Resumo: A questão central abordada pelo texto consiste em trazer os aspectos principais da tutela de evidência introduzida pelo novo Código de Processo Civil e, ainda, tratar da possibilidade de sua utilização, na sentença como forma de impedir que a apelação tenha efeito suspensivo.
Palavras-Chave: Tutela de evidência. Novo Código de Processo Civil. Recurso de apelação. Efeito suspensivo.
Abstract: The focus of the text consists in bring the main aspects of the Guardianship of evidence introduced by the new Civil Procedure Code and also deal with the possibility of its use in the sentence as a way to prevent the appeal has suspensive effect
Key Words: Guardianship of evidence. New Code of Civil Procedure. Appeal. Suspensive effect
Sumário: 1. Introdução. 2. Noções sobre tutela diferenciada e tutela de evidência. 3. Tutela de evidência no NCPC. 4. Recurso de apelação, efeito suspensivo automático e tutela de evidência. 5. Considerações Finais. Referências.
1.INTRODUÇÃO
A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil trouxe à tona profundas alterações no instituto da antecipação da tutela e da tutela cautelar. Houve uma união destes em um único título denominado “Da tutela provisória” que abrangeria, ainda, a chamada tutela de evidência.
Essa nomenclatura – tutela provisória – apenas surgiu, posteriormente, com as transformações realizadas pela Câmara dos Deputados e, posteriormente “aprovadas”[1] pelo Senado e enviadas à sanção presidencial[2].
No anteprojeto elaborado pela comissão de juristas e, ainda, no próprio projeto aprovado no Senado Federal, em primeira votação, se propunha uma tutela de urgência lato sensu, que se subdividia em tutela satisfativa e tutela cautelar; e, ainda, a tutela da evidência. Após todas as transformações com as tramitações do Projeto perante o Congresso Nacional a tutela de evidência tornou-se espécie do gênero tutela provisória, sendo disciplinada pelo artigo 311.
Importante registrar que a figura processual da tutela de evidência não é nova. No Código de Processo Civil de 1973 já se permitia a concessão de tutela antecipada fundada na evidência. Embora não tivesse esse nomen iuris, a doutrina, em sua maioria, já defendia sua aplicação no antigo sistema[3].
Com efeito, a legislação que entrou em vigor em março de 2016 disciplinou o instituto de forma a possibilitar que o tempo do processo seja encurtado, evitando causar danos maiores aquele que pleiteia a tutela[4]. Conforme bem pontuou o então presidente da Comissão que elaborou o anteprojeto em mensagem ao Presidente do Senado: “É que; aqui e alhures não se calam as vozes contra a morosidade da justiça. O vaticínio tornou-se imediato: “justiça retardada é justiça denegada” e com esse estigma arrastou-se o Poder Judiciário, conduzindo o seu desprestígio a índices alarmantes de insatisfação aos olhos do povo. Esse o desafio da comissão: resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere. (…) O tempo não nos fez medrar e de pronto a Comissão enfrentou a tormentosa questão da morosidade judicial. Queremos justiça!!! Prestem-na com presteza; dizem os cidadãos.”
2. NOÇÕES SOBRE TUTELA DIFERENCIADA E TUTELA DE EVIDÊNCIA
A tutela diferenciada surgiu diante da necessidade de conferir tratamento processual distinto e mais célere a algumas situações de direito material que comportam o encurtamento da cognição. Proto Pisani observou que o século XX entrará para a história como um período em que a legislação e a doutrina processualista desenvolveram vários institutos de forma a tornar residual o processo baseado em cognição completa[5].
A tutela diferenciada, na visão de Ada Pellegrini Grinover[6] é aquela que se contrapõe à obtida pelo procedimento ordinário considerado o paradigma das formas processuais em boa parte do século passado, por possibilitar a solução dos conflitos de maneira segura, cercando o exercício da função jurisdicional das mais plenas garantias e culminando com a sentença de mérito e a estabilidade da coisa julgada. Nas palavras de Comoglio a tutela diferenciada indica apenas um desvio do modelo ordinário de processo[7]. No mesmo sentidom Luiz Rodriguez Wambier e Teresa Wambier[8] afirmam que:
“A ideia da tutela diferenciada liga-se à necessidade de que haja maior adaptação do processo, principalmente no que tange ao aspecto procedimental, ao direito material que o autor pretende ver reconhecido. Abrange os procedimentos especiais, como as ações possessórias ou de prestação de contas; os tipos de tutela peculiarmente adaptados às situações subjacentes, como a tutela específica; e tantas outras situações, incluindo até mesmo as cautelares nominadas, como o arresto, o sequestro, e assim por diante. Mas a tutela diferenciada, sempre ancorada na conveniência de que haja um processo mais rente à realidade, não abrange só possíveis diferenças no que tange só a aspectos meramente procedimentais. Diz respeito também, em seu sentido mais amplo, à divisão de competência, que implica, por exemplo, a existência de varas de família e de registros públicos.”
Com efeito, o atual ministro do Supremo, Luiz Fux, foi o primeiro a trabalhar com a perspectiva de um direito evidente. Para o jurista a expressão “vincula-se àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte revela-se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão domandamus ou o direito documentado do exeqüente”[9]. Dessa forma o direito evidente seria aquele que se sustenta sem necessitar de dilação probatória:
“demonstrável prima facie através de prova documental que o consubstancie líquido e certo, como também o é o direito assentado em fatos incontroversos, notórios, o direito a coibir um suposto atuar do adversus com base ‘em manifesta ilegalidade’, o direito calcado em questões estritamente jurídica, o direito assentado em fatos confessados noutro processo ou comprovados através de prova emprestada obtida sob contraditório ou em provas produzidas antecipadamente, bem como o direito dependente de questão prejudicial, direito calcados em fatos sobre os quais incide presunção jure et de jure de existência e em direitos decorrentes da consumação de decadência ou da prescrição”[10]
E, nesse campo, a evidência é um critério frente à probabilidade e as hipóteses descritas pelo autor permitem o deferimento de uma tutela com um grau de probabilidade tão elevado que beira à “certeza”[11].
Com efeito, essa evidência poderá tem diferentes gradações, significando desde prova pré-constituída para fins direito líquido e certo, passando pela tutela possessória de ano e dia, as defesas procrastinatórias que levavam a concessão de tutela antecipada, chegando as hipótese do artigo 311 do novo CPC.
Nesse aspecto a tutela de evidência seria um mecanismo de redistribuição do ônus do tempo no processo[12] frente ao dano marginal do processo e não em função do periculum in mora[13]. Esse mencionado dano marginal acontece justamente pelo tempo de duração do processo e, exatamente por isso que a tutela de evidência se concentra na repressão desse dano marginal, tentando evitar a lesão irreparável ou de difícil reparação ao direito da parte que não pressuponha a urgência.
Na visão de Candido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos a tutela da evidência é a denominação equívoca que abrange as situações em que a tutela pode ser antecipada, ou seja, é uma medida provisória suscetível de ser concebida na pendência de processo, sem necessitar de toda a cognição, podendo ser imposta como sanção ou mesmo quando existir uma forte probabilidade do direito do autor[14]. Ainda segundo o Autor:
“Evidência na linguagem comum significa clareza, visibilidade ou certeza manifesta. Na teoria do conhecimento evidência é um caráter de objeto de conhecimento que não comporta nenhuma dúvida quanto à sua verdade ou falsidade. Mas a evidência com base na qual o juiz pode conceder essa espécie de tutela é menos que isso. Não passa de grande probabilidade com fundamento na qual o juiz poderá conceder essa espécie de tutela – a qual justamente por não traduzir essa certeza, é suscetível de revogação ou modificação a qualquer tempo, sendo por isso provisória”
Bruno Vinícius da Rós Bodart afirma que “é possível conjecturar uma ampla gama de situações em que o direito do demandante se revelaria evidente para o julgador, caso em que sujeitá-lo a todas as solenidades exigidas no procedimento legalmente previsto violaria a garantia da duração razoável do processo, na ideia de um tempestivo acesso à justiça”[15]. Dessa forma, conclui que a tutela de evidência seria uma "técnica de distribuição dos ônus decorrentes do tempo do processo, consistente na concessão imediata da tutela jurisdicional com base no alto grau de verossimilhança das alegações do autor, a revelar improvável o sucesso do réu em fase mais avançada do processo"[16]
No mesmo sentido importante trazer as considerações de Jorge W. Peyrano[17] analisando a tutela de evidência recém introduzida na legislação brasileira:
“(…)es la tutela de evidencia donde milita en favor del requirente una fortísima verosimilitud del Derecho porque se suma la concurrencia de circunstancias y situaciones procesales que delatan la falta de sustento de la resistencia ejercida en el caso por la demandada. Ojalá que se incorpore al imaginario procesal argentino la tutela de evidencia para que en algún día y en algún tiempo, se acelere la "máquina de demorar" que es el juicio ordinario.”
Como já mencionado anteriormente a doutrina já tratava da tutela de evidência no Código de 73, sem nomear o instituto. O artigo 273, inciso II seria a primeira hipótese de concessão de tutela e evidência no CPC de 73, uma vez que havendo prova inequívoca da verossimilhança do direito e não podendo o réu opor contestação séria, deverá o juiz, desde logo, conceder a tutela antecipada, tudo com objetivo de evitar que o autor fosse prejudicado e o réu beneficiado pelo retardamento da satisfação de um direito evidente.
A segunda hipótese seria a presente no art. 273, § 6.º, do CPC de 73 que trata do pedido aceito expressa ou tacitamente pela parte contrária. Conforme esclarece Cássio Scarpinella Bueno, “o que já está 'pronto' para ser julgado deve ser julgado e, mais do que isso, mostrar-se apto para produzir seus regulares efeitos para o plano exterior ao processo; o que ainda não tem condições de receber julgamento deve conduzir o processo para a fase instrutória, que se ocupará do que ainda carece de prova”[18].
Passaremos, agora, para as disposições da tutela de evidência no novo CPC, seus requisitos e comentários para depois se analisar sua perspectiva de aplicação no recurso de apelação.
3. TUTELA DE EVIDÊNCIA NO NCPC
O novo CPC mais precisamente no seu artigo 311 considerou como tutela de evidência aquele direito invocado pelo autor que é tão evidente que não faria sentido privá-lo da tutela jurisdicional imediata, ainda que ausente o periculum in mora, ou seja, o caráter fundamental da tutela de evidência é a ausência de perigo a justificar uma tutela provisória seja na modalidade antecipada seja na modalidade cautelar.
Mais especificamente, são quatro as hipóteses autorizadoras da tutela de evidência. Em primeiro lugar, a tutela de evidência terá lugar quando “ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto protelatório da parte” (inc. I, do art. 311). Pode-se dizer que essa modalidade seria aquela tutela de evidência punitiva, uma vez que o direito do autor resta evidenciado a partir de uma má conduta processual do réu, seja ela procrastinatória ou abusiva. Nesse sentido, Fredie Didier Jr. afirma que essa hipótese “é fundada na maior probabilidade de veracidade da posição jurídica da parte requerente, que se coloca em estado de evidência em relação à situação litigiosa, vez que a parte adversária é exercente de defesa despida de seriedade e consistência e, por isso, deve ser apenada com o ônus de provar que sua posição é digna de tutela jurisdicional”[19].
Na visão de Daniel Mitidiero[20] o artigo 311, I, deve ser lido como uma regra aberta que permite a antecipação da tutela sem urgência em toda e qualquer situação em que a defesa do réu se mostre frágil diante da robustez dos argumentos do autor – e da prova por ele produzida – na petição inicial.
Pela própria disposição é difícil encaixar uma situação em que a se conceda a tutela de evidência do inciso I já na petição inicial.
Muito bem. O inciso II diz respeito à situação em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Nessa inciso pouco importa a atitude do réu, a preocupação é com a presença de dois requisitos: (i) que a situação de fato apresentada pelo autor possa ser comprovada apenas por documentos e que ele o faça; e(ii) que a tese jurídica envolvendo a questão já se encontre pacificada, seja em sede de julgamento de casos repetitivos, seja por força de súmula vinculante.
Para Lucas Buril Macedo[21] a primeira exigência é de que se trate de situação fática de baixa complexidade probatória, que são aquelas possíveis de serem suficientemente provadas por meio de documentos. A prova documental, nessas hipóteses, tem eficácia probatória suficiente para formar a convicção muito próxima da convicção de verdade quanto à existência do fato constitutivo. São exemplos desses casos os relativos a vantagens de algum cargo, onde basta a comprovação da condição de servidor público, ou que partam do pressuposto da conclusão de uma relação jurídica, onde o recibo é suficiente. A segunda exigência precisa ser tratada com mais cuidado: requer-se que a tese tenha sido consagrada em decisão de demandas repetitivas ou em súmula vinculante. Assim, apenas os pleitos que estejam fundados ou em ratio decidendi gerada por solução de demandas repetitivas ou em enunciado da súmula vinculante do STF poderiam, a princípio, ser protegidos pela técnica da antecipação da tutela fundada na evidência do direito.
Na visão de Daniel Mitidiero[22] o inciso II revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes, uma vez que o demonstra a inconsistência da defesa do réu não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em “julgamento de casos repetitivos” ou em “súmula vinculante”, mas sim pelo fato de estar fundamentada em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou então em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas.
Conforme ensina Bruno Vinícius da Rós Bodart, é “possível a concessão da tutela de evidência também quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada pelo STF no exercício de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em súmula suasória do Pretório Excelso ou do STJ”[23]. Ou seja, é justamente a tese firmada em sede de precedentes vinculantes dos Tribunais Superiores que confirma a evidência do direito do autor e a improbabilidade de sucesso do réu, justificando a concessão da tutela de evidência. Por fim, destaque-se também que não há exigência legal de trânsito em julgado da decisão proferida em sede de repetitivo para justificar a concessão da tutela, embora parte da doutrina defenda a imprescindibilidade da coisa julgada[24].
Ainda na visão de Lucas Buril de Macêdo não se pode ler o 311 de forma restritiva ou literal, pois se impediria a atuação sistemática do NCPC e negaria vigência à proteção da segurança jurídica, igualdade e efetividade, princípios tutelados pelo NCPC[25].
Ademais, será concedida a tutela de evidência "se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa" (inc. III do art. 311). Em outras palavras, trata-se de tutela de evidência documentada de contrato de depósito.
Com efeito, o contrato de depósito está previsto nos arts. 627 e seguintes do Código Civil de 2002, sendo, resumidamente, um contrato por meio do qual o depositário recebe do depositante um bem móvel para guardá-lo e conservá-lo até que o objeto lhe seja reclamado. Note-se, portanto, que a restituição do bem ao depositante é característica primordial deste contrato. No CPC de 73, a não entrega do bem é resolvida por meio da ação de depósito, instruída com a prova literal do depósito e a estimativa do valor da coisa. Para o NCPC “previu essa mesma situação como uma espécie de tutela de evidência, eliminando o procedimento específico para obter a tutela jurisdicional consistente na entrega do bem e prevendo a possibilidade de cominação de multa para a não entrega”[26].
É importante registrar que a concessão da tutela da evidência depende do cotejo entre as posições jurídicas do autor e do réu no processo, isto é, não basta a petição inicial, o réu deve se defender para que o juiz chegue a um posicionamento. Ocorre que em algumas situações o legislador desde logo presume que a defesa será inconsistente (art. 311, II e III). Nesses casos, em que a defesa provavelmente será inconsistente, o legislador permite a concessão de tutela da evidência liminarmente (art. 311, parágrafo único). Nos demais casos a concessão de tutela da evidência só pode ocorrer depois da contestação.
Por fim, a concessão da tutela de evidência também caberá quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável" (inc. IV do art. 311). Para Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição et al esclarecem a redação desse dispositivo afirmando que "exige-se de um lado, pelo autor, prova documental suficiente, idônea, para a comprovação dos fatos constitutivos por ele alegados; e, pelo réu, ausência de prova capaz de gerar dúvida razoável”[27].
Para Daniel Mitidiero[28] a hipótese do inc. IV é a hipótese clássica em que o tempo para produção da prova deve ser suportado pelo réu – e não pelo autor que já se desincumbiu de seu ônus probatório documentalmente. Embora não tenha sido previsto textualmente pelo artigo 311, também é possível antecipação da tutela fundada na evidência quando o autor alega e prova o fato constitutivo de seu direito e o réu opõe defesa indireta sem oferecer prova documental, protestando pela produção de prova oral ou prova pericial.
Dessa forma, exige-se, portanto, de um lado, pelo autor, prova documental suficiente, idônea, para a comprovação dos fatos constitutivos por ele alegados; e, pelo réu, ausência de prova capaz de gerar dúvida razoável.
4. RECURSO DE APELAÇÃO, EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO E TUTELA DE EVIDÊNCIA
O Projeto de Novo CPC em sua versão aprovada do Senado Federal (Projeto 166/2010) apresentava grande e positiva modificação relativamente aos efeitos em que recebido o recurso de apelação: este seria recebido, em regra, apenas no efeito devolutivo (e não mais no efeito suspensivo, em regra), o que significaria que toda a sentença seria, ab initio, passível de requerimento de cumprimento provisório desde sua publicação em primeiro grau, de modo que pudesse produzir efeitos práticos independentemente do recurso de apelação interposto pela parte prejudicada, e a suspensão dos efeitos da sentença poderia ocorrer apenas mediante pedido expresso da parte, demonstrando-se a existência de risco de dano irreparável (o efeito suspensivo da apelação seria, assim, excepcional).
E esta proposição legislativa era correta e, na visão de Eduardo José da Fonseca Costa[29] tal proposta (apelação recebível apenas no efeito devolutivo) representaria, se aprovada fosse, radical mudança no tempo do processo: em vez de ser obrigado a aguardar o geralmente largo tempo exigido para que se dê o trânsito em julgado autorizador da execução, o litigante poderia promover o cumprimento provisório da sentença tão logo esta fosse publicada, deslocando-se para o apelante a incumbência de postular a atribuição de efeito suspensivo ao seu recurso para impedi-lo.
Ocorre que no texto substitutivo do Projeto de Novo CPC da Câmara dos Deputados, contudo, restaurou-se o efeito suspensivo automático da apelação, persistindo a impossibilidade de as sentenças serem, em regra, objeto de pedido de cumprimento provisório, permanecendo tudo como já ocorria quando vigente o CPC de 73, perdendo-se, oportunidade histórica de aprimoramento procedimental da apelação.
O artigo 1.012, § 4º do novo CPC disciplina a concessão de efeito suspensivo ope judicis à apelação nas excepcionais hipóteses em que esta não possui tal efeito de forma automática, por previsão legal (ope legis). Vale dizer: em regra, a apelação tem efeito suspensivo automático, decorrente da mera interposição do recurso, nos termos do art. 1.012, caput. Todavia, mesmo nos casos em que não conte com tal efeito suspensivo automático (por exemplo, naqueles referidos no art. 1.012, § 1º), ainda assim tal suspensividade poderá ser determinada pelo juiz (ou seja, ope judicis), desde que preenchidos os requisitos estabelecidos pelo art. 1.012, § 4º.
Diante desse cenário que o que tudo isso tem a ver com a tutela da evidência? Explicamos já. A redação dada ao parágrafo quatro do 1.012 disciplina duas situações em que poderá ser concedido o efeito suspensivo ope judicis à apelação, quais sejam: (i) se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso – sem que se exija a verificação da urgência –; ou (ii) se, relevante a fundamentação (fumus boni iuris), houver risco de dano grave ou de difícil reparação (periculum in mora).
Com efeito, um ponto a se registrar é que a redação do dispositivo, observe que as duas hipóteses encontram-se conectadas com a conjunção alternativa “ou” de forma a permitir uma interpretação de que apenas não cumulativas as duas hipóteses, mas sim uma ou outra.
No mesmo sentido Eduardo José Fonseca da Costa: são, portanto, duas condições distintas, o que se denota em face da presença da partícula ou entre ambas no texto do § 4.º do art. 1.012 em análise: (i) demonstração de probabilidade de provimento do recurso, vale dizer, há aqui uma espécie de tutela de evidência para fins de atribuição de efeito suspensivo à apelação, sem cogitar-se de demonstração de periculum in mora: demonstrando a parte que seu recurso reúne elevada probabilidade de provimento (porque a decisão apelada hostiliza jurisprudência sumulada ou firmada em julgamento de recurso repetitivo, por exemplo, além de outras hipóteses previstas no art. 932, V, do CPC/2015), sendo evidente que existirá o êxito recursal, poderá o recorrente pretender a suspensão da eficácia da sentença; (ii) sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação: nesta segunda hipótese de suspensão dos efeitos da sentença mediante excepcional atribuição de efeito suspensivo à apelação, estamos diante de pretensão cuja natureza é de típica tutela de urgência, pois se exige, para a suspensão da eficácia da sentença, a demonstração conjunta da relevância da fundamentação (vale dizer, avalia-se o quão relevante é a pretensão recursal, algo assemelhado à aparência do bom direito), e o risco de que, se for passível de cumprimento desde sua publicação, a sentença poderá gerar dano irreparável, grave, ou de difícil reparação.
Outro ponto importante é que pode ocorrer de a tutela provisória de evidência ser deferida na própria sentença, hipótese que caberá apelação, sendo certo, porém, que o capítulo relativo ao deferimento desta medida não estará sujeito ao efeito suspensivo, mercê da regra prevista no art. 1.012, § 1º, V.
Partindo dessas premissas podemos dizer que a concessão de tutela de evidência na sentença é meio impeditivo de que o efeito suspensivo automático prevaleça. Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno já defendeu: “é possível a concessão de tutela provisória na própria sentença o que significa dizer, em termos bem diretos, que a apelação eventualmente interposta pelo sucumbente não será recebida no efeito devolutivo.”[30]
Mas não é só. O inciso IV do artigo 311 permite se vislumbre a concessão de tutela de evidência na sentença de forma a ultrapassar o efeito suspensivo e garantir a exequibilidade da sentença, nos termos do artigo 1.012, §§ 1º, V e 4º. Sobre o tema importante trazer as considerações novamente de Cassio Scarpinella: “a tutela de evidencia será utilitaríssima para “tirar” o efeito suspensivo da apelação preservado pelo novo CPC.[31]”
E, o jurista vai além, para ele “a hipótese do inciso IV ao art. 311 parece perfeita para ilustrar suficientemente o que acabei de escrever: a ausência de “prova capaz de gerar dúvida razoável” a cargo do réu e, contraposição à “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor” é fator que enseja, a um tempo só, a concessão da tutela de evidencia, mas também ao julgamento antecipado do mérito, nos termos do inciso I, artigo 355.[32]”
Ou seja, atualmente, falar em efeito suspensivo automático do recurso de apelação não é uma verdade por inteiro, nem mesmo representa a realidade. O NCPC propicia ao autor mecanismo para retirar o efeito suspensivo, com a concessão, na sentença, de tutela de evidência.
5. CONSIDERAÇAÕES FINAIS
Sintetizando o quanto se expôs no presente texto, sustenta-se a possibilidade de tutela da evidência concedida na sentença. Seu principal campo de incidência está nos casos referidos no art. 311, IV do novo CPC, ou seja, sempre que a prova documental produzida seja robusta o bastante para afastar qualquer dúvida razoável do direito do recorrente.
Essa concessão, ainda em sede de sentença possibilita que o efeito suspensivo automático não se aplique dando à oportunidade de execução a sentença mesmo na pendência de recurso de apelação.
Mestranda pela Pontifícia Universidade Católica advogada militante
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