Resumo: O estudo é dedicado à definição das teorias aplicáveis à responsabilidade extracontratual do Estado para com os administrados, em especial nos casos de danos ocasionados pela omissão estatal. Cada vez mais se percebem demandas indenizatórias, objetivando uma retribuição pecuniária pelos prejuízos sofridos em decorrência do serviço público não prestado ou prestado defeituosamente. A essência do trabalho é demonstrar as questões controvertidas, tanto doutrinariamente, quanto na jurisprudência atual, sobre o tema e analisar a admissibilidade das teorias em relação aos atos omissivos do Estado, que possibilitaria ou não sua responsabilização.
Palavras-chave: Responsabilidade; estado; omissão; subjetividade; nexo causal; serviço público.
Sumário:1. Introdução. 2. Evolução histórica da responsabilidade extracontratual do estado. 2.1. A teoria da total irresponsabilidade estatal. 2.2. A teoria da responsabilidade subjetiva. 3. Responsabilidade estatal por danos decorrentes de atos omissivos: teoria da culpa administrativa e culpa do agente. 3.1. Relação de causalidade entre dano e omissão do Estado. 3.2. A posição do Supremo Tribunal Federal. 4. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Constitucional moderno possui como um de seus pilares a sujeição de todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, a uma ordem jurídica. Desta maneira, qualquer lesão a um bem jurídico de terceiro implica na obrigação de reparação por parte do agente causador do respectivo dano.
No desempenho das funções estatais o Poder Público produz, teoricamente, danos de maior amplitude do que os causados por particulares e, portanto, sua responsabilidade é regulada por princípios específicos, adaptados à peculiaridade de sua situação jurídica.
Por força constitucional, a responsabilização se estende às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviço público e consubstancia-se na obrigação de indenizar pelo danos patrimoniais e/ou morais que seus agentes, na qualidade de agentes públicos, causarem a terceiros. A reparação será sempre pecuniária por tratar-se de responsabilização de ordem civil.
Destaca-se, inicialmente, a impropriedade do termo “Responsabilidade da Administração Pública” uma vez que esta não possui personalidade jurídica própria e, por conseguinte, não é titular de direitos e obrigações. Tem-se que o mais apropriado seria afirmar que a responsabilidade é do Estado, pois a responsabilização civil exige a capacidade.
A expressão se estende às três funções em que se subdivide o poder estatal: legislativa, administrativa e jurisdicional. Embora a maioria dos casos que ensejam a responsabilização decorram da atividade administrativa, verifica-se, excepcionalmente, que o desenvolvimento das demais funções também podem ensejar a reparação.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
As teorias que fundamentam a responsabilidade estatal por danos causados a terceiros evoluíram ao longo do tempo juntamente com a própria noção de Estado. Esta possibilidade de responsabilização surgiu apenas com a noção de Estado de Direito, a partir de quando se passou a admitir a concepção do Estado como sujeito de direitos e, por conseqüência, como responsável pelos prejuízos decorrentes de suas atividades.
2.1. A Teoria da Total Irresponsabilidade Estatal
Também conhecida como Teoria Regalista ou Feudal, era própria dos estados absolutistas onde a vontade do rei tinha força de lei. A noção de soberania levada ao extremo não permitia admitir que a atuação governamental pudesse gerar indenizações aos súditos.
O fundamento desta concepção se dava na ideia de que o rei era o representante de Deus na terra, portanto eventuais prejuízos eram atribuídos à providência divina. Assim, se Deus não erra, não poderia também o soberano estar equivocado. Esta crença foi sintetizada na famosa frase conhecida até os dias atuais: “Le roit ne peut mal faire” (“O rei não erra”).
A Teoria Feudal predominou até 1873, ano em que houve o grande evento que superaria este período de total irresponsabilidade estatal, a decisão tomada pelo Tribunal de Conflitos na França, conhecida como Aresto Blanco.
Em 8 de fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro David, o Tribunal julgou o caso da menina Agnès Blanco, que foi atingida por um vagão da Companhia Nacional de Manufaturas de Fumo enquanto brincava nas ruas de Bordeaux. O pai da criança entrou com uma ação de indenização baseada na ideia de que o Estado seria responsabilizado por danos causados em razão da prestação de serviço público. O caso Agnès Blanco foi a primeira decisão definitiva que responsabilizou o Estado e, por esta razão, pode ser considerado como divisor de águas entre a total irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva.
Atualmente, não há nenhum país que ainda adote a Teoria Regalista. Os últimos redutos de sua aplicação, Estados Unidos e Inglaterra, já passaram a admitir a responsabilidade da Administração Pública a partir das publicações do “Federal Tort Claims” em 1946 e do “Commom Proceeding Act”, em 1947.
No Brasil, a teoria da total irresponsabilidade nunca foi adotada e por várias décadas imperou quase que absolutamente a teoria da culpa civil, admitindo mais recentemente, para alguns casos, a teoria do risco (administrativo ou integral).
2.2. A Teoria da Responsabilidade Subjetiva
Também conhecida como teoria civilista, teoria intermediária ou teoria mista, a Teoria da Responsabilidade Subjetiva foi a primeira tentativa de justificar a condenação do Estado a indenizar danos causados por suas atividades.
Para que fosse possível admitir tal responsabilidade, tornou-se indispensável uma nova concepção política chamada de teoria do fisco, segundo a qual o Estado possuía dupla personalidade: uma, inatingível e soberana, encarnada na figura do monarca e infalível e outra denominada “fisco”, exclusivamente patrimonial, capaz de ressarcir os particulares dos danos causados por erro dos agentes públicos.
Apoiada em uma lógica de direito civil, a teoria foi estruturada na noção de CULPA, segundo a qual o particular precisaria provar a ocorrência simultânea do ato, do dano, do nexo causal e do dolo ou culpa do agente.
Esta concepção fundada na prova da culpa nunca pôde se ajustar perfeitamente às relações de direito público em razão da hipossuficiência do administrado em relação ao Estado. Sendo assim, muitas vezes tornava-se praticamente impossível produzir este tipo de comprovação judicialmente. Mostrou-se necessário, portanto, desenvolver uma teoria que pudesse se adaptar às peculiaridades desta relação tão desequilibrada entre o Estado e o particular.
Destaca-se que a teoria da responsabilidade subjetiva ainda se aplica no direito público brasileiro, ainda que excepcionalmente, em especial quanto aos danos causados por omissão, objeto de análise do presente estudo, e na ação regressiva do Estado contra o agente público causador do dano.
2.3. As Teorias Publicistas: marco da responsabilidade objetiva
Em razão da insuficiência das concepções que se baseavam na culpa civil, pelas quais ainda não era possível a adequada responsabilização estatal, iniciou-se a publicização da responsabilidade aquiliana (ou extracontratual) do Estado.
A responsabilidade objetiva do Estado tem lugar em duas teorias publicistas: na Teoria do Risco Administrativo e na Teoria do Risco Integral.
A doutrina do risco presumido (conhecida também como Teoria do Risco Administrativo) busca compensar a desigualdade entre o particular e o Estado. Surgiu efetivamente no Brasil na Constituição de 1946, cujo conteúdo foi reproduzido nas constituições seguintes e restou confirmado na atual Constituição de 1988 que prevê em seu artigo 37, parágrafo 6º que a Administração Pública responderá pelo danos a terceiros que seus agentes, nesta qualidade, causarem.
Considera-se que o Estado atua por meio de seus agentes, o que se fundamenta também pelo princípio da impessoalidade do Direito Administrativo, segundo o qual um agente público está no exercício de suas funções quando representa a própria Administração e não os seus interesses pessoais.
A chamada Teoria do Risco se justifica pelo risco da atividade administrativa. Por ser uma atividade que engloba uma coletividade de pessoas e serviços que precisam ser regularmente e sucessivamente prestados, presume-se que esta atividade, mais do que qualquer outra, seja potencialmente lesiva, uma vez que exercida em continuidade e logicamente mais provável de causar danos a particulares.
Assim se estabelece que, provado o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a ação ou omissão do agente público, nasce o dever das entidades estatais de reparação independentemente de prova de qualquer culpa. Via de regra, a teoria da responsabilidade objetiva transfere a discussão sobre dolo ou culpa para a ação regressiva, intentada pelo próprio Estado contra o particular, após sua condenação em ação indenizatória.
Observe-se que a nova teoria inverteu o onus probandi, presumindo-se a culpa do Estado que a partir deste ponto passa a ter o dever de provar qualquer excludente em relação ao particular, seja por culpa exclusiva deste, seja por caso fortuito e força maior. Alcançando este objetivo máximo de provar não ser o Estado o único e maior responsável pelo dano causado, quebra-se o nexo causal justificador da sua responsabilidade objetiva de indenização.
Sobre a culpa exclusiva da vítima, acrescenta-se que esta deve ser suficiente e completa para afastar a responsabilidade do Estado, uma vez que não a excluirá caso se comprove que o evento ocorreria de qualquer maneira, independentemente da participação da vítima. É o caso da intenção deliberada do próprio prejudicado, por exemplo, um suicídio em estação de metrô ou o caso em que a vítima se joga em frente a uma viatura para ser atropelada.
Já quanto à culpa concorrente entende-se que ocorre quando há um somatório de atos do agente público, ligados aos atos do particular, que acabam contribuindo para a ocorrência do evento. Um exemplo seria o de um acidente de trânsito entre um veículo particular e outro da Administração Pública, conduzido por um agente em serviço, no qual ambos desrespeitaram normas administrativas. Nesta situação há uma divisão de responsabilidade e, por consequência, do “quantum” a ser indenizado, podendo o Estado arcar com parte do prejuízo ou até mesmo o particular ser responsabilizado pela integral reparação.
O fato de um evento danoso envolver a participação de um agente público não significa, por si só, a obrigação de ressarcimento do prejuízo. A culpa concorrente não é um caso de exclusão de responsabilidade, assim como a culpa exclusiva da vítima, mas sim uma mitigação do dever do Estado de indenizar, uma causa atenuante de sua responsabilidade.
Note-se que em relação aos fatos da natureza, não há possibilidade de estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta do agente, quando comissiva, e eventual ocorrência de evento do qual resulte qualquer dano. Entretanto, subjetivamente, mostra-se plenamente possível vincular uma omissão do poder Público, quando deveria ter agido anteriormente e previsto os riscos envolvidos, ao acontecimento no qual o particular restou prejudicado, comprovando-se desta forma a culpa da Administração Pública pela falta de cautela necessária.
2.3.1. O Risco Administrativo e o Risco Integral
A teoria objetiva exige apenas um fato do serviço causador de danos ao particular para a responsabilização da Administração. Baseia-se na ideia de solidariedade social, distribuindo entre a coletividade os ônus decorrentes da atividade estatal, sob o fundamento de que um indivíduo apenas não poderia suportar encargos maiores do que os demais. Por esta razão a doutrina também a associa à noção de justiça distributiva.
A própria teoria do risco subdivide-se em outros dois entendimentos pela doutrina, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral.
Segundo a ideia de risco administrativo (adotada majoritariamente pela Constituição de 1988), se reconhecem excludentes da responsabilidade estatal. Circunstâncias que, ocorrendo, afastam o dever de indenizar, tais como as já referidas culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente, culpa de terceiro ou força maior.
Predomina o entendimento doutrinário de que as excludentes mencionadas rompem o nexo de causalidade entre a conduta e o ato lesivo. Há ainda quem diferencie caso fortuito de força maior, entendendo que o primeiro não exclui a responsabilidade estatal por ser dano decorrente de ato humano, ao contrário da força maior que seria imprevisível, involuntária e incontrolável.
A teoria do risco integral, entretanto, é uma variação radical da responsabilidade objetiva que não comporta qualquer excludente de responsabilidade. Segundo esta teoria, qualquer dano ocasionado ao particular ensejaria a responsabilidade da Administração Pública, transformando o Estado em um verdadeiro indenizador universal.
Certamente o caráter absoluto desta concepção é a visão mais favorável à vítima, porém mais apta a produzir injustiças quando da ocorrência de fatos que poderiam responsabilizar o próprio particular e diminuir ou mesmo excluir a responsabilidade do Estado, conforme já visto anteriormente.
Não existe atualmente nenhum país que adote a teoria do risco integral como regra geral. Entretanto é aplicada hoje no Brasil em casos excepcionais que passamos a enumerar.
a) Atentados terroristas a aeronaves: tecnicamente, trata-se de uma responsabilidade estatal por danos de terceiros, mas está sujeita à aplicação da teoria do risco integral, pelo que dispõem as Leis nº 10.309/2001 e 10.744/2003. Na hipótese de ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, causados por ataques terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo, a União assume as despesas de responsabilidade (art. 1º da Lei 10.744/2003). A edição desta lei foi uma resposta do governo à crise no setor da aviação civil após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O objetivo era reduzir os valores de contrato de seguro obrigatório para companhias aéreas que foram exorbitantemente majorados;
b) acidente de Trabalho (infortunística): nas diferentes relações de emprego público, aplica-se a teoria do risco integral, pois a ocorrência de qualquer acidente de trabalho impões ao Estado o dever de indenizar;
c) indenizações sobertas pelo seguro obrigatório de automóveis- DPVAT: a simples prova de ocorrência de acidente de trânsito e do dano dele decorrente, dentro dos limites de valores estabelecidos pelo seguro DPVAT, enseja o pagamento da indenização por parte do Estado, havendo ou não o resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado (art.5º da Lei nº 6.194/74);
d) dano ambiental: há quem sustente na doutrina que a reparação por prejuízos ambientais submete-se à teoria do risco integral, por força do disposto no artigo 225, parágrafos 2º e 3º da Constituição Federal. Entretanto, segundo os jusambientalistas a posição majoritária é de que se aplicaria a teoria do risco administrativo.
e) dano nuclear: boa parte da doutrina administrativista defende, assim como no dano ambiental, a aplicação da teoria do risco integral para prejuízos ocorridos por conta de atividade nuclear, que constitui monopólio da União (art. 177, V, da CF). Entretanto, a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nuclears (Lei nº 6.653/77) prevê diversas excludentes que afastam o dever de indenizar do operador. Sendo assim, outros tantos doutrinadores entendem tratar-se de um caso sujeito à teoria do risco administrativo.
Para a configuração da responsabilidade estatal objetiva é irrelevante tratar-se de ato lícito ou ilícito, bastando que haja um dano decorrente da ação de um agente público. Existem ocasiões em que a Administração Pública atua em conformidade com as normas vigentes e ainda assim possui o dever de reparar o prejuízo causado, como, por exemplo, as obras de asfaltamento de rua que ocasionam perda da clientela de estabelecimento comercial. Entretanto, caso a lesão tenha ocorrido por culpa exclusivo do empreiteiro contratado pelo Estado, este deverá responder primariamente pelo ressarcimento do dano causado, devendo o Estado responder em caráter subsidiário.
3. RESPONSABILIDADE ESTATAL POR DANOS DECORRENTES DE ATOS OMISSIVOS: TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA E CULPA DO AGENTE
Conforme visto, o Brasil adotou a teoria subjetiva quanto aos danos causados por atos omissivos de seus agentes públicos a particulares, baseados na teoria da culpa. A culpa admitida para justificar tal responsabilização, entretanto, poderá ser calcada na teoria da culpa administrativa ou na teoria da culpa do agente.
A teoria da culpa administrativa tem origem no direito francês que trouxe a expressão “faute du servisse” (falta do serviço). Não se assenta na culpa civil comum, mas sim em uma noção de culpa impessoal, anônima. A falta, neste caso, abrange não só os casos em que o serviço não funciona quando deveria funcionar, mas também quando funciona mal ou atrasado[1]. Possibilita a responsabilização estatal por uma omissão injustificada.
Não havia a intenção de dar suporte técnica à responsabilização objetiva do Estado. Tal ocorreu, segundo explicação de Celso Antônio Bandeira de Mello, por uma errônea tradução da palavra “faute” do direito francês. O significado literal é o de culpa, mas foi entendido como ‘falta’ no Brasil e em diversos outros países, o que trouxe a vinculação ao espírito de algo objetivo.[2]
Na maioria dos casos de responsabilidade pela falta do serviço, admite-se a presunção da culpa em virtude da grande dificuldade de se provar que um serviço não funcionou de maneira satisfatória, transferindo-se ao Estado o ônus de comprovar que funcionou regularmente. [3]
A responsabilização pessoal do servidor, entretanto, é subjetiva, pressupondo uma atuação com dolo ou culpa.
Na omissão dolosa, um agente público responsável por praticar determinada conduta decide omitir-se, não evitando a produção de um resultado danoso. Na omissão culposa, a ocorrência do dano deriva de da negligência do agente na forma de exercer sua função administrativa.
Aplicando-se esta teoria, a vítima tem o dever de comprovar o dolo ou a culpa do agente em específico, responsável direto pela conduta que deveria ter ocorrido, bem como os demais requisitos, quais sejam a omissão, o dano e o nexo causal.
Em alguns casos, o Estado deixa de agir como deveria e, portanto, não consegue impedir um resultado lesivo. A doutrina tradicional da responsabilidade objetiva tornou-se inaplicável aos danos por omissão, em especial pela impossibilidade de se afirmar que omissão do Estado “causa” o prejuízo. A omissão é um nada, e o nada não poderia produzir materialmente resultado algum.
Atualmente, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como por diversos doutrinadores administrativistas, como Celso Antônio Bandeira de Mello, é de que se aplica a teoria subjetiva aos danos causados por omissão, porém não há especificação acerca de qual teoria da culpa caberia nestes casos de responsabilização subjetiva.
Outra parte da doutrina não concorda com os argumentos trazidos, entendendo que a responsabilidade do Estado será sempre objetiva, pois o artigo 37, § 6º, da CF não limita a responsabilidade em atos comissivos ou omissivos, devendo a vítima apenas demonstrar o nexo de causalidade, uma vez que a palavra “causa” constante no referido dispositivo constitucional, refere-se ao nexo causal, conforme consta no Informativo nº 418, do STF.
3.1. Relação de causalidade entre dano e omissão do Estado
A matéria da responsabilidade extracontratual do Estado não tem berço no Direito Público, de onde se observa que os administrativistas que tratam do assunto valem-se das lições extraídas da responsabilidade civil comum.
Atualmente, não existe um consenso doutrinário acerca da teoria que explica a relação de causalidade adotada no direito civil brasileiro. O que se pode afirmar, contudo, é que a teoria adotada pelo direito penal brasileiro (da causalidade adequada, ou conditio sine qua non) não se aplica ao direito civil e, por consequênica, ao direito administrativo.
O Supremo Tribunal Federal consignou em decisão proferida em 1992 que a teoria adotada seria a do dano direto e imadiato ou teoria da interrupção do nexo causal. Seja qual for a teoria que se adote, o STF vem trabalhando com a idéia de que deve haver a comprovação do elo de ligação entre o evento danoso e a omissão do agente. [4]
Na omissão genérica, ocorrerá a aplicação da teoria subjetiva por entender-se que o Estado inteiro falhou. A culpa adotada é uma culpa anônima, a falta de um serviço. A omissão específica, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, ocorre nos casos de custódia de coisas e pessoas perigosas. O Estado teria a guarda dessas pessoas e coisas e, portanto, o dever de proteger a população contra elas. Neste caso, a responsabilidade será objetiva.
A omissão estatal será considerada causa nas hipóteses de evento ocasionado por terceiro ou pela própria vítima, quando o Estado não age para evitar o dano, devendo tê-lo feito. Ainda, nos casos de força maior.
Contudo, o ponto mais crítico e de maior complexidade do estudo será a definição do regime jurídico de responsabilização a ser aplicado, se objetivo ou subjetivo (com base na faute du service, na culpa anônima ou, ainda, na culpa administrativa).
Celso Antônio Bandeira de Mello, atualmente é um dos principais defensores da tese de que a responsabilidade do Estado em relação aos atos omissovos é subjetiva. Segundo defende, não se pode logicamente considerá-lo como autor do dano se o Estado não agiu e, em não sendo ele o autor, só há possibilidade de responsabilizá-lo caso tivesse a obrigação legal de evitar ou impedir a ocorrência do evento danoso. Logo, a responsabilidade estatal será sempre a responsabilidade por ato ilícito. [5]
Cavalieiri, por exemplo, sustenta que, em casos de omissão específica, ou seja, “quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever jurídico de agir para impedi-lo”, deve responder objetivamente: “em nosso entender, o art. 37, § 6º, da Constituição não se refere apenas à atividade comissiva do Estado; pelo contrário, a ação a que alude engloba tanto a conduta comissiva como a omissiva”. Argumenta, por outro lado, que, quando se tratar de omissão genérica, a responsabilidade será subjetiva.[6]
Almiro do Couto e Silva também defende que em diversas situações a responsabilidade deverá ser tida como objetiva, ainda que um dano seja causado por omissão estatal.[7]
3.2. A posição do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal afirmou, em alguns casos, que a responsabilidade estatal por atos omissivos seria subjetiva.[8] Em diversos outros casos, entretanto, afirmou tratar-se de responsabilidade objetiva. Tal entendimento, inclusive, parece representar atualmente a maioria dos julgados. [9]
Refere-se, a título de exemplificação, decisões que confirmaram a responsabilidade objetiva do Estado, aplicando-se a teoria do risco administrativo, em relação à integridade físcia de menores sob a guarda do Estado;[10] pela morte de detento;[11] e também por infecção hospitalar em estabelecimento público, com graves consequências ao paciente. [12]
Com isso, mostra-se plenamente possível considerar que também nos casos de omissão, e mesmo sem recorrer às distinções entre omissão específica ou omissão genérica, a responsabilidade extracontratual do Estado deve ser objetiva.
A insuficiência ou a falta da autação estatal, assim, pode (e deve) ser apurada objetivamente no plano do nexo causal. Assim, se a atuação estatal não era razoavelmente exigível, ou seja, se não estava ele concretamente obrigado a evitar o dano, presume-se que sua omissão não foi causa do resultado. Entretanto, se a omissão- seja por não atuação, seja por atuação insuficiente ou defeituosa- é passível de censura, sendo razoável exigir-se sua atuação, podendo ter evitado o dano, pode-se considerar como causa do evento danoso.
Quando descumprido injustificadamente, o dever de agir entra na cadeia causal, ligando o Estado ao dano, ainda que ocasionado por terceiro ou em casos de força maior.
Permanece perfeitamente possível o aproveitamento das valiosas lições da teoria do faute du service, sem prejuízo da constante evolução que experimentou (e ainda vem experimentando) o instituto da responsabilidade civil do Estado, desde que se compreenda que as hipóteses que ensejam a responsabilização estatal – o serviço funciona mal, não funciona ou funciona tardiamente – devem ser avaliadas no plano da causalidade, e não no da culpabilidade. [13]
3.3. A visão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em que pese entender em vários casos pela responsabilidade subjetiva aplicada aos danos decorrentes de atos omissivos[14], adotando o entendimento de que há o dever de comprovar a culpa específica da Administração Pública, vem firmando posicionamento na linha de entendimento do STF ultimamente.
Casuísticamente, entende-se pela necessidade de demonstração de ocorrência do fato, dos danos experimentados pela vítima e do liame causal entre os danos e o acidente que lhes deu causa para que se configure fato constitutivo de direito indenizatório do autor da ação. [15]
Em casos específicos, tais quais a queda de galho de árvore em veículo particular estacionado em via pública,[16] conduta omissiva do Estado em relação ao fornecimento de medicamentos que agrava a situação do paciente[17] ou, ainda, pela morte de internado em centro de atendimento sócio-educativo[18], entende o Tribunal de Justiça pela responsabilidade objetiva do Estado, em que pese tratar-se de danos decorrentes de atos omissivos.
Entende o TJRS, em alguns casos, que o art. 37, §6º da Constituição Federal não se aplica apenas aos atos comissivos do Estado, mas também aos atos omissivos, alinhando-se ao posicionamento do STF.
Em tempo, convém reforçar que a definição acerca da suficiência – ou não – da atuação estatal (ou a relevância da omissão) ficará fatalmente relegada ao exame das circunstâncias de cada situação concreta levada a exame do Poder Judiciário, sempre sob o enfoque – ainda que implícito – do postulado da razoabilidade. [19]
4. CONCLUSÃO
A responsabilidade extracontratual do Estado passou por diversas fases até, por fim, objetivar-se. Da total irresponsabilidade que vigeu na França, dentre outros países, pelo menos até o século XIX, ao advento das teorias civilistas, várias correntes doutrinárias abrangeram o tema em estudo.
Houve a distinção, entre um primeiro momento, entre os atos de império e atos de gestão e, em um segundo momento passou-se a exigir a prova da culpa do agente responsável pelos atos administrativos.
Diante das insuficiências das teorias a respeito do assunto, surgiram as teorias publicistas, a partir do caso na menina Agnés Blaco. A primeira delas (subjetivista) do faute du service (culpa anônima, ou administrativa), aplicou-se aos casos em que houvesse mal funcionamento (ou não funcionamento) do serviço público. Após determinado período, passou-se então a adotar também a evolução para a teoria do risco (atualmente classificado como administrativo ou integral).
A abordagem da matéria, no Brasil, vem sendo desde a Constituição Imperial de 1824 tratada explicitamente, prevendo a responsabilidade de empregados públicos pelos casos de “abuso”. A Constituição de 1934, calcada na teoria da culpa, foi a primeira a tratar da responsabilidade solidária entre funcionários públicos e o Estado. A responsabilização objetiva, tal como prevista atualmente na Constituição Federal de 1988, teve sua primeira previsão na Constituição de 1946.
Nota-se atualmente uma severa discussão acerca da teoria imputável aos atos omissivos da Administração Pública. Em que pese a previsão constitucional do art. 37, §6º diversos administrativistas divergem sobre quais os atos administrativos seriam passíveis de “causar” danos aos administrados.
Apesar da resistência de alguns doutrinadores em aceitar os atos omissivos da Estado como causadores de danos, entendendo que uma omissão seria um não agir e, portanto, jamais poderia ensejar a interpretação de que o Estado seria um agente causador de um dano, os Tribunais vêm entendendo pela possibilidade de caracterizar-se a responsabilidade objetiva, quando inexiste uma atuação estatal que deveria existir.
A atual Constituição Federal não limitou (implícita ou explicitamente) a aplicabilidade do regime de responsabilização por ela instituído aos atos comissivos do Estado. Portanto, o exame de relevância do não agir estatal desloca-se para o plano da causalidade (normativa, não meramente naturalística).
Possível, portanto, concluir que a omissão estatal qualificada pelo descumprimento de um dever de agir pode ser considerada como uma causa (ou uma das causas) de um evento danoso. Não subsiste, assim, razões para afastar a aplicabilidade da teoria do risco também para os atos omissivos do Estado.
Servidora Pública da Turma Recursal da Fazenda Pública Foro Regional da Tristeza do Estado do Rio Grande do Sul. Pós-graduanda em Direito Público e bacharel em Direito pela PUC-RS
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