Resumo: O presente artigo tem como objetivo fazer um estudo acerca da concepção de verdade desenvolvida por Habermas, tendo, pois como pano de fundo questões relacionadas à formação de consenso e como tal concepção contribui para o estabelecimento da democracia participativa. Saliente-se que o tema abordado foi e continua sendo amplamente debatido. Em razão disso, foram utilizados como referencial teórico autores filósofos, cujos pensamentos nortearam a discussão acerca de consenso e de verdade. Inclui-se, pois, no debate questões relacionadas à relatividade do conceito de verdade e, sobretudo, ao papel do intérprete do direito em uma era em que se propugna a dinamicidade do direito. Além disso, discutir-se-á como a concepção de verdade e consenso atuam diretamente no conceito de exigibilidade.
Palavras chave: Consenso; Verdade; Democracia Participativa; Exigibilidade.
Abstract: This article aims to study the conception of truth developed by Habermas, where are issues related to the formation of concensus and how this contributes to the establishment of participatory democracy. It shoul be noted that the topic was and is still widely debated. As a result, it used as reference philosophers whose thougths guieded the discussion about consensus and truth. It is included inthe debate issus related to the relativity of the concept of truth and, above all, the role of the interpreter of the law in an era which calls for for the dynamics of the law. Moreover, it will be discussed how the conception of truth and consensus enact directly inthe chargeabilitty (accomplisment) of the law.
Keywords: Consensus; True; Participatory Democracy; Chargeability.
Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento: 2.1 A verdade habermasiana e outros; 2.2 O interesse Habermasiano e suas ideologias; 2.3 Democracia Participativa: meio de exigibilidade de Direitos; Considerações finais; Referências bibliográficas.
“É preciso força pra sonhar e perceber
Que a estrada vai além do que se vê” (Los Hermanos)
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo será apresentado como atividade final para a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Direito do Curso de mestrado em Direito e tem como objetivo discutir a noção de verdade trazida por Habermas, trazendo como pano de fundo, concepções de consenso, de exigibilidade e de democracia.
Para isso serão abordados diferentes pensadores, tais como Habermas, Schleiemacher, Husserl, entre outros.
Aplicar-se-á a metodologia deste trabalho a dialética, isto é, o diálogo e a contraposição de diversos autores, com o intuito de refletir acerca desses conceitos postulados por diferentes autores, de diferentes épocas, uma vez que a noção de verdade vem permeada por fundamentos históricos, culturais e sociais.
Dessa forma, a relatividade ou a não relatividade atribuída à concepção de verdade, influencia diretamente no trabalho do hermeneuta, uma vez que ele trabalha com argumentos – estes podem ser considerados temporais – cujo objetivo é atuar na sociedade.
Saliente-se que essa contraposição não se reveste de argumentos refutativos e / ou confirmativos, mas servirá apenas como base para enriquecimento da discussão acerca do tema, bem como para a formação da idéia central do presente artigo, qual seja, o de discutir a existência da a pluralidade de verdades e, como tal afeta a tarefa do hermeneuta, exigindo deste, portanto, uma postura reflexiva.
Na pós-modernidade, portanto, o hermeneuta assume uma tarefa árdua, já que deve buscar na interpretação a solução mais justa para cada caso; deve pautar-se em ideais históricos, sociais, econômicos e, sobretudo, no fato de que a pós-modernidade tem o homem como o centro de sua atenção.
Essa época visa, portanto, a proteção e a garantia da dignidade da pessoa humana. O hermeneuta baseia, então, suas interpretações nessas noções principiológicas, as quais dão maior abertura e flexibilidade à atividade interpretativa.
É nessa perspectiva de dissenso e de consenso, de pluralidade de viveres, que Habermas constrói sua teoria do agir comunicativo e como esta pauta-se em bases democráticas.
São essas bases democráticas que revestem os indivíduos da capacidade de exigir prestações estatais a fim de verem seus direitos assegurados e / ou protegidos. Nesse sentido assume inconteste relevância teórica discutir a noção de verdade postulada por Habermas, assim como as suas concepções de consenso de democracia, uma vez que repercutem de forma direita na maneira de se fazer o Direito na pós- modernidade.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A verdade habermasiana e outros
Habermas desenvolve sua teoria pautada em uma noção de verdade dialógica e não monológica. Isso implica em uma concepção de verdade voltada a participantes socializados e não apenas como espectadores de uma realidade.
Nesse sentido afirma Habermas:
“É nisso que consiste o agir comunicativo. Neste caso os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca incondicionada de fins ilocucionários” (HABERMAS, 1997, p. 36).
Isso implica que o agir comunicativo se concretiza, consoante Habermas, por meio de um consenso entre os interlocutores, cujo intuito é a integração social. Nessa perspectiva também o direito se materializa, uma vez que lida com oposições de quereres e de direitos, na busca por uma solução mais adequada à cada caso.
Assim, não cabe, pois ao jurista moderno, que é um hermeneuta e está incluído no domínio dos objetos que interpreta, se enclausurar e não refletir sobre o seu próprio papel, sobre sua própria essência. Não cabe, portanto, uma forma de pensar o direito voltada à uma realidade absoluta e atemporal e, conseqüentemente, não há como pensar o direito como algo dissociado do intérprete.
Nesse sentido a realidade para ele se constitui naquilo “que pode ser experimentado de acordo com a interpretação de uma simbólica vigente” ( Habermas, ANO, p. 214) Atrela-se à isso, portanto, o caráter histórico e individual da verdade.
Infere-se com isso, pois, que a tarefa do intérprete não se limita a uma interpretação gramatical, ao revés disso transcende à experiência individual. Desta forma, a verdade para Habermas apóia-se sobre um consenso entre interlocutores.
Assim, ele postula:
“O objetivo é de fundamentação racional das prescrições culturais, portanto, uma organização das relações sociais de acordo com o principio de que a validade de toda e qualquer norma, com conseqüência de ordem política, venha a depender de um consenso obtido por meio de uma comunicação isenta de donrnação.” ( HABERMAS, 1982, p. 297)
Esse consenso, todavia, está pautado em uma pluralidade de verdades concebidas em um determinado momento histórico. Assim, o hermeneuta é sujeito e objeto do historicismo, ao qual se submete a verdade.
Nesta esteira, afirma Habermas:
“As ciências hermenêuticas não exploram a realidade sob o outro ponto de vista transcendental; elas tem por objetivo, muito mais, uma elaboração transcendental de diversas formas fáticas de vida, no interior das quais a realidade é interpretada de maneira diferente, em função de gramáticas que formulam o mundo e da atividade que o transforma.” (HABERMAS, 1982, p. 217)
Em razão disso, a verdade mostra-se provisória, histórica e relativa ao indivíduo. Dessa forma, a interpretação não se propõe a dar soluções estanques aos problemas, mas sim soluções aproximadas. Habermas, leciona, pois, in litteris: “ não há dúvida de que aqui não é possível falar em soluções de problemas senão em termos aproximativos” ( HABERMAS, 1982, p. 217)
Dessa forma, o consenso e a verdade têm como características a temporalidade, a relatividade e a provisoriedade. Nessa perspectiva, deve atuar o intérprete do direito, sendo, pois, flexível, mutável e adaptável à realidade, ou seja, levando em consideração que a norma deve ter um caráter renovador, capaz de acompanhar as mudanças sociais, econômicas e comportamentais.
Nesta esteira, evidencia-se o homem, enquanto ser social, esta imerso em ideologias sociais, culturais e comportamentais. E nesse sentido Habermas postula que:
“ Durante o agir comunicativo o mundo da vida nos envolve no modo de uma certeza imediata, a partir da qual nos vivemos e falamos diretamente. Essa presença do pano de fundo do agir comunicativo, latente e imperceptível, que tudo perpassa, pode ser descrita como uma forma condensada e, mesmo assim, deficiente, de saber e de poder. De um lado, nós nos servimos inadvertidamente deste saber, isto é, sem saber que nós o possuímos reflexivamente….
de um ponto de vista objetivo, é a qualidade que falta ao saber objetivo: nós nos utilizamos desse tipo de saber sem ter a consciência de que ele pode ser falso.”
( HABERMAS, 1997, p.41).
Importante observar, entretanto, que não se propõe com isso que o hermeneuta jurídico seja arbitrário e que apele para a relatividade da verdade para argumentar a favor de uma interpretação sem limites. Ao contrario, o que se pretende é demonstrar, com base em leituras de grandes filósofos, que o hermeneuta, baseado na noção de provisoriedade da verdade e do consenso, não deve se tornar hermeticamente fechado aos influxos da sociedade.
Betti ensina nesse sentido
“ […] na verdade, o ordenamento jurídico é um organismo em perene movimento, em contínua transformação, que segue e reflete de perto os movimentos e as transformações da vida político- social” (Betti, 2007, p. 32)
Não deve, pois, o hermeneuta vê-se fora do processo interpretativo, deve, ao contrário, ser participe direto deste processo. Eis, então, o que ensina Ponty, que desenvolve uma teoria fenomenológica volta ao existencialismo:
“Mas o sistema da experiência não está desdobrado diante de mim como se eu fosse Deus, ele é vivido por mim de um certo ponto de vista, não sou seu espectador, sou parte dele, e é minha inerência a um ponto de vista que torna possível ao mesmo tempo a finitude de minha percepção e sua abertura ao mundo total enquanto horizonte de toda percepção.” ( Ponty, 2006, p. 408)
Neste diapasão, nota-se, que a verdade é relativa à individualidade de cada um. Ela é, portanto, unilateral. Não há, então, como estabelecer conceitos estanques, imutáveis e inflexíveis quando se fala em verdade e em consenso.
Descartes, por exemplo, via como “verdadeira todas as coisas que concebemos clara e distintamente” (Descartes, 2007 p. XVIII). Há, entretanto, quem possa afirmar que aquilo que é claro e distinto para uns, não o é da mesma maneira para outrem.
Descartes vai além e afirma:
“Assim, não é verossímil que todos se enganem; mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual em todos os homens; e, portanto, que a diversidade de nossas opiniões não decorre de uns serem mais razoáveis que os outros, mas somente de que conduzimos nossos pensamentos por diversas vias e não consideramos as mesmas coisas. Pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem.” (Descartes, 2007, p. 5)
Descartes, diferentemente de Habermas – que vê a verdade como um consenso entre interlocutores que estão inseridos em uma situação ideal de fala – traduz sua verdade com base em argumentos voltados ao bom senso, ou melhor, à noção de perfeição.
Contrapondo esses filósofos é possível afirmar que Descartes formula sua noção de verdade de uma forma mais fechada e inflexível, em razão de suas obras terem sido escritas em uma época mais remota; um período em que a verdade era estabelecida sob a vigilância dos olhos da igreja.
Ao contrário de Descartes, Habermas vem de uma época em que a se busca a emancipação social, a possibilidade de participação popular de forma democrática.
Dessa maneira, os olhares que se formam sobre o que é verdade tornam-se distintos e em razão disso o direito também se modifica, uma vez que a concepção de verdade está intrinsecamente relacionada ao conceito de justiça, de justo e, conseqüentemente, ao direito.
Nessa perspectiva, infere-se, que a realidade do direito está voltada para um sistema jurídico aberto, lacunoso, ou seja, um sistema jurídico que compõe-se como um organismo vivo, logo suas verdade se modificam, se adaptam às realidades que se formam ao longo da história.
Registre-se, portanto, o que afirma Freire:
“Na transição pós-moderna, é este fenômeno jurídico plural, reflexivo, prospectivo, discursivo e relativo que decreta a quebra do mito da certeza do conhecimento jurídico.” ( Freire, 2010, p. 54)
Sob o influxo desse pensamento, infere-se que a ciência jurídica – que trabalha com linguagem, argumento e interpretação – reveste-se de caráter axiológico e dialético.
Nesse sentido assevera Betti ao afirmar que:
“Mas é uma ilusão crer que a disciplina codificada não apresente lacunas e que seja um direito vivo e vigente todo aquele que está escrito no código; e é um grave erro acreditar que se pode imobilizar o direito e paralisar sua dinâmica com a coação ao formalismo na aplicação da lei. A verdade é que, para ter uma atuação efetiva no comportamento a cuja disciplina está destinada, a lei precisa de uma série de operações – adaptação, adequação, integração e de renovadas, fazem que a norma não permaneça letra morta, mas se mantenha viva e vigente na órbita da ordem jurídica a qual pertence.” (Betti, 2007, p. 10).
Eis, porque, é inconcebível se pensar em uma verdade atrelada apenas à letra da lei, despida de caráter interpretativo e, por conseguinte, associado à uma verdade única, imutável.
Nessa esteira, Betti contribui ao postular:
“Somente uma espécie de tacanhez e de restrição mental, decorrentes da falta de educação jurídica, explicam o espanto do leigo em direito que, diante de uma interpretação jurídica, explicam o espanto do leigo em direito que, diante de uma interpretação jurídica da fórmula legislativa, questiona: “ onde está escrito?” (Betti, 2007, p. 55)
Parece, pois, que a verdade não está mais pautada nem na ditadura da igreja nem tampouco na positivação do direito. Ela, seguramente, atrela-se às modificações sociais.
Em sendo assim, novos direitos surgem e alguns outros são excluídos e / ou adaptados ao ordenamento jurídico, tudo isso em razão de seu caráter mutável.
2.2 O interesse na perspectiva de Habermas e suas ideologias
Para Habermas todo conhecimento é dirigido por um interesse e a alguns desses interesses estão relacionados à auto–reflexão. Essa auto-reflexão assume um caráter de emancipação, como se lê:
“na auto reflexão um conhecimento entendido com o fim em si mesmo chega a coincidir, por força do próprio conhecimento, com o interesse emancipatório; pois, o ato de executar da reflexão sabe-se, simultaneamente, como um movimento de emancipação.”( Habermas, 1982, p. 219).
Percebe-se, portanto, que o intuito de Habermas ao desenvolver sua teoria sobre o conhecimento e interesse, a qual estava ligada à auto-reflexão e, por conseguinte, à emancipação, era o de demonstrar que entre os conhecimentos e os interesses mostrados havia ideologias em suas entre linhas.
Dessa forma a auto-reflexão surge como forma de libertar-se das coerções implícitas nos conhecimentos que eram dirigidos pelos interesses de uma mesma experiência.
Nesse sentido afirma Habermas:
“Os interesses orientadores do conhecimento deixam-se avaliar unicamente pelos problemas objetivos da conservação da vida, os quais receberam resposta através da forma cultural da existência” ( HABERMAS, 1982, p. 218)
Essa conservação da vida pode estar aliada à uma repercussão de uma ideologia dominante e coercitiva e não democrática e participativa, dessa forma o caráter emancipatório de Habermas relaciona-se à liberdade real e não apenas à liberdade possível.
Somente, portanto, desfazendo as amarras do dogmatismo e, conseqüentemente, entendendo os interesses da razão é, possível, segundo Habermas, libertar-se de uma consciência natural e daquilo que está no subconsciente. Para, então, desvencilhar-se dos limites de tal dogmatismo é preciso apropriar-se antes do interesse próprio à razão:
“A razão última na divergência entre o idealista e o dogmático é, assim, a divergência de seu interesse. Toda lógica pressupõe a necessidade da emancipação e um ato de liberdade para que o homem se eleve até o ponto de vista idealista da maioridade emancipatória, a partir do qual é possível sondar de forma crítica o dogmatismo da consciência natural e, em conseqüência, os mecanismos ocultos da autoconsciência do Eu e do mundo: o supremo interesse, a razão todo e qualquer interesse, é para conosco mesmos.” ( HABERMAS, 1982, p. 226)
É essa perspectiva crítica e auto-reflexiva que orientará o sujeito em suas atividades, bem como o desprenderá de uma existência aprisionada e dogmática. Essa se dá em função de ideologias dominantes de uma época, de um grupo.
Nesse sentido extraí-se de sua teoria que:
“O dogmático, pelo contrário, ao não encontrar força que o pode levar à auto-reflexão, vive na dispersão e, à moda de um sujeito dependente, está determinado pelos objetos e, ele próprio, coisificado como sujeito: ele leva uma existência não livre, eis que não chega a ter consciência de sua própria espontaneidade refletida”. (HABERMAS, 1982, p. 229)
O discurso, pois, para Habermas deixa de ser monológico e passa a ser dialógico, uma vez que o indivíduo passa a atuar tanto na perspectiva do agir instrumental quanto no agir comunicativo e da experiência. Isso implica que as relações se operam de forma intersubjetiva,ou seja, na relação com o outro, a qual se dá de forma mútua, livre, pois, dos interesses de uma dominação.
Isso, entretanto, torna-se palpável, possível com uma comunicação que seja embasada na idéia de consenso entre os interlocutores.
Saliente-se, todavia, que a teoria desenvolvida por Habermas, remete-nos a uma noção idealizadora de democracia. Sendo cabível arriscar dizer até utópica, em especial, se a relacionarmos à sociedade brasileira, em que há uma enorme carência de efetividade de direito, sobretudo e inclusive, porque parcela da população vive aquém do entendimento dos limites de seus direitos e, por conseguinte, de sua possibilidade de exigir.
Nesse sentido, a noção de consenso e de verdade de Habermas tornam-se nortes para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária, cujos pressupostos estão alicerçados nos pilares da liberdade, da democracia e do direito aberto.
2.3 Democracia Participativa: meio de exigibilidade de Direitos
Com base no exposto, infere-se que a formação de um conceito de verdade absoluto, assim como a existência ou não de um consenso jurídico capaz de alcançar uma perfeição jurídica devem servir de base para a busca de um direito renovador e dinâmico; um direito que vise alcançar a melhor solução possível ao caso e ao tempo no qual está inserido.
Neste sentido, Bezerra afirma:
“Denominamos realização dos direitos, a efetivação dos mesmos, a sua concretização, a sua viabilidade. Sem essa dimensão, o direito é apenas um papel, letra morta, potencialidade, intenção.” (Bezerra 2001, p. 190)
Não cabe, pois, em uma época em que se discute princípios como o da Dignidade da Pessoa Humana, falar em uma norma, cuja efetivação não passa de uma idealização. O intérprete do direito assume, portanto, um papel essencial nesta busca pela efetivação. Todavia, não somente ao interprete cabe essa luta. A sociedade civil, ou melhor, os cidadãos também assumem este papel uma vez que as normas são dirigidas também e, sobretudo, para eles. É justamente a capacidade de reivindicar por seus direitos que os torna cidadãos.
Nessa esteira, Harbele leciona que:
“Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente do processo hermenêutico.” (Harbele 2002, p. 15)
Ele ainda complementa dizendo que:
“Povo” não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão.” ( Herbele. 2002, p. 37)
É, pois, esse processo participativo que torna possível que um direito se torne exigível. Saliente-se que não apenas a participação popular materializa essa possibilidade de exigência do direito, mas faz-se necessário que toda a comunidade que está inserida na realidade tenha conhecimento dos direitos já estabelecidos, assim como os direitos que vão surgindo ao longo das transformações sociais, econômicas, comportamentais e culturais.
A exigibilidade de um direito é, pois, um dos passos necessários para a efetivação dos mesmos. Sem esse prisma o direito torna-se inócuo, uma vez que seu papel é justamente o de atuar, através da interpretação das normas jurídicas, na realidade transformando-a, modificando-a, melhorando-a em prol da coletividade.
Nesse sentindo, leciona Betti:
“[…] pois a norma, longe de se exaurir na sua primitiva formulação, tem vigor atual e simultâneo com o ordenamento de que é parte integrante e se destina a passar para a vida social e a transfundir-se nela, à cuja disciplina deve servir. Portanto, nesse caso, o intérprete ainda não terminou de cumprir sua tarefa ao reconstruir a idéia originária da fórmula legislativa (o que também tem de fazer), mas deve, depois disso, colocar essa idéia de acordo com a presente atualidade, inserindo nela a vida dessa idéia, pois é justamente a ela que a avaliação normativa deve referir-se.” ( Betti, 2007, p. 24).
É nessa perspectiva que se pode afirmar que o homem é transformador de realidades, sejam elas individuais ou coletivas. È, portanto, através de suas condutas que a realidade se altera.
Importante, pois, citar, nessa perspectiva, Gadamer que leciona sobre a noção de horizonte da maneira que se segue:
“Aquele que não tem um horizonte é um homem que não vê suficientemente longe e que por conseguinte, supervaloriza o que lhe está mais próximo. Ao contrário, ter horizonte significa não estar limitado ao que há de mais próximo, mas pode ver para além disso.” ( GADAMER, 2005, p. 400)
Isso implica que ao intéprete do direito não é dado o direito de fechar-se à realidade social, pois o social e o legal são “regras” que caminham lado a lado.
Mais além Gaddamer ainda postula:
“Ganhar um horizonte quer dizer sempre aprender a ver para além do que está próximo e muito próximo, não para abstrair dele mas precisamente para vê-lo melhor, em um todo mais amplo e com critérios mais justo” ( GADAMER, 2005, p. 403).
É, pois, enxergar além das ideologias e das coerções que elas incidem sobre os indivíduos. Para isso, entretanto, faz-se necessário quebrar paradigmas e isso implica uma atitude de reconstrução a partir da desconstrução, consoante o que preceitua Kuhn:
“A transição de um paradigma em crise para um novo do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal' está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações” (KUHN, 2006, p. 116).
Assim, o direito pós – moderno não abre espaço para uma interpretação hermética, isolada aos órgãos legislativos. Ao contrário, ela requer a participação social a fim de alcançar a liberdade e a igualdade de direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo quanto exposto, conclui-se que independente das variadas percepções individuais que se formam ao longo das leituras feitas sobre os objetos interpretados e, inclusive, da ausência de um consenso jurídico absoluto ou de conceito estanque de verdade, os Direitos não se submetem a argumentos que justifiquem a sua falta de efetividade e/ou exigibilidade.
Apesar dos conceitos de consenso e de verdade estarem relacionados à provisoriedade e à relatividade isso não implica em um impedimento de sua implementação, ao contrário, significa que o intérprete do direito deve estar aberto às mudanças que ocorrem na sociedade, assim como deve estar apto a entender que essa mesma sociedade é um organismo vivo e como tal se transmuda, se modifica, se adapta à novas realidades, à novas leituras de mundo.
Interpretar com o olhar voltado às novas formações culturais e sociais, não implica em arbitrariedade, ao revés significa que o hermeneuta, ao abster-se, única e exclusivamente, da literalidade da lei, busca por uma solução mais justa a cada caso. Significa ponderar, utilizar-se das técnicas, não apenas a literal, para, possivelmente, alcançar uma justiça justa.
O sistema jurídico, portanto, é plural e essa pluralidade se dá em razão da variadas e possíveis concepções de verdade e de consenso. Habermas propõe em sua teoria um agir comunicativo despido de autoritarismo, composto, portanto, de diálogos participativos que se dão, em função do consenso entre os interlocutores.
Essa verdade, esse consenso, cujo interesse está voltado à emancipação, está imerso na intersubjetividade de uma compreensão que se dá mutuamente, uma vez que os participantes do agir comunicativo são diferentes, logo possuem perspectivas de vida e necessidades diferentes.
É nesse contexto de dissensos que atua o hermeneuta jurídico. À ela cabe, pois, a tarefa de encontrar para cada caso a solução mais justa e adequada. Para isso faz-se necessário levar em conta os fatores espaciais e temporais nos quais estão imersos a dialética da comunicação.
Essa dialética não pode, por seu turno, olvidar, as questões relacionadas às vivências de mundo, uma vez que ao fazer isso, corre-se o risco de aplicação de interpretações esvaziadas de conteúdo social.
Como, pois, o objetivo do intéprete jurídico é, sobretudo, o de atuar na realidade social, transformando-a, melhorando-a, impossível, portanto, conceber, uma interpretação desprovida de função social, cujas bases estejam apenas alicerçadas na literalidade da lei.
Advogada, Mestranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Direito Público e em Pedagogia com Ênfase em Orientação Escolar, respectivamente pelo Juspodium e Unifacs; Graduada em Letras com Ênfase em Tradução pela Unifacs e em Direito pela Facet
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