Resumo: A presente pesquisa pretende observar e constatar a significativa relação existente entre as duas ciências: Medicina e Direito, primordialmente, em casos que o judiciário interfere a fim de fazer valer os direitos do paciente em razão de abusividades de contratos e falha médica, ou mesmo protegendo os médicos em face de pleitos dos pacientes frustrados com um determinado tratamento. Parte-se do pressuposto que no que tange cláusulas de plano de saúde e seguro saúde, muitas vezes verifica-se excessos por parte dos operadores destes institutos, limitando direitos dos pacientes, verificando-se abusividade que acarreta a nulidade. Ademais, tem-se visto o considerável aumento de ações judiciais pleiteando indenização em virtude de erro médico, seja com razão, baseando na culpa médica ou equivocadamente, fundamentando em uma frustração pessoal presente em uma obrigação de meio. O que se pergunta e analisa no presente trabalho são dos deveres médicos, bem como direitos dos pacientes e contratantes de planos de saúde, sendo informações de extrema importância e garantia para ambas as partes: paciente e médico. Assim, pretende-se, através de pesquisa bibliográfica e descritiva, conciliar a doutrina vigente com a análise jurisprudencial.
Palavras-chave: planos de saúde. seguro de vida. erro médico. responsabilidade.
Abstract: This research aims to observe and evidence the significant relationship between the two sciences: medicine and law, primarily in cases with judicial intervention for the enforcement of the patient’s rights, due to abusive contract provisions and medical malpractice, or even for the protection of physicians in the face of lawsuits from patients frustrated with a particular treatment. It is assumed that clauses regarding health insurance are often unconscionably used by the operators of these institutes, with the limitation of patients’ rights and abusiveness that cause nullity. Moreover, there is a considerable increase of lawsuits claiming malpractice, sometimes reasonably based on medical negligence and some other times mistakenly based on a personal frustration in an obligation of means. What this paper wonders and analyzes are medical duties as well as rights of patients, health insurance contracts and information of the utmost importance and security for both parties: patients and physicians. Thus, through literature and descriptive research, this paper intends to reconcile the current doctrine with jurisprudential analysis.
Keywords: health insurance plans. life insurance. medical malpractice. liability.
Sumário: 1.Introdução; 2. Da relação entre as ciências: Medicina e Direito; 3. Seguro Saúde, os Planos de Assistência e os problemas advindos destes; 4. Do erro médico; 4.1. da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação entre médico e paciente; 5. Da Responsabilidade Civil; 5.1. Conceito de Responsabilidade Civil; 5.2. A evolução da Responsabilidade Civil; 5.3. Da responsabilidade civil atual em caso de erro médico; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.
1- Introdução
Cada dia tem se tornado mais necessária interferência do Direito na seara da Medicina, seja em virtude de cláusulas abusivas presentes nos seguros e planos de saúde, seja no que tange ao significativo aumento de ações judiciais pleiteando ressarcimento sob alegação de erro médico.
Entretanto, para melhor entendimento acerca dos graves problemas que norteiam a vida e integridade física, direitos fundamentais resguardados a qualquer ser humano, indispensável estabelecer as abusividades que poderão estar presentes em contratos de adesão de coberturas e convênios de plano de saúde, bem como definir a relação existente entre o médico e paciente, os deveres atribuídos ao primeiro, e os requisitos essenciais para responsabilização deste em suposto erro médico.
Tais questões são de extrema importância, pois a frustração do paciente por não ter obtido o sucesso desejado em determinado tratamento, não obstante despendido todos os esforços médicos, não poderá recair sobre o profissional da área de saúde, já que é entendimento consolidado que, em regra, a obrigação do médico é de meio, na medida em que este se compromete a prestar o serviço com a diligência necessária, mas cada organismo reage de uma forma ao tratamento e a medicina é considerada uma ciência inexata, não se podendo garantir a cura do paciente em qualquer circunstância.
Desse modo, através de pesquisas doutrinárias e a jurisprudenciais, pretende-se constatar problemas que norteiam a saúde, em virtude de cláusulas abusivas de planos de saúde ou até mesmo devido a erros médicos, ou seja, os vícios muitas vezes iniciam por obstáculos postos nos contratos de adesão e permeiam, ainda, nas negligencias, imprudências ou imperícias de médicos. Mas, não se pode perder de vista o excesso de ações judiciais considerando o médico um “garantidor da cura” em qualquer circunstancia, o que não se deve exigir de algo que foge ao controle humano.
2 – da relação entre as ciências: medicina e direito
Cada vez se tornam mais constantes ações judiciais pleiteando indenizações em virtude de erros médicos, bem como anulação de cláusulas abusivas dos contratos de planos de saúde, fazendo-se necessária uma maior regulamentação da área médica.
A relação do Direito com a Medicina não é recente, mas ultimamente a ligação entre ambas aumentou. A Medicina tem como seu estudo a melhoria da saúde, prevenindo ou tratando determinada lesão, daí surge sua relação com o Direito, haja vista o cuidado com bens fundamentais protegidos pelo Estado, a exemplo, da vida e integridade física. Em virtude da interferência de uma ciência na outra, surgiu-se a Bioética e, a partir da incorporação na ordem jurídica pátria, ganha o nome de Biodireito (JÚNIOR, 2011, p.2):
“O Biodireio passou a ser o ramo do direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas positivas reguladoras da conduta humana, em face dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da medicina que concedem tratamento ao homem não como ser individual mas, acima de tudo como espécie a ser preservada.”
O surgimento do Biodireito acarretou sua divisão em algumas vertentes, devendo ser considerada como uma delas o Direito Médico, que regulamenta a atividade do médico, efetuando estudos de acordo com as consequências e danos que podem vir a acarretar aos pacientes (JÚNIOR, 2011, p. 3):
“Em relação aos profissionais da Medicina, estão estes mais expostos que outros a tais fatores, motivo pelo qual a Sociedade, destes profissionais, requer maior aperfeiçoamento, estudos, seminários, congressos de forma contínua e permanente. A sociedade não tem admitido nenhum tipo de falha médica”.
Dessa forma, diante de todo o exposto, cada vez torna-se mais necessário um estudo interligado entre Medicina e Direito, a fim de regulamentar direitos fundamentais do ser humano.
2 – Seguro saúde, os planos de assistência e os problemas advindos destes
Primeiramente, cumpre ressaltar que se entende por seguro o contrato firmado entre as partes, em que uma delas se compromete, mediante um prêmio, a garantir o pagamento de valores relacionados a fatos definidos como riscos.
Entretanto, a cobertura prestada ao enfermo poderá não ser o seguro, mas sim a assistência, ambas são firmadas através de contrato, porém o que as distingue é que no primeiro caso há escolha acerca de quem prestará os serviços, enquanto que no segundo, o serviço a ser prestado se organiza através de convênios. Desse modo, tratando-se de assistência, o assistido só terá prestação de serviços das pessoas jurídicas que se conveniarem (WERNECK, Ana Carla, 2010 apud MARQUES, Claudia Lima, 1996, p. 71-87):
“Três valores são cada vez mais raros e, por isso, valiosos no mundo atual: segurança, previsibilidade e proteção contra riscos futuros. Estes três valores são oferecidos no mercado através dos planos e seguros privados de saúde, os quais possibilitam transferência legal de riscos futuros envolvendo a saúde do consumidor e de seus dependentes a serem suportados por empresas de assistência médica, cooperativas ou seguradoras, prometendo a seu turno segurança e previsibilidade, face ao pagamento constante e reiterado das mensalidades ou prêmios.”
Assim, as empresas públicas titulares dos planos de saúde têm o dever de cumprir as coberturas, ou seja, o pactuado na contratação, pois o descumprimento poderá acarretar ações processuais ou mesmo seu desligamento pela ANS (Agência Nacional de Saúde). Coadunando com esse entendimento, vale destacar o artigo 26 da Lei 9656/98, “in verbis”:
“Art. 26. Os administradores e membros dos conselhos administrativos, deliberativos, consultivos, fiscais e assemelhados das operadoras de que trata esta Lei respondem solidariamente pelos prejuízos causados a terceiros, inclusive aos acionistas, cotistas, cooperados e consumidores de planos privados de assistência à saúde, conforme o caso, em conseqüência do descumprimento de leis, normas e instruções referentes às operações previstas na legislação e, em especial, pela falta de constituição e cobertura das garantias obrigatórias.”
Ademais, cumpre ressaltar que não somente o descumprimento de cláusulas contratuais levam as sanções às empresas públicas, mas até mesmo o mau atendimento, obstáculos colocados, prejudicando direitos do contratante, podem originar uma responsabilização (RIZARDO, 2008, p.629):
“A deficiência dos serviços custeados pelo plano acarreta a responsabilidade dos patrocinadores ou titulares, juntamente com os que prestam serviços ligados à saúde desde que o associado a escolher os profissionais, os hospitais, os ambulatórios, e laboratórios que estão relacionados na lista da operadora, e que são os indicados ou credenciados para a realização dos serviços ligados à saúde. O mau atendimento, as dificuldades colocadas, a exigências descabidas e outros percalços inadmissíveis acarretam a responsabilidade da titular do plano, em conjunto com o hospital ou instituição que oferece os serviços.”
Ainda nessa linha de raciocínio, defende o supracitado jurista (RIZARDO, 2008, p. 630):
“Também incide a responsabilidade nos costumeiros óbices ou dificuldades que os hospitais ou médicos colocam no atendimento, como falta de leitos, inexistência de aparelhamentos apropriados, ausência de médicos especialistas na doença.”
Apesar da penalidades, atualmente cresce o número de ações judiciais, sob a alegação de descumprimento do contrato de planos e seguros de saúde, sendo que situações abusivas que merecem destaques seriam, dentre outras, a imposição de cláusula determinando antecedência para pleito de internamento ou consulta, consolidando-se abuso com fulcro no artigo 51, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, “in verbis”:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis. (…)”
Outras situações que devem ser consideradas são alegações dos operadores de inexistência de leitos ou profissionais da área, bem como cláusulas limitando internações, consolidando-se mais casos abusivos, na medida em que, respectivamente, com respaldo no artigo 33 e 10 da Lei 9656/98 alguns direitos são assegurados ao contratante, é o que se verifica, “in verbis”:
“Art. 33. Havendo indisponibilidade de leito hospitalar nos estabelecimentos próprios ou credenciados pelo plano, é garantido ao consumidor o acesso à acomodação, em nível superior, sem ônus adicional.”
“Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
I – tratamento clínico ou cirúrgico experimental;
II – procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;
III – inseminação artificial; (…)”
Finalizando alguns exemplos de cláusulas, vale destacar que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a prestar serviços em caso de inadimplência do usuário, entretanto, tendo em vista tratar-se de um serviço que protege direitos fundamentais, alguns procedimentos deverão ser seguidos antes de ocorrer a rescisão ou suspensão do plano.
Ademais, nota-se que as operadoras de planos privados de assistência à saúde são responsáveis para escolher os hospitais, laboratórios ou clínicas conveniadas ao plano, bem com quem serão os profissionais credenciados. Desse modo, estão submetidas à responsabilidade objetiva solidária, com fulcro no Código de Defesa do Consumidor, por danos ocasionados ao contratante do plano, na medida em que este se baseia na listagem de conveniados efetuadas pelo operador do plano para posteriormente se sujeitar ao tratamento. Corroborando com esse entendimento, importante destacar o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgado em 15/02/2012 pela 16ª Câmara Cível:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. OCORRÊNCIA. 1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações estabelecidas com as administradoras de planos de saúde. 2. Tratando-se de responsabilidade objetiva, há dever de indenizar quando da prática de uma conduta ilícita decorre dano, não sendo necessário se provar a ocorrência do requisito subjetivo, qual seja, da culpa ou do dolo. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0105.10.004422-8/001 – COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – APELANTE(S): UNIMED ESTADO SÃO PAULO FED ESTADUAL COOP MÉDICAS – LITISCONSORTE: ASSIBGE SIND NAC TRABALHADORES FUN PÚBLICAS FEDERAIS GEOGRAGAFIA ESTRA – APELADO(A)(S): MELISSA MEIRA DE VASCONCELLOS”. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Acesso em 28 de Agosto de 2014).
No que tange aos seguros de vida, vale destacar a abusividade quando as apólices contém cláusulas permitindo rescisão unilateral do contrato de seguro ou mesmo retira sua eficácia (MARQUES, 1998, p. 534), sendo que “As clausulas que possibilitem a resolução unilateral por inadimplemento do devedor, no caso dos seguros-saúde, trazem também um novo potencial abusivo. “
Portanto, diante de todo o exposto, patente está a necessidade, muitas vezes, de interferência do poder judiciário para fazer valer os direitos de terceiros frente às cláusulas abusivas dos planos de saúde, que diversas vezes refletem em problemas na saúde e integridade física, direitos fundamentais do ser humano.
3 – Do erro médico
Primeiramente cumpre salientar que para um médico ser responsabilizado por suas condutas, indispensável a comprovação de culpa deste, na sua modalidade imprudência, negligência ou imperícia, acarretando lesão ao paciente. É o que se verifica (GOMES, 1999, p.25):
“O erro médico pode se verificar por três vias principais. A primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da "falta de observação das normas técnicas", "por despreparo prático" ou "insuficiência de conhecimento" como aponta o autor Genival Veloso de França. É mais freqüente na iniciativa privada por motivação mercantilista. O segundo caminho é o da imprudência e daí nasce o erro quando o médico por ação ou omissão assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. O terceiro caminho é o da negligência, a forma mais freqüente de erro médico no serviço público, quando o profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse os deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a instituição. O erro médico pode também se realizar por vias esconsas quando decorre do resultado adverso da ação médica, do conjunto de ações coletivas de planejamento para prevenção ou combate às doenças.”
Para melhor esclarecimento acerca das possíveis falhas na atuação médica, indispensável, primeiramente, destacar alguns dos principais deveres do médico, dentre eles, a obrigação de informar ao paciente acerca de todos os riscos de qualquer procedimento ou medicamento, bem como consequências de um tratamento. Deve ainda buscar atender o paciente da melhor forma possível, evitando abusos.
Cumpre ressaltar que o médico poderá atuar em três setores diversos, quais sejam, o de pronto atendimento, o de internamento e o de atendimento ambulatorial. Quando se fala em pronto atendimento, consideram-se os primeiros contatos do paciente com o médico, no qual esse deverá tomar as providencias cabíveis para tratamento do doente, até mesmo encaminhando-o a outro setor, conforme se observa (JÚNIOR, 2011, p. 274):
“O atendimento de urgência e emergência constitui-se em um importante componente da assistência à saúde e é fonte constante de conflitos envolvendo os médicos do atendimento pré-hospitalar e o médico de hospital, pondo em risco a vida e integridade do paciente socorrido e, pior, da coletividade, face à demora/impedimento do serviço ocasionado pelo médico/instituição receptora.”
No segundo caso, internamento, ocorre em situação mais grave, em que exige uma maior cautela e atenção médica, bem como poderão ser realizadas cirurgias. Já o atendimento ambulatorial, é responsável por consultas de rotina.
Dessa forma, nesses três setores, patente está a necessidade de atuação do médico, atendendo ao paciente da melhor forma possível, buscando solucionar o caso posto sob sua análise, destacando-se que a relação existente entre o médico e o paciente é contratual, devendo haver aplicação do artigo do 389 do Código Civil, “in verbis”:
“Art. 389 – Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Assim, considerando os deveres que são impostos ao médico, alguns doutrinadores consideram que a obrigação seria de meio, enquanto para outros seria obrigação de fim. Sendo assim, conforme entendimento majoritário, defendido por Maria Helena Diniz, a obrigação seria, em regra de meio, na medida em que o profissional busca trazer a melhora do doente, mas não poderá garantir sua cura (DINIZ, 2003, p.271):
“A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, pôr não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar-lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina. Todavia, há casos em que se supõe a obrigação de resultado, com sentido de cláusula de incolumidade, nas cirurgias estéticas e nos contratos de acidentes.”
Ainda nessa linha de raciocínio (JUNIOR, 2011, p.139):
“Se o risco foi assumido pelo contratante (paciente), cumpre-lhe provar a culpa do contratado (médico) pelo dano. Esta é a obrigação de meios. Por outro lado, se o risco é assumido pelo contratado (médico), cumpre a este, para eximir-se de responsabilidade, provar que o inadimplemento da obrigação assumida decorreu de fato que escapou de seu âmbito possível de atuação, quer seja por culpa do contratante, quer seja por caso fortuito ou força maior. Esta é a obrigação de resultado.”
Desse modo, quando se fala em obrigação de meio, entende-se que seria o caso em que é dispendido as melhores técnicas e esforços a fim de se obter o resultado pretendido, mas não necessariamente esse poderá ser atingido. É o caso, por exemplo, de terceiro que apresenta determinada doença, não obstante o médico utilize todo o seu saber, poderá vir o paciente a não ver-se curado do mal que lhe acomete. É o que se verifica (VENOSA, 2003, p. 77/78):
“(…) obrigações de meio, deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no cumprimento da obrigação. (…) Nas obrigações de meio, por outro lado, o descumprimento deve ser examinado na conduta do devedor, de modo que a culpa não pode ser presumida, incumbindo ao credor prová-lo cabalmente.”
Apesar de o médico não poder ser garantidor de uma cura do paciente em todas as situações, aquele não poderá fundamentar na alegação de ausência de equipamentos para ilidir sua responsabilidade, ou seja, havendo qualquer insuficiência de recursos, em regra a responsabilidade é do hospital ou clínica colocar a disposição do médico todos os recursos para que efetue o seu trabalho.
Entretanto, é também ônus do médico constatar os aparelhos e equipes postos à sua disposição, a fim de verificar a possibilidade de tratamento naquele local, efetuando as diligências necessárias, de acordo com o caso posto a sua análise. Corroborando com esse entendimento (RAPOSO, p. 21):
“Em suma, atendendo a àlea presente em toda a atividade médica e aos riscos imensos com que lida, a ausência de resultado pretendido nem sempre é sinônimo de falta médica.
Em contrapartida, não afastam necessariamente a falta médica a escassez de recursos materiais e humanos. Ao médico cumpre confirmar que dispõe de todos os recursos necessários para a intervenção que se propõe fazer, tomar as providencias adequadas para conseguir os meios em falta e, quando de todo não os obtenha, deverá abster-se de atuar e reencaminhar o paciente para outro centro de tratamento melhor apetrechado, a não ser que a urgência da situação não o permita.”
Já o caso de obrigação de resultado, sendo encontrada na área médica em menor escala, apenas em casos de cirurgias plásticas estéticas e, para alguns doutrinadores, em casos de anestesia, o médico deverá cumprir a obrigação atendendo ao pretendido pelo paciente (STOCO, 1995, p. 288-289):
“(…) na obrigação de resultado o devedor, ao contrário, obriga-se a chegar a determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou deverá arcar com as conseqüências. É o que se dá, pôr exemplo, no contrato de empreitada, transporte e no de cirurgia estritamente estética ou cosmetológica (…) o profissional na área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete um determinado resultado (aliás, essa é a sua atividade-fim), prevendo, inclusive, com detalhes, esse novo resultado estético procurado. Alguns utilizam-se mesmo de programas de computador que projetam a nova imagem ( nariz, boca, olhos, seios, nádegas, etc.), através de montagem, escolhida na tela do computador ou na impressora, para que o cliente decida. Estabelece-se, sem duvida, entre médico e paciente a relação contratual de resultado que deve ser honrada.”
Coadunando com esse entendimento, cabe citar o julgado do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, da 14ª Câmara Cível, em 17/01/2013:
“EMENTA: INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – ERRO MÉDICO – NÃO COMPROVAÇÃO – DANOS MORAIS INDEVIDOS – SENTENÇA MANTIDA. – Excetuando-se as cirurgias estéticas, a responsabilidade do médico caracteriza-se como de meio, obrigando-se a utilizar corretamente as técnicas e métodos indicados para o tratamento ou cirurgia, e não pelo resultado final. A obrigação de reparar por erro médico exige a comprovação de ter ocorrido imperícia, negligência ou imprudência, além do nexo de causalidade entre a conduta médica e as conseqüências lesivas à saúde do paciente.” APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0879.08.000089-3/001 – COMARCA DE CARMÓPOLIS DE MINAS – APELANTE(S): M.F.R.S. REPRESENTADO(A)(S) P/ PAI(S) M.R.S. – APELADO(A)(S): AFRÂNIO BAETA VIANA (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Acesso em 22 de Setembro de 2014).
Sendo assim, mostra-se clara a presença, de um lado do médico, cumprindo uma obrigação a ele imposta, ou seja, prestando um serviço ao paciente, que se encontra no outro lado da relação jurídica, caracterizando-se, assim, como um caso de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, com as devidas especificidades que serão analisadas adiante.
3.1- Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação entre médico e paciente
Alguns breves comentários deverão ser feitos acerca da possibilidade de utilizar as regras do direito do consumidor na relação entre médico e paciente, na medida em que é incontestável a prestação de um serviço. Porém, há algumas peculiaridades, dentre elas se destaca a interferência do paciente no tratamento.
Ademais, a Medicina é considerada uma ciência não exata, que ainda encontra barreiras na seara do conhecimento, haja vista a impossibilidade de se prever todas as situações possíveis, bem como as diferentes formas que o corpo humano poderá reagir a um tratamento.
Assim, prescrevem o artigo 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078 de 1990, “in verbis”:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Desse modo, resta evidente a possibilidade de adequação do paciente como consumidor, sendo ele o destinatário final do tratamento a que foi submetido e a adequação do médico como fornecedor, pois coloca a disposição do consumidor a prestação de um serviço, que seria o ato médico. Coadunando com esse pensamento (BERNARDI, 2000, p.10):
“Analisando-se os aspectos relativos a esses três elementos: consumidor, fornecedor e serviço, podemos chegar às seguintes conclusões:
– o médico, ao colocar o seu serviço à disposição do mercado consumidor, in casu, os potenciais pacientes, estaria ele jungido ao conceito de fornecedor, nos termos do art. 3º do CDC.
– Da mesma forma, o paciente ao utilizar este serviço em benefício próprio ou de algum familiar ou amigo (de outrem) estaria classificado como consumidor.
– E finalmente, o trabalho ofertado ao mercado consumidor (potenciais pacientes), mediante remuneração, encaixa-se no conceito de serviço disposto pelo CDC. Portanto o atendimento médico é um serviço à luz do CDC.
Convém mencionar um ponto interessante com relação à remuneração. Esta, a nosso ver, é considerada condição “sine qua non” para que se configure a relação de consumo, uma vez que o trabalho gratuito descaracteriza tal relação e subtrai os elementos caracterizadores da condição fornecedor do serviço.”
Uma das principais vantagens desse novo entendimento é a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do paciente quando a comprovação da falha médica tornar-se demasiadamente complexa e de difícil acesso e comprovação. Tal benefício atribuído ao paciente possui respaldo no artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078 de 1990, “in verbis”:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(…)
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”
Portanto, à luz de todo o exposto, o profissional médico deve-se resguardar de possíveis ações judicias, juntando todas as provas postas à sua disposição para ilidir sua responsabilidade quando for imputado a ele o ônus de ressarcir a vítima em virtude de certa lesão suscitada, haja vista que cada vez torna-se mais frequente o ingresso de ações judiciais alegando a responsabilidade civil do médico.
4.Da responsabilidade civil
4.1 Conceito de Responsabilidade Civil
Baseando-se no princípio da “proibição de ofender”, a expressão responsabilidade significa garantir, assegurar, assumir a obrigação que se comprometeu ou ato que cometeu (LOPES, 1996, p. 145):
“A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma jurídica, contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria privada ou uma injúria pública, conforme a natureza dos interesses afetados, se individuais ou coletivos.”
Desse modo, se há violação de um dever jurídico, ensejador de danos a terceiros, a obrigação de reparar os prejuízos é medida que se impõe, caso estejam preenchidos, em regra, os requisitos, quais sejam, ação ou omissão, dano, nexo causal e culpa. Entende-se, assim, que a responsabilidade seria a consequência que surge para quem agiu ou se omitiu e, dessa situação, veio a acarretar dano a alguém.
Segundo Maria Helena Diniz, responsabilidade Civil seria (DINIZ, 2003, p.34):
“A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar – dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele guarda (responsabilidade subjetiva) ou ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).”
Cumpre ressaltar que uma das principais classificações das modalidades de responsabilidade civil seria a responsabilidade civil subjetiva e a objetiva. Esta ultima se caracteriza por ser aquela em que o elemento culpa é dispensado, ou seja, a simples comprovação de uma ação e omissão causadora de um dano, havendo nexo de causalidade, já é suficiente para ressarcimento da vítima (DINIZ, 2004, p. 43):
“A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com a situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentm, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).”
Entretanto, tratando-se se responsabilidade subjetiva, o elemento subjetivo da conduta (dolo ou culpa) é indispensável. O Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) dispõe sobre a responsabilidade civil em seus artigos 186, 187 e 927, consagrando a responsabilidade civil subjetiva como regra e a objetiva como exceção nos casos previstos em lei ou em atividades que por si só causem riscos a terceiros. É o que se verifica, “in verbis”:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Importante elemento da responsabilidade civil, merecedor de breves comentários, seria o dano, na medida em que sem esse não há que se falar em ressarcimento da vítima, sendo indispensável uma lesão a um interesse jurídico tutelado, podendo ser patrimonial ou não, e decorrente da ação ou omissão humana.
Dessa forma, se houve lesão, nasce para a vítima o direito de ser ressarcida dos prejuízos, podendo esse dano ser de várias categorias, tais como, moral, estético, material, ou outro.
Quando se fala em conduta humana deve-se considerar a necessidade de conhecimento e voluntariedade de agir de tal maneira (GAGLIANO STOLZE, 2011, p. 78) “(…) a ação (ou omissão) humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa, guiada pela vontade do agente”.
No que tange o nexo causal, que deve haver entre o ato e o dano sofrido pela lesado, três correntes surgem para defini-lo: teoria da equivalência das condições, na qual todos os fatores que causam resultado se igualam; Teoria da Causalidade Adequada, em que, para ser causa, a situação anteriormente ocorrida deverá ser necessária e adequada para o resultado e, a terceira e última, teoria da causalidade direta ou imediata, que entende que para o que ocorreu antes ser importante, a lesão tem que decorrer imediatamente e diretamente daquela.
Seguindo o posicionamento majoritário, a teoria a ser aplicada seria da Causalidade Adequada (TARTUCE, 2008, p. 184):
“Segundo o entendimento majoritário, o CC/02 adotou a teoria da causalidade adequada, conforme a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, que somente considera como causadora do dano as condições por si aptas a produzi-lo. Ocorrendo certo dano, temos de concluir que o fato que o originou era capaz de lhe dar causa. se ocorreu o dano por causa de uma circunstância acidental, diz-se que a causa não era adequada.”
Portanto, analisados os principais pontos acerca da responsabilidade civil, imprescindível faz-se uma breve análise de seu histórico a fim de melhor compreensão do tema abordado no presente estudo.
4.2 A evolução da Responsabilidade Civil
Vale destacar, ainda, que é inerente ao ser humano a ideia de reagir a qualquer ofensa. Entretanto, antigamente, a noção de reação era entendida como vingança, sem limites e regras, ou seja, se ocorresse uma lesão a resposta era imediatamente efetuada. É o que se verifica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 11 apud SANTOS, Pablo de Paula Saul) “A origem do instituto da responsabilidade civil parte do Direito Romano, e esta calcada na concepção de vingança pessoal.”
Desse modo, há anos pregava-se o ideal “dente por dente, olho por olho”, conhecida como Lei do Talião. Entretanto, devido aos diversos problemas desse entendimento, capaz de trazer castigos desleais, com o passar do tempo a responsabilização penal foi afastada da civil e, ainda, posteriormente, fora determinado que a entidade responsável para aplicação de penalidade seria o Estado.
O Brasil, até 1916, quando surgiu o primeiro Código Civil, seguia os parâmetros traçados por Portugal. No Código Civil de 1916 adotou a teoria subjetiva da responsabilidade civil, havendo necessidade de se comprovar a culpa do agente ou presumindo esta em alguns casos.
Já o atual Código Civil prevê, ainda, reparação do dano causado por ato ilícito (artigos 186 e 187), havendo casos de ressarcimento independentemente de culpa, nas situações expressas em lei, ou quando a atividade desenvolvida, por sua natureza, causar risco para os direitos de terceiros.
Em suma, analisando a evolução histórica da responsabilidade civil, nota-se o imperativo de reparar um mal que foi causado a alguém. Primeiramente, as responsabilidades civil e criminal se confundiam, havendo a vingança privada, e posteriormente chegou-se ao conceito subjetivo de reparação, convivendo com a tendência objetiva em alguns casos.
Assim, o Código de Hamurabi (Século XVII a. C.) pregava a máxima atenção e perícia do médico no exercício da profissão, sob pena de amputação da mão se a imperícia ocorresse com homens livres e, era devido ressarcimento dos danos em caso de animal ou escravo. É o que se observa abaixo, “in verbis”:
“Artigo 218: O médico que mata alguém livre, no tratamento, ou que cega um cidadão livre terá suas mãos cortadas; se morre o escravo, paga seu preço; se ficar cego, a metade do preço.”
Já na Mesopotâmia entendia-se que se uma cirurgia ocorresse a perda de um olho, o médico teria as mãos cortadas e, se o paciente nobre falecesse, o médico também perderia a vida.
Desse modo, entende-se que a responsabilização do médico em caso de condutas culposas ou dolosas não é recente, vindo aprimorando e adequando-se à realidade social no decorrer dos anos.
4.3Da responsabilidade civil atual em caso de erro médico
Conforme analisado anteriormente, a relação existente entre o médico e o paciente é de contrato, podendo haver aplicação do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que o médico presta um serviço ao paciente, devendo respeitar as normas e cumprir seu dever de prevenir e/ou curar determinada mal, na medida do possível, não obstante as peculiaridades de lidar com a vida humana fazer com que a aplicabilidade das regras do direito do consumidor seja vista com a devida cautela.
Partindo-se da regra que a obrigação atribuída ao médico é de meio, algumas considerações deverão ser feitas, a começar pelas situações em que o médico poderá ser responsabilizado civilmente. Primeiramente, cumpre ressaltar que um dano por ato médico pode ser em decorrência de uma conduta comissiva ou omissiva, que ocorra de forma voluntária e consciente, estando ausente qualquer vício ou coação (RAPOSO, p. 25).
“A responsabilidade médica por ação ocorre sempre que o médico atue, em termos de comportamento ativo, em desconformidade com as leges artis e, nesta medida, acabe por causar um prejuízo (um dano, no caso da responsabilidade civil; um dano ou perigo de dano, no caso de responsabilidade criminal) à vida, à saúde, à integridade física ou moral do paciente. Em contrapartida, existe a responsabilidade por omissão quando o médico se recusa a prestar os cuidados devidos, ou não assegura a sua continuidade em condições que são prejudiciais ao paciente, ou mesmo quando não se socorre do auxílio de outro profissional mais experiente.”
Ainda nesse sentido (JÚNIOR, 2011, p.58):
“Não é todo mundo que pode ser responsabilizado por omissão, mas somente aqueles que tinham o inafastável dever de interferir, como, por exemplo, o policial de defender com a própria vida a sociedade, ou o médico que, desde que sem risco pessoal, tem o dever de atuar para evitar ou minimizar algum perigo à saúde do paciente, ainda que nunca o tenha visto antes.”
Assim, para que haja responsabilização de um médico alguns requisitos deverão ser preenchidos (conduta comissiva ou omissiva, nexo causal, dano e dolo ou culpa).
Busca-se, através da responsabilidade civil, fazer justiça, ressarcindo o lesado e punindo, de certa forma, aquele que causou o dano. Assim, o preenchimento dos requisitos acaba por consistir em uma garantia tanto para o paciente, que diante de um dano e demais elementos supracitados, vê-se ressarcido em razão do mal que lhe acomete, bem como serve de garantia para o médico que se protege em razão de possível frustração do paciente (JÚNIOR, 2011, p.57):
“É cada vez mais frequente e perigoso para o médico que o paciente, carregado de emoções, o acuse de ter cometido um erro. Quando constata a frustração da intervenção recomendada e a subsistência de sua doença, comumente esquece o paciente do fato de que muitas enfermidades não respondem de forma uniforme e padronizada que se espera no tratamento indicado pela ciência médica.”
Caso o médico descumpra qualquer dos deveres a ele impostos e, desse descumprimento, o paciente venha a sofrer danos, de natureza física, material e moral, devidamente demonstrado, na maioria das vezes, por prova pericial, a reparação é medida que se impõe. E, caso haja comprovação dos requisitos, a lei determina o adimplemento de uma indenização à vítima lesada ou aos seus familiares.
Além disso, a possibilidade de reparação por dano moral e material encontra previsão no Artigo 5ª da Constituição Federal, é o que se observa “in verbis”:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Quando se fala em danos físicos, refere-se a um prejuízo da estrutural corporal do paciente, seja em razão de lesão em órgão, sentido ou função. Enquanto que os danos materiais ou patrimoniais originam, na maioria das vezes, das lesões físicas, em virtude de gastos com medicamentos, internações, consultas, dentre outros, englobando os danos emergentes e lucros cessantes.
No que tange aos danos morais, são aqueles que não possuem cunho material, mas afetam a moral do paciente, podendo englobar os danos estéticos, que se caracterizam pelas lesões permanentes à beleza física do paciente, sendo (JUNIOR, 2011, p.173) “O sofrimento humano é insusceptível de ser avaliado por terceiros. Sobretudo, se a avaliação deve ser feita em dinheiro. Tal fato impede a existência de termos e critérios quantitativamente exatos.”
Portanto, resta evidente que a responsabilidade civil do médico é respaldada no elemento subjetivo, dizendo-se “subjetiva”, havendo aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, com as devidas cautelas, na medida em que a obrigação nesses casos é, em regra de meio, comprometendo-se o médico em agir com a diligência necessária, mas não garantindo a cura, pois se trata a Medicina de uma ciência inexata, conforme se verifica no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, “in verbis”:
“Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.(…)
§4º: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
Entretanto, há casos de exclusão da responsabilidade médica, podendo destacar o previsto no artigo 393 do Código Civil, como se observa “in verbis”:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Além disso, deverá ser constatado casos de culpa exclusiva do paciente, bem como cláusula de não indenizar ou culpa de terceiros.
A culpa exclusiva do paciente é verificada quando o médico em nada contribuiu para o evento danoso, sendo o prejuízo provocado pelo próprio paciente. Ademais, poderá ocorrer da culpa ser concorrente entre o paciente e o médico, é o que se observa (RODRIGUES, 2002, p. 166):
“Casos em que existe culpa da vítima, paralelamente à culpa concorrente do agente causador do dano. Nessas hipóteses o evento danoso decorreu tanto do comportamento culposo daquela, quanto do comportamento culposo deste. Por conseguinte, se houver algo a indenizar, a indenização será repartida entre os dois responsáveis, na proporção que for justa.”
Outra situação acontece quando há caso fortuito ou força maior, ou seja, um fato imprevisível, impossível de ser evitado, não só pelo médico, mas por qualquer pessoa que estivesse em seu lugar. Por força maior entende-se como uma situação que se origina exteriormente à relação entre o médico e seu paciente, e que não obstante a sua constatação é inevitável, já o caso fortuito é inerente à ação humana, e não poderá ser esperado e nem evitado.
Quanto ao fato de terceiro, é aquela ocasião em que a lesão é decorrente de ação ou omissão provocada por terceiro, alheio à relação médico-paciente (VENOSA, 2003, p. 48):
“Temos que entender por terceiro, nessa premissa, alguém mais além da vítima e do causador do dano. Na relação negocial, é mais fácil a conceituação de terceiro, pois se trata de quem não participou do negocio jurídico.”
Por fim, a cláusula de não indenização é feita de forma bilateral e prescreve que entre as partes não haverá responsabilidade civil no caso de descumprimento do contrato, não tendo eficácia no que tange a direitos indisponíveis, como, por exemplo a vida (DINIZ, 2003, p. 108):
“Para ter validade, será imprescindível a bilateralidade do consentimento, de modo que será ineficaz declaração unilateral de vontade sem anuência da outra parte. A cláusula de não indenizar, isto é, a limitação convencional da responsabilidade não poderá eximir o dolo de estipulante e, além disso, ela só seria eficaz se correspondesse a uma vantagem paralela em benefício do outro contraente.”
Dessa forma, crescente está sendo o número de ações judiciais aduzindo responsabilidade civil por erro médico, mas deverá ser considerado em cada caso concreto, o preenchimento dos requisitos para que haja ressarcimento, sendo de extrema importância que o médico mantenha o paciente informado dos procedimentos e riscos que esse está submetido a fim de ilidir possível responsabilidade, bem como deverá o paciente atentar-se para os casos de exclusão da obrigação de ressarcimento.
6-Conclusão
O considerável aumento das demandas judiciais acerca do tema abordado na presente pesquisa leva ao entendimento de que cada vez torna-se mais necessária a maior informação, tanto por parte de médicos como de pacientes, sendo que esta relação, considerada de consumo, deve ser fundamentada de confiança, diálogo e esclarecimento, evitando possíveis equívocos. Tal questão é verificada até mesmo no Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/2009), em seu artigo 22, “Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.”
Ademais, o direito a informação adequada e clara também está prevista no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, III.
Primeiramente, o paciente deverá ser informado dos riscos que permeiam o tratamento a que será submetido, ciente de que a Medicina, em regra (excetuando-se casos de anestesia e cirurgia plástica estética para corrente majoritária) acarreta ao médico uma obrigação de meio, sendo que o resultado obtido é alheio à sua vontade.
Tais informações asseguram ao médico a possibilidade de ilidir uma possível ação de responsabilidade civil, que vem sendo atualmente proposta por pacientes de forma indiscriminada.
Desse modo, a fim de verificar a responsabilidade civil ou não do médico em determinada circunstância deverá ser efetuada análise do caso concreto, pois ao paciente é permitido até mesmo a inversão do ônus da prova para provar a falha médica e os requisitos indispensáveis da responsabilidade civil, mas ao médico deverá ser resguardado o direito de defesa quando agiu com a diligencia devida.
Ademais, outro ponto que merece consideração, em que também se verifica uma efetiva atuação do Direito na seara médica, seria devido ao excesso de contratos de adesão referentes a seguro saúde e, principalmente, plano de saúde, que inserem cláusulas abusivas com o intuito de limitar direitos reservados ao contratante- paciente.
Portanto, inegável nos dias de hoje a intrínseca relação entre as ciências médicas e jurídicas, buscando assegurar direitos fundamentais de todos os seres humanos, destacando a dignidade da pessoa humana, integridade física e, até mesmo, vida. Ambas as ciências são criações humanas e deverão ser usados em favor destes.
Bacharela em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior – Juiz de Fora, Minas Gerais. Advogada. Pós-graduanda em Direito Público pela Rede de Ensino Luiz Flavio Gomes – LFG.
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