Resumo: Muitas vezes a Administração Militar se depara com fatos que devem ser investigados, os quais não apresentam, claramente, indícios de crime militar, para que seja desencadeada a apuração prevista no artigo 9º do Código de Processo Penal Militar, mediante a instauração do competente Inquérito Policial Militar – IPM. De outra banda, a instauração de um inquérito de forma precipitada, pode onerar a Administração Militar e o Judiciário desnecessariamente. No âmbito do Exército Brasileiro há um procedimento investigatório – a Sindicância – que pode apurar o fato que não possui claramente indícios de crime militar podendo, em algumas situações, substituir o próprio IPM. [1]
Palavras-chave: Investigação. Inquérito. Sindicância.
Abstract: Military Administration is often faced with facts that must be investigated which do not have clearly evidence of military crime to initiate the investigation provided by Article 9 of the Code of Military Criminal Procedure, by establishing the competent Military Police Inquest – IPM. On the other hand, the opening of an investigation in haste, may encumber unnecessarily the Military Administration and the Judiciary. Under the Brazilian Army there is a investigative procedure – the Probe – which can establish the fact that does not have clearly evidence of military crime and it may, in some situations, replace the IPM itself.
Keywords: Investigation. Inquest. Probe.
Sumário: Introdução. 1. Da Averiguação do Fato Mediante Sindicância. 2. Indícios de Crime Comum (não militar). Conclusão.
Introdução
Havendo indícios de crime militar e sua autoria, a autoridade militar deve instaurar o competente inquérito, delegando, se for o caso, as atribuições de investigação a elementos subordinados, atendidos os requisitos previstos nos parágrafos do art. 7º do Código de Processo Penal Militar – CPPM (BRASIL, 1969 b).
Ocorre que, em determinadas situações, a autoridade militar, ainda que profunda conhecedora das lides castrenses, se vê incapaz de classificar determinado fato que julga à primeira vista ilícito, mas que não encontra facilmente sua tipificação na parte especial do Código Penal Militar – CPM (BRASIL, 1969 a), levando ainda em consideração os requisitos delimitados pelo art. 9º do mesmo diploma legal.
Por outro lado, a Administração não pode deixar de apurar fatos de interesse da sociedade, principalmente diante da possibilidade desse acontecimento ferir norma legal.
Desta forma, tratar-se-á neste artigo da possibilidade que tem a Administração Militar de não instaurar, num primeiro momento, o Inquérito Policial Militar, não deixando, entretanto, de apurar o fato sem perda de tempo.
1. Da averiguação do fato mediante Sindicância
A Sindicância tem sua previsão nas Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército Brasileiro (EB 10-IG-09.001), aprovadas pela Portaria do Comandante do Exército nº 107, de 13 de fevereiro de 2012 (BRASIL, 2012), sendo conceituada como o procedimento formal, apresentado por escrito, que tem por objetivo apurar fatos de interesse da Administração Militar ou, ainda, apurar situações que envolvam direitos, conforme prevê o art. 2º da citada norma.
Em seu art. 4º, estão previstas as autoridades competentes para instaurar o procedimento:
“Art. 4º É competente para instaurar a sindicância:
I – o Comandante do Exército;
II – o oficial-general no cargo de comandante, chefe, diretor ou secretário de OM;
III – o comandante, chefe ou diretor de OM; e
IV – o substituto legal das autoridades administrativas referidas neste artigo, quando no exercício regular da função.”
Assim, na ocorrência de fato digno de ser averiguado e, não havendo certeza acerca de sua licitude ou de sua ofensa ao ordenamento jurídico, podem tais autoridades lançarem mão da Sindicância, sendo responsáveis, ao seu final, por emitirem “Solução” ao feito, concordando ou não com o apurado pelo Sindicante.
Tais procedimentos apuratórios são instaurados mediante Portaria das autoridades acima citadas, cujo conteúdo, além de declarar o fato a ser apurado, designará seu Encarregado (Sindicante) e Escrivão, caso a complexidade do caso o determine (ou seja, a designação do Escrivão não é obrigatória).
Tal Encarregado será Oficial, Aspirante a Oficial, Subtenente ou Sargento Aperfeiçoado, sempre de maior precedência hierárquica em relação ao militar potencialmente responsabilizável pelo fato, figurando este como Sindicado no feito. Observe-se que poderão ocorrer situações para as quais não existam responsáveis ou, ainda, fatos cuja responsabilidade poderá ser atribuída a civis, situações estas em que a designação do Sindicante, em relação a seu Posto ou Graduação, atenderá a critérios discricionários da autoridade nomeante.
No caso de haver um Sindicado no procedimento, o mesmo poderá, desde a primeira notificação, exercer o contraditório e ampla defesa em sua plenitude, podendo apresentar amplo espectro de provas, além de poder constituir advogado, se assim o desejar, conforme prevêem os artigos 15 e seguintes das citadas Instruções Gerais, em consonância com o inciso LV do art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), dispositivos dos quais transcrevemos os seguintes:
“Art. 15. A sindicância obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos a ela inerentes.
Parágrafo único. Para o exercício do direito de defesa será aceita qualquer espécie de prova admitida em direito, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia, ou contra a disciplina.
Art. 16. O sindicado tem o direito de acompanhar o processo, apresentar defesa prévia e alegações finais, arrolar testemunhas, assistir aos depoimentos, solicitar reinquirições, requerer perícias, juntar documentos, obter cópias de peças dos autos, formular quesitos em carta precatória e em prova pericial e requerer o que entender necessário ao exercício de seu direito de defesa. (…)
§ 2º O sindicado poderá realizar a sua própria defesa, sendo-lhe facultado, em qualquer fase da sindicância, constituir advogado para assisti-lo.” (grifo nosso)
Por outro lado, deparando-se o Sindicante com indícios suficientes da existência de crime militar no decorrer do procedimento, poderão ocorrer as seguintes situações:
1) Indícios de crime militar no início do procedimento:
De imediato deverá encerrá-lo, lavrando o termo de encerramento de forma fundamentada e remetendo os autos à autoridade nomeante, para que a mesma instaure IPM. Tal medida visa não causar qualquer embaraço à persecução penal, revestindo a investigação dos instrumentos legais mais abrangentes previstos no Inquérito, sob a égide do CPPM;
2) Indícios de crime militar por ocasião da conclusão da Sindicância – podem ocorrer dois desdobramentos:
a) a autoridade nomeante instaura IPM – Caso tais indícios da existência de delito militar estejam claros por ocasião da conclusão do Sindicante, o mesmo solicitará em seu relatório a instauração de IPM, conforme prevê a letra f) do art. 10 do CPPM:
“Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria: (…)
f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar.” (grifo nosso)
b) a autoridade nomeante remete a própria Sindicância e sua Solução diretamente à Auditoria Militar correspondente – Há casos em que a Sindicância, diante de sua robustez probatória, é admitida como substituta do IPM, podendo embasar o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Militar (MPM). Tal situação tem ocorrido no âmbito da 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar, com supedâneo na letra a) do art. 28 do CPPM:
“Art. 28. O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público:
a) quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais;” (grifo nosso)
2. Indícios de crime comum (não militar)
Cabe ressaltar que, ao se verificarem indícios que apontem para a existência de ilícito comum, previsto na legislação pátria (ou havendo criança/adolescente infratores), prevê o § 3º do art. 10 do CPPM que a autoridade militar deverá encaminhar o responsável à autoridade policial competente ou ao juizado da infância e juventude:
Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:(…)
3º Se a infração penal não fôr, evidentemente, de natureza militar, comunicará o fato à autoridade policial competente, a quem fará apresentar o infrator. Em se tratando de civil, menor de dezoito anos, a apresentação será feita ao Juiz de Menores. (grifo nosso)
Nada impede que tais indícios sejam apurados por ocasião da conclusão da Sindicância porventura instaurada, remetendo-se os autos ao Ministério Público competente.
Conclusão
Não se pretende, com o presente trabalho, desconsiderar os preceitos legais que determinam, acertadamente, a instauração de IPM diante dos crimes militares. O que se pretende, de forma modesta, é apenas sugerir uma opção àquelas autoridades legalmente investidas do exercício da polícia judiciária militar, quando se obrigarem à investigação de fatos que não se apresentam, de forma cristalina, como ilícitos penais.
A fim de firmar nosso entendimento, como forma de conclusão, podemos citar o bônus para o administrado, que terá acesso ao contraditório e ampla defesa, ausentes no procedimento inquisitorial, e a vantagem para a Administração, que não correrá o risco de chegar ao final do inquérito apenas para concluir que não há indícios de crime militar, sendo que, como é sabido, essa autoridade não poderá mandar arquivar o feito (art. 24 do CPPM), devendo remetê-lo incontinenti ao Juízo militar, para que então o Ministério Público Militar, após receber os autos, chegue à mesma conclusão, vindo a requerer por conseguinte o seu arquivamento.
Desta forma, procura-se evitar o desencadeamento de um processo desnecessário, desonerando o Judiciário Militar e a Administração.
É claro que, conforme exposto acima, tornando-se evidente a presença de indícios de crime militar, passar-se-á sem demora ao Inquérito, seja pelo encerramento da Sindicância em curso, seja pela sua conclusão final ou, ainda, pela dispensa do Inquérito, caso o MPM o considere suficiente para embasar a Denúncia, sem prejuízo da requisição de eventuais diligências pelo parquet.
Por fim, a Sindicância por sua vez não possui instrumentos de apoio à investigação robustos como no IPM, como por exemplo a possibilidade de prisão preventiva, quebra de sigilo bancário e telefônico etc, o que torna esse procedimento, ainda que premiado pelo contraditório, uma exceção pontual a ser seguida somente naqueles casos em que o delito militar não esteja evidente.
Oficial do Exército Brasileiro. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil. Especialista em Aplicações Complementares às Ciências Militares. Ocupa o cargo de Adjunto da Divisão Jurídica do Comando da 3ª Região Militar
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