credores ao plano de recuperação extrajudicial; quais sejam: ordinária e extraordinária. A primeira é de homologação facultativa e resume-se na apresentação de um plano, de concordância unânime dos credores, os quais podem decidir pela sua homologação ou não, ao passo em que a segunda, possui como característica a necessidade de homologação de parte significante do plano de recuperação.
Ressaltou-se a necessidade de observância dos requisitos dispostos em lei para apresentação do plano de recuperação de empresa. Tais requisitos podem se referir unicamente à sociedade empresária requerente (denominados de subjetivos) ou ao plano submetido à homologação (denominados de objetivos).
Frisou-se, por fim, que da homologação judicial do plano de recuperação cabe impugnação, a qual deverá ser apresentada no prazo legal e limitar-se aos aspectos e matérias previamente trazidos pela Lei n. 11.101/2005. Entendendo o magistrado estar o plano de recuperação dentro dos ditames legais e livre de máculas, o plano é homologado por sentença, produzindo seus efeitos.
Em conclusão, acredita-se que a recuperação extrajudicial é um instituto de grande importância para o direito empresarial brasileiro, uma vez que, em que pese vivermos em uma sociedade capitalista, as empresas podem não obter êxito no ramo em que atuam, necessitando buscar auxílio do instituto da recuperação extrajudicial, o qual se pode enquadrar como uma saída pacífica para quitação das dívidas contraídas pelo empresário.
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[1]Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.
[2]Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.
² Art. 43. Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar da assembleia-geral de credores, sem ter direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quórum de instalação e de deliberação.
Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica ao cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, colateral até o 2º (segundo) grau, ascendente ou descendente do devedor, de administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora e à sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções.
[4] Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: […]
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
[5] Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.
[6] Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
[7] Trata-se de um indicador estruturado com base nas estatísticas de falências e recuperações judiciais e extrajudiciais registradas mensalmente na base de dados da Serasa Experian, tendo as informações oriundas das varas de falências e dos Diários Oficiais.
[i] Acadêmico do Curso de Bacharel em Direito da Universidade do Contestado, Campus Mafra/SC, Brasil; e-mail: r.e.an@hotmail.com.
[ii] Professor de Direito da Universidade do Contestado, Mafra/SC, Brasil; Mestre em Direito pelo Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia; Pós-Graduado (especialização) em Direito Público; e-mail: elizeu.toporoski@gmail.com.
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