Resumo: A evolução do Direito de Família e as mudanças de paradigmas das entidades familiares contemporâneas impulsionaram sucessivas transformações sociais e legislativas ao longo dos séculos. O presente trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, a qual tem como objetivo discutir a possibilidade de responsabilização civil por danos morais decorrente do abandono afetivo nas relações paterno-filiais. O estudo teve como base a análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema, explicitando os principais obstáculos para uma possível condenação de natureza indenizatória e as atuais decisões dos tribunais nacionais. Como resultado, constatou-se que a afetividade introduziu no ordenamento jurídico a possibilidade de o filho buscar a via judicial para obter uma indenização em nível de reparação pelos danos morais, resultantes do abandono afetivo. No entanto, este entendimento tem suscitado discussões acerca dos riscos da monetarização do afeto e sob os limites da intervenção do Estado no convívio familiar. Desta feita, faz-se necessária uma análise minuciosa, de modo a evitar demandas unicamente gananciosas e ao mesmo tempo não deixar sem respostas as reais vítimas do abandono afetivo.
Palavras-chave: Abandono afetivo. Relações Familiares. Responsabilidade Civil. Jurisprudência.
Abstract: Family Law's evolution and the changes of contemporany familiar entities paradigm impulsed successive social and legal transformations throughout the centuries. This work is a bibliographic research, which aims to discuss the possibility of civil accountability for moral damages due to affective abandom in parental relations. This study was based on the analysis of doctrinaire and jurisprudential positions concerning to the issue, explaining the main obstacles to a possible indemnifying condemnation and the current decisions of national courts. As a result, it was seen that the affection has introducted in legal order the possibility of children look for the judicial way to obtain an indemnification as a way to repair moral damages caused by affective abandom. However, this understanding has raised discussions about the risks of affection monetization and also the limits of State's intervention in famliar environment. On this hand, it is necessary a detailed analysis, as a way to avoid demands strictly greedy and, at the same time, not leave unanswered the real victims of affective abandom.
Keywords: Affective abandon; Family relations; Civil responsibility; Jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1. Lineamentos hitóricos do conceito de família. 2. Princípios constitucionais do direito de família brasileiro. 2.1 Princípio Constitucional de Proteção à dignidade da pessoa humana. 2.2 Princípio Constitucional da Isonomia. 2.3 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 2.4 Princípio da paternidade responsável ou Parentalidade responsável. 2.5 Princípio Constitucional da Afetividade. 3. Afetividade à luz da legislação brasileira. 4. Aplicabilidade da responsabilidade civil no abandono afetivo parental. 5. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O abandono afetivo parental é tema recente na seara jurídica, mas muito comum na sociedade em geral. No direito contemporâneo, a responsabilidade civil dos pais para com os filhos não se resume mais ao pagamento da prestação alimentícia. Deste modo, a responsabilidade civil no direito de família, em especial, a demanda jurídica pelo abandono afetivo, tem aumentado estatisticamente nos últimos anos, demonstrando a insatisfação diante da existência de um problema de ordem social que precisa ser coibido através de políticas públicas, para que os filhos recebam o tratamento que lhes é devido constitucionalmente e para que os pais desenvolvam um senso de responsabilidade.
Diante do exposto, os questionamentos que motivaram a realização deste trabalho foram: Qual o limite da intervenção estatal nas relações familiares? A indenização por abandono afetivo visa à valorização das relações paterno-filiais ou a monetarização do afeto? Desta forma, o objetivo deste trabalho é discutir a possibilidade da responsabilização civil por danos morais, decorrente do abandono afetivo nas relações paterno-filiais.
1. Lineamentos históricos do conceito de família
Desde os primórdios, a família é considerada o resultado dos primeiros agrupamentos humanos, não importando se cercado por outros grupos mais amplos, a família como fato natural ganhava destaque e se mantinha em torno de laços sanguíneos formando as primeiras sociedades humanas organizadas, sendo a sobrevivência o primeiro objetivo do grupo familiar.
Com a evolução dos grupos humanos sugiram novas entidades familiares, as primeiras religiões, as civilizações, a economia e as primeiras normas. Nesse contexto, é possível afirmar que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social (GONÇALVES, 2012).
A era romana, marcou de forma expressiva o direito de família. A entidade familiar em Roma era composta pelo homem, que era detentor do pátrio poder, pela mulher, que era totalmente submissa às decisões do marido e pelos filhos, constituindo, assim, a Prole. A família era totalmente patriarcal, o autoritarismo ou pater familias, era de caráter exclusivo do homem mais velho, que detinha o poder sobre a esposa, filhos, netos e escravos (VENOSA, 2010).
Pereira (2005), afirma que o pater era ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz, responsável pela ordem nos cultos domésticos e pela aplicação da justiça. O pater detinha, inclusive, o poder de decidir sobre a morte e a vida dos seus descendentes.
Desde essa época, o laço familiar não se encerrava após o casamento dos filhos, pois era de imensa importância a continuidade dos cultos religiosos por um descendente, sob pena de não mais serem cultuados os antepassados, o que resultaria em uma grande desgraça familiar (VENOSA, 2010). No entanto, o direito romano contribuiu progressivamente para uma restrição da autoridade do pater, concedendo-se maior autonomia à mulher e aos filhos (GAMA, 2008).
Com a ascensão da era Imperial, a mulher passou a ser considerada sujeito de direito, gozando de autonomia social e política. Aos filhos foi garantido um tratamento isonômico, apoiado na dignidade da pessoa humana, deixando de ser considerados objetos das relações jurídicas para ser alçado a sujeito de direito.
Posteriomente, com o advento do cristianismo, surgiu o direito Canônico, que contribuiu diretamente para a consolidação do direito ocidental e serviu de base para inúmeros institutos do direito de família como, por exemplo, o casamento e o divórcio. Nesta fase, o cristianismo instituiu o casamento como sacramento, transformando-o em regra de conduta e instrumento necessário para a formação de novas famílias.
A respeito do tema, Venosa (2010, p. 7) ensina que:
“As uniões livres não possuíam status de casamento, embora se lhes atribuísse certo reconhecimento jurídico. O cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre nubentes, cercando-a de solenidades perante a autoridade religiosa.”
No final do século XIX, o movimento do pós-modernismo rompeu as barreiras da igreja e influenciou diretamente no novo conceito de família deixando de lado a instituição familiar formada apenas pelos laços sanguíneos, fundindo-se pelos laços do afeto e dissociando a família do casamento sacramental (VENOSA, 2010). Marco em que o afeto tornou-se elemento necessário e principal para a construção familiar.
Ademais, a evolução social impulsionou sucessivas transformações legislativas ao longo dos séculos. Após o advento da Carta Magna de 1988, que, sem dúvida, representou o grande divisor de águas no direito nacional, elevando ao ápice os direitos humanos, o direito de família sofreu influência direta das garantias recepcionadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana, adquirindo uma base mais igualitária para todos.
Deste modo, o Texto Maior, no artigo 226, fez menção à proteção do Estado para o casamento, reconhecendo à união estável e as famílias monoparentais, quebrando o paradigma de que a família só poderia ser constituída através do casamento. O artigo supracitado trouxe uma nova dimensão para o tratamento da disciplina:
“Art. 226. A família é base da sociedade tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2° O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3° Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4° Entende-se também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
A união estável, outrora denominada concubinato, é um tipo de relação que sempre existiu na sociedade e sempre foi o alvo de muito preconceito. Com o reconhecimento desta união como entidade familiar, as famílias constituídas nessas circunstâncias passaram a receber o tratamento jurídico igualitário e a proteção do direito de família. Neste diapasão, Venosa (2010, p.7), afirma que, “o reconhecimento da união estável como entidade familiar representou um grande passo jurídico e sociológico em nosso meio”.
As famílias monoparentais, aquelas formadas por apenas um dos genitores e sua prole, também recebeu o reconhecimento do constituinte e, se deu como imperativo de sua importância que “passou da situação de relação socialmente reprovável a núcleo familiar prestigiado constitucionalmente.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 509).
Diante do cenário exposto, resta claro que a família teve suas relações afetivas normatizadas, regularizando os aspectos essenciais do direito à luz dos princípios e normas constitucionais. Dessa forma, pode-se afirmar que a família é à base de toda a estrutura da sociedade e tem como principal função criar condições para o desenvolvimento da personalidade dos filhos, para que se tornem dignos integrantes da sociedade.
2. Princípios Constitucionais do Direito de Família Brasileiro
Como visto, a família dada a sua relevância social contribuiu diretamente para a formação da sociedade e da legislação. Considerando o caráter subjetivo das relações familiares e as evoluções sociais ocorridas ao longo do tempo, a legislação civil enfrentou profundas alterações estruturais e funcionais de modo a se adaptar ao meio social.
Desta feita, o Direito de Família tem como base, os institutos tratados pelo CC/2002 e os princípios constitucionais que são divididos doutrinariamente em princípios gerais – que são aplicados não apenas a família – e princípios específicos, relacionados exclusivamente ao interesse familiar. O objeto desse estudo, porém, é uma breve análise ao princípio geral de proteção à dignidade da pessoa humana, seguida da analise aos princípios específicos abordados pela doutrina, quais sejam, princípio da isonomia, princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio da paternidade responsável e o princípio da afetividade, os quais passam a ser deduzidos.
2.1 Principio Constitucional de Proteção à dignidade da pessoa humana
O Princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana é considerado como a base das relações sociais e traduz o direito fundamental referenciado na Carta Mãe no art. 1°, III, e no § 7° do art. 226 do mesmo texto constitucional. No direito de família, o referido princípio tem por escopo a proteção da dignidade de cada membro familiar e o direito do indivíduo de obter uma formação em condições plenas para o desenvolvimento da vida humana em melhores condições.
Conforme assinala Tartuce (2013, p.10) “[…] não há ramo no direito privado em que a dignidade da pessoa humana tem maior ingerência ou atuação do que o Direito de Família”. Importante salientar que a dignidade da pessoa humana deve ser analisada a partir da realidade do ser humano, dentro do seu contexto social e, sobretudo, familiar.
Desse princípio, decorre a proteção das famílias não fundadas no casamento (art. 226, § 3°); a formação das famílias monoparentais (art. 226, § 4°); a igualdade de direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal (art. 226, § 5°); a garantia da possibilidade de dissolução da sociedade conjugal independentemente de culpa (art. 226, § 6°); o planejamento familiar voltado para os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, §7°) e a previsão de ostensiva intervenção estatal no núcleo familiar no sentido de proteger seus integrantes e coibir a violência doméstica (art. 226, § 8°).
Conforme preceitua Diniz (2005, p. 22), “o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente”.
2.2 Principio Constitucional da Isonomia
O princípio constitucional da isonomia tem grande relevância no direito de família e diz respeito ao tratamento igualitário que os pais devem prestar aos seus filhos, estando consubstanciado no artigo 227, § 6° da CF/88. O dispositivo em apreço estabelece um tratamento de igualdade de direitos entre os filhos, proibindo qualquer designação discriminatória ou preferencial entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotados (BRASIL, 1988).
2.3 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
Por sua vez, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente encontra-se consubstanciado no art. 227 da Constituição Federal de 1988 e no art. 1° do Estatuto da Criança e do Adolescente. Este princípio se fundamenta na condição vulnerável das crianças, adolescentes e jovens buscando desenvolver suas habilidades cognitivas e morais. Não se trata de mera recomendação ética, mas de diretriz determinante nas relações mantidas entre as crianças e os adolescentes com seus pais, parentes, sociedade civil e Estado (GAMA, 2008).
2.4 Princípio da paternidade responsável ou Parentalidade responsável
O princípio da paternidade responsável teve o termo “paternidade’’ empregado erroneamente quando, na realidade, o sentido está voltado para a parentalidade responsável, seja do homem ou da mulher. Deste modo, a parentalidade responsável, é princípio previsto no § 7° do art. 226 da CF/88, e diz respeito à garantia dos direitos fundamentais do bem-estar físico, psíquico e moral dos descendentes atuais e futuros (BRASIL, 1988).
2.5 Princípio Constitucional da Afetividade
O princípio constitucional da afetividade é o grande norteador do Direito de Família. Não se pode olvidar que a afetividade decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que não disposto explicitamente, o referido princípio, leciona a importância do afeto nas relações familiares, e, sobretudo, nas relações paterno-filiais. O princípio da afetividade insere no Direito de Família, a noção de estabilidade das relações socioafetivas e de comunhão de vida, com primazia do elemento anímico sobre aspectos de ordem patrimonial ou biológica (GAMA, 2008).
Hodiernamente, a doutrina e a jurisprudência têm aplicado o princípio da afetividade a hipóteses antes inimagináveis no ordenamento jurídico nacional como, por exemplo, a guarda compartilhada, o reconhecimento da multiparentalidade no registro civil, os direitos de herança para a amante e, mais recentemente, a possibilidade de responsabilização civil dos pais por danos morais causados pelo abandono afetivo dos seus filhos.
A responsabilidade civil pela falta do afeto, pelo abandono afetivo ou abandono paterno-filial, tem recebido ampla atenção e suscitado alguns questionamentos na jurisprudência e na doutrina nacional. Mas a controvérsia sobre o tema não impede uma análise mais minuciosa sobre o fenômeno da afetividade no ordenamento jurídico nacional que serão tratados a seguir.
3. Afetividade à luz da legislação brasileira
Durante muitos anos o conceito de família esteve intrinsecamente ligado à ideia da união do homem e da mulher por meio do sacramento matrimonial, para que juntos, constituíssem família. Com as transformações sociais tornou-se impossível estabelecer um modelo familiar uniforme e a família passou a ser definida como entidade familiar, formada não apenas pelos gêneros homem e mulher nem somente por laços sanguíneos, mas pelo afeto presente nas relações de companheirismo e no surgimento de famílias alternativas.
Em que pese o afeto não esteja explícito na legislação nacional, é possível extraí-lo do princípio da dignidade da pessoa humana, como condição necessária para que os filhos possam ser criados em um ambiente saudável com amor e carinho. A Constituição brasileira apresentou, no Título I, Dos Princípios Fundamentais, a dignidade da pessoa humana, no inc. III do art. 1º, e elevou o tratamento digno como característica plena da República Federativa.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;”
No tocante a proteção familiar, a Constituição Federal muito bem discorre sobre o dever de proteção aos filhos, a qual aduz no artigo 227:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
A afetividade passou a ser valorada na sociedade e solidificou-se na norma. É possível identificar em todo ordenamento jurídico a edição de normas pulverizadas na valoração afetiva em seu conteúdo, pode-se citar, por exemplo, a Lei nº 12.873/2013, que concedeu licença maternidade para os pais naturais, adotante solteiro e casais de união homoafetiva (BRASIL, 2013).
A referida lei ponderou, primeiramente, o tratamento isonômico entre os sexos, em respeito à dignidade da pessoa humana e, num segundo momento, o melhor interesse da criança, voltada para a necessidade de ter convívio com seu pai adotante ou natural para desenvolver os laços de afetividade. Neste sentido, define Gama (2008, p. 80):
“A afetividade é elemento essencial para a formação e a manutenção das famílias modernas sob o prisma jurídico, com o resgate da emocionalidade, seja nos vínculos de conjugalidade, de companheirismo ou de parentalidade, inclusive com a necessidade de revisão dos critérios de filiação.”
O abandono afetivo nas relações paterno-filiais ocorre quando os filhos são privados da convivência com os seus pais, seja pela própria vontade do genitor, que se distancia do filho após o fim do relacionamento, seja por imposição de um dos genitores que denigre a imagem do outro, afastando pai e filho, ou se dá após a constituição de novo casamento do abandonante e com o surgimento de outros filhos.
A criança e o adolescente que têm a convivência com os pais negligenciada, em geral, sofrem sérias consequências que são refletidas em toda sociedade, tornam-se adultos inseguros, desenvolvem um sentimento de baixa autoestima e enfrentam dificuldades para constituir família.
A psicologia defende que, a negligência deliberada por parte daquele genitor, independente do motivo, pode levar a distúrbios de personalidade da criança. Alguns pais acreditam que o sustento material seria o suficiente para o pleno desenvolvimento da criança, descuidando-se das necessidades de aspecto moral e afetivo e se esquivando do dever de convivência familiar (JARDIN, 2010).
Diante do abandono afetivo, percebe-se consequências extremamente desagradáveis que podem resultar em graves danos psicológicos e sociais, dificilmente reversíveis. Conforme preceitua Braga (2011, p. 58).
“[…] a psicologia aponta que a omissão pode desenvolver nos filhos sintomas de rejeição, baixa autoestima, insuficiente rendimento escolar, consequência que perduram por toda a vida, afetando a vida profissional e social destes futuros adultos na forma como se relacionam com os outros. É comum que a criança que sofre do abandono afetivo tenha uma baixa na autoestima e na forma como se relaciona com as outras crianças.”
Já SILVA (2005, p. 141), ao tratar das consequências do abandono afetivo, afirma que:
“Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas a honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro “papel de pai’’.”
Ademais, como já mencionado, a parentalidade não se resume mais ao dever de prestação alimentícia, faz-se necessário o dever de cuidar, por meio do amparo e da convivência respeitosa com o filho, uma vez que a criança, o jovem ou adolescente não devem sofrer os danos do fracasso dos relacionamentos dos pais.
4. Aplicabilidade da responsabilidade civil no abandono afetivo parental
A responsabilidade civil nas relações de família gera a obrigação de reparar o dano resultante da quebra do dever de não lesar e consiste em imputar a uma determinada pessoa, a obrigação de indenizar ou compensar outra por danos causados.
A demanda jurídica pelo abandono afetivo tem aumentado estatisticamente no Judiciário nos últimos anos, o que demonstra a insatisfação diante da existência de um problema de ordem social que precisa ser coibido, para que os filhos recebam o tratamento que lhes é garantido e, para que os pais desenvolvam um senso de responsabilidade sob a criação e educação dos seus filhos.
Pereira (2013, p. 2), afirma que:
“Se um pai ou uma mãe não quiseram dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obriga-los, mas à sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e qual tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas abandonadas, afetivamente.”
É dever dos pais estimular a aprendizagem na educação, assistir, cuidar, além, é claro, de promover condições necessárias para que seus filhos possam ser criados em um ambiente com amor e carinho. Em que pese, ainda que os pais sustentem os filhos financeiramente, a responsabilidade civil está voltada para o não abandono da criação e para o dever de cuidar.
Esta casuística, fundamentalmente, tem suscitado discussões acerca do limite da intervenção estatal nas relações familiares, bem como se a indenização por abandono afetivo visa à valorização das relações paterno-filiais ou a monetarização do afeto.
Inicialmente, é relevante ressaltar, que o presente estudo não visa o esgotamento da matéria tendo em vista que o assunto em tela é acentuadamente polêmico e ainda tem sido analisado em todo ordenamento jurídico nacional, mas, é importante firmar aqui o posicionamento favorável à indenização por danos morais, nas hipóteses de danos sofridos pelo filho abandonado.
Quanto ao limite da intervenção do Estado nas relações familiares, vale salientar que cabe ao Estado proteger fundamentalmente a família, na defesa da ordem jurídica e na concretização dos interesses individuais e sociais disponíveis. Só há limite para a intervenção do Estado quando a autonomia das partes prevalecer e não houver a provocação jurisdicional. Nas relações familiares, o Estado não visa estabelecer um modelo de conduta e de convivência familiar que resultem em um padrão de família feliz, o que o se espera é o cumprimento efetivo da tutela familiar.
Como acentua Gonçalves (2012), violada a célula básica da sociedade – a família –, haverá paulatino enfraquecimento da coesão e da unidade na sociedade civil, o que tende a repercutir negativamente no plano da nação. A família constitui o alicerce mais sólido de toda a organização social, sendo natural a proteção e o fortalecimento que o Estado deva fornecer às famílias.
Karow (2012) defende que:
“A questão não é propriamente de intervenção estatal no seio da família e dos limites dessa intervenção. A questão posta está em outra dimensão, que é a do reconhecimento estatal e da outorga de proteção jurídica para atos que sempre foram próprios da sociedade e que o Estado resistia em reconhecer como legítimos para a produção de eficácia jurídica.”
No entanto, esse entendimento não é pacificado em toda doutrina e jurisprudência nacional. Alguns doutrinadores como, por exemplo, Judith Martins-Costa e Lizete Schuh, defendem que a intervenção do Estado nas relações familiares deve ser limitada no tocante ao afeto, pois, acreditam que a responsabilização nessa esfera familiar visa à monetização do amor, afastando mais ainda pais e filhos.
Outros, a exemplo de Paulo Lôbo, Maria Berenice Dias, Flávio Tartuce, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, posicionam-se favoráveis à reparação dos danos morais, sempre que restar claro a presença de danos imateriais aos filhos.
O eminente professor Tartuce (2012), favorável à indenização por abandono afetivo, elucida que o principal argumento jurídico a ser utilizado é a possibilidade de enquadramento no artigo 186 do Código Civil, dispositivo que consagra o conceito de ato ilícito ao prever que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).
A corrente que segue no entendimento da impossibilidade da reparação civil, fundamenta-se no argumento de que a indenização pecuniária resultaria na monetarização do afeto, aumentando o afastamento entre pais e filhos. Corroborando com esse entendimento, Schuh (2006), esclarece que a simples indenização poderá representar um caráter meramente punitivo, reafirmando, cada vez mais, o quadro de mercantilização nas relações familiares.
No entanto, como já afirmado anteriormente, a função da indenização não é punitiva, mas educativa. Ademais, dinheiro algum será suficiente para compensar a ausência, os tratamentos discriminatórios e a indiferença sofrida pelo filho ao longo da vida.
Importante ressaltar, que o Judiciário não busca dar preço ao amor, não se trata de aplicar sanção contra o pai que foi ausente, por não ter amado o seu filho, mas a satisfação pelo descumprimento do dever de cuidar, do dever de educá-lo e da não participação no desenvolvimento e formação do caráter e personalidade.
Nas palavras da ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgado de 2012, “Amar é faculdade, cuidar é dever”. E complementa: “Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”.[1]
A indenização por danos morais é um fenômeno jurídico que vêm crescendo no Brasil, notadamente, a partir da Constituição Federal de 1988, sobretudo nas relações de consumo. Não se pode olvidar que a possibilidade de reparação no âmbito familiar pode atrair demandas injustificadas e com fins meramente pecuniários.
É evidente que se corre o risco de formar uma indústria de ações indenizatórias unicamente gananciosas, mas, em contrapartida, o Judiciário não pode deixar desamparados os filhos que realmente sofrem os prejuízos do abandono afetivo.
Neste sentido, surge a necessidade de uma análise mais minuciosa, e caso a caso, por parte dos tribunais, de modo a coibir demandas mal intencionadas.
Outrossim, é importante que estejam presentes todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil, além disso, nos casos de danos psicológicos à personalidade, faz-se necessária a realização de perícia médica e laudos psicossociais para comprovar possíveis danos emocionais.
O que se espera é que em um futuro próximo o ordenamento jurídico nacional e a doutrina se posicionem de forma unânime acerca do tema, promovendo julgamentos alicerçados no interesse da família, traduzindo as concepções de uma justiça mais contemporânea e que corresponda ao interesse particular e social.
Com o posicionamento definitivo sobre a casuística, será possível evitar que demandas meramente lucrativas ou desmotivadas prejudiquem a interposição das ações daqueles que verdadeiramente amargam as consequências emocionais e que foram obrigados a suportar o fardo psicológico do abandono. Além disso, a fixação de quantias indenizatórias merece uma especial atenção dos tribunais, de modo que essas ações não ensejem a monetarização do afeto.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse trabalho constatou-se que o direito de família evoluiu com o passar dos anos, adaptando-se aos novos modelos de entidade familiar. A Constituição Federal de
1988 garantiu proteção especial para a família que deixou de ser reconhecida como aquela formada, apenas, pela união entre homem e mulher, obrigatoriamente pelo casamento e expandiu o conceito para toda relação baseada no afeto. A família é considerada a base da sociedade e por isso tem especial proteção do Estado, que desenvolve mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Desta feita, a intervenção estatal nas relações familiares visa cumprir o caráter protetivo assegurado pela Carta Magna, de modo que cabe ao Estado proteger fundamentalmente a família, na defesa da ordem jurídica e na concretização dos interesses individuais e sociais disponíveis. Só há limite para a intervenção do Estado nas relações familiares quando a autonomia das partes prevalecer e não houver a provocação jurisdicional.
A afetividade surgiu no direito de família como condição necessária para que os filhos possam ser criados em um ambiente saudável com amor e carinho, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. Os estudiosos afirmam que o abandono afetivo nas relações paterno-filiais, pode gerar serias consequências de ordem social e psicológica para o filho abandonado, refletindo no convívio social.
A responsabilidade civil por abandono afetivo vem rompendo as barreiras limítrofes do seio familiar chegando ao Judiciário por meio do reclamo social que não admite mais que pais ou mães abandonem afetivamente os seus filhos e se neguem ao dever de cuidar.
Ademais, a doutrina majoritária e a jurisprudência acatam a ideia da responsabilização civil de caráter educativo, de modo que os pais exerçam o dever de participar do crescimento e aprendizado dos seus filhos com senso de responsabilidade, objetivando uma diminuição nos casos de abandono moral e afetivo.
Deste modo, pode-se afirmar que a possibilidade de indenização visa à valorização das relações paterno-filiais e não a monetarização do afeto, uma vez que dinheiro algum será suficiente para suprir a convivência negligenciada ao longo dos anos.
Encerrando esse breve estudo, verifica-se que a afetividade se traduz no dever dos pais de cuidar dos filhos e, no momento que estes preceitos são descumpridos, os filhos podem buscar a via judicial para responsabilizar os genitores pelo abandono afetivo.
Ademais, resta claro a necessidade de um entendimento unificado por meio da doutrina e jurisprudência nacional. Importante ressaltar, que a reparação que aqui foi defendida não visa punir, mas, educar, e o que se busca é a valorização das relações paterno- filiais e não a monetarização do afeto. Por fim, serve como reflexão as palavras da Ministra Nancy Andrighi (2012), que ressalta que: “Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB. Pós-graduanda em Direito Civil Processo Civil e Direito do Consumidor pela FESP
Mestranda em Recursos Naturais – CTRN/UFCG, Bacharela em Direito – UFCG. Professora Substituta da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB
Graduada em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB
Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba /UEPB
Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraiba /UEPB. Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, UFPB. Especialista em Direitos Fundamentais e Democracia pela UEPB
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