Regulatory Agencies: General Aspects, Scope and Limitations of Regulatory / Regulatory Power
Elisa Maria Guimarães – Possui graduação em Gestão Pública Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2018), especialização lato sensu em Administração Pública pela FAVENI – Faculdade Venda Nova do Imigrante (2019). Atualmente é Técnico Legislativo Sênior da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo. elisamguimaraes@hotmail.com
Sumário: Introdução. 1. Serviços públicos. 2. Agências reguladoras: aspectos gerais. 3. Do poder-dever. 4. O poder normativo das agências reguladoras. 5. Limites ao poder normativo. Conclusão. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente artigo versa sobre os aspectos gerais, o alcance e as limitações impostas ao poder normativo/regulamentar das Agências Reguladoras, no tocante a competência normativa conferida às referidas entidades despersonalizadas, para a edição de normas de caráter abstrato a serem impostas aos administrados do setor privado que exploram atividades que antes eram de exclusiva função do Estado, a fim de evitar eventuais abusos com vistas à dominação de mercado e à eliminação da concorrência. Referido estudo toma por base os princípios basilares que regem a Administração Pública e o poder regulamentar sob o ângulo constitucional e tem o propósito de discutir a abrangência e as limitações comidas ao exercício do poder normativo pelas agências reguladoras, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial moderno.
Palavras-Chave: Agências Reguladoras. Limites. Poder-dever. Normativo.
Abstract: The present article deals with the general aspects, the scope and the limitations imposed to the regulatory / regulatory power of the Regulatory Agencies, regarding the normative competence conferred to the referred depersonalized entities, for the edition of abstract norms to be imposed to the administrators of the sector privately engaged in activities that used to be the sole function of the State, in order to prevent any abuse of market domination and the elimination of competition. This study is based on the basic principles governing public administration and regulatory power from the constitutional angle and aims to discuss the scope and limitations of regulatory agencies’ exercise of regulatory power, according to modern doctrinal and jurisprudential understanding.
Keywords: Regulatory agencies. Limits. Power-duty. Normative.
INTRODUÇÃO
Análises históricas dão conta de que o surgimento das Agências Reguladoras no ordenamento jurídico pátrio é decorrente principalmente das alterações ocorridas no novel panorama econômico estabelecido pela Carta Constitucional de 1988, a qual um dos legados criados fora a possibilidade de iniciativa produtiva ao particular, ou seja, o Estado não mais explora atividade econômica, sendo esta função da iniciativa privada, restando apenas o manejo direto dessa atividade pelo Estado em casos excepcionais.
Consequentemente, com o fim do monopólio estatal e a concessão ao setor privado da prestação de bens e serviços, revela-se incontestável a fiscalização estatal a fim de garantir e disciplinar a atividade econômica coibindo excessos, fomentando o desenvolvimento, etc., com vistas a proteger o mercado e alcançar o equilíbrio das relações.
O exame da matéria aponta que a necessidade de fiscalização do Estado exigiu a criação de entidades reguladoras com típica função de controle, cuja previsão, inclusive, se encontra inserida no texto constitucional, ex vi do art. 21, inciso XI, com a redação pela Emenda Constitucional n° 8/95, e do art. 177, §2°, inciso III, com a redação pela Emenda Constitucional n° 09/95.
Neste contexto, a partir de meados da década de noventa, surgiram, sob a forma de autarquias sob regime especial, as denominadas Agências Reguladoras, devidamente aparelhadas com autonomia financeira, independência administrativa e poderes-deveres inerentes ao mister regulatório, com o objetivo de regulamentar, controlar e fiscalizar os serviços públicos, atividades e bens transferidos ao setor privado, compondo, desta forma, o quadro da Administração Pública do Brasil.
Contudo, não obstante o primoroso intuito econômico-social inserto nesta arquitetura cronológica realizada pelo legislador, não se pode olvidar da existência de uma problemática no que tange à função dessas agências, cuja origem decorre do limite do poder de regular e normatizar as aleatórias atividades.
Não obstante, demonstrar-se-á que esse poder conferido pelo legislado infraconstitucionais às agências reguladoras não poderá invadir a competência legislativa regulamentar da Administração Direta, devendo, por consequência, ater-se a aspectos técnicos, providências subalternas à lei, disciplinadas por meio de regulamentos, não podendo contrariar ou distorcer a disposição legal.
Trata-se de pesquisa bibliográfica reflexiva delimitada ao alcance de poder normativo das Agências Reguladoras, com base na legislação pátria, na doutrina e na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça.
A priori, antes de adentrarmos no estudo das agências reguladoras propriamente ditas, precisamos transpor a barreira inicial para entendermos, dentro de um contexto geral, a estrutura na qual se encontram inseridas estas referidas autarquias de regime especial.
Pois bem, é cediço que o art. 175 da Constituição Federal determina que incumbe ao Estado, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, prestar os serviços públicos.
No tocante ao que seriam esses serviços públicos, não há qualquer indagação atualmente estes consistem no conjunto de atividades prestadas pela Administração Pública ou por seus órgãos delegados, com vistas a satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.
Segundo MEIRELLES (2016), levando-se em conta a essencialidade, a adequação, a finalidade e os destinatários dos serviços, podemos classificá-los em: públicos e de utilidade pública; próprios e impróprios do Estado; administrativos e industriais; “uti universi” e “uti singuli“.
Contudo, não obstante o gigantismo do controle estatal, a realidade socioeconômica hodierna demonstrou a necessidade de adequação do conceito de Estado, sendo imperiosa a transformação dos princípios gerais da Administração Pública, a fim de afastar da Carta Magna eventuais limitações que seriam inadequadas para promover a melhor qualidade dos serviços prestados pelo Estado.
A partir das alterações do texto constitucional trazidas pelas Emendas n. 05 a 09, o Estado, com o objetivo de permitir a participação da sociedade na formulação e no controle das políticas públicas, deixou de ser exclusivamente um prestador de serviços, assumindo uma postura de administração pública gerencial, priorizando a regulação e a promoção de serviços públicos (KATAGIRI, 2011).
Diante da evidente diminuição da intervenção estatal direta na economia, balizada por ideais liberais consagrados no ordenamento jurídico, foram instituídas no Brasil as Agências Reguladoras – agentes essenciais para a escorreita implantação de uma administração pública gerencial, com foco em resultados.
Neste contexto, o afastamento total e/ou parcial do monopólio estatal no tocante a prestação de determinados serviços públicos com a consequente transferência da execução total e/ou parcial ao setor privado, fazer nascer as agências reguladoras no ordenamento brasileiro, as quais, dentre as diversas atribuições e competências que lhes foram conferidas, encontra-se inserto o poder de regulamentar seus respectivos setores.
Neste sentido CARVALHO FILHO (2018):
“A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização”.
Surgem, desta forma, as denominadas Agências Reguladoras, entidades que compõem a Administração Indireta com típica função de fiscalização e controle, com o objetivo, entre outros, de evitar o abuso de poder econômico por parte do setor privado com vistas à dominação de mercado e à eliminação da concorrência.
As agências reguladoras possuem natureza jurídica de autarquia com regime jurídico especial, dotadas de autonomia com relação ao ente estatal cuja criação é oriunda, com base na despolitização para conferir um tratamento técnico e uma maior segurança jurídica ao setor regulado, bem como na necessidade de celeridade na regulação de determinadas atividades técnicas.
De acordo com OLIVEIRA (2018):
“A instituição das agências reguladoras é justificada não apenas pela necessidade de regulação dos serviços públicos concedidos aos particulares, mas também pela necessidade de controle de determinadas atividades privadas relevantes, destacadas pela lei”.
Assim, segundo o festejado autor, as agências reguladoras podem ser divididas a partir do tipo de atividade regulada (agências reguladoras de serviços públicos concedidos e agências reguladoras de atividades econômicas em sentido estrito), a partir da quantidade de setores regulados (agências reguladoras monossetoriais e agências reguladoras plurissetoriais) e quanto à titularidade federativa (agências reguladoras federais, agências reguladoras estaduais, agências reguladoras distritais e agências reguladoras municipais).
No que concerne o regime jurídico, nota-se que se tratam de autarquias submetidas a regime jurídico especial, cuja natureza, segundo MEDAUAR (2018) “caracteriza-se pela autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia das decisões técnicas e mandato (denominado fixo) dos seus dirigentes”.
Quanto ao tema, importante ainda destacar as lições de MARINELA (2017):
“No que tange ao regime especial para essas pessoas jurídicas, não há previsão legal, estipulando exatamente a sua amplitude. Segundo a doutrina, esse regime é decorrente da maior estabilidade e independência em relação ao ente que as criou, mantendo a ideia inicial, conforme já esclarecido.
Especificamente, quanto às agências reguladoras, encontram-se algumas previsões que demonstram essa especialidade. A primeira delas diz respeito à investidura de seus dirigentes, os quais são nomeados pelo Presidente da República, mas, ao contrário das demais autarquias, essa nomeação depende de prévia aprovação pelo Senado Federal, conforme previsão dos arts. 84, XIV, e 52, III, “f”, ambos da Constituição, combinados com o art. 5º da Lei n. 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, recebendo, por isso, a terminologia de investidura especial.
Esses dirigentes têm a garantia de mandato a prazo certo, exercendo-o em mandatos fixos. Os prazos, conforme previsão dos arts. 5º e 6º da referida lei, serão fixados na norma de criação de cada agência e, em caso de vacância no curso do mandato, este será completado por sucessor investido na mesma forma.
Contudo, a duração do mandato não pode ultrapassar a legislatura do Presidente, sob pena de engessar o futuro governante em antítese absoluta com as ideias de democracia e de república, fraudando o povo. Destarte, a garantia dos mandatos dos dirigentes das Agências só opera dentro do período governamental em que foram nomeados. A lei de criação de cada agência disporá sobre a forma da não coincidência de mandatos”.
O regime jurídico do pessoal das reguladoras é o estatutário, entretanto, o projeto inicial previa o regime de emprego público para as agências reguladoras federais, seguindo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme estabelecia o art. 1º da Lei n° 9.986/00.
Contudo, o aludido dispositivo normativo teve sua eficácia suspensa por meio de decisão cautelar proferida pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.310-1/DF, o que levou ao então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a editar a Medida Provisória n° 155/03[1], passando a adotar o regime estatutário servidores das agências reguladoras e revogando expressamente o dispositivo legal objeto da ação.
São dirigidas sempre em regime de colegiado e seus dirigentes possuem certa estabilidade como pressuposto da independência, sendo os mandatos dos membros descoincidentes e com nomeação por prazo determinado (artigos 4º, 6º e 7º da Lei n° 9.986/00), não estando sujeitos, em tese, a interesses políticos, o que caracteriza relativa independência administrativa da entidade.
Todavia, não se pode olvidar que a referida estabilidade não é absoluta, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal sumulado a questão através do verbete n. 25, cuja orientação estabelece que “a nomeação a termo não impede a livre demissão pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de autarquia”.
Ademais, urge salientar ainda que a perda do mandato pode decorrer também em caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou de condenação em processo administrativo disciplinar com observância da ampla defesa e do contraditório. No tocante à contratação de obras e serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações, não há dúvida de que as Agências Reguladoras estão sujeitas à norma geral das licitações – Lei Federal n° 8.666/93.
Destaca-se ainda, conforme aponta ALEXANDRE (2018), que o ex-dirigente de agência reguladora deve se submeter à chamada “quarentena”, prazo cujo agente fica vinculado à agência e obstaculizado de exercer atividades ou prestar serviços a empresas que se submetam ao poder regulador do ente que dirigiu, com vistas a evitar que este forneça informações privilegiadas do órgão regulador.
Referido lapso temporal é contado a partir da exoneração ou do término do mandato e em regra de 04 (quatro) meses, conforme previsto no art. 8° da Lei n° 9.986/00, entretanto, por força de normas específicas, determinadas agências reguladoras retesaram esse prazo para 12 (doze) meses.
Com relação ao tema, revela-se importante novamente citar os escólios de MARINELA (2017), in verbis:
“Terminado o mandato, o ex-dirigente ficará impedido, por um período de quatro meses, contado da data do término do seu mandato, para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, o que a doutrina denomina quarentena. A previsão é do art. 8º da Lei n. 9.986/2000 e o prazo é de quatro meses. Excepcionalmente, as leis específicas de cada agência reguladora, como é o caso da ANEEL (art. 9º), da ANP (art. 14) e da ANS (art. 9º), estabelecem como quarentena o prazo de doze meses, fugindo da regra geral. Para a ANATEL, o art. 30 de sua lei específica prevê o prazo de um ano de quarentena”.
Por derradeiro, há de se destacar a distinção entre Agências Reguladoras e Agências Executivas.
Conforme dito alhures, as agências reguladoras, em síntese, são pessoas jurídicas de direito público (em regra autarquia), que exercem atividade regulatória, fiscalizando e ditando normas junto aos setores privados que exploram atividades que antes eram de exclusiva função do Estado.
Por sua vez, a “agência executiva é a qualificação dada à autarquia ou fundação que celebre contrato de gestão com o órgão da Administração Direta a que se acha vinculada, para a melhoria da eficiência e redução de custos”. (DI PIETRO, 2019).
Neste diapasão, diferentemente das Agências Reguladoras, as Agências Executivas não são criadas com o condão de fiscalizar/controlar o setor privado que presta serviço público, mas sim, trata-se de entidade preexistente (autarquia ou fundação governamental), que recebe a aludida qualificação com o escopo de promover eficiência e redução de custos.
Na arquitetura do ordenamento jurídico pátrio, verifica-se que a Administração Pública encontra o alicerce para o exercício de suas funções administrativas nos princípios dispostos na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais, dos quais se originam poderes conferidos para as autoridades administrativas.
Referidos poderes “são inerentes à Administração Pública pois, sem eles, ela não conseguiria fazer sobrepor-se a vontade da lei à vontade individual, o interesse público ao interesse privado” (DI PIETRO, 2019).
Não obstante, quadra registrar que o exercício dos citados poderes não está no campo discricionário da Administração Pública, pelo contrário, constituem uma obrigação e não mera faculdade em razão da completa subordinação do poder em relação ao dever, cuja finalidade consiste no atendimento ao interesse público.
Neste sentido DI PIETRO (2019) destaca:
“Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis”.
No que tange as Agências Reguladoras, a doutrina majoritária defende que estas são dotadas de poder normativo, fiscalizatório, sancionatório e mediador de conflitos.
No entanto, cumpre ressaltar que há doutrinadores, como FURTADO (2007), que defendem a possibilidade de outorga de poderes não previstos em lei com objetivo de melhor exercício das funções, através de contrato de concessão de serviços públicos.
Como exemplo da citada outorga podemos destacar o poder de declarar a utilidade pública de certos bens com vistas à implantação de instalações de energia elétrica[2] e o poder de outorga da exploração de serviços públicos ou do uso de bens públicos[3].
Com efeito, em que pese a extrema importância de todos os poderes que compõem o acervo das Agências Reguladoras, em razão do recorte temático do presente artigo, passamos ao exame exclusivo do poder normativo, seus fundamentos, alcance e limites.
A priori, cumpre ressalvar que a competência normativa é inerente ao exercício da função regulatória, função esta que pode ser exercida tanto pela Administração Direta (própria das pessoas políticas da federação), quanto pela Administração Pública Indireta (Agências Reguladoras).
Por sua vez, o constituinte estabeleceu no texto da Constituição Federal a competência normativa da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, todavia, em razão da ausência de previsão constitucional quanto a citada competência para os órgãos reguladores independentes, revela-se necessário que a legislação infraconstitucional que cria a agência reguladora conceda a outorga de competência para a edição de atos normativos.
Sob esta ótica e de acordo com os escólios de OLIVEIRA (2018), em regra a lei de criação da entidade reguladora estabelece em seus dispositivos legais a autonomia para a edição de atos administrativos normativos de conteúdo técnico na esfera de circunscrição do setor regulado.
Contudo, com base nas asserções de DI PETRO (2019), a função reguladora atribuídas às agências vem sendo outorgada de forma similar àquela delegada às agências reguladoras do direito norte-americano, em que é concedido tamanho poder que as normas podem ser ditadas com a mesma força de lei e com base em parâmetros, conceitos indeterminados, standards nela contidos.
Sobre o tema, a renomada administrativista DI PIETRO (2019) acastela que:
“As duas únicas agências que estão previstas na Constituição são a ANATEL e a ANP, com a referência à expressão órgão regulador contida nos artigos 21, XI, e 177, § 2º, III.
As demais não têm previsão constitucional, o que significa que a delegação está sendo feita pela lei instituidora da agência. Por isso mesmo, a função normativa que exercem não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão administrativo ou entidade da Administração Indireta. Elas nem podem regular matéria não disciplinada em lei, porque os regulamentos autônomos não têm fundamento constitucional no direito brasileiro, nem podem regulamentar leis, porque essa competência é privativa do Chefe do Poder Executivo e, se pudesse ser delegada, essa delegação teria que ser feita pela autoridade que detém o poder regulamentar e não pelo legislador”.
Neste contexto, somente as matérias atinentes aos respectivos contratos de concessão poderiam ser alcançadas pela regulamentação das Agências Reguladoras.
Sobre a matéria, com base na teoria dos poderes implícitos, ARAGÃO (2002) ultima que os órgãos que integram a estrutura do Poder Executivo podem editar regulamentos autônomos.
No mesmo diapasão, JUSTEM FILHO (2002) entende que a aptidão normativa abstrata é decorrente do poder regulamentar conferido ao Chefe do Executivo e que a função reguladora pertence ao Estado, cujo exercício se dá por seus órgãos despersonalizados ou através da criação de entes autônomos, ocasião esta que, a função reguladora com os respectivos deveres-poderes inerentes, será transferida para a entidade personalizada, a qual poderá editar e baixar decretos regulamentares que visem facilitar a execução da lei.
Do exame dos ensinamentos alhures podemos concluir que o poder normativo da agência reguladora não se confunde com o poder regulamentar do Chefe do Executivo, pois este se encontra inserta na função política, enquanto aquele amolda-se a função eminentemente administrativa, com vistas a garantir o adequado funcionamento do mercado.
Do juízo pormenorizado traçado neste estudo verifica-se que a função institucional das agências reguladoras se cinge a regulação de determinadas atividades do setor privado, razão pela qual o ordenamento jurídico pátrio atribui-lhes a competência para editar normas técnicas correlatas.
Todavia, conforme muito bem destacado pela doutrina abalizada de ALEXANDRE e DEUS (2018), a edição das aludidas normas não é absoluta, vejamos:
“Por óbvio, o poder normativo atribuído à agência não pode ser visto como uma carta em branco, como uma autorização para que entidade se substitua ao legislador e inove na ordem jurídica. A função reguladora deve ser exercida em estrita obediência aos mandamentos constantes de lei – o legítimo ato normativo primário –, de forma que no seu exercício a agência deve detalhar as regras necessárias ao cumprimento dos mandamentos legais e aclarar os respectivos conceitos jurídicos indeterminados, sem ultrapassar as balizas estabelecidas pelo Poder Legislativo”.
Desta forma, segundo OLIVEIRA (2018), resta manifesto que as entidades de regulação podem exercer poder normativo, de natureza eminentemente técnica, na esfera de suas atribuições, respeitado o princípio da juridicidade, ou seja, não se tratam de normas autônomas provenientes de delegação legislativa, mas sim de deslegalização.
Com efeito, urge salientar que os atos normativos em epígrafe têm por objetivo única e exclusivamente a elucidação de conceitos técnico-jurídicos, a deliberação acerca do quantum das multas, a normatização de procedimentos, etc., tudo dentro dos parâmetros e princípio inerentes à Administração Pública.
Sobre o tema, recentemente o Superior Tribunal de Justiça que “as sanções administrativas aplicadas pelas agências reguladoras, no exercício do seu poder de polícia, não ofendem o princípio da legalidade, visto que a lei ordinária delega a esses órgãos a competência para editar normas e regulamentos no âmbito de sua atuação, inclusive tipificar as condutas passíveis de punição, principalmente acerca de atividades eminentemente técnicas”. (REsp 1.522.520/RN. Rel. Ministro Gurgel de Faria. Julgado em 1º/2/2018. DJe em 22/02/2018)
Este é o posicionamento que vem diuturnamente sendo perfilhado pela Colenda Corte da Cidadania[4], tribunal responsável por eventuais violações do texto infraconstitucional.
Assim, resta manifesto que muito embora as agências reguladoras não possuam competência normativa plena, estas foram criadas com o escopo de regular, em sentido amplo, os serviços públicos que estão sendo promovidos pelo setor privado, de tal sorte que existindo previsão expressa na legislação ordinária que criou a autarquia, delegando à esta competência para a edição de normas e regulamentos no seu âmbito de atuação, revela-se perfeitamente cabível o exercício desta prerrogativa.
CONCLUSÃO
A luz de todo o exposto, conforme a jurisprudência tem entendido, resta evidente que o legislador infraconstitucional preferiu dar tratamento diferente às Agências Reguladoras, permitindo às referidas entidades que compõem a Administração Pública Indireta, a possibilidade da elaboração de atos normativos gerais e dotados de caráter abstrato, de conteúdo técnico-jurídico, visando correta aplicação da lei.
Todavia, não obstante esta prerrogativa conferida a estas Autarquias de controle, o sistema constitucional brasileiro demanda harmonia entre as normas que compõem o ordenamento jurídico, razão pela qual mesmo diante do inegável poder normativo, este encontra limitação na lei e com ela não se confunde, eis que referidas normas são de caráter exclusivamente administrativo.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito administrativo / Ricardo Alexandre, João de Deus. – 4. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
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______. Lei n° 9.478, de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo. Online. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9478.htm Acesso em 23 jul 2019.
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[1] Referida Medida Provisória foi convertida na Lei n° 10.871/2004, razão pela qual a ADI n° 2.310-1/DF foi extinta por perda do objeto.
[2] Art. 10 da Lei n° 9.074/95.
[3] Artigos 3°, II, da Lei n° 9.427/86; 19, V e IX, da Lei n° 9.472/97; 23, §2°, da Lei n° 9.478/97; 4°, IV e 6°, da Lei n° 9.984/00; 24, V e 27, V, da Lei n° 10.233/01; e 3°, III, da Lei n° 11.182/05.
[4] AgInt no REsp 1620459/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 15/02/2019; AgInt no REsp 1641688/PB, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 23/04/2018; REsp 1728281/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 21/11/2018; REsp 1.635.889/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2016; REsp 1.569.960/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/05/2016; AgRg no REsp 1.371.426/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/11/2015.
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