Resumo: Trata-se da análise e importância do mecanismo mais utilizado no combate aos cartéis no Brasil: o Acordo de Leniência. Além de ser um instrumento potencialmente eficaz, poupa o Estado de gastos com custos operacionais para a detecção dessas práticas.
Palavras chave: Combate aos cartéis. Acordo de leniência. Consumidor.
Abstract: This is the analysis and importance of the mechanism most used in the fight against cartels in Brazil: the Leniency Agreement. In addition to being a potentially effective instrument, it saves the state from operating costs for detecting such practices.
Keywords: Fight against cartels. Leniency agreement. Consumer.
Sumário: Introdução. 1. Cartel. 1.1. Breve histórico do Direito concorrencial. 1.2. Surgimento. 1.3. Pressupostos para formação de cartel. 2. Acordo de Leniência. 2.1. Surgimento. 2.2. Jurisprudência americana. 2.3. Primeiro caso de leniência no Brasil. 2.4. Registro mais recente. 2.5. Requisitos para concessão. 2.6. Benefícios do Programa de Leniência. 2.7. Procedimento para concessão. 2.8. “Leniência Plus”. 3. Efetividade do Acordo de Leniência. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A Constituição da República de 1988 preocupou-se expressamente em estabelecer os princípios gerais da ordem econômica, por meio do art. 170, baseando-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, para assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Além disso, a Constituição salvaguardou a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica no inciso V do mesmo artigo, bem como a elencou no rol dos direitos e garantias individuais e coletivos – art. 5º, XXXII.
Em 11 de junho de 1994, promulgou-se a Lei nº 8.884, que criou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC –, tendo por objetivo a promoção de uma economia competitiva, por meio da prevenção e da repressão de ações que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência no Brasil e por fundamento os ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. (BRASIL. Ministério da Justiça. O que é o SBDC?)
De acordo com a lei, o SBDC é composto pela Secretaria de Defesa Econômica – SDE –, órgão do Ministério da Justiça, pela Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE –, órgão do Ministério da Fazenda, e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE –, autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça. (BRASIL. Ministério da Justiça. O que é o SBDC?)
A SDE é o órgão responsável por instruir a análise concorrencial dos atos de concentração econômica (fusões, aquisições, etc.), bem como investigar infrações à ordem econômica. (BRASIL. Ministério da Justiça. O que é o SBDC?)
A SEAE, por sua vez, é responsável por emitir pareceres econômicos em atos de concentração, investigar condutas para oferecer representação à SDE, bem como elaborar facultativamente pareceres em investigações sobre condutas anticoncorrenciais. (BRASIL. Ministério da Justiça. O que é o SBDC?)
Por fim, o CADE é responsável pela decisão final, na esfera administrativa, dos processos iniciados pela SDE ou SEAE. Assim, após receber os pareceres da SDE e SEAE, que não são vinculativos, o CADE tem a tarefa de julgar tanto os processos administrativos que tratam de condutas anticoncorrenciais quanto às análises de atos de concentração econômica. (BRASIL. Ministério da Justiça. O que é o SBDC?)
Entretanto, a estrutura do SBDC foi alterada pela Lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011, segundo o qual será formado pelo CADE e pela SEAE, sendo que aquele, conforme art. 5º da Lei, é constituído por três órgãos:
a) Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, o qual exercerá as funções atribuídas ao CADE na lei anterior;
b) Superintendência-Geral, a qual exercerá as funções da SDE na lei anterior; e
c) Departamento de Estudos Econômicos, o qual realizará estudos e pareceres econômicos, a fim de zelar pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do órgão.
Para dar efetividade no combate às condutas anticompetitivas, especialmente no desestímulo à formação de cartel, o Estado elencou três mecanismos de combate a esta conduta ilícita: as medidas preventivas, elencadas no art. 84, o Termo de Compromisso de Cessação, disposto no art. 85, e o Acordo de Leniência, fixado nos arts. 86 e 87.
Buscar-se-á, nesta análise, demonstrar a aplicabilidade e importância do Acordo de Leniência, o mecanismo de combate a cartéis mais utilizado no Brasil.
1. O CARTEL
A formação de cartéis está prevista no art. 36, parágrafo 3º, inciso I, alínea “a”, da Lei no 12.529/2011, tratando de um acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, fixar preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação. O objetivo é, por meio da ação coordenada entre concorrentes, eliminar a concorrência, com o consequente aumento de preços e redução de bem-estar para o consumidor. (BRASIL. Ministério da Justiça. Cartel)
Para Forgioni, os cartéis podem ser definidos como sendo os acordos celebrados entre empresas concorrentes, em mercado relevante geográfico e material, que visam regular ou neutralizar a concorrência existente entre elas. (FORGIONI, 2008, p. 398)
Gico Júnior acrescenta que cartel é o resultado de um acordo entre concorrentes, com alta participação agregada de mercado, sobre variáveis concorrencialmente relevantes no intuito de elevar preços e lucros próximos ao nível monopolístico. (JÚNIOR, 2007, p. 170)
Na visão de João Bosco Leopoldino da Fonseca, os cartéis são um acordo entre empresas concorrentes, para reduzir sua produção, para acordar a respeito de níveis, ou para vender a um preço ajustado entre elas. (FONSECA, 2008)
A Resolução do CADE no 20, de 9 de junho de 1999, define cartéis como “acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio”.
Neste ínterim, a Secretaria de Direito Econômico – SDE – complementa que a finalidade do cartel é eliminar a concorrência por meio da ação coordenada entre os participantes, com a consequente redução do bem estar para os consumidores.
1.1. Breve histórico do Direito concorrencial
Na antiguidade, segundo Isabel Vaz, a concentração da atividade no comércio funcionou como uma força de atração, promovendo a delimitação de um campo bem definido para o fenômeno concorrencial. (VAZ, 1993, p. 53)
Inicialmente, o Direito Comercial regulamentava tal fenômeno, porém, a concorrência reclamou por uma disciplina jurídica própria, uma vez que o Direito comercial não lhe impunha limites. Dessa maneira, o Direito constitucional estabeleceu os princípios, garantias e limites concorrenciais.
O Direito econômico surge como a disciplina mais adequada à fixação das diretrizes do regime jurídico da concorrência, na medida em que se reconhece como seu principal objetivo a regulamentação da política econômica.
A livre concorrência tem como pressupostos a propriedade privada, a liberdade de empreender e de contratar, sendo os limites e garantias definidos nos princípios constitucionais das atividades econômicas, como, por exemplo, a função social da propriedade e da empresa.
Os princípios constitucionais constituem as mais importantes fontes do Direito econômico e tem como uma de suas finalidades fixar as regras para o exercício da livre concorrência e regular as principais ações destinadas a reprimir os abusos do poder econômico. (VAZ, 1993, p. 54)
A política econômica da concorrência, por foça do artigo 174, da Constituição da República, dispõe sobre o papel do Estado na regulação da atividade econômica, tendo objetivo dar garantias para que a concorrência seja efetiva e se desenvolva de forma a garantir a liberdade e a igualdade de todos. (FONSECA, 2008, p. 16)
João Bosco Leopoldino complementa que a legislação de defesa da concorrência completa e esmiúça os princípios genericamente estabelecidos na Constituição, limitando e incrementando as atividades das empresas, dando sentido jurídico aos negócios jurídicos por elas concretizados. (FONSECA, 2008, p. 22)
As empresas que participam de um mercado devem concorrer entre si, não podendo se associar nesse empreendimento, nem podendo combinar entre si com prejuízo para a concorrência. Uma vez adotado um acordo, uma uniformidade de conduta, um entendimento para dividir mercado, uma conduta concertada ou uma combinação, configurar-se-á cartel. (FONSECA, 2008, p. 22)
1.2. Surgimento
Desde os anos 90, os Estados Unidos se empenharam em transformar os meios de dar cumprimento à legislação de concorrência para conseguir provas suficientes da colusão entre as grandes empresas que pactuavam, como meio de defesa, o “código do silêncio”. Com isso, constituiu-se um pesado esquema de sanções e, ao mesmo tempo, ofereceu-se imunidade ou leniência para a primeira empresa que se apresentasse com provas do ilícito. (FONSECA, 2007, p. 306)
Para aproveitar a fragilidade interna dos cartéis, uma forma de organização instável e eivada de desconfiança, foram elaborados dois modelos de perseguição e punição. (FONSECA, 2007, p. 307)
O primeiro é o modelo americano, consistente em uma forma de censura categórica desde o século XIX, uma vez que incorpora recurso de criminalização do antitruste como uma peça central do controle legal. Também permite a condenação de pagamento do dano em triplo relativamente a toda infração anticompetitiva.
O segundo, modelo europeu, tende para um posicionamento de argumentação econômica e de análise do comportamento dos integrantes do mercado, só muito recentemente adquirindo uma postura de condenação da atividade do cartel com uma tentativa de regulação com enfoque criminal.
No Brasil, o sistema de defesa da concorrência se deu pela promulgação da Lei no 8.884/94, alterada pela Lei no 12.529/11. (FORGIONI, 2008, p. 147)
Importante salientar que, apesar de muitos aspectos serem similares aos sistemas estrangeiros acima citados, o Brasil adota uma tipificação de práticas antitruste peculiar, o que permite a diferenciação da aplicação da norma antitruste, senão vejamos.
Nos Estados Unidos, a lei que regulamenta a defesa da concorrência é a Lei Sherman de 1890, a qual veda o acordo entre empresas e a posição dominante. (FORGIONI, 2008, p. 146)
Na Europa, o Tratado CE veda os acordos entre empresas que possam prejudicar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum.
O sistema europeu promove a determinação da ilicitude pelo objeto ou efeito das práticas, que somente serão proibidas se prejudicarem o comércio com os Estados-membros, ou especificamente no caso de acordos entre empresas, bem como se tiverem por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado. (FORGIONI, 2008, p. 147)
Já o sistema brasileiro, considerado híbrido, aproveita o sistema europeu, no que tange à caracterização do ilícito, e o americano, no que tange à tipificação dos atos. (FORGIONI, 2008, p. 147)
É, pois, considerado contrário à ordem econômica brasileira o ato que tenha por objetivo limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; ou exercer de forma abusiva posição dominante. (FORGIONI, 2008, p. 149)
Tanto nos EUA quanto na Europa, existe a preocupação de caracterizar a posição dominante do agente econômico, para que possa ser imputado o abuso. Diferentemente do que ocorre no Brasil, pois a lei brasileira não exige que se caracterize o ato como abuso de posição dominante para que seja vedado. (FORGIONI, 2008, p. 150)
1.3. Pressupostos para formação de cartel
Alguns fatores estruturais podem favorecer a formação de cartel. Esses pressupostos estão elencados no caput do artigo 36 da Lei no 12.529/2011 e na Resolução no 20 do CADE.
Na Lei, os fatores são os atos sob qualquer forma manifestados, dominação de mercado relevante e a possibilidade ou efeito de prejuízo ao mercado. Essa disposição engloba, a um só tempo, os acordos e as concentrações entre empresas, o domínio de mercado e o abuso de posição dominante, bem como a simples troca de informações, cartas de intenção ou mesmo acordos de cavalheiros. (FORGIONI, 2008, p. 148 e 160)
Na Resolução, resumem-se ao alto grau de concentração do mercado, existência de barreiras à entrada de novos competidores, homogeneidade de produtos e de custos, e condições estáveis de custos e de demanda.
Constata-se que deve existir um alto grau de concentração de mercado, ou seja, um oligopólio, pois seria inviável a formação de cartel em um cenário com muitas empresas, principalmente as pequenas empresas, por não suportar os custos e acabar por frustrar os objetivos do cartel. (FONSECA, 2008, p. 23)
Pelo exposto, importante se fez a regulamentação de mecanismos aptos a combater essa conduta competitiva, quais sejam, as medidas preventivas, o Termo de Cessação de Conduta e o Acordo de Leniência.
O primeiro visa prevenir uma possível prática anticoncorrencial, desde que haja indício ou fundado receio de que um agente possa causar ou cause lesão de difícil reparação ao mercado ou torne ineficaz o resultado final do processo. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Medidas Preventivas)
O segundo tem a finalidade de suspender o processo administrativo daqueles que estão sob investigação de prática ofensiva à economia para que estes se comprometam a cessar a conduta ilícita. (MANESCO, RAMIRES, PEREZ, AZEVEDO MARQUES ADVOCACIA. TCC. CADE regulamenta compromisso de cessação de conduta)
Por fim, o último permite que um participante de cartel ou de outra prática anticoncorrencial coletiva denuncie a prática às autoridades antitruste e coopere com as investigações e receba, por isso, imunidade antitruste administrativa e criminal total, ou parcial, respectivamente, pela exclusão e redução das penalidades aplicáveis.( BRASIL. Ministério da Justiça. Cartel)
2. O ACORDO DE LENIÊNCIA
Conforme define João Bosco Leopoldino da Fonseca, a palavra “leniência” deriva do verbo “lenir”, de origem latina, que significa abrandar, suavizar, aplacar, mitigar, lenificar. (FONSECA, 2008)
Para se falar desse mecanismo, importante comentar sobre sua aplicação nos países que são base para a legislação brasileira – EUA e União Europeia.
Nos EUA, o programa de leniência é conhecido como anistia corporativa ou política de imunidade corporativa, sendo os cartéis sujeitos a sanções criminais. O programa beneficia, inclusive, a corporação que confessar e cooperar na investigação de atividade anticoncorrencial com a imunidade de ser processado. (VANSCONCELOS; RAMOS, 2007, p. 5)
A comprovação da informação fornecida pelo agente não é exigida, sendo aceita como evidência qualquer informação que possibilite a obtenção subsequente de documentação decisiva, sendo que o infrator deve cumprir certos requisitos para se beneficiar da leniência, como, por exemplo, inclusão da regra de anistia automática ao primeiro que denunciar, desde que nenhuma investigação esteja em andamento; e permissão da anistia ou leniência ao primeiro que denunciar, mesmo quando a investigação tiver começado, atendendo à condição de que a Autoridade Antitruste não tenha tido até então evidência comprobatória suficiente para condenação.
Na União Europeia, o programa foi regulamentado em 1996 e oferece reduções e até isenções de multas, não envolvendo proteção contra processos criminais ou penalidades sobre indivíduos. A leniência prevê uma lista de potenciais reduções de multa, dependendo do estágio dos procedimentos e outros fatores, não sendo, portanto, automática. (VANSCONCELOS; RAMOS, 2007, p. 6)
Além disso, não há regra vinculativa quanto à extensão da anistia, uma vez que os membros da comissão antitruste decidem, somente ao fim do processo, se o benefício será total, se concederão um tratamento leniente ou, ainda, se não beneficiarão o infrator. Tal decisão depende exclusivamente da evidência e cooperação oferecidas pela parte interessada.
2.1. Surgimento
No ordenamento jurídico brasileiro, o Programa de Leniência foi introduzido pela Lei no 10.149/2000, permitindo que um participante de cartel ou de outra prática anticoncorrencial coletiva denuncie a prática às autoridades antitruste, coopere com as investigações e receba, por isso, imunidade antitruste administrativa e criminal, ou redução das penalidades aplicáveis. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência.)
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, por intermédio da Superintendência-Geral, é a autoridade competente para negociar e assinar o “Acordo de Leniência” tanto com pessoas jurídicas quanto com pessoas físicas, desde que estas se comprometam a colaborar nas investigações da prática denunciada. [1]
A inclusão de qualquer tipo de agente se deu pela recepção da tradição europeia no ordenamento brasileiro, uma vez que esta abrange qualquer associação de pessoas, constituídas de fato ou de direito, permanente ou temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, ainda que sem fins lucrativos, mesmo em exercício de atividade sob regime de monopólio legal. (FORGIONI, 2008, p. 156)
A hipótese acima deve ser relativizada quando se tratar da Administração Pública, quando em desempenho das suas funções de dever-poder na implementação de políticas públicas, uma vez que seria uma afronta à Constituição penalizar as atividades públicas incumbidas da prestação de serviços públicos. Assim, quando a Administração estiver atuando apenas no campo da atividade econômica, no sentido estrito, é que se sujeitará às sanções por condutas anticoncorrenciais. (FORGIONI, 2008, p. 158)
De acordo com o art. 87 da Lei, a celebração do Acordo de Leniência determina a suspensão do prazo prescricional e impede o oferecimento de denúncia criminal contra os beneficiados.
2.2. Jurisprudência americana
Em setembro de 1998, nos Estados Unidos, foi descoberto um cartel formado por empresas de vitaminas, com o intuito de fixar preços e alocar vendas das vitaminas B3 e B4, em que figuraram empresas como a Hoffman-La-Roche e a BASF, ambas severamente punidas. A Rhone-Poulenc também participou do ilícito, porém decidiu colaborar com as investigações, sendo concedido, assim, o benefício da leniência. Em decorrência dessa atitude, esta empresa não foi multada. (FONSECA, 2007, p. 309)
2.3. Primeiro caso de leniência no Brasil
No Brasil, desde 2003, 25 (vinte e cinco) acordos de leniência foram assinados e muitos ainda estão em negociação, inclusive com membros de cartéis internacionais. (CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Programa de Leniência)
Em 2003, algumas empresas do ramo de vigilância pactuaram a oferta de serviços de forma concertada, combinando entre si quem ganharia cada licitação e praticando preços predatórios sempre que uma nova empresa tentasse desestabilizar o cartel oferecendo serviços com preços inferiores ao valor concertado. O proprietário e um funcionário da empresa Vigilância Antares, do Rio Grande do Sul, celebraram com a União o primeiro caso de acordo de leniência no Brasil e receberam o benefício da extinção da ação punitiva e redução da pena que seria imposta a zero. As demais empresas foram condenadas a pagar multas de 15% (quinze por cento) do faturamento bruto do ano anterior ao da instauração do processo administrativo. [2]
2.4. Registro mais recente
O registro mais recente se deu em 2008, quando a Bridgestone Corporation participou de suposto cartel no setor de mangueiras marítimas, porém, no decorrer do processo administrativo, a Bridgestone firmou Acordo de Leniência para auxiliar as investigações da conduta, com o intuito de firmar Termo de Compromisso de Cessação. [3]
2.5. Requisitos para concessão
De acordo com o art. 86, caput, e o parágrafo 1o da Lei, o benefício da leniência será aplicado a uma empresa que revele uma atividade ilegal antes do CADE começar a investigação, desde que o infrator preencha os seguintes requisitos: (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência)
a) a identificação dos demais envolvidos na infração;
b) a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação;
c) seja o primeiro a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação;
d) confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento;
e) cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo; e
f) a Superintendência-Geral não pode dispor de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física quando da propositura do acordo.
Caso o Acordo de Leniência seja descumprido, o beneficiário ficará impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data de seu julgamento. [4]
2.6. Benefícios do Programa de Leniência
Após cumprir todos os requisitos obrigatórios, a empresa adquire os benefícios da leniência previstos no art. 86, parágrafo 4º. São eles:
a) decretar a extinção da ação punitiva da administração pública contra o infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou
b) nas demais hipóteses, reduzir de 1 (um) a 2/3 (dois terços) as penas aplicáveis, devendo ainda considerar-se na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.
No segundo caso, destaca-se que tendo a Superintendência-Geral o conhecimento da conduta, mas não dispondo de provas para assegurar a condenação, a empresa ou pessoa física também receberá redução da penalidade aplicável.
O benefício garante, também, imunidade criminal dos dirigentes e administradores da empresa beneficiária do acordo, desde que eles assinem o acordo em conjunto e observem os requisitos para a concessão do benefício. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência)
Cumpre ressaltar que um Acordo de Leniência não protege o seu beneficiário da possibilidade de que terceiros de boa-fé, lesados patrimonialmente pela ação do cartel, busquem, por meio de ações judiciais, indenização na esfera cível. Tampouco concede imunidade em relação a qualquer penalidade que possa vir a ser imposta por autoridades concorrenciais de outros países pela mesma prática. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência)
2.7. Procedimento para concessão
O infrator pode submeter a proposta de Acordo de Leniência ao CADE na forma escrita ou oral. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência)
Quando a proposta for submetida oralmente, o interessado marca uma reunião para apresentar uma descrição sumária da prática anticompetitiva, incluindo a qualificação do proponente e dos demais envolvidos, e uma descrição das provas que podem ser apresentadas. O CADE, então, elaborará um termo único a ser preservado pelo interessado.
Quando for escrita, deve ser encaminhada ao CADE em um envelope lacrado e, obrigatoriamente, conter uma descrição sumária da prática anticompetitiva, incluindo a qualificação do proponente e dos demais envolvidos, e uma descrição das provas que podem ser apresentadas.
2.8. “Leniência Plus”
Ocorre quando um eventual candidato que não conseguiu se qualificar em um acordo de leniência para um determinado cartel, seja porque foi o segundo a se candidatar ou por ter estado à frente da infração, fornece informações relevantes acerca de outro cartel sobre o qual o CADE não tenha conhecimento, desde que cumpra os requisitos exigidos por lei. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência)
Dessa maneira, poderá obter todos os benefícios da leniência em relação à segunda infração e redução de um terço da pena que lhe seria aplicável com relação à primeira infração. Mas, para fazer obter esses benefícios, o interessado tem que denunciar o segundo cartel antes que o primeiro caso seja enviado ao CADE para julgamento final. (BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Programa de Leniência)
3. EFETIVIDADE DO ACORDO DE LENIÊNCIA
Apesar de ser difícil a elaboração de uma política que extinga por completo a possibilidade de formação de cartéis, visto tratar-se frequentemente de acordos secretos cujas investigações nem sempre resultam na obtenção de provas suficientes para a condenação dos agentes, a solução foi monitorar os agentes na economia utilizando mecanismos capazes de aumentar a probabilidade de condenação, bem como de reduzir o esforço necessário de investigação. (VASCONCELOS e RAMOS, p. 3)
Um avanço importante neste sentido foi a regulamentação do Programa de Leniência, que beneficia uma empresa participante de um cartel para, assim, condenar as demais pelo ilícito. (ECONÔMICO, Secretaria de Direito. Programa de Leniência)
O acordo de leniência foi facilmente aceito entre os consumidores lesados e se tornou o instrumento mais eficaz no combate aos cartéis tanto no Brasil quanto no exterior, pois os participantes desse ilícito são motivados a cooperar com as autoridades competentes e, em troca, têm as punições atenuadas ou extintas. (ECONÔMICO, Secretaria de Direito. Programa de Leniência)
Desta forma, a leniência tornou-se um instrumento para proporcionar a obtenção de provas de acordos anticompetitivos, aumentar a probabilidade de condenação, e, consequentemente, desestimular a formação dos cartéis, ao afetar sua estabilidade. (VASCONCELOS e RAMOS, p. 3)
CONCLUSÃO
Conclui-se que o cartel é uma prática anticompetitiva que traz malefícios tanto à ordem econômica quanto ao consumidor, uma vez que as empresas concordam em burlar o mercado concorrencial e engessar a disputa pelo preço mais acessível ao destinatário final, fazendo com que este saia lesado ao adquirir bens ou serviços.
Para combater o ilícito, necessária foi a implementação de políticas específicas para desestimular a formação de cartel e fomentar a recuperação do bem estar econômico e social.
Daí ser o Programa de Leniência instituído no ordenamento brasileiro, com o intuito de abrandar ou extinguir as sanções impostas pela conduta ilícita em troca de um participante do cartel denunciar as práticas cometidas e restabelecer a ordem na economia.
Desde sua implementação, então, é considerado o mecanismo mais eficaz criado para o combate aos cartéis no Brasil, sendo corroborado, inclusive, pelos consumidores, que preferem optar pelo benefício a um agente em troca do desfazimento de um mal estar criado pelo ilícito.
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