Resumo: O presente artigo tratará sobre a efetividade e o custo da alta programada, analisando seu histórico. A alta programada foi introduzida no nosso sistema como uma forma de reduzir custos e diminuir as filas para as perícias médicas. Todavia, muitos juristas demonstram que a alta programada é ilegal, além de ser inconstitucional por afrontar as garantias constitucionais. Diante deste quadro foi ajuizada ação civil pública, que deu origem a Resolução INSS/PRES 97, possibilitando que o segurado em benefício continue recebendo benefício mesmo após a data da cessação do benefício até que a nova perícia solicitada através de pedido de prorrogação seja realizada.
Palavras-chave: Alta programada; Cobertura previdenciária estimada; Programa data certa; Pedido de prorrogação.
Abstract: This article aims at the scheduled discharge cost efficiency by assessing its history. Scheduled discharge has been introduced in our system as a way to lower costs and reduce medical history assessment queues. Nonetheless, many jurists claim that scheduled discharge is illegal and also unconstitutional for violating constitutional rights. In light of such, a public civil action has been filed, originating Resolution INSS/PRES 97, enabling the beneficiary to be granted benefits even after the benefit grant deadline has expired until the new requested assessment, through deadline extension request, is performed.
Keywords: Scheduled discharge,Estimated social security coverage, Right date program, Deadline extension request.
Sumário: Introdução. 1. Antes e depois da alta programada. 2. Do pedido de prorrogação. 3. Dos motivos para a modificação da sistemática. 4. Da efetividade da alta programada. 5. Da data de cessação administrativa (DCA). Conclusão. Referências.
Introdução
A Cobertura Previdenciária Estimada (COPES), também conhecida por alta programada ou programa data certa, foi criado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pela Orientação Interna nº 130/2005, sendo introduzido em nosso sistema pela alteração do artigo 78, do Decreto nº. 3.048/99, promovida pelo artigo 1º, do Decreto nº. 5.844, de 13 de julho de 2006.
Essa nova sistemática surgiu em razão do elevado número de trabalhadores que buscam afastamento previdenciário por incapacidade (auxílio doença previdenciário e auxílio doença acidentário), razão pela qual se tornou questão de repercussão nacional e polêmicas acerca de sua legalidade e efetividade.
Pelo novo procedimento adotado desde 2005, na data da períciamédica administrativa o perito médico da Autarquia se utilizando da doutrina médica especializada e dos prognósticos da patologia, esta autorizado a estabelecer uma data provável de recuperação da capacidade de trabalho do segurado, ou seja, estabelecerá uma data futura para cessação do benefício previdenciário, sem que haja nova perícia para aferição do quadro clínico, fato que para muitos violaria o princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana.
Entretanto, em que pese a grande repercussão da matéria e de todos os argumentos contrários, a jurisprudência majoritária posicionou-se no sentido de ser o procedimento legal e constitucional, ao argumento de que garantiu a sustentabilidade do regime e a dignidade da pessoa humana, diminuindo o tempo de espera para o atendimento médico pericial.
E ainda, ao preestabelecer uma data prévia, o procedimento evita que o segurado tenha que comparecer ao INSS caso entenda estar apto para o trabalho na data de cessação do benefíciofixada.
1 Antes e depois da alta programada
Em que pese à alta programada ter sido criada somente em 2005 e introduzida em nosso sistema legal em 2006, certo é que a alta programada sempre existiu no âmbito previdenciário administrativo, a diferença é que antes ela não era obrigatória.
Pela sistemática anterior a Agosto de 2005 o benefício do auxilio doença era concedido ao segurado que estivesse totalmente incapacitado para o trabalho ou atividade habitual de modo temporário por prazo indeterminado. Todavia, este deveria ser submetido a perícia médica bimestralmente, ficando ao crivo do médico perito analisar se a incapacidade para o trabalho persistia, caso negativo, o benefício seria cessado.
Antes da instituição da alta programada o médico perito do INSS tinha que preencher a DCI (data de comprovação da incapacidade), ou seja, uma data de retorno para o médico perito, onde ele avaliava se a incapacidade havia cessado ou não.
Após Agosto de 2005, com a IN 130/2005 esse procedimento foi modificado e o benefício passou a ser concedido por tempo determinado, ou seja, o médico fixa a data de encerramento do benefício, estabelecendo o tempo necessário para a recuperação.
Hoje, na data previamente estabelecida para o término do benefício, ele cessará automaticamente independente de perícia que avalie a incapacidadecomo era feito anteriormente, ou seja, poderá receber alta mesmo que presente a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual.
2 Do pedido de prorrogação
Com o novo método passou também a existir o Pedido de Prorrogação (PP) que consiste justamente num pedido de reavaliação do quadro clínico, a fim de demonstrar que a data de cessação fixada anteriormente não pode prevalecer, pois a incapacidade para o trabalho ainda persiste.
O Pedido de Prorrogação deve ser agendado via “internet” ou pelo telefone da previdência social até quinze dias antes da data fixada para cessação do benefício.
Caso a perícia médica constate a existência da incapacidade será prorrogado o benefício com alteração da data de cessação do mesmo, mas novamente com data futura já determinada para cessação.
Somente não haverá data de cessação do benefício quando o segurado for encaminhado para a reabilitação profissional, ocasião em que permanecerá em gozo do benefício previdenciário sem data para cessação do mesmo, permanecendo enquanto não concluída a reabilitação profissional do segurado.
O objetivo do pedido de prorrogação “…é evitar o fim do auxílio-doença antes da recuperação efetiva do segurado, submetendo-o a nova avaliação para analisar se é necessária a continuidade da licença e o pagamento” (LAZZARI,2012 p. 316).
3 Dos motivos para a modificação da sistemática
A Autarquia Previdenciária sustenta que a alta programada visa reduzir déficit, pois o auxilio doença seria o benefício mais pleiteado administrativamente. E ainda, uma forma de evitar que o segurado retorne bimestralmente ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para realização de nova perícia, o que gerava uma sobrecargade trabalho ao órgão.
Assim, o segurado considerado incapacitado temporariamente para o trabalho irá receber o benefício por um período determinado pelo médico perito como suficiente para a recuperação e ao final do prazo, o pagamento será suspenso.
O segurado que não se considerar apto a retornar ao trabalho tem duas opções: se antes da cessação do benefício, poderá requerer pedido de prorrogação ou se depois, terá de agendar nova perícia para continuar recebendo o auxílio-doença.
Diante da nova sistemática, os segurados se encontram em uma situação delicada, posto que anteriormente havia uma perícia médica para constatar a capacidade para o trabalho antes que o beneficio fosse cessado,o que não acontece atualmente.
E ainda, o agendamento de perícia que antes era realizado pela Autarquia previdenciária, agora ficou ao encargo do segurado que tem que agendar através de pedido de prorrogação, ou seja, dificulta ainda mais o recebimento de um benefício ligado ao direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana.
4 Da efetividade da alta programada
Com a nova sistemática pretendia a Autarquia Previdenciária reduzir o número de benefícios denominados de auxilio doença, bem como, evitar a sobrecarga de demanda com o elevado número de perícias que antes eram bimestrais.
Em que pese hoje as perícias não serem mais bimestrais, na prática não se pode aferir se de fato a nova sistemática gerou o que se esperava conter e reduzir, pois obviamente não há como um médico ser preciso quanto ao tempo de recuperação de cada doença.
O artigo 59 da Lei 8.213/91, disciplina que:
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.” (Vide Medida Provisória nº 664, de 2014).
Acrescenta-se a redação do artigo 62 da Lei 8.213/91, que prevê, in verbis:
“Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez”.
A alta programada viola o art. 62, da Lei 8.213/91, uma vez que impede a analise da existência ou não da capacidade para o retorno ao trabalho, bem como, o art. 101 da Lei 8.213/91, onde o segurado em gozo de auxílio-doença deveria se submeter a exames médicos periódicos para manutenção do benefício.
Com a nova sistemática o segurado não se submete mais a exames periódicos a fim de manter seu benefício, muitas vezes recebe alta da Previdência e tem que retornar ao emprego sem que efetivamente tenha recuperado sua capacidade de trabalho, mas se reprime para manter o emprego e consequentemente o salário para manutenção de seu sustento e do sua família.
Tal situação afronta a Constituição Federal, que estabelece em seus artigos 1º e 6º os fundamentos que regem a República Federativa do Brasil, merecendo destaque o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos sociais, quais sejam: "a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".
O artigo 194 da Constituição Federal, assegura que:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Cabe ao Estado criar uma rede de proteção capaz de atender os anseios e necessidades de todos na área social, mantendo um padrão mínimo de vida, sendo que ao tratar da Seguridade Social na Constituição Federal de 1988, o constituinte claramente adotou o Estado de bem-estar social, cujo sentido encontra-se atrelado à ideia de cooperação, ação concreta do ideal de solidariedade, ao passo que por justiça social entende-se o escopo do desenvolvimento nacional, diretriz axiológica para o intérprete e aplicador das normas protetivas.
O art. 1º da Lei nº. 8.213/91 dispõe que é dever da Previdência Social, mediante contribuição, assegurar aos seus beneficiários os meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.Entretanto, para que estes direitos lhe sejam assegurados o caminho a ser percorrido até a concessão dos benefícios vem sendo a cada dia mais dificultoso.
5 Da data de cessação administrativa (DCA)
A data de cessação administrativa do benefício por incapacidade possibilita que o cidadão mesmo que reabilitado e apto ao trabalho possa continuar recebendo seu benefício, ainda que não tenha se submetido a uma avaliação médica até que ele passe novamente em uma perícia médica da Autarquia Previdenciária.
O beneficiário em gozo de benefício por incapacidade precisaria fazer até o 15º dia anterior a data de cessação do benefício, o pedido de prorrogação, onde uma nova perícia será agendada.
Teoricamente o INSS teria que agendar esta nova perícia dentro dos 15 dias anteriores a data de cessação do benefício, para que o beneficiário soubesse se seu afastamento previdenciário iria ou não continuar.
Contudo, esta teoria não se reflete na prática, pois a Autarquia previdenciária não detém profissionais o suficiente para que as perícias referentes aos pedidos de prorrogação sejam realizadas dentro dos 15 dias anteriores a cessação.
Em decorrência deste caos institucional inúmeros cidadãos ficavam sem o pagamento a partir do término da data de cessação do benefício enquanto aguardavam a nova perícia referente ao pedido de prorrogação, o conhecido “emparedamento”.
Para o ilustre Professor Carlos Alberto Vieira de Gouveia:
“…o emparedamento, ocorre quando o individuo recebe alta-médica do INSS e, ao retornar ao posto de labor, é impedido de reassumir suas funções, porque segundo o serviço médico do empregador o mesmo ainda não se encontra apto para o trabalho. É aí que surge o emparedamento, pois o mesmo não está “encostado” no INSS, nem trabalhando de forma efetiva, assim, o segurado fica sem nenhum tipo de remuneração”. (2012, p. 79)
Diante desta situação lamentável, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública nº.2005.33.00.020219-8 e desde 19/07/2010 o INSS implementou, através da Resolução INSS/PRES 97, a regulamentação da DCA.
Com isso, o cidadão em benefício continua recebendo benefício mesmo após a DCB até que a nova perícia solicitada (Pedido de Prorrogação) seja realizada:
RESOLUÇÃO INSS/PRES Nº 97, DE 19 DE JULHO DE 2010 – DOU DE 20/07/2010
Retificado no DOU de 22/07/2010(…)
Considerando a necessidade de definir a forma de pagamento dos benefícios de auxílio-doença, conforme determina a sentença nº 263/2009 relativa à Ação Civil Pública – ACP nº 2005.33.00.020219-8, resolve:
Art. 1º Estabelecer que no procedimento de concessão do benefício de auxílio-doença, inclusive aqueles decorrentes de acidente do trabalho, uma vez apresentado pelo segurado pedido de prorrogação, mantenha o pagamento do benefício até o julgamento do pedido após a realização de novo exame médico pericial.
Art. 2° O INSS e a DATAPREV adotarão medidas necessárias para o cumprimento desta resolução.
Art. 3º Esta Resolução entra em vigor nesta data.” (BENEDITO ALDALBERTO BRUNCA)
Segundo, Cardoso[1]por estimativa baseada no INSS em Números, o INSS gastou em dezembro de 2011 o equivalente a R$ 161.339.100,00 em DCA enquanto que a folha de pagamento com os peritos da Autarquia Previdenciária estaria na ordem de 55 milhões de reais por mês.
E ainda que o INSS gasta 03 (três) vezes mais com DCA do que com a folha dos peritos médicos e que se dobrasse o salário dos peritos e ajustasse a carga horária conforme a categoria deseja, o governo iria fazer justiça com a classe, resolver o problema das filas e preservar 600 milhões de reais por ano apenas com a DCA.
Considerações finais
O estudo do presente artigo nos permite visualizar que a alta programada sempre foi possível, embora anteriormente a Orientação Interna 130/2005 fosse mais efetiva, pois o segurado somente teria seu benefício cessado após a perícia médica da Autarquia Previdenciária, se esta entendesse pela capacidade para o trabalho.
Após o advento da Orientação Interna nº 130/2005, que introduziu em nosso sistema o artigo 78, do Decreto nº. 3.048/99, através do artigo 1º, do Decreto nº. 5.844, de 13 de julho de 2006, verifica-se que os objetivos motivadores da mudança não foram totalmente alcançados, pois o número de benefícios de auxilio doença ainda é enorme se comparado aos demais benefícios. A demanda das perícias médicas junto a Autarquia previdenciária também é grande, mormente em razão da possibilidade de realizar o pedido de prorrogação.
Importante ressaltar que, alia-se o fato que diante da implantação da obrigatoriedade de se deferir o auxilio doença com data para a cessação do benefício, baseado em um prognostico provável de recuperação da capacidade para o trabalho, gerou muita polêmica uma vez que não promove os direitos humanos e afronta a Constituição Federal e seus princípios.
Todavia, com o passar dos tempos e conscientização do povo que luta cada vez mais por seus direitos, conquistou-se através da ação civil publica o direito de permanecer recebendo o benefício previdenciário enquanto aguarda a realização de perícia médica (pedido de prorrogação).
Com a implantação da data da cessação administrativa certo é que os direitos constitucionais antes afrontados com a implantação da alta programada foram relativamente “reparados” visto que ao menos o segurado permanece recebendo o benefício até a realização de nova perícia médica.
Por outro lado, em razão da data de cessação administrativa, os gastos para manutenção dos benefícios são incrivelmente superiores.
Conclui-se, que se fosse mantido o sistema anterior – onde antes da cessação do benefício o segurado obrigatoriamente se submetia a perícia médica – e houvesse a contratação de novos peritos, a Previdência além de economizar preservaria o direito a saúde, a dignidade da pessoa humana, entre outros direitos constitucionais. Portanto, tem-se que a alta programada não obteve a efetividade almejada com sua criação e gera um custo superior ao sistema anterior.
Advogada. Graduada pela Universidade de Taubaté UNITAU. Pós graduanda em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale
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