Autor: Amanda Luiz Moraes[I]
Resumo: A finalidade deste artigo é analisar os elementos que possibilitam o reconhecimento da maternidade socioafetiva e os efeitos jurídicos morais e patrimoniais decorrentes dessa relação materno-filial. A pesquisa quanto ao nível é de natureza exploratória e abordagem de natureza qualitativa. O procedimento de coleta de dados é classificado como bibliográfico, baseando-se em livros, teses, artigos e documentos eletrônicos; e documental, pela consulta na legislação e jurisprudência, dando maior embasamento ao tema. A pesquisa demonstrou que, diante as diferentes espécies de família e filiação, os efeitos jurídicos (morais e patrimoniais) serão inerentes a todos os tipos de filiação, sem qualquer discriminação e desigualdades entre esse grupo. Através do estudo, concluiu-se que a maternidade socioafetiva possui os mesmos requisitos de reconhecimento e de validade exigidos para a paternidade socioafetiva. Desse modo, o filho socioafetivo será reconhecido como se filho dessa mãe fosse, gozando de todos os direitos e deveres decorrentes da filiação biológica, não podendo haver discriminação.
Palavras-chave: Maternidade. Relações. Família.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the elements that enable the recognition of socio-affective motherhood and the moral and patrimonial legal effects resulting from this maternal-filial relationship. Research on the level is exploratory and qualitative in nature. The data collection procedure is classified as bibliographic, based on books, theses, articles and electronic documents; and documentary, by consulting the legislation and jurisprudence, giving greater basis to the theme. The research showed that, given the different types of family and affiliation, the legal effects (moral and patrimonial) will be inherent to all types of affiliation, without any discrimination and inequalities between this group. Through the study, it was concluded that socio-affective motherhood has the same recognition and validity requirements as for socio-affective fatherhood. In this way, the socio-affective child will be recognized as if that mother’s child were, enjoying all the rights and duties arising from biological affiliation, and there can be no discrimination.
Keywords: Motherhood. Relations. Family.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1. O INSTITUTO DA FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1.1. CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA FILIAÇÃO. 1.2. ESPÉCIES DE FILIAÇÃO. 1.3. FORMAS DE RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO. 1.4. EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DA FILIAÇÃO. 2. ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA MATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O conceito de família evoluiu intensamente no ordenamento jurídico. A primeira Constituição brasileira a utilizar o termo “família” foi a de 1934, em que preceituava no artigo 144 que: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel está sob a proteção especial do Estado”. (BRASIL, 1934). Contudo, a redação de tal artigo acabava por dar a proteção do Estado apenas para aquelas constituídas a partir de um casamento indissolúvel. Com o mesmo intuito, com algumas modificações, a Constituição de 1946, em seu artigo 163, definia que: “A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado”. (BRASIL, 1946). Apenas com a Constituição de 1988 houve a divisão entre a proteção do Estado da família e o casamento. Nesse sentido, referida Carta Magna, em seu artigo 226, caput, dispõe que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. (BRASIL, 1988).
Ademais, determinados princípios constitucionais norteiam o Direito de Família, especialmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado o maior, pelo qual o Estado não tem apenas o dever de privar-se de praticar atos que vão contra a dignidade humana, mas sim promover essa dignidade a partir de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano. (SARMENTO, 2003 apud DIAS, 2016). Trata-se de princípio basilar, conferindo unidade e encorpamento ao ordenamento jurídico brasileiro, o que representa o valor absoluto de cada ser humano, destacando-se que, para a efetividade da dignidade humana, o Estado deve respeitar, proteger e promover condições básicas para o exercício dos direitos fundamentais. (DEGANI, 2014). Assim, dispõe a Carta Magna (art. 1º, II):
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana […]”. (BRASIL, 1988).
Ainda, outro princípio importante é o da proteção integral à criança e ao adolescente, que assim está redigido no artigo 227 da Constituição Federal de 1988:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 1988).
Deste modo, o dever de proteção é direcionado à família, à sociedade e ao Estado, garantindo às crianças e adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, e, o mais importante, pondo a salvo toda forma de negligência, indignidade, violência e opressão. Sobre este princípio, Curry, Garrido de Paula e Marçura (2002 apud NOGUEIRA, 2014, p. 21) abordam que a proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Nesse sentido, rompe a ideia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento.
Por sua vez, no que tange ao princípio da paternidade responsável, Pires (2013) afirma que “[…] o princípio da paternidade responsável constitui uma ideia de responsabilidade que deve ser observada tanto na formação como na manutenção da família”. Ademais, os filhos devem ser tratados com igualdade, sem distinção entre os filhos legítimos, naturais ou adotivos, em relação aos direitos morais e patrimoniais (GOMES, 2003). Assim, prescreve a Carta Magna (art. 227 § 6º):
“Art. 227. […]
[…]
Da mesma forma, dispõe o Código Civil (art. 1.596): “[…] os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. (BRASIL, 2002). Portanto, independentemente do tipo de filiação, é vedado qualquer diferenciação entre os filhos, sendo perante a lei todos iguais, não podendo distinguir seus direitos se a filiação for consanguínea, por adoção ou por afetividade.
Relevante destacar que, com a evolução no Direito de família, surgiram novas espécies de filiação, não se restringindo apenas à biológica ou consanguínea, pois o art. 1593 do Código Civil estabelece que “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. (BRASIL, 2002). Quando o referido artigo trata de outra origem, deixa evidenciado que o parentesco não é apenas o biológico, admitindo também a adoção e a filiação socioafetiva, essa última corresponde à verdade aparente e decorrente do direito à filiação, nesse caso, o filho é titular do estado de filiação, consolidando-se na afetividade. (DIAS, 2016).
A paternidade socioafetiva se funda no princípio da proteção integral da criança e do adolescente, manifesta-se que a posse do estado de filho se constitui por circunstâncias que exteriorizam a condição do filho legítimo do casal que cria e educa, sendo também através da procriação ou adoção que se estabelece o estado de filho. Destaca-se ainda que, para se reconhecer a posse do estado de filho, analisam-se três aspectos: o tractus, quando o filho é tratado como tal, sendo criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; o nominatio, quando usa o nome de família e assim se apresenta; e o reputatio, conhecido pela sociedade como pertencente à família de seus pais. (LÔBO, 2010 apud DIAS, 2016).
Desse modo, se a legislação estabelece que não há distinção entre os filhos e todos devem ter tratamento de igualdade, no caso da filiação socioafetiva serão garantidos todos os direitos morais e patrimoniais inerentes à filiação biológica, podendo se considerar os filhos socioafetivos como herdeiros necessários de seus pais, cabendo divisão igualitária quanto aos bens, não podendo os pais fazer distinção entre ambos os filhos.
Destaca-se que a filiação socioafetiva, geralmente, decorre de uma relação entre a criança ou o adolescente e o padrasto ou em outra situação em que esses se afeiçoam a determinado homem por ausência do pai biológico, o que pode caracterizar a paternidade socioafetiva, dependendo da presença dos elementos que configuram a posse de estado de filho. Entretanto, deve-se considerar a possibilidade da constituição da maternidade socioafetiva, hipótese em que determinada relação materno-filial se efetiva em função da convivência entre uma criança ou um adolescente e a madrasta ou outra mulher, em virtude da ausência da mãe biológica.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a maternidade socioafetiva por entender que foram desenvolvidos laços afetivos entre a criança e a alteração no registro civil de nascimento da autora[II].
Por outro lado, o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul discorda do tema, deixando evidenciado que o simples fato do nome, trato e fama, não ensejam no reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva[III].
Desse modo, nota-se que o reconhecimento da maternidade socioafetiva é um tema que apresenta divergências na jurisprudência, entretanto, há possibilidade de se configurar a maternidade socioafetiva e seus efeitos jurídicos morais e patrimoniais, a partir da presença de determinados pressupostos, como se pretende analisar nesse estudo.
1.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA FILIAÇÃO
A filiação possui muita abrangência atualmente. Com o avanço da sociedade, passou-se a reconhecer outros tipos de filiação, não mais reservada à filiação biológica e à civil. A filiação é o vínculo estabelecido entre pais e filhos, decorrentes da fecundação natural, de técnicas de reprodução assistida, em virtude da adoção ou de uma relação pautada no afeto, ou seja, a socioafetividade que resulta da posse do estado de filho. (NOGUEIRA, 2001). Neste viés, mister se faz analisar a evolução histórica do instituto da filiação, destacando-se as constituições que expuseram o tema de maneira mais abrangente e clara.
Primeiramente, o Código Civil de 1916 classificava a filiação em: legítima, legitimada, ilegítima e adotiva. A filiação legítima era concebida na constância do casamento, com a presunção do pater is est, relativamente aos filhos nascidos 180 dias depois de estabelecida a convivência conjugal, e aos nascidos dentro dos 300 dias depois da dissolução da sociedade conjugal, por morte, desquite ou anulação. A certidão de nascimento era a prova da filiação, sendo inscrito no Registro Civil. A filiação legitimada, por sua vez, era aquela resultante do casamento dos pais, já sendo o filho concebido, ou depois de havido o filho, este era equiparado ao legítimo. Já a filiação ilegítima era a que não provinha do casamento entre os pais, não eram reconhecidos pelos pais voluntariamente, ao passo que apenas os filhos naturais poderiam ser reconhecidos deste modo. E, por fim, referida legislação tratava da filiação adotiva, instituída mediante escritura pública, limitando-se o parentesco ao adotante e o adotado. Os direitos e deveres do parentesco biológico se estendiam aos de parentesco adotivo. (FUJITA, 2011).
Entretanto, diversas mudanças na legislação brasileira se fizeram importantes quanto à evolução do instituto da filiação, tais como: a Constituição Federal de 1937, o Decreto Lei n.º 3.200/1941 e o Decreto Lei n.º 4.737/1942 estabeleceram o reconhecimento voluntário ou forçado, de filhos adulterinos após o desquite de seus pais; a Lei n.º 883/1949 fixou o reconhecimento dos adulterinos após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer modo, podendo, ainda, o filho promover ação declaratória de filiação; a Lei n.º 4.655/1965 legitimou a adoção, sendo que o legitimado adotivo detinha os mesmos direitos e deveres do filho legítimo; a Lei n.º 7.250/1984 determinou que “Mediante sentença transitada em julgado, o filho havido fora do matrimônio poderá ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos contínuos”. (BRASIL, 1984).
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 modificou o conceito de família, admitindo a constituição de novos arranjos familiares. Desse modo, além da família formada pelo casamento, considera-se entidade monoparental, formada por um dos pais, e a decorrente da união estável entre homens e mulheres, o que, nas palavras de Azevedo (2002, p. 268), a Carta Magna “[…] promoveu o reconhecimento do concubinato puro, não adulterino nem incestuoso, como forma de constituição de família, como instituto, portanto, do Direito de Família”.
Ademais, referido diploma legal estabeleceu a assistência do Estado à família na pessoa de cada um que as integra, criando mecanismos que diminuam a violência e a marginalidade, assegurando o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade das crianças e dos adolescentes. Ainda, instituiu o princípio da igualdade jurídica entre todos os filhos, conforme dispõe o art. 227, § 6º do texto constitucional: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. (BRASIL, 1988).
Ainda, o Código Civil de 2002 (arts. 1.593, 1.596 e 1.597) trouxe outras alterações que permitiram melhorar as relações de parentesco, reafirmando o princípio constitucional de igualdade entre os filhos, estabelecendo que o parentesco pode resultar da consanguinidade ou de outra origem, como também, dispondo sobre a paternidade presumida, em determinados casos, como segue:
“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem (BRASIL, 2002).
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 2002).
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”. (BRASIL, 2002).
Desse modo, verifica-se que o instituto da filiação passou por muitas mudanças ao longo da história, sendo que hoje os filhos havidos ou não na constância do casamento, os filhos adotivos e os filhos surgidos da relação paterno-filial baseada no afeto possuem os mesmos direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
1.2 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro admite diversos tipos de entidades familiares e espécies de filiação, pois qualquer pessoa possui a liberdade de escolher o planejamento familiar. Dentre as espécies de filiação, destacam-se: a filiação biológica ou consanguínea, que nos dizeres de Fujita (2011, p. 63) é “[…] a relação que se estabelece, por laços de sangue, entre uma pessoa e seu descendente em linha reta do primeiro grau”; a filiação jurídica ou civil em que o vínculo paterno-filial é reconhecido pela lei; e a filiação socioafetiva que se trata da relação paterno-filial em que não existe o liame sanguíneo entre os pais e os filhos, pois se baseia no afeto como elemento coeso de união entre as pessoas. (FUJITA, 2011).
A filiação biológica, também chamada de consanguínea, é aquela que ocorre da simples procriação dos pais. Pereira (1997, p. 1) nos ensina que
“A filiação biológica é um fenômeno excepcionalmente complexo. Antes de tudo biológico, é examinado pelos cientistas como forma de perpetuação das espécies; é um fenômeno fisiológico, um objeto de indagações sociológicas e históricas, um capítulo de Higiene e da Eugenia. Pertence ao mundo físico e ao mundo moral (Dusi), exprime simplesmente o fato do nascimento e a situação de ser filho, e, num desenvolvimento semântico dentro da Ética, traduz um vínculo jurídico. Compreende simultaneamente o fato concreto da procriação e uma relação de direito”.
Ocorre que, dentre esta espécie de filiação, há de se destacar a filiação matrimonial e a extramatrimonial. A primeira é aquela que tem origem num casamento válido dos pais, mesmo que depois este venha a ser anulado ou nulo, declarado ou não putativo, os filhos havidos nessa constância serão considerados matrimoniais.
O segundo trata de pessoas que não querem se casar ou que estão impedidas, em razão do casamento anterior ou de parentesco próximo. Nesse caso, os filhos podem ser classificados em: naturais, que são aqueles descendentes de pais que não havia impedimento matrimonial algum, quando esses foram concebidos; e os espúrios, que são resultantes da união entre homem e mulher que havia impedimento matrimonial, dividindo-se estes, por sua vez, em adulterinos e incestuosos; os filhos adulterinos são nascidos de homem e mulher que não poderiam se casar, haja vista que possuíam algum parentesco civil ou afim; já os filhos incestuosos nascem da união de pessoas impedidas de casar-se em virtude do casamento anterior, ou seja, são resultados de uma traição. (FUJITA, 2011).
Na relação biológica natural, presume-se a veracidade da paternidade com o registro de nascimento, conforme alude o artigo 1.603 do Código Civil: “A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”. (BRASIL, 2002). O registro fará público o nascimento não podendo mais ser contestada a paternidade, visto que aquele que se apresenta como pai junto ao oficial do Registro Civil será considerado como, produzindo, inclusive, todos os efeitos legais perante o pai e o filho. Poderá ser inválido o registo apenas quando o pai incidir em erro ou falsidade. (art. 1.604, CC). (BRASIL, 2002).
Para Coelho (2012, p. 167),
“[…] na filiação biológica, os pais são os genitores; as pessoas identificadas como pai e mãe no registro de nascimento foram os fornecedores dos gametas empregados na concepção da pessoa, ocorrida in vitro ou in útero”.
Assim, a filiação biológica é decorrente da relação sexual dos pais, ou ainda pode ocorrer por reprodução assistida, sendo a chamada filiação biológica não natural. Na filiação biológica não natural, os gametas são fornecidos pelos contratantes do serviço, quais sejam, o pai e a mãe que desejam serem pais, não sendo possível o modo natural. São técnicas de interferência no processo natural, permitindo a geração de vida, por método artificial, científico ou técnico (FACHIN, 2012 apud DIAS, 2016). Deste modo, independentemente de ser natural ou fertilização assistida homóloga, o filho portará a herança genética dos pais identificados na sua certidão de nascimento. (FUJITA, 2011).
Nesse sentido, a relação biológica, consanguínea ou natural é aquela decorrente da reprodução humana natural que “[…] envolve uma relação sexual entre homem e mulher com a consequente concepção, não importando se a origem advém de dentro do matrimônio ou fora dele”. (FUJITA, 2011, p. 63). E, ainda, poderá decorrer de reprodução assistida, em que os pais, por métodos científicos ou artificiais, poderão conceber seus filhos, visto que a reprodução natural não seja eficiente a determinadas pessoas.
A filiação jurídica ou civil decorre de ato judicial pelo qual, observados os requisitos legais, estabelece-se o parentesco independentemente de laços consanguíneos ou afins, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dessa forma, a adoção se constitui como um vínculo de parentesco civil, em linha reta, determinado entre adotante e adotado, que define uma relação legal de paternidade e filiação civil. Esse tipo de filiação é definitivo e irrevogável, desligando do adotado os laços com os pais de sangue e criando verdadeiros laços de parentesco com a nova família, ou seja, o adotado e a família do adotante. (DINIZ, 2012). Ainda demonstra Coelho (2012, p. 181) que
“A adoção é processo judicial que importa a substituição da filiação de uma pessoa (adotado), tornando-a filha de outro homem, mulher ou casal (adotantes). Ela está regida, no direito positivo brasileiro, pela Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), quando o adotado tem até 12 anos de idade incompletos (criança) ou entre 12 e 18 anos de idade (adolescente) (CC, art. 1.618). Sendo maior de 18 anos o adotado, a doção dependerá da assistência efetiva do Poder Público e de sentença judicial, aplicando-se subsidiariamente o ECA (CC, art. 1.619)”.
Para Nogueira (2001), a adoção surgiu como um instituto objetivando dar herdeiros para aqueles que não podem ter filhos de origem natural. Hoje em dia, adotar significa perpetuar laços jurídicos de filiação, revelando muito mais do que simplesmente vínculos hereditários, mas sim a afetividade, pois essa relação familiar é estabelecida perante uma opção, uma escolha para a comunhão de vida, ideias e amor. Sobre a ação de adoção, explicam Maluf e Maluf (2013, p. 567) que
“[…] constitui uma ação de estado, uma vez que atribui status de filho e de pais às partes envolvidas no processo, desvinculando o adotado de todo e qualquer vínculo com sua família biológica, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais”.
Contudo, a adoção requer o cumprimento de determinados requisitos que estão definidos no Estatuto da Criança e Adolescente (arts. 39 a 42, 47 e 48), como segue:
“Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
Art. 40. O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.
Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”. (BRASIL, 1990).
Assim sendo, a adoção levará em conta, sempre, o interesse do menor, propiciando condições mais dignas e justas ao adotado, e independente dos conflitos relativos à sucessão e à herança, este terá os mesmos direitos e deveres do que os filhos consanguíneos. Ademais, apenas os maiores de 18 anos de idade podem adotar, não podendo adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. O vínculo de adoção sempre deve ser constituído por sentença judicial, isto é, deve ser assistido pelo poder judiciário. O adotado poderá conhecer sua origem genética tendo acesso ao processo, isso se, maior de 18 anos, ou se menor, assistido pela assistência jurídica e psicológica. (BRASIL, 1990).
Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um processo de adoção no Brasil leva em média um ano, dependendo do perfil da criança e de quem pretende adotá-la, pois as pessoas que pretendem adotar devem se submeter a um trâmite burocrático destinado a analisar se elas estão ou não aptas para a adoção; e, quando aptas, são inseridas no Cadastro Nacional de Adoção. (PAIANO, 2017).
Ademais, a adoção pode ser considerada: post mortem, à brasileira, ou intuiti personae. (PAIANO, 2017).
A adoção post mortem ou póstuma é aquela em que ocorre o falecimento do adotante no curso do processo de adoção, retroagindo os efeitos da sentença até a data do falecimento do adotante. Todavia, apenas a prova incontestável do de cujus em adotar, obtendo tratamento público e notório de como se filho seu fosse, já é concreto para reconhecimento da adoção.
A adoção à brasileira é aquela em que o pai se declara como se assim o fosse e registra a criança em seu nome; essa modalidade não tem amparo legal, pois se considera ilícito penal previsto no Código Penal, como segue:
“Art. 242 – Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão, de dois a seis anos”. (BRASIL, 1940).
Por sua vez, a adoção intuitu personae é aquela que ocorre quando os genitores entregam o filho para uma terceira pessoa, para que esta seja o novo genitor; trata-se de medida ilegal, pois o ato é realizado sem passar pelos trâmites legais, ou seja, a pessoa que vai ficar com a criança ou adolescente não está inscrita no Cadastro Nacional de Adoção. Todavia, levando-se em conta o melhor interesse do menor, atualmente, vários tribunais têm julgado procedente a ação desse tipo de adoção, que tem por primazia a valorização da afetividade, permitindo a regularização de uma adoção à princípio ilegal quando já comprovado a existência de forte vínculo afetivo consolidado entre adotante e adotado, e não havendo indícios de maus-tratos, negligência ou abuso. (SIMONASSI, 2018).
Entretanto, uma vez transitada em julgado a sentença de adoção, ela se tornará perfeita e acabada, não podendo se desfazer esse vínculo filial, e os efeitos jurídicos (nome, parentesco, alimentos e sucessão) dos filhos biológicos passam a ser os mesmos dos filhos adotivos.
A filiação socioafetiva é aquela pautada no afeto entre as pessoas, ou seja, pode decorrer de uma afeição entre um padrasto e o enteado, que assim deseja ser pai deste, do mesmo modo de uma madrasta que queira de fato ser mãe da pessoa escolhida, ou até mesmo pessoas aleatórias que encontram no outro afeto, carinho e amor, querendo, deste modo, ser pai, mãe, da mesma entidade familiar. O pai ou mãe afetivos são aqueles que desempenham papel, na vida do filho, de pai e mãe, como se assim o fosse. É como se fosse uma espécie de adoção de fato, pois esse pai e essa mãe darão abrigo, carinho, educação, amor e proteção. Caracteriza uma paternidade/maternidade que existe não pelo fato biológico ou por presunção legal, mas sim pela convivência afetiva. (BOEIRA, 2004).
Sendo assim, entende-se que a filiação socioafetiva pode ser entendida como aquela em que inexiste o vínculo sanguíneo entre pai/mãe e filho, a relação paterno-filial é baseada no afeto, construída no dia a dia, com cuidado, amor, carinho, proteção e todas as formas de afeição existentes. Contudo, para gerar efeitos jurídicos, depende de reconhecimento judicial.
1.3 FORMAS DE RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO
O reconhecimento da filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, conforme dispõe Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 27):
“O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”. (BRASIL, 1990).
Desse modo, quando nasce uma criança, faz-se necessário que o pai ou a mãe reconheça a pessoa nascida ou não na constância do casamento e providencie a inscrição do seu nome no Registro Civil, para que conste a filiação. Conforme Almeida (2008), sem o reconhecimento, embora indiscutível a relação biológica entre pai e filho, não ingressa ela no mundo jurídico, podendo o reconhecimento ser de forma voluntária, judicial ou automática.
O reconhecimento automático ocorre das relações advindas do casamento, por conta da presunção legal da filiação. Nesse caso, o termo de nascimento acontece quando os pais comparecem no cartório de Registro Civil, para declarar o nascimento da criança e registrar no livro de registro de nascimento. Se os pais forem casados, deverá comparecer pelo menos um dos cônjuges para providenciar o registro, apresentando a certidão de casamento atualizada. Assim, o filho nascido no casamento tem a presunção em lei de que ele é filho do marido da mãe. (PAIANO, 2017). Sendo assim, segundo o Código Civil (art. 1.600): “Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade”; pois mesmo que a mulher confesse a traição, a presunção de paternidade não é afastada de pronto, necessitando de maiores provas, como é o caso do exame de DNA.
O reconhecimento voluntário ocorre nos casos de filhos havidos fora do casamento, podendo se dar de forma conjunta ou separadamente pelos pais, conforme preceitua o Código Civil: “Art. 1.607. O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”. (BRASIL, 2002). Segundo Luz (2009), o reconhecimento do filho havido fora do casamento, denominado também de perfilhação, é o meio que estabelece juridicamente o parentesco entre pai e filho, sendo uma confissão, onde a lei admite que nos casos de filiação fora do casamento, o reconhecimento da filiação poderá ser efetuado por perfilhação, podendo ocorrer por registro de nascimento, por escritura pública ou particular, a ser arquivado em cartório; por testamento; por manifestação direta e expressa perante o Juiz, conforme narra o Código Civil (art. 1.609), como segue:
“Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I – no registro do nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes”. (BRASIL, 2002).
O reconhecimento por testamento é aquele em que o testador declara expressamente que certa pessoa é seu filho.
Já, o reconhecimento por escritura pública ou particular é válido, mesmo que não tenha a finalidade específica para tal ato, devendo-se ter firma reconhecida que de fato reconheceu o filho. O pai e mãe deverão comparecer no cartório do Tabelião de Notas, a escritura pública será lavrada por um tabelião, levando a certidão de nascimento. Depois de feito esse procedimento os pais serão encaminhados para o Cartório de Registro Civil onde a criança foi registrada. O documento é analisado pelo oficial de registro e expedido ao Fórum para o parecer do promotor de justiça, depois encaminhado ao juiz para a sua outorga, para que seja feita a averbação do reconhecimento de paternidade, expedindo nova certidão. (CARVALHO; YUNES, 2014).
Por sua vez, o reconhecimento por manifestação direta e expressa perante o juiz, mesmo que o objeto da demanda seja a averiguação de paternidade, isto porque o juiz possui fé pública, e, assim, simplificará o ato. Nesse sentido, o Código Civil (art. 1.614) dispõe que o filho maior não poderá ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor poderá impugnar o reconhecimento dentro dos 4 (quatro) anos que seguirem maioridade ou emancipação. (BRASIL, 2002). Assim, no reconhecimento voluntário, a anuência do reconhecido é necessária para o ato produzir os necessários efeitos jurídicos. Sobre a anuência do filho menor, Silva (2001, p. 37) ensina que
“Se o filho for menor de 21 anos, o reconhecimento não dependerá da sua anuência. É o que se extrai do art. 362 Código Civil O filho maior – diz tal artigo – não poderá ser reconhecido sem seu consentimento. Logo a lei permite o reconhecimento de filho menor de 21 anos sem a sua anuência. No entanto, abre o reconhecimento a possibilidade de impugnar judicialmente o reconhecimento feito pelo pai”.
Desse modo, o menor não poderá negar que o pai o reconheça, porém quando completar 18 anos terá até quatro anos para contestar e recorrer do reconhecimento.
O reconhecimento forçado ou judicial, nos dizeres de Silva (2001), é um ato legítimo do Estado e “[…] independentemente da vontade do pai, assim o Estado chama para si não só a tarefa de investigar a paternidade como também de declarar o réu pai do autor”. Esse tipo de reconhecimento decorre de uma ação de investigação de paternidade ou maternidade, tendo como autor o filho que quer o reconhecimento. Do mesmo modo, Pereira (2015, p. 45) afirma que
“Na ação de investigação de paternidade, a sentença declara o vínculo de parentesco e determina, ou não, a consequente alteração nos registros públicos de nascimento. A investigação de paternidade é gênero das espécies investigação de paternidade, investigação de maternidade e investigação de origem genética”.
Conforme o Código Civil (art. 1.616),
“A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento, mas poderá ordenar que o filho seja criado e educado fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade”. (BRASIL, 2002).
Assim, esta sentença tem efeito de reconhecimento voluntário, produzindo os mesmos efeitos.
Sendo assim, o filho nascido na constância do casamento possui o reconhecimento de forma automática, presumindo-se que é filho do marido da mulher. Contudo, o que nasce fora do casamento precisa ser reconhecido, ou por ato voluntário ou ato judicial. Portanto, analisa-se que existem diversas formas que visam proteger o filho, a fim de que este possa ter seus direitos jurídicos assegurados, tais como: nome, sucessão, alimentos e outros, possuindo para tanto um pai, ou uma mãe, sejam eles biológicos ou socioafetivos.
1.4 EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DA FILIAÇÃO
Os efeitos jurídicos decorrentes da filiação, independentemente da espécie, são os seguintes: nome de família, registro civil, guarda e visita, alimentos e direitos sucessórios.
Nome de família: Almeida (1989) afirma que o nome de família é o primeiro direito que resulta da condição de ser filho; trata-se de ato que estabelece o vínculo entre pai/mãe e filho, capaz de assegurar os demais direitos. Nesse sentido, o Código Civil preceitua que: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. (BRASIL, 2002). Assim, é um direito personalíssimo da pessoa, pois esta é uma das formas que a individualiza. Deste modo, depois de feito o reconhecimento voluntário ou forçado, insere-se o sobrenome do pai ao nome do filho. Desta feita, ensina Dias (2016, p. 129) que
“Cada vez mais a jurisprudência vem sendo sensível e admite a alteração do nome quando o registro não preserva o próprio direito à identidade. Assim possível é a supressão do sobrenome do pai registral, mediante prova do abandono. Também é possível a substituição pelo sobrenome do guardião”.
Registro civil: Pereira (1997, p. 250) leciona que
“Em relação ao aspecto público, o direito ao nome está sempre ligado a um dever, ou seja, o registro civil com uma obrigação que a lei impõe a todo indivíduo. Sob o aspecto individual, assegura a toda pessoa a faculdade de se identificar pelo seu próprio nome”.
Independentemente da espécie de filiação, o filho terá direitos inerentes ao nome do pai e da mãe, mediante o reconhecimento automático, voluntário ou judicial no registro do nascimento.
Guarda: Para Strenger (2006, p. 22), “[…] a guarda é o poder-dever submetido a um regime jurídico-legal, de modo a facultar, a quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daqueles que a lei considera nessa condição”. Trata-se de instituto que visa prestar assistência material, moral e educacional à criança e ao adolescente, regularizando a posse de fato. Na maioria dos casos, as melhores pessoas para desempenharem esse papel são o pai e a mãe, conjuntamente, visto que leva em consideração o melhor interesse da criança e do adolescente. Entretanto, segundo o Código Civil (art. 1.612), enquanto menor, o filho reconhecido ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu ou se ambos o reconheceram e não houver um acordo, ficará sob a guarda de quem melhor atender seus interesses. (BRASIL, 2002). No mesmo sentindo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 21) dispõe que
“O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”. (BRASIL, 1990).
Nessa linha de entendimento, Dias (2016, p. 460) afirma que
“Como os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (CF 226, § 5º), a autoridade parental cabe a ambos os genitores. Tanto a titularidade como o exercício do poder familiar se divide igualmente entre os pais (CC, 1.631). Durante o casamento (CC, 1.566, IV) e na vigência da união estável (CC, 1.724) ambos são detentores do poder familiar. Todas as prerrogativas decorrentes do poder familiar persistem mesmo quando do divórcio (CC, 1579) ou pela dissolução da união estável dos genitores. Em caso de divergência, qualquer um dos pais pode socorrer-se da autoridade judiciaria (CC, 1.631, parágrafo único)”.
Assim, a regra aplicada é que a guarda seja compartilhada entre ambos os genitores, em que esses devem ter igualdade na educação, no lazer, na assistência, dentre outros deveres, visando-se garantir uma convivência baseada no afeto, carinho e cuidados tanto com a mãe, quanto com o pai. Porém, a guarda será excepcionalmente atribuída a um só dos genitores, quando o outro expressamente manifesta seu desejo de não exercer a guarda, sendo a chamada guarda unilateral. Contudo, independentemente de a guarda ser atribuída a um terceiro, ser a criança e o adolescente inserido em uma família substituta ou, ainda, ocorrer a suspensão ou a extinção do poder familiar, os genitores têm a obrigação alimentar. (FUJITA, 2011).
Direito de visitas: Zannoni (2006) afirma que o direito de visitas é aquele que se estabelece para o genitor que não possui a guarda da criança e do adolescente, para que, deste modo, possa controlar sua educação, formação e assistir materialmente e moralmente seu filho, não o privando de ter um contato afetuoso com seu pai/mãe. Destaca-se que o direito de visitas não abrange apenas ao pai ou a mãe, ele se estende também às pessoas que possuem envolvimento com a criança e o adolescente, e guardam carinho e afeto para com este, como é o caso dos parentes (avós, tios, padrinhos de batismo, pai/mãe de criação e outros). Nesse sentido, a IV Jornada de Direito Civil (de 26 e 27 de outubro de 2006) aprovou o Enunciado n.º 333 que alude que “O direito de visita pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenham vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse”. (TRINDADE, 2018, p. 01). Dessa forma, o direito a visita, além dos pais, estende-se aos parentes que possuam relação de afeto com a criança e o adolescente.
Alimentos: O fundamento desta obrigação de prestar alimentos é o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade social e familiar. Trata-se de dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão do parentesco, do vínculo conjugal ou convencional que o liga ao alimentando. (RODRIGUES, 1980 apud DINIZ, 2012). Dias (2016) explica que os alimentos podem ser naturais, aqueles indispensáveis à subsistência (alimentação, vestuário, saúde, habitação, educação, etc.), ou civis, os destinados a manter a qualidade de vida do credor, preservando o mesmo padrão e status sociais do alimentante.
O Código Civil (art. 1.694) assim disciplina a questão dos alimentos:
“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Desse modo, os parentes, cônjuges, companheiros podem pedir alimentos quando necessitam, devendo ser proporcional à condição do alimentante e fixados na proporção da necessidade do alimentado. De acordo com Pereira (2009), toda pessoa que não tem condição de se manter não deve ser deixada a sorte até parecer pela falta de alimento. É dever da sociedade, por meio de seus órgãos, prover-lhe subsistência e proporcionar-lhe meios de sobrevivência. Ademais, conforme o Código Civil (arts. 1.695, 1.696, 1.697 e 1.698), os alimentos são devidos quando a pessoa não possui bens suficientes para se sustentar e a quem se reclama possui condições para fornecê-los. A prestação de alimentos é um direito dos pais para com os filhos na juventude, e dos filhos para com os pais na velhice; é uma forma de assistência recíproca, sendo que, na falta de ascendentes, o direito alimentício se estenderá aos descendentes, respeitando a ordem de sucessão, e, faltando estes, os irmãos sejam eles germanos ou unilaterais. Outrossim, se o parente que dever alimentos não tiver condições de sozinho fornecê-los, concorrerão com este, os de grau imediato, sendo, portanto, uma responsabilidade solidária. (BRASIL, 2002).
Desse modo, os alimentos são devidos tanto para os filhos menores quando da dissolução da sociedade conjugal, quanto para os filhos maiores, para o cônjuge ou companheiro, e para os idosos, sendo esta relação recíproca entre os envolvidos.
Direitos sucessórios: No direito sucessório, quando houver herdeiros necessários, o testador só poderá dispor de 50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio. Então, ocorre na ordem de vocação hereditária, em que primeiro se chamam os parentes mais próximos (filhos), depois se chamam os parentes em linha reta, ascendentes (pais); em seguida o cônjuge, como herdeiro necessário. Se por acaso não existir descendentes ou ascendentes, o cônjuge recebe a herança por direito próprio. (DIAS, 2016). E, por fim, os colaterais, que herdam se inexistirem outros herdeiros que antecedem na ordem de vocação hereditária. Assim, dispõe o art. 1.829 do Código Civil
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais”. (BRASIL, 2002).
Portanto, o filho menor ou maior (a depender do caso) possuirá os direitos sucessórios do pai ou da mãe, pois os direitos sucessórios são garantidos aos filhos sem discriminação, desde que reconhecidos, pois todos têm direito a receber a herança em igualdade, quer em relação aos pais ou aos parentes.
2. ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA MATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
A afetividade, como pressuposto jurídico fundamental ao novo Direito de família, nada mais é do que a expressão que vincula a autonomia da vontade de cada pessoa constituir sua família, gerando por consequência todos os efeitos vinculantes decorrentes. Essa vontade, para ser reconhecida, deve se sujeitar a pressupostos que o sistema jurídico impõe em toda e qualquer relação, como ensina Dias (2016, p. 110):
“A afetividade é o princípio que fundamenta o direito das famílias na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face das considerações de caráter patrimonial ou biológico. O termo affectio societatis, muito utilizado no direito empresarial, também pode ser utilizado no direito das famílias, como forma de expor a ideia da afeição entre duas pessoas para formar uma nova sociedade: a família. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família”.
Desse modo, o princípio da afetividade é norteador do Direito de família, sendo este baseado no afeto das pessoas. Esse afeto molda cada indivíduo em sua formação e desenvolvimento social, garantindo a dignidade e produzindo satisfação nos indivíduos. (TORRES, 2019). Neste alicerce, Pereira (2011, p. 194) entende que “[…] sem afeto não se pode dizer que há família. Ou, onde falta o afeto a família é uma desordem, ou mesmo uma desestrutura”. Logo, o afeto ganhou muito valor jurídico em todas as espécies de família, que configurado o carinho e amor, estes são suficientes para uma relação familiar plena, duradoura e feliz. (PESSANHA, 2011).
Nesse sentido, o afeto é de suma importância em todas as relações entre indivíduos, pois impulsiona as relações entre homem e mulher e entre pais e filhos; é o princípio da afetividade que embasa o reconhecimento das relações paterno-filiais, capaz de gerar os efeitos jurídicos decorrentes da filiação. Ora, a afetividade é primordial para as relações familiares, principalmente as decorrentes de relação paterno/materno-filial. Deste modo, nos ensina Fachin (2009, p. 317-318):
“[…] na transformação da família e de seu Direito, o transcurso apanha uma ‘comunidade de sangue’ e celebra, ao final deste século, a possibilidade de uma ‘comunidade de afeto’. Novos modos de definir o próprio Direito de Família. Direito esse não imune à família como refúgio afetivo, centro de intercâmbio pessoal e emanador da felicidade possível […]. Comunhão que valoriza o afeto, afeição que recoloca novo sangue para correr nas veias do renovado parentesco, informado pela substância de sua própria razão de ser e não apenas pelos vínculos formais ou consanguíneos. Tolerância que compreende o convívio de identidades, espectro cultural, sem supremacia desmedida, sem diferenças discriminatórias, sem aniquilamentos. Tolerância que supõe possibilidade e limites. Um tripé que, feito desenho, pode-se mostrar apto a abrir portas e escancarar novas questões. Eis, então, o direito ao refúgio afetivo”.
O reconhecimento do afeto nas relações familiares, como dever jurídico, veio através das transformações sociais que modificaram o Direito de família conhecido, fazendo com que novos conceitos nas relações de parentesco fossem criados, retratando o atual cenário, como é o caso do parentesco socioafetivo ou psicológico; paternidade/maternidade socioafetiva; filiação socioafetiva ou posse do estado de filho, todas caracterizando o vínculo afetivo existente na relação paterno-filial (DIAS, 2016; GAGLIANO, PAMPLONA, 2017 apud DAMIAN, 2019, p. 117). Nesta linha de pensamento, o Enunciado 339, IV da Jornada de Direito Civil de 2006 estabelece que “[…] a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho”. (JORNADAS, 2012, p. 56).
Cabe destacar que o Código Civil é omisso em relação à filiação socioafetiva, porém, por analogia ao artigo 1593 do referido diploma legal, pode-se extrair que: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. (BRASIL, 2002). Desta feita, segundo referido artigo, ao tratar do parentesco resultante de outra origem, abre-se margem para a filiação socioafetiva. Deste modo, nos ensina Damian (2019, p. 119):
“A verdade socioafetiva não é menos importante que a verdade biológica, pois a realidade jurídica da filiação não está somente fundamentada no vínculo biológico, mas também no vínculo afetivo, em que o afeto une pais e filhos, manifestando-se em sua subjetividade no grupo social e na família”.
Portanto, apesar de não conter expressamente nos diplomas constitucionais e infraconstitucionais, a filiação socioafetiva é uma forma de parentesco que vem ganhando seu espaço no direito de família contemporâneo. Assim, a filiação socioafetiva não decorre do nascimento, mas sim do ato voluntário ou involuntário de pessoas que se unem em família através do vínculo afetivo que pode se sobrepor e ser tão estável quanto à verdade biológica. (DAMIAN, 2019). Nesse seguimento, Coelho (2012, p. 179) afirma que:
“A filiação socioafetiva constitui-se pelo relacionamento entre um adulto e uma criança ou adolescente, que sob o ponto de vista das relações sociais e emocionais, em tudo se assemelha à de pai ou mãe e seu filho. Se um homem, mesmo sabendo não ser o genitor de criança ou adolescente, trata-o como se fosse seu filho, torna-se pai dele. Do mesmo modo, a mulher se torna mãe daquele de quem cuida como filho durante algum tempo”.
Dentre as questões que envolvem a filiação socioafetiva, destaca-se a prova da existência do afeto nas relações paterno-filiais, como explica Póvoas (2012, p. 30),
“O afeto deve permear as ações do dia a dia na relação familiar, de modo que ele se exterioriza pelo cuidado e zelo, pelas demonstrações espontâneas de carinho e cuidado. […] uma vez estabelecida a afetividade, basta que se prove que até o momento do início do litígio entre as partes, ela se manteve. Feita esta prova, não há como afastar a existência da aludida relação pelo fato de terem as partes iniciado uma ação judicial em lados opostos”.
No plano jurisprudencial, a filiação socioafetiva é aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo qual o reconhecimento de paternidade se reflete na existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos, sendo que a ausência de vínculo biológico é fato que, por si só, não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento, como segue:
“RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO. – Merece reforma o acórdão que, ao julgar embargos de declaração, impõe multa com amparo no art. 538, par. único, CPC se o recurso não apresenta caráter modificativo e se foi interposto com expressa finalidade de pre questionar. Inteligência da Súmula 98, STJ. – O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil. – O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação socioafetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai socioafetivo. A contrário sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica. Recurso conhecido e provido (STJ. Recurso Especial nº 878941DF 2006/0086284-0. Terceira Câmara. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em: 21/08/2007”. (BRASIL, 2007).
Desse modo, a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos deve ser demonstrada para que se reconheça a filiação socioafetiva. Destaca-se que a posse de estado é o exercício de fato representado pela aparência de um estado donde se presume sua existência, de tal forma que ela permite provar a filiação de afeto. (DELINSKI, 1997 apud NOGUEIRA, 2001). No caso da filiação socioafetiva, a posse do estado de filho abrange os atos das famílias que deixam evidente a existência do vínculo natural de filiação entre o filho, o pai e a mãe.
Brauner (2000, p. 205) aborda o instituto da posse do estado de filho, afirmando que
“A ideia de posse do estado de filho não é recente, mas contrariamente, ela é muito remota, pois antes que os países civilizados organizassem o sistema de registro de nascimentos, os elementos da realidade fática, ou seja, os fatos que demonstram o tratamento de um adulto dispensa à uma criança, os cuidados com o sustento e o afeto serviam para considerar a existência de um laço de filiação entre elas. A posse do estado de filho consistiria, então, num reconhecimento espontâneo de filiação, num relacionamento fático que faz transparecer tal vinculação biológica”.
Portanto, a posse do estado de filho possui maior significado quando se trata do instituto da filiação socioafetiva, pois constitui a forma de comprovação da relação de afeto entre o adulto e a criança ou o adolescente. Nesse sentido, “[…] a posse de estado de filho é um conjunto de fatos que estabelecem, por presunção, o reconhecimento da filiação do filho pela família a qual pretende pertencer”. (SANTOS, 1934, p. 381). Ademais, Nogueira (2001, p. 115) afirma que
“A posse do estado de filho é o um elemento decisivo para suplantar um sistema que, baseando-se na presunção da paternidade, através da pura aplicação da “pater in est”, impõe a muitas situações fáticas uma mentira jurídica em favor de um fingimento hipócrita para a manutenção da paz das famílias matrimonia lizadas”.
A posse do estado de filho para Rodrigues (2004, p. 292) “[…] consiste no desfrute público, por parte de alguém, daquela situação peculiar ao filho, tal o uso do nome familiar, o fato de ser tratado como filho pelos pretensos pais […]”.
“Posse de estado, prova por testemunhas. As provas mais diretas, quando não haja ou seja defeituoso o termo do nascimento, são a posse de estado de filho concebido na constância do casamento e a prova por testemunhas. Tal posse de estado de filho consiste no gozo do estado, da qualidade de filho havido da relação de casamento e das prerrogativas dela derivadas. Os antigos escritores exprimiam isso, concisamente, em três palavras, dizendo que são elementos necessários: Nomen: isto é, que o indivíduo use o nome da pessoa a que atribui a paternidade. Tractatus: que os pais o tratassem como filho, e nessa qualidade lhe tivessem dado educação, meios de subsistência etc. Fama: que o público o tivesse sempre como tal. Conforme a máxima Probatio incumbit ei qui agit, incumbe ao reclamante, que invoca a posse de estado, provar os fatos que a caracterizem. Tal prova pode ser testemunhal, ou por qualquer outro meio de prova admitido em direito”. (MIRANDA, 1971 apud PAIANO, 2017, p. 75).
Desta feita, o reconhecimento da filiação socioafetiva se fundamenta em elementos externos que traduzem os elementos internos, conhecidos por meio dos requisitos tractatio, reputatio e nominato ou nome, trato e fama, que configuram a posse de estado de filho.
O nominativo é quando o filho tem o sobrenome dos pais, sendo conhecido também como patronímico ou apelido de família, indicando que o alguém, ou seja, o filho é de fato filho de determinada pessoa e que faz parte da família a qual possui o nome. (CARVALHO, 2012). Assim, o nome de família é de suma importância para o reconhecimento das pessoas, vinculando a referência paterna ou materna e sendo utilizada nas relações sociais para diversos fins, que, segundo Pereira (1997, p. 171-174), “[…] pelo nome (sobrenome) que, grosso modo, se verifica sua filiação pela procedência familiar”. Porém, apesar de o nome ser um dos requisitos da posse do estado de filho, a doutrina entende que este elemento não é tão relevante quanto os demais elementos, haja vista que o filho quase sempre é chamado e identificado pelo prenome, ou seja, seu primeiro nome. (FONSECA, 1940 apud WELTER, 2003). E, ainda, dispõe Boeira (1999 apud DAMIAN, 2019, p. 122), que “[…] os doutrinadores entendem que referido elemento pode ser dispensável, quando os demais, trato e fama, estiverem presentes, pois, ainda que o filho nunca tenha usado o nome dos pais, a socioafetividade não se desconfigura”.
O elemento tractatus surge quando alguém é tratado como filho pelo pai e mãe, sendo por estes criado e educado. (FUJITA, 2011, p. 16). Ou seja, é o tratamento cotidiano que os pais dirigem aos filhos, protegendo, educando, sendo responsável, dando amor, carinho, alimentação, recebendo em troca as expressões de afeto, respeito e obediência. (CARVALHO, 2012). Sendo o tratamento um conceito variado entre pai/mãe e filhos, de modo que estes se relacionam de diversas maneiras, o simples fato de alegar que moram ou não juntos não é elemento configurador. (CARVALHO, 2012).
Nessa linha, ensina Fachin (1996, p. 29) que
“A inexistência de permanente coabitação não implica a dissolução da comunhão de vida. Por isso mesmo a verdade socioafetiva não se reduz à apreensão ou proximidade física. Daí porque a posse de estado de filho não se confunde com a mera aparência: quem apenas vê, a rigor pouco vê”.
O trato se refere a uma realidade objetiva construída por um conjunto de manifestações, de atos voluntários do pretenso pai, de natureza moral, econômica e social, em face do pretenso filho. (BOEIRA, 1999; SILVA, 1989, WELTER, 2003, apud DAMIAN, 2019).
A reputatio ou fama comprova o reconhecimento como filho, nos olhares da família e da sociedade, sendo, portanto, a publicidade de filho, conforme entendimento de Fujita (2011). Tal elemento origina-se do fato de o pai ou a mãe apresentarem a pessoa como filho (a) e este apresentar o adulto como pai ou mãe. Pimenta (1968, p. 164) esclarece que “[…] é a reputação de quem goza o dito filho, junto da generalidade das pessoas que o conhecem ou que pelo menos sabem da sua existência de ter por pai o investigado”.
Por fim, Damian (2019, p. 122) explica que
“[…] trata-se da exteriorização da filiação socioafetiva perante a sociedade, através da qual terceiros consideram o indivíduo como filho de determinada pessoa. Baseia-se em fatos concretos, a reputação deve ser contínua, na medida em que não servem de prova os fatos intermitentes, avulsos, sem concatenação e sequência lógica. Deste modo, avaliados, exclusivamente, no caso concreto, os elementos nome, trato e fama caracterizam o reconhecimento da posse de estado de filho”. (BOEIRA, 1999; WELTER, 2003, apud DAMIAN, 2019, p, 122).
Deste modo, a posse de estado de filho é elemento importante para estabelecer a paternidade, visto que o verdadeiro pai é aquele que cria, demonstrando no dia a dia a convivência harmoniosa entre a família, pela relação afetiva dos pais com os filhos e vice-versa, pelo exercício dos direitos e deveres que caracterizam o poder familiar para assegurar, proteger e zelar os filhos. (DAMIAN, 2019, p. 122-123).
Portanto, a noção que deve prevalecer nos casos de conflito de paternidade, quando a presunção jurídica não é suficiente para o convencimento ou quando os laços biológicos não demonstram com exatidão a verdadeira relação entre pais e filhos, visto que não há relação afetuosa entre esses, deve-se aplicar a posse do estado de filho, fundada nos laços de afeto, da demonstração de tratamento diário de cuidados, alimentação, educação, proteção e amor, o que será primordial para resolução do conflito. Desse modo, a posse do estado de filho está vinculada à filiação socioafetiva, em que o pai/mãe ou terceiro terá uma relação paterno-filial como se de fato, pai ou mãe e filhos o fossem. Trata-se de relação jurídica de afeto, comprovada pelo estado de filho afetivo, através da posse do estado de filho, como se filho seu fosse, capaz de gerar os efeitos jurídicos decorrentes.
Ademais, destaca-se que no ordenamento jurídico brasileiro, a filiação socioafetiva abrange as seguintes formas: filiação afetiva na adoção; filiação sociológica do filho de criação; filiação eudemonista por reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade/maternidade; filiação socioafetiva na adoção à brasileira (WELTER, 2003); e filiação por inseminação heteróloga. (DAMIAN, 2019).
A filiação afetiva na adoção ocorre de um processo judicial, em que, por conta da vontade das partes, dá-se o vínculo de socioafetividade. Assim, a adoção é um ato de vontade, em que prevalece o fator emocional, afetivo e não laços sanguíneos ou questões biológicas. Já, a filiação sociológica do filho de criação se verifica quando não há vínculos nem biológicos, nem jurídicos entre os pais e filhos; ou seja, ocorre quando terceiros cuidam do filho de outro como se fosse seu, responsabilizando-se por prover assistência moral, material e intelectual ao menor, tendo nascido do afeto esse relacionamento. Por sua vez, a filiação eudemonista no reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade se dá quando uma pessoa registra uma criança ou adolescente ou um adulto. Nesse caso, Fachin (1996, p. 124) afirma que “[…] aquele que toma o lugar dos pais, pratica, por assim dizer, uma adoção de fato, sendo que o pai jurídico tem o seu lugar ocupado pelo pai de fato”; ou seja, desta relação, a pessoa registrada possuirá um pai/mãe socioafetivo, e a esse ensejará todos os efeitos jurídicos, morais e patrimoniais. Ademais, a filiação socioafetiva na adoção à brasileira é aquela em que o pai/mãe se declara como se assim o fosse e registra a criança ou o adolescente em seu nome, mesmo não sendo seu filho; embora seja algo ilícito, deve-se levar em conta o interesse dos pais que registram essa criança ou adolescente, pois, apesar de ser uma conduta ilegal, a relação paterno-filial nasceu do afeto, do carinho e do amor, podendo o ilícito se reverter em posse de estado de filho, configurando a filiação socioafetiva. Por fim, segundo Damian (2019, p. 133), a filiação por inseminação heteróloga:
“[…] está prevista no Código Civil (Art. 1.597, V), pelo qual: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: […] V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido” (BRASIL, 2002). Trata-se da filiação em que o filho concebido resulta do sêmen de um doador que não o marido ou o companheiro, sendo imprescindível o expresso consentimento do parceiro; utiliza-se material genético alheio do doador anônimo, em banco de sêmen ou de óvulo; o consentimento do marido ou a vontade de ser pai faz nascer o vínculo da filiação socioafetiva; nesse caso, o pai vai criar e registrar a criança como seu filho, ainda que ausente o vínculo biológico. Os filhos oriundos de técnicas de fertilização assistida, terão os mesmos direitos da filiação biológica”. (CASSETTARI, 2017; MADALENO, 2017 apud DAMIAN, 2019, p. 133).
Desse modo, a socioafetividade deve ser analisada nos diversos tipos de filiação, para que havendo o seu reconhecimento sejam assegurados todos os efeitos jurídicos aplicáveis ao instituto da filiação. Nesse seguimento, destaca-se o entendimento de Dias (2016, p. 402), pelo qual “[…] a filiação socioafetiva corresponde à verdade construída pela convivência e assegura o direito à filiação”. Nessa linha de pensamento, o Enunciado n.º 6 do IBDFAM disciplina que “Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”. (IBDFAM, 2017).
Já existem entendimentos de que a filiação socioafetiva pode e deve ser reconhecida de pronto, visto que levará, primeiramente, o melhor interesse da criança e adolescente, e, na maioria dos casos, o afeto e carinho dessas relações sempre prevalecerá. Nesse sentido, afirma-se que a família moderna é socioafetiva, pois elevou o afeto a uma categoria jurídica, dados seus efeitos jurídicos, sendo um reconhecimento judicial de que o que liga duas pessoas e as faz crer que manterão esse vínculo por toda a vida é o amor. (SCALQUETTE, 2010 apud PAIANO, 2017).
Nesse sentido, Barboza (2013, p. 111) leciona que o reconhecimento da filiação socioafetiva precisa ser feito por sentença judicial para que tenha efeitos jurídicos, provando-se que o afeto existe no campo externo (socialmente evidenciado) e interno (afetividade). Sendo assim, o reconhecimento da filiação socioafetiva sempre ocorre com base no interesse do filho, se menor, regendo o princípio do melhor interesse da criança, e se maior, pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM encaminhou em 15 de junho de 2015 uma sugestão para padronizar o reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva perante os oficiais de Registro civil ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Destaca-se que, embora não haja previsão no Código Civil de 2002, em alguns Estados brasileiros (Pernambuco, Ceará, Maranhão, Amazonas e Santa Catarina) já é possível o reconhecimento voluntário na via extrajudicial. (PAIANO, 2017).
Ademais, destaca-se que em 14/08/2019, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento n.º 83, que altera o artigo 10 do Provimento n.º 63, de 14/11/2017, que passa a vigorar com a seguinte redação: “O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).
As transformações da sociedade influenciam os novos conceitos no Direito de família contemporâneo. Desse modo, assim como se reconhece a paternidade socioafetiva, também é possível se admitir a maternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Desta forma, a maternidade também pode se basear no afeto que a pessoa do filho possui para com a mulher, segundo os esclarecimentos de Cassettari (2017, p. 79),
“Tradicionalmente, no Direito de Família, sempre se aplicou a regra de que mater semper certa est, em que se reconhecia que a mãe sempre é certa. Porém, essa máxima perdeu relevância nos dias atuais em razão da técnica médica de gravidez de substituição, na qual nem sempre a mãe que dá à luz uma criança é a biológica, e, também, nos casos de troca de bebês em maternidades que, infelizmente, estão cada vez mais recorrentes em todo o mundo. Nesses dois casos, motiva-se a existência da ação declaratória de maternidade”.
Nessa mesma linha de entendimento, Falcão (2013, p. 861) ensina que o vínculo da socioafetividade está previsto na natureza do ser humano, quando este estabelece laços afetivos de relacionamento, sendo observados na convivência entre pais e filhos. Tem-se, portanto, a filiação socioafetiva quando um indivíduo assume o papel de pai ou mãe em relação a outro. Então, isso significa dizer que os mesmos fundamentos jurídicos que sustentam a consagração da paternidade socioafetiva são hígidos para sustentar a maternidade socioafetiva, desde que presente os seus requisitos. Não há como se ter conclusão distinta, visto que os dispositivos que tratam de modo distinto a paternidade e a maternidade não são óbices para tal reconhecimento. (CALDERÓN, 2017).
Nesse sentido, já entendeu o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ao admitir a maternidade socioafetiva quando há o reconhecimento público da relação e comprovado o tratamento como se filho fosse, apesar de não haver previsão legal, o indivíduo merece gozar de proteção, inclusive na esfera patrimonial, como expressão do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, como segue:
“APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. COMPROVAÇÃO DE RELAÇÃO MATERNO-FILIAL. TESTEMUNHOS UNÍSSONOS QUE AFIRMAM A EXISTÊNCIA DE RELACIONAMENTO AFETIVO E POSSE DO ESTADO DE FILHA, HÁ LONGA DATA, POR PARTE DA DEMANDANTE. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO REGISTRO CIVIL DA MÃE BIOLÓGICA. INCLUSÃO DA MÃE SOCIOAFETIVA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. Dispõe o artigo 333 do Código de Processo Civil (artigo 373 do NCPC) que incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito. Estando a alegação de maternidade socioafetiva devidamente comprovada mediante robusta prova testemunhal e documental, o pedido comporta guarida. Apesar de não previsto na legislação, o reconhecimento socioafetivo de filho insere-se na dinâmica social hodierna e, como tal, havendo reconhecimento público da relação e comprovado o tratamento como se filho fosse, o indivíduo merece gozar de proteção, inclusive na esfera patrimonial, como expressão do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF/88). O registro civil comporta a sua alteração, a fim de adequá-lo à realidade dos fatos e expressar, com fidelidade, a situação que se pretende atestar. Em sendo assim, em razão da dinâmica própria do Direito de Família e das questões sociais mais sensíveis, é admitida a inclusão de pessoa como mãe no cadastro, ainda que se mantenha a menção à genitora biológica (TJSC. Apelação n. 0002485-19.2011.8.24.0074, de Trombudo Central. Segunda Câmara de Direito Civil. Relator: Sebastião César Evangelista. Julgado em: 04/08/2016)”. (SANTA CATARINA, 2016a).
Neste diapasão, a maternidade socioafetiva exige os mesmos requisitos da paternidade, sendo ambos regidos pelo mesmo elemento caracterizador para constituição de família: o afeto. Assim, de grande valia se faz apresentar o disposto na doutrina, conforme leciona Madaleno (2011. p. 471).
“A paternidade e a maternidade têm um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor filial e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento cultivados durante a convivência com a criança e o adolescente”.
Neste sentido, o reconhecimento da maternidade socioafetiva é igualado ao da paternidade, sendo possível a decisão judicial, que, nos dizeres de Gagliano e Pamplona Filho (2017), se ingressará com ação de investigação da paternidade/maternidade socioafetiva, que mesmo sem possuir prova técnica, será apto a conceder decisão favorável ao reconhecimento da relação paterno-filial ou materno-filial socioafetiva, gerando efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais, atendendo o princípio da dignidade da pessoa humana e o maior interesse da criança e adolescente. Por outro lado, será possível, ainda, o reconhecimento espontâneo e livre praticado pelos pais socioafetivos. (DAMIAN, 2019, p. 126).
Dessa forma, o reconhecimento da maternidade socioafetiva, assim como a paternidade socioafetiva, gera todos os efeitos jurídicos decorrentes da filiação. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a maternidade socioafetiva em decorrência dos laços de afetividade desenvolvidos ao longo da vida entre mãe e filho, com a consequente alteração do registro civil de nascimento da autora, como segue:
“RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA – INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE EXTINGUIRAM O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, SOB O FUNDAMENTO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA. CONDIÇÕES DA AÇÃO – TEORIA DA ASSERÇÃO – PEDIDO QUE NÃO ENCONTRA VEDAÇÃO NO ORDENAMENTO PÁTRIO – POSSIBILIDADE JURÍDICA VERIFICADA EM TESE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Ação declaratória de maternidade ajuizada com base com os laços de afetividade desenvolvidos ao longo da vida (desde os dois dias de idade até o óbito da genitora) com a mãe socioafetiva, visando ao reconhecimento do vínculo de afeto e da maternidade, com a consequente alteração do registro civil de nascimento da autora. 1. O Tribunal de origem julgou antecipadamente a lide, extinguindo o feito, sem resolução do mérito, por ausência de uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido. 1.1. No exame das condições da ação, considera-se juridicamente impossível o pedido, quando este for manifestamente inadmissível, em abstrato, pelo ordenamento jurídico. Para se falar em impossibilidade jurídica do pedido, como condição da ação, deve haver vedação legal expressa ao pleito da autora. 2. Não há óbice legal ao pedido de reconhecimento de maternidade com base na socioafetividade. O ordenamento jurídico brasileiro tem reconhecido as relações socioafetivas quando se trata de estado de filiação. 2.1. A discussão relacionada à admissibilidade da maternidade socioafetiva, por diversas vezes, chegou à apreciação desta Corte, oportunidade em que restou demonstrado ser o pedido juridicamente possível e, portanto, passível de análise pelo Poder Judiciário, quando proposto o debate pelos litigantes. 3. In casu, procede a alegada ofensa ao disposto no inciso VI do artigo 267 do Código de Processo Civil e ao artigo 1.593 do Código Civil, visto que o Tribunal de origem considerou ausente uma das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido), quando, na verdade, o pedido constante da inicial é plenamente possível, impondo-se a determinação de prosseguimento da demanda. 4. Recurso especial PROVIDO, para, reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, de modo a viabilizar a constituição da relação jurídica processual e instrução probatória, tal como requerido pela parte. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Presidente) e o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 22 de outubro de 2015 (Data do Julgamento) MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI Presidente. MINISTRO MARCO BUZZI, Relator (STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.291.357 RELATOR: MINISTRO MARCO BUZZI . Julgado em: 2017)”. (BRASIL, 2017).
No mesmo sentido, entende o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que a fixação de alimentos para o pai socioafetivo também é medida aceitável, ao passo de que nada exclui sua responsabilidade mesmo que a criança seja registrada também com o nome do pai biológico, pois, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos, como segue:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS. DEMANDA AJUIZADA CONTRA A GENITORA E O PAI SOCIOAFETIVO. PROVA PERICIAL (EXAME DE DNA). PATERNIDADE BIOLÓGICA DO AUTOR COMPROVADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MAGISTRADO QUE ENTENDEU PELA PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO DO DEMANDANTE. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE. VIABILIDADE. RECONHECIMENTO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO DA DUPLA PARENTALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL PARA CONSTAR O NOME DO PAI BIOLÓGICO COM A MANUTENÇÃO DO PAI SOCIOAFETIVO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO QUE NÃO EXCLUI O BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE DE COEXISTÊNCIA DE AMBOS. PREVALÊNCIA INTERESSE DA CRIANÇA. TESE FIRMADA EM REPERCUSSÃO GERAL. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS A PEDIDO DO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. “A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos” (STF, RE n. 898.060/SP. Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.9.2016 ) (TJSC. Apelação Cível n. 0302674-93.2015.8.24.0037, de Joaçaba. Terceira Câmara de Direito Civil. Relator: Saul Steil. Julgado em: 17/04/2018)”. (SANTA CATARINA, 2018a).
Ainda, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina manifestou entendimento citando os ensinamentos de Paulo Luiz Netto Lobo, pelos quais a relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é desconhecido pelo Direito. Se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica, motivo em que, mesmo criando e possuindo laços de afeto com a criança/adolescente, são fatores essenciais para reconhecimento da filiação socioafetiva, como segue:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM PEDIDO DE ADOÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM FAVOR DO PAI AFETIVO, QUE CRIOU A FILHA DE SUA ESPOSA, FRUTO DE UMA RELAÇÃO EXTRACONJUGAL, DESDE O NASCIMENTO DA MENOR (EM 1997) E A MANTÉM NO SEIO FAMILIAR, CONSTITUÍDO PELO CASAL E MAIS TRÊS FILHOS. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL, DECLARANDO A INFANTE COMO FILHA LEGÍTIMA DO ORA RÉU, PAI BIOLÓGICO, INSUBSISTENTE. AUTOR E FILHA SOCIOAFETIVA RECOLOCADOS À SITUAÇÃO LEGAL JUSTA, BASEADA EM FATO CONCRETIZADO, QUE NÃO MERECIA TER SOFRIDO ALTERAÇÃO NA ESFERA DO DIREITO. PREVALÊNCIA DA RELAÇÃO BASEADA NO AMOR, NA SOLIDARIEDADE E NO SENTIMENTO PURO DE ACEITAÇÃO RECÍPROCA.
Doutrina do professor Paulo Luiz Netto Lobo ensina que
“[…] O estado de filiação desligou-se da origem biológica e de seu consectário, a legitimidade, para assumir dimensão mais ampla que abranja aquela e qualquer outra origem. Em outras palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a filiação não biológica.
[…] Na realidade da vida, o estado de filiação de cada pessoa humana é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos. Portanto, não pode haver conflito com outro que ainda não se constituiu.
[…] Os estados de filiação não-biológica […] são irreversíveis e invioláveis, não podendo ser contraditados por investigação de paternidade ou maternidade, com fundamento na origem biológica, que apenas poderá ser objeto de pretensão e ação com fins de tutela de direito da personalidade.
[…] O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue.
[…] O pai biológico não tem ação contra o pai não-biológico, marido da mãe, para impugnar sua paternidade. Apenas o marido pode impugnar a paternidade quando a constatação da origem genética diferente da sua provocar a ruptura da relação paternidade-filiação. Se, apesar desse fato, forem mais fortes a paternidade afetiva e o melhor interesse do filho, enquanto menor, nenhuma pessoa ou mesmo o Estado poderão impugná-la para fazer valer a paternidade biológica, sem quebra da ordem constitucional e do sistema do Código Civil.
[…] O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram. […]” (TJSC – APC 2008.018013-7, de Blumenau (Vara da Infância e Juventude, Quarta Câmara de Direito Civil, Relator Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. 05/05/2011)”. (SANTA CATARINA, 2011a).
Considerando-se que os filhos socioafetivos são verdadeiramente filhos, não se permitindo quaisquer distinções entre eles, entende-se que os mesmos têm direito aos alimentos, bem como a todos os direitos inerentes aos filhos, tais como, guarda, visitas, hereditários, entre outros. (SILVA, 2014).
Nesse sentido dispõe o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina sobre guarda reconhecendo o direito à mãe socioafetiva, como segue:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. DECISÃO QUE POSTERGOU A ANÁLISE DO PLEITO LIMINAR DE FIXAÇÃO DA GUARDA PROVISÓRIA. RECURSO DA DEMANDANTE. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO INVOCADO. FILIAÇÃO RECONHECIDA EM ACORDO CELEBRADO EM AUDIÊNCIA. PERIGO DE DANO. CRIANÇA AFASTADA DO CONVÍVIO MATERNO. IMPOSSIBILIDADE, PORÉM, DE APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA COM A BREVIDADE POSSÍVEL PELO MAGISTRADO A QUO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (TJSC. Agravo de Instrumento nº 40056782120198240000/Araranguá. Primeira Câmara de Direito Civil. Relator: Raulino Jacó Bruning Julgado em: 13/06/2019)”. (SANTA CATARINA, 2019b).
Nessa lógica, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais manifestou entendimento esclarecendo que, de acordo com a legislação civil, a filiação socioafetiva constitui umas das modalidades de parentesco civil (artigo 1.583, CC), sendo vedado qualquer tipo de discriminação decorrente desta relação (artigo 1.582, CC2), sejam eles de caráter moral ou patrimonial. Então, a paternidade engloba diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação, como seguem:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO- DIREITO DE FAMÍLIA- DIREITO SUCESSÓRIO- AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO/ PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM- RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA- VEDAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO MORAL OU PATRIMONIAL- ASSEGURAÇÃO DOS DIREITOS HEREDITÁRIOS DECORRENTES DA EVENTUAL COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE FILIAÇÃO- REGRA GERAL: RESERVA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO- EXCEÇÃO: MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL NA FORMA DE PARTILHA DE BENS- RESPEITO À ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.- De acordo com a legislação civil, a filiação socioafetiva constitui umas das modalidades de parentesco civil ( artigo 1.583 do CC/02), sendo vedado qualquer tipo de discriminação decorrente desta relação (artigo 1.582 do CC/02), sejam eles de caráter moral ou patrimonial- Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a paternidade engloba diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação (REsp, 1618230/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BOAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 10/05/2017)- Em regra, a determinação de reserva de quinhão se mostra medida suficientemente apta a resguardar os interesses dos pretensos herdeiros até a resolução definitiva da ação na qual se discute o reconhecimento dos estado de filiação (2º, do artigo 628 do CPC/15)- Nas hipóteses em que, excepcionalmente, o reconhecimento da filiação socioafetiva implicar, por força da ordem de vocação hereditária (artigo, 1.829 do CC/02), substancial modificação na forma da partilha dos bens, é recomendada a suspensão do inventário em curso (alínea a, do inciso V, do artigo 313 do CPC/15) – No caso, com o eventual acolhimento da pretensão deduzida pelo pretenso filho socioafetivo, a ordem de vocação hereditária será substancialmente alterada, irradiando afeitos sobre o desfecho patrimonial do inventário, já que o autor da herança o teria como único herdeiro (inciso I, do artigo 1.829, do CC/02), o que autoriza a suspensão do processo de inventário (TJMG- Agravo de Instrumento nº 10024143396489001. Relator: Ana Paula Caixeta. Julgado em: 10/04/2018)”. (MINAS GERAIS, 2018b).
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que o direito de visita não pode ser abrigado só em razão de vínculo parental biológico, mas do inequívoco vínculo parental socioafetivo entre a autora e a criança, já reconhecido, como segue:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE ACORDO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MÃE SOCIOAFETIVA. CUMPRIMENTO DAS VISITAS. MENOR. MANUTENÇÃO. O direito de visitação não pode ser abrigado só em razão do acordo judicial, pois decorre, em verdade, não de vínculo parental biológico, mas do (inequívoco) vínculo parental socioafetivo entre a autora e a criança, já reconhecido, aliás, no agrado de instrumento que fixou as visitas, antes do pacto judicial. Ademais, não há, nos autos, comprovação de que o convívio entre o infante e a autora possa trazer prejuízo ao menor, pois, embora determinada a avaliação psicológica, e nomeada profissional, a demandada deixou de efetuar o pagamento. Nesse contexto, não havendo, no feito, comprovação de resistência do menor quanto ao convívio com a autora, e nem mesmo que este convívio possa trazer prejuízo ao infante, e apenas resistência da mãe biológica, após a separação da companheira, em manter a visitação ao infante, não há como ser obstaculizada a visitação avençada (TJRS. AC nº 70057350092 RS. Sétima Câmara Cível. Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em: 11/06/2014)”. (RIO GRANDE DO SUL, 2014).
Por outro lado, há de se destacar as decisões contrárias ao reconhecimento dos efeitos jurídicos decorrentes da relação materno-filial. Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul não reconheceu a maternidade socioafetiva por entender que a mera convivência e afeto nutrido pela falecida ao autor, por ser filho do seu companheiro, não caracteriza posse de estado de filho, como segue:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA. A relação jurídica de filiação decorre ou de vínculo biológico, ou do liame socioafetivo, resultando este da posse do estado de filho. O reconhecimento da maternidade/ paternidade socioafetiva deve vir acompanhada de elemento anímico. Não havendo liame biológico, não se pode imputar paternidade a quem assim não deseja. A mera convivência e afeto nutrido pela falecida ao autor, por ser filho do seu companheiro, não caracteriza posse de estado de filho, mormente havendo controvérsia na prova (TJRS.).” (RIO GRANDE DO SUL, 2011b).
Quanto aos alimentos na maternidade socioafetiva, Ribeiro (2014) esclarece que o pai ou mãe afim não estão obrigados a custear as despesas de sustento e manutenção de filhos que não são seus e que vivem em seu lar. Porém, a comunidade de vida complica singularmente as relações alimentares de maneira que o pai ou mãe afim jamais será poupado. A coabitação, por si só, não faz nascer uma vocação alimentar entre os membros de um mesmo lar, pois o legislador limitou as pessoas reciprocamente obrigadas a isto. De uma maneira geral, somente uma relação de parentesco ou de aliança instaura entre os interessados um direito aos alimentos. (GRISARD, 2010). Assim, alude o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pelo qual os dados de convicção carreados aos autos até o momento não são suficientes para comprovar a posse de estado de filho, o que também não têm força para que sejam fixados alimentos, como segue:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS FIXADOS À FILHA DA EX-COMPANHEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. A alegação da existência de paternidade socioafetiva reclama prova cabal da posse de estado de filho. Os dados de convicção carreados aos autos até o momento não têm força suficiente para que sejam fixados alimentos. RECURSO PROVIDO LIMINARMENTE (TJRS. Agravo de Instrumento nº 70056727092/RS. Sétima Câmara Cível. Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro. 30/09/2013). (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
No que tange ao direito sucessório, destaca-se o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que não reconheceu a maternidade socioafetiva e o direito à sucessão, pois o fato de a recorrente estar reclamando o reconhecimento da maternidade socioafetiva, por ter sido criada pela de cujus, não lhe confere capacidade, como segue:
“INVENTÁRIO. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE SUCESSÓRIA. EXISTÊNCIA DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PEDIDOS DE SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA QUE HOMOLOGOU O PLANO DE PARTILHA. E DE REMESSA DE OFÍCIO AO REGISTRO DE IMÓVEIS. TUTELA ANTECIPADA. DESCABIMENTO. 1. A capacidade sucessória decorre da relação de parentesco ou de disposição testamentária, inexistindo outro título juridicamente válido de vocação hereditária. 2. O fato de a recorrente estar reclamando o reconhecimento da maternidade socioafetiva, por ter sido criada pela de cujus, não lhe confere capacidade (TJRS. Agravo de Instrumento nº 70048163414 RS. Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em: 25/072012)”. (RIO GRANDE DO SUL, 2012).
Em outra decisão, também o mesmo Tribunal não reconheceu o vínculo socioafetivo em adoção póstuma, por falta de provas quanto à posse do estado de pai/mãe, como segue:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE AFETIVA CUMULADA COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL, PETIÇÃO DE HERANÇA E PEDIDO CAUTELAR DE RESERVA DE QUINHÃO. JUÍZO DA ORIGEM QUE JULGA IMPROCEDENTES OS PEDIDOS CONTIDOS NA EXORDIAL. INSURGÊNCIA DA AUTORA. ADOÇÃO PÓSTUMA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO POR MEIO DA COMPROVAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, AINDA QUE NÃO AJUIZADO O PROCEDIMENTO EM VIDA PELOS ADOTANTES. […]excepcionalmente, utiliza-se do vínculo socioafetivo para reconhecer a adoção póstuma, onde aqui deverá estar comprovada a posse do estado de pai/mãe, para que haja seu reconhecimento. Isso porque, por mais que se empreste, efeitos jurídicos à socioafetividade, há de se ter prudência ao fixar os limites de seu alcance. TERMO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE DA AUTORA OBTIDO PERANTE O JUIZ DE MENORES DA COMARCA DE LAGES NO ANO DE 1959, QUANDO A DEMANDANTE CONTAVA COM QUASE QUATRO ANOS DE IDADE. CIÊNCIA DA DEMANDANTE DE QUE NÃO ERA FILHA BIOLÓGICA, POIS SEMPRE UTILIZOU-SE DO NOME DA FAMÍLIA DE ORIGEM. PRESENÇA DA MÃE BIOLÓGICA EM SEU CASAMENTO EM 1976, AOS VINTE ANOS DE IDADE, E CONTATO, AINDA QUE ESPORÁDICO, COM ESTA, ATÉ QUANDO FALECEU EM 1987. FALECIMENTO DOS PRETENSOS ADOTANTES, ELE COM 75 E ELA COM 88 ANOS DE IDADE, SEM EXTERNAREM EM VIDA SEU INTERESSE EM FORMALIZAR A ADOÇÃO E RECONHECER A AUTORA COMO FILHA PARA TODOS OS DIREITOS. CASAL QUE TINHA BOM NÍVEL CULTURAL E ECONÔMICO, NÃO LHE FALTANDO DISCERNIMENTO À EVENTUAL FORMALIZAÇÃO DA ADOÇÃO. DOAÇÃO FEITA EM VIDA PARA A APELANTE E APELADO EM FRAÇÕES DIFERENCIADAS. DISTINÇÃO ENTRE O FILHO BIOLÓGICO E A “FILHA DE CRIAÇÃO”, AINDA QUE HAJA RELATOS DE TRATAMENTO AFETIVO SIMILAR. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE NÃO SE PRESTA À FORMAÇÃO DE UM JUÍZO SEGURO DE CONVENCIMENTO EM RELAÇÃO A INTENÇÃO DE ADOTAR. Recurso conhecido e Desprovido (TJRS. AC nº 20160132313. Quinta Câmara de Direito Civil. Relator: Rosane Portella Wolff. Julgado em: 11/04/2016”. (RIO GRANDE DO SUL, 2016b).
Desta feita, foram apresentadas decisões favoráveis e desfavoráveis ao reconhecimento da maternidade socioafetiva e seus efeitos jurídicos decorrentes da filiação. Por isso, a maternidade socioafetiva atualmente é um tema de suma relevância, sendo cada vez mais conhecido pelos tribunais, pois dela decorrem os mesmos efeitos jurídicos da paternidade socioafetiva.
CONCLUSÃO
O objetivo geral desse artigo é analisar os elementos que possibilitam o reconhecimento da maternidade socioafetiva e os efeitos jurídicos morais e patrimoniais decorrentes dessa relação materno-filial.
O Direito de família foi influenciado pelas transformações da sociedade ao longo do tempo, e, desse modo, o conceito de família evoluiu, passando daquele em que o significado de família era baseado na união indissolúvel dos pais (casamento), havendo as desigualdades entre os filhos dessa união e os filhos havidos fora deste casamento, e, agora, abrange seu conceito, estendendo-se para não apenas os filhos consanguíneos, mas também os filhos de parentesco civil e filhos de relação
O princípio de maior relevância para este estudo é o princípio da afetividade, pautado no afeto existente entre as relações familiares, sendo capaz de criar laços rígidos e indissolúveis de carinho, amor, uma verdadeira relação de pai/mãe e filho.
Assim como o direito de família, o instituto da filiação passou por muitas mudanças ao longo da história, sendo que hoje independe de o filho ser ou não da constância do casamento, ser o filho adotivo ou filho surgido da relação paterno-filial baseada no afeto, terão todos os mesmos direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Desta feita, a filiação pode ser consanguínea, por adoção ou filiação socioafetiva, possuindo ambos, os mesmos direitos relativos a nome, alimentos, registro, guarda, sucessão e todos os outros direitos relativos à moral e patrimônio, não havendo qualquer diferenciação ou desigualdades entre os filhos, possuindo inclusive previsão legal para tanto.
Por sua vez, o reconhecimento do filho pode se dar de forma automática, quando existe a presunção legal da filiação, nos casos de casamento; o reconhecimento voluntário, ocorrendo nos casos de filhos havidos fora do casamento; o reconhecimento por testamento ou por escritura pública ou particular também são formas de reconhecimento dos filhos; o reconhecimento forçado, em que é determinado judicialmente que o suposto pai faça prova de ser ou não pai do filho (teste de paternidade); por fim, o reconhecimento por manifestação direta e expressa perante o juiz, fato em que a simples presença e concordância do pai perante o juiz, já o faz declarar como se pai o fosse, não necessitando de meios probatórios como é o caso do reconhecimento forçado.
Nesse sentido, não se levando em consideração o tipo de família e nem mesmo a espécie de filiação, os filhos, em distinção, terão assegurados todos os efeitos jurídicos decorrentes dessa filiação, como: alimentos, visitas, guarda, registro civil, sucessão e outros.
A filiação socioafetiva nada mais é do que a relação paterna/materna com o filho baseada no afeto, carinho e amor com que estes possuem por aqueles e vice e versa. Essa relação pressupõe os mesmos efeitos jurídicos de qualquer outra espécie de filiação, motivo este pelo qual aos filhos socioafetivos recaem os mesmos direitos e deveres aos filhos consanguíneos e adotivos. O reconhecimento da filiação socioafetiva se fundamenta em elementos externos que traduzem os elementos internos, conhecidos por meio dos requisitos tractatio, reputatio e nominato ou nome, trato e fama, que configuram a posse de estado de filho.
Destaca-se que os entendimentos dos tribunais são uníssonos ao reconhecer a paternidade/maternidade socioafetiva como entidade familiar e espécie de filiação, analisando-se o caso concreto e observando-se a relação existe entre os membros da relação, todavia, há também entendimentos jurisprudenciais desfavoráveis, pois a mera convivência de algum dos membros não configura a filiação socioafetiva, não preenchendo nem se quer os requisitos da posse do estado de filho.
Desta feita, no que tange a maternidade socioafetiva, esta é plenamente aceitável, de modo que todos os requisitos e especificações para o reconhecimento da paternidade se estendem para o reconhecimento da maternidade socioafetiva, divergindo apenas no gênero da pessoa.
Ante o exposto, confirma-se a hipótese desse trabalho, pela qual, dentre os elementos estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, é verificado que o instituto da filiação poderá abranger a filiação socioafetiva, modo pelo qual a relação parentesco se dá pela afeição, convivência com os cônjuges, ou apenas um deles, possibilitando, deste modo, o reconhecimento da maternidade socioafetiva, e, diante dela, reproduzir ao filho socioafetivo todos os direitos jurídicos morais e patrimoniais inerentes aos filhos.
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[II] RECURSO ESPECIAL N.º 1.291.357
[III] APELAÇÃO CÍVEL N.º 70079187779
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