Emanuel Cavalcante
RESUMO: A universidade pública contemporânea não pode ser entendida sem a interação do tripé ensino-pesquisa-extensão. Esta tríplice função surgiu com as agitações sociais oriundas das revoluções industriais e do advento do socialismo como movimento reivindicador de uma sociedade mais equânime. No entanto, em muitos centros de ensino superior brasileiros, o referido tripé, embora preconizado constitucionalmente, não é obedecido. A extensão, principalmente, fica para segundo plano, pois não há investimentos estatais e nem interesse por parte dos pesquisadores em realizá-las de acordo com as exigências da lei. Assim, as atividades de extensão nem sempre correspondem ao objetivo idealizado pelo legislador, tornando-se atividades inócuas ou desprovidas de uma utilidade real para a comunidade que circunda a universidade. O objetivo deste trabalho, portanto, é analisar como as atividades de extensão estão sendo efetivadas nos cursos de graduação da UNIR em Porto Velho.
Palavras-chave: Atividades de Extensão; Universidade Pública; Ensino; Pesquisa.
RESUMEN: A lo mejor no se puede comprender la universidad pública contemporánea sin darse cuenta de su triple función, es decir, enseñanza-investigación-extensión. Este trípode ha surgido a raíz de las agitaciones sociales oriundas de las revoluciones industriales y del advenimiento del socialismo como movimiento reivindicador al frente de la lucha por una sociedad más igualitaria. Sin embargo, en muchas universidades brasileñas, dicho trípode, aunque amparado constitucionalmente, no es a menudo obedecido satisfactoriamente por las mismas. En efecto, las actividades de extensión quedan en segundo plano a causa de no existir inversión estatal suficiente ni tampoco interés por parte de los investigadores en realizarlas de acuerdo con las exigencias de la Ley. Por lo tanto, las actividades de extensión no siempre corresponden al objetivo propuesto por el legislador y gracias a eso ellas se tornan vacías al no coincidieren con las necesidades reales de la gente que vive alrededor de la universidad. En suma, el intento de este trabajo es analizar cómo las actividades de extensión son concretizadas en las carreras de la UNIR en la ciudad de Porto Velho.
Palabras clave: Actividades de Extensión; Universidad Pública; Enseñanza; Investigación.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, os problemas educacionais estão sendo cada vez mais estudados. Sobre a pesquisa, o ensino e a extensão há uma miríade de trabalhos que abordam com maestria o tema. No entanto, poucos são os que o tratam do ponto de vista jurídico, analisando, por exemplo, os entraves que o ordenamento jurídico ou os atos administrativos, voltados para a educação superior, podem gerar. Na universidade, o serviço burocrático parece esgotar todo o tempo disponível do professor-pesquisador, impedindo-o de dedicar-se à pesquisa e à extensão, e, como consequência, limitando-o tão-somente ao ensino. Oxalá fosse esse o único problema da perda de qualidade na pesquisa e na extensão. Entretanto há docentes que têm como papel apenas realizar trabalhos de investigação, estando, portanto, livres dos serviços burocráticos, mesmo assim o número de pesquisas e programas de extensão benéficos à sociedade, por eles realizados, é quase nulo.
Alguns doutrinadores falam que a escassa pesquisa e a extensão ineficiente têm como causa os parcos investimentos oriundos do poder público federal. No entanto, quanto a lei disponibiliza e como ela exige que se gaste com a extensão? Como a lei obriga a mensuração e a distribuição dos valores para cada projeto de extensão? O fato é que há um ordenamento legal específico voltado para a educação superior, mas, na prática, o que se nota é um total desconhecimento da lei e um temor exagerado de se descumprir aquilo que se desconhece. Daí aumentar a preocupação do professor, do acadêmico ou do agente administrativo com o “proteger-se” legalmente, e essa proteção nada mais é do que a exigência de mais e mais papéis, documentos que comprovem cada ato da administração, inclusive os mais insignificantes.
Esses entraves burocráticos são prejudiciais à universidade como um todo, mas o que não se sabe é se eles são os responsáveis direta ou indiretamente pela má qualidade nos projetos de pesquisa e extensão. Afinal, há teóricos que afirmam que se não fosse esse sistema burocrático talvez a educação superior estivesse pior ainda. Assim, ao contrário do que a maioria acredita, a burocracia não seria, ao menos para um grupo específico de teóricos, a causa da má qualidade, e sim uma consequência dela. Do exposto, infere-se que o objetivo principal deste trabalho foi sondar o porquê de a Extensão estar tão defasada nas universidades públicas federais, já que um dos princípios basilares da Administração Pública é o da eficiência. Para tanto, buscou-se delimitar este tema no sentido de ter como amostragem os projetos de extensão nos cursos de graduação da Universidade Federal de Rondônia em Porto Velho.
Tendo isso claro, o pesquisador analisou tais projetos, os aprovados, os em curso e os reprovados pelos órgãos competentes e os comparou com o sistema legal e os atos administrativos que regem a Extensão nos cursos de graduação da supracitada universidade. Por conseguinte, o objeto deste estudo foi analisar as leis, as portarias, os regimentos, os decretos e os atos da administração que regulam a extensão na UNIR e se eles, de fato, podem ser considerados como um impedimento aos projetos de extensão. Do exposto, pode-se inferir o seguinte questionamento: De que forma a Lei e os atos administrativos internos da Universidade Federal de Rondônia estão refletindo-se na qualidade dos projetos de extensão criados no Campus José Ribeiro Filho, em Porto Velho?
Inicialmente o pesquisador havia levantado as seguintes hipóteses: a) O ordenamento jurídico nacional, principalmente a LDB, tem sido a causa central dos baixos índices de projetos de extensão na UNIR; b) As normas internas e os atos administrativos na UNIR são excessivamente burocráticos e constituem-se no maior entrave para que se tenham bons resultados em Extensão; c) O ordenamento jurídico nacional e os atos administrativos internos são coerentes, não sendo a burocracia o grande entrave à pesquisa e à extensão, mas sim a falta de financiamento externo ou do total desinteresse da sociedade em patrocinar pesquisas nas áreas de humanas da UNIR; d) O ordenamento jurídico é falho, os atos administrativos são excessivos, mas faz parte da cultura interna da Instituição não se preocupar com a pesquisa e a extensão, por considerar isso de menor importância.
Para averiguar o tema, teve-se a seguinte metodologia: a pesquisa, quanto à abordagem metodológica, foi dividida em duas etapas: no primeiro momento usou-se a análise, cujo objetivo desta foi o de propiciar uma visão panorâmica do sistema jurídico nacional e dos atos administrativos internos da UNIR voltados para os projetos de Extensão. A análise consistiu na leitura metódica das leis, portarias, pareceres, decretos etc. relacionados à pesquisa e a extensão que estejam ainda em vigor. Além disso, buscou-se ver qual o posicionamento do MEC ou da CAPES sobre a questão da Extensão, e de que forma tal posicionamento atinge a Universidade Federal de Rondônia.
O resultado dessa pesquisa está aqui dividido em quatro capítulos. No capítulo primeiro abordar-se-á panoramicamente o conceito de Extensão Acadêmica e sua evolução histórica desde seu surgimento, em meados do século XIX, até a atualidade. No segundo, analisar-se-á como a Extensão Universitária configurou-se dentro do ordenamento jurídico nacional. No terceiro capítulo estudar-se-á os pensamentos de dois teóricos modernos, Boaventura de Sousa Santos e Pierre Bourdieu, sobre as causas do mau funcionamento dos programas de pesquisa e extensão nas universidades contemporâneas.Por fim, no quarto e último capítulo trata-se das causas de a UNIR ter poucas atividades de extensão e os resultados práticos destas, ao menos das que foram efetivamente realizadas.
Este capítulo tem com escopo abordar panoramicamente o conceito de Extensão Acadêmica e sua evolução histórica desde seu surgimento, em meados do século XIX, até a atualidade.
A noção de “Universidade”, como se conhece atualmente (ou seja, uma instituição que busca abarcar enciclopedicamente todo o saber humano e que integra em seus pilares o ensino, a pesquisa e a extensão), tem como gérmen os interesses político-econômicos da Igreja Católica na Idade Média. A intenção dessa instituição era criar um clero capacitado para combater as distintas seitas que até então surgiam na Europa Ocidental e que lhe ameaçavam a hegemonia político-administrativa. Dessa forma, a Igreja precisava transmitir para seus quadros um saber acumulado nas bibliotecas dos monastérios e que remontava ao momento áureo greco-romano. Portanto, o objetivo das primeiras universidades não se baseava no tripé ensino-pesquisa-extensão, mas somente no ensino e, quando muito, em pesquisas bibliográficas dos clássicos greco-romanos permitidos pela Igreja Romana.
As aulas eram ministradas em latim pelos clérigos nas repartições dos próprios monastérios ou em prédios construídos especificamente para isso. As disciplinas autorizadas eram a Teologia, a Medicina, a Filosofia e o Direito. O conhecimento científico, da forma como se conhece agora, foi proibido por séculos. As universidades eram autorizadas a funcionar por “bula papal” e seu surgimento foi mais intenso na Europa Ocidental, durante a alta Idade Média, mais especificamente em Paris e Bolonha. O modelo dessas instituições clericais fez tanto sucesso que se estendeu para as instituições de ensino privadas. O método de ensino utilizado nas cátedras era o dialético, o mesmo praticado por Sócrates e difundido por Platão e Aristóteles em suas famosas escolas, a Academia e o Liceu, respectivamente. O debate, porém, era restrito aos âmbitos dos interesses da Igreja.
No entanto a dúvida que surge é o porquê de não se considerar a Academia platônica ou o Liceu aristotélico como “Universidades”, haja vista que em ambas se ministravam aulas e se buscava um saber por meio do diálogo e da reflexão. A resposta é que as citadas instituições da antiguidade clássica eram desprovidas de uma ordem estatal para funcionarem e, também, de uma preocupação sistemática com suas disciplinas, isto é, nelas não havia o rigor metodológico das primeiras universidades medievais. Tanto na Academia como no Liceu, ensinava-se aquilo que o mestre acreditava ser válido. Já nas primeiras universidades, como já foi dito, o intento era disciplinar (daí o nome disciplina acadêmica) as mentes para que estas se preparassem para o embate contra as heresias ou para fundamentar a unidade política da Igreja. O objetivo precípuo não era atingir a verdade em si, mas sim consolidar o cristianismo e a unidade da Igreja Católica.
No entanto, desde que os ensinamentos não ofendessem as bases do cristianismo, eram absolutamente livre os debates, e, numa mesma instituição, eram permitidos muitos doutores, cada um com uma forma de ver e analisar diferentemente os mesmos problemas. Essas discordâncias não “rachavam” a Universidade, ao contrário, eram incentivadas, pois, deve-se ter em mente, que no fundo todas elas buscavam fundamentar o Cristianismo, combater as heresias e a expansão das outras duas grandes religiões na Europa, o Judaísmo e o Islamismo. Por outro lado, no Liceu e na Academia, aqueles que discordassem seriamente do que era ensinado pelo mestre, estavam discordando da própria “escola” em que estudavam, devendo, portanto, buscar outra escola ou criar a sua própria. Nas universidades, por sua vez, havia muitos mestres e um aluno podia ter vários mestres, sem que isso prejudicasse os interesses reais da instituição em que estudava. Por isso, naquele momento da Idade Média, a preocupação acadêmica era precipuamente teórico-abstrata, baseando-se nos ensinamentos dos clássicos greco-romanos e na cultura livresca. Esse ambiente era perfeito para o desenvolvimento da teologia e da metafísica, mas não da ciência moderna.
A pesquisa no sentido empírico, por sua vez, só seria integrada às cátedras universitárias com o Renascimento Cultural, com as pesquisas feitas de forma isoladas por pensadores como Leonardo da Vince, Roger Bacon etc. A extensão levaria mais alguns séculos para se tornar parte integrante dos currículos acadêmicos.
1.2. O Contexto Histórico da Extensão – Séculos XIX E XX
Etimologicamente o vocábulo Extensão provém do verbo latino extendere, formado pelo prefixo “ex”, que significa fora, mais o radical “tendere”, o qual significava esticar; logo, extensão trará a noção de esticar algo para fora. Em latim, podia ser compreendido como estender, alargar, espalhar. Em se tratando de atividades de extensão universitária, o referido termo é considerado um dos três pilares que compõem o conceito contemporâneo de Universidade, sendo os dois outros o ensino e a e pesquisa. A extensão universitária pode ser definida como:
uma forma de interação que deve existir entre a universidade e a comunidade na qual está inserida. É uma espécie de ponte permanente entre a universidade e os diversos setores da sociedade. Funciona como uma via de duas mãos, em que a Universidade leva conhecimentos e/ou assistência à comunidade, e recebe dela influxos positivos como retroalimentação tais como suas reais necessidades, seus anseios, aspirações e também aprendendo com o saber dessas comunidades. Ocorre, na realidade, uma troca de conhecimentos, em que a universidade também aprende com a própria comunidade sobre os valores e a cultura dessa comunidade. Assim, a universidade pode planejar e executar as atividades de extensão respeitando e não violando esses valores e cultura. A universidade, através da Extensão, influencia e também é influenciada pela comunidade, ou seja, possibilita uma troca de valores entre a universidade e o meio (DA SILVA, p. 01, 97).
Essa noção é recente, pois, antes de tudo, a universidade surgiu como instituição de ensino para, depois, incorporar a pesquisa em suas funções básicas. É apenas em meados do século XIX, na Inglaterra, que as primeiras tentativas de extensão acadêmica serão rascunhadas:
A Universidade de Cambridge, em 1871, foi provavelmente a primeira a criar um programa formal de “cursos de extensão” a ser levados por seus docentes a diferentes regiões e segmentos da sociedade. Começando por Nottingham – a terra de Robin Hood -, Derby e Leicester, seus cursos de Literatura, Ciências Físicas e Economia Política logo angariaram vasta clientela e, em pouco tempo, atingiam todos os recantos do país. Quase ao mesmo tempo outra vertente surgia em Oxford, com atividades concebidas como uma espécie de movimento social voltado para os bolsões de pobreza. As primeiras ações tiveram lugar em Londres e logo se expandiram para regiões de concentração operária. Os trabalhadores das minas de Northumberland, por exemplo, contrataram em 1883 uma série de cursos de história. O século de Péricles foi apresentado no centro manufatureiro de Sheffield, a tragédia grega foi oferecida aos mineiros de carvão de Newcastle e aula de Astronomia aos operários de Hampshire (MIRRA apud DE PAULA 2009, p. 77).
E o surgimento da extensão não foi algo espontâneo, mas fruto de uma crise do capitalismo, pois logo após a consolidação da Revolução Industrial em meados do século XIX passaram a surgir conflitos sociais entres as classes obreiras e as empresariais. Desses conflitos, surgiram as criações de sindicatos de trabalhadores, as greves planejadas, o socialismo científico, etc. Em um dos piores momentos dessas crises do capitalismo, ou seja, no início do século XIX, houve uma pressão intervencionista maior do Estado na economia. E isso atingiu o seu apogeu no século XX, justamente com o advento da Revolução Mexicana, da Primeira Grande Guerra, da Revolução Russa, da Quebra da Bolsa de Valores de Nova York e, por fim, com a Segunda Grande Guerra. Com tais eventos, houve além da militarização e da centralização política, tentativas de superar as graves crises econômicas pelas quais passavam as nações. Uma delas foi o redirecionamento do intervencionismo estatal, o qual ganhou ares tais de políticas assistencialistas. O Estado de Bem-Estar social, como ficou conhecido um segmento dessas políticas assistencialistas, tem suas origens na Alemanha de finais do século XIX, durante a administração do chanceler Bismarck. Tal Estado possui quatro pilares:
La educación, obligatoria y gratuita en las primeras etapas, y fuertemente subvencionada en los niveles superiores. (…) La sanidad, en un principio universal y gratuita. La seguridad social(…).Los servicios sociales, conjunto de ayudas destinadas a cubrir necesidades de ciertos colectivos menos favorecidos, en este punto destaca la atención a dependientes (CRESPO, 2006, p. 06).
O Estado de Bem-Estar social tributava com o objetivo geral de criar uma espécie de fundo coletivo em determinadas áreas sociais com o intuito claro de revestir o dinheiro arrecadado em ajuda social. Para tanto, os indivíduos tinham que pagar determinadas cotas, sendo que os demais que não contribuíssem estariam fora desse sistema de proteção. Esses ficavam marginalizados duplamente: não tinham emprego e nem assistência direta do Estado. Apesar de não abarcar todos os indivíduos de uma nação, pelo menos já se atribuía ao Estado sua função de intervir diretamente no sentido de prestar ajuda humanitária aos cidadãos, ao menos aos que contribuíssem. Durante a primeira metade do século XX, os Estados nacionais ocidentais vão aderir a essa concepção, tanto os de origem liberal como os de origem comunista. Assim, surgiram Estados poderosos que tentavam de forma arrojada acalentar as crises financeiras. Em suma, pode-se dizer que desde o período clássico da economia burguesa houve tão-somente duas grandes teorias sobre as finanças e políticas públicas, na primeira havia a:
prevalência da escola liberal, [na qual] o Estado procurava comprimir as despesas aos seus menores limites, e era encarado apenas como consumidor. Tal política se devia à absoluta supremacia da iniciativa privada e à teoria da imutabilidade das leis financeiras. As despesas visavam, assim, apenas cobrir os gastos essenciais do governo. (ROSA JR, 1983, p. 25).
E outra, de cunho social, na qual:
o Estado funciona como um órgão de redistribuição da riqueza, concorrendo com a iniciativa privada. O Estado passa a realizar despesas, que, embora não sejam úteis sob o ponto de vista econômico, são úteis sob o ponto de vista da coletividade (Idem, 1983, p. 25).
Essas duas teorias, a não intervencionista e a intervencionista, foram motivos de embates teóricos durante o século XX, tendo como pano de fundo mais problemático os conflitos ideológicos oriundos da Guerra Fria. Todavia tanto países capitalistas quanto os comunistas concordavam que a arrecadação tributária devia voltar-se para uma tentativa de equilíbrio social. É nesse contexto sofrível que algumas instituições, com o intuito de apaziguar ou ao menos remediar o sofrimento daqueles que não tinham ajuda direta ou indireta do Estado, foram surgindo para tentar atender aquilo que os mais necessitados reclamavam. Surge, por exemplo, no seio da Igreja Católica o Movimento Social Cristão, cujo manifesto “A Questão Operária e o Cristianismo”:
[…] expunha propostas avançadas para o melhoramento da situação da classe operária e defendia a intervenção da Igreja Católica para estabelecer sociedades cooperativas cristãs independentes do Estado, que deviam ser financiadas com capital dos devotos. (COLE apud DE PAULA, vol. II, 1958, p. 240).
Tal movimento católico percebia que a pobreza se alastrava e que a causa era o materialismo exacerbado das classes dirigentes. O cristianismo protestante também se manifestou sobre o tema, no entanto foi muito mais radical e contundente:
Seu chefe, o pastor Adolf Stöcker (1835-1909), fundou seu Partido Operário Cristão-Social, em 1878, seus partidários procediam principalmente da pequena classe média da Prússia. Seu partido era monarquista e fortemente antiliberal: na realidade era um mero apêndice da corte prussiana.” (COLE apud DE PAULA, vol. II, 1958, p. 241)
Além dessa, surgiu uma corrente laica que se denominava “Socialismo de Estado”, cujo objeto era uma crítica mordaz ao laissez-faire e seu consequente liberalismo, principalmente no tocante às finanças públicas, afinal prevalecia o princípio do não intervencionismo estatal na economia ocidental, pois se acreditava que as leis econômicas eram imutáveis tais como as físicas, desta forma os desajustes econômicos autorregular-se-iam por si sós. O Estado Liberal nos seus primórdios divulgava que o indivíduo e o Mercado eram o cerne de tudo e que o livre comércio era a única fonte de riquezas, não se admitindo a intervenção do Estado, dando, por conseguinte, à tributação um caráter de neutralidade, ou seja, naquele momento não se via “na tributação um meio de modificar a estrutura social e a conjuntura econômica, daí a expressão finanças neutras” (ROSA JUNIOR, 1983, p. 15). A título de exemplo, não havia naquele momento impostos com a função primordialmente regulatória, como há hoje; a função precípua deles era tão somente abastecer os cofres públicos para as necessidades vitais do Estado. Assim, este se limitava às funções essenciais, relativas à justiça, política, diplomacia, segurança, guerras etc.; cujas atribuições não podiam ser repassadas à iniciativa privada.
Aos particulares cabia abastecer os cofres públicos, entretanto a tributação era igual para todos, pois prevalecia o positivismo jurídico, e este impunha a lei sem levar em consideração as diferenças econômicas e culturais dos indivíduos. Fazia-se isso por se acreditar que todos deveriam ter as mesmas chances e, portanto, pagar os mesmos tributos. Mas essa suposta igualdade era avassaladora para os menos favorecidos economicamente, pois eles não suportavam a mesma carga tributária dada aos mais ricos. O câmbio de mentalidades adveio com as pressões impostas pelos socialismos utópico e científico. Muitos teóricos dos séculos XVIII e XIX perceberam que o caos social pelo qual passavam as grandes cidades europeias era provocado pelas primeira e segunda revoluções industriais. Estas criaram riquezas gigantescas, porém suas distribuições não foram equânimes. O sistema jurídico, por sua vez, impunha regras objetivas e iguais para todos os indivíduos de uma mesa sociedade, não levando em consideração o contexto político e social de cada um.
Não havia neste momento o conceito de “minorias políticas”, deste modo a pena para quem roubava era a mesma, não importando se o objeto do roubo era um pão ou um milhão em moedas de ouro. Essa realidade foi criticada não só pelos filósofos e economistas. Dos livros que apontam tal exploração de forma contundente está o romance “Germinal”, de Émile Zola, nesse romance há uma exposição clara não só das mazelas sociais, nas também da classe social responsável por elas. Zola demonstrou que a produção industrial e a tributação, então vigentes, não eram fonte de riqueza para todos. Assim, o liberalismo econômico começou a ser pressionado pelas constantes crises sociais pelas quais passava o mundo europeu. Devido a tais pressões, a partir do final do século XIX, muitos Estados ocidentais começaram a ceder gradativamente, alargando um pouco as suas funções e passaram a intervir diretamente nas funções econômicas. Todas essas pressões sociais levaram o Estado a repensar-se, e um dos primeiros a pensar em voltar-se socialmente para a sociedade foi o alemão. Bismarck iniciou uma série de mudanças que ficaram conhecidas como “Estado de Bem Estar”, na verdade começou a arrecadar da população para criar programas sócias, principalmente a previdência pública.
De alguma forma, a intenção do Estado de Bem-Estar social foi ou frear o capitalismo ou minimizar as crises provocadas por este. Tais políticas atingiram o centro do capitalismo mundial, fazendo o próprio presidente Theodore Roosevelt assim se manifestar:
[…] As ações desencadeadas nesse quadro foram decisivas para a modernização da tecnologia agrícola americana, surgindo dessa forma um modelo de interação com a comunidade que implicava a universidade na questão do desenvolvimento. O efeito ampliou-se mais ainda pela diversificação do programa extensionista, com a educação continuada e expansão das atividades extramuros. A partir daí a extensão universitária estava consagrada. (MIRRA, 2009, p. 78).
Dessa forma, o ambiente estava propício para que o Estado e as instituições sociais privadas que garantem a ordem pública começassem a propiciar programas que atendessem ou neutralizassem as reivindicações sociais, principalmente dos operários. Assim “as universidades se voltaram, de fato, para a questão social, inicialmente, e, depois, para um amplo conjunto de campos e interesses, que vão da educação de jovens e adultos às políticas públicas de saúde e tecnologias à prestação de serviços, da produção cultural ao monitoramento, avaliação de políticas públicas, entre muitas outras atividades” (DE PAULA, p. 05, 2010). Por conseguinte, a Extensão universitária teve duas metas basilares: uma, de origem britânica, como citado acima, expandiu-se pela Europa consolidando-se em uma participação mais geral que envolvia distintas instituições (Estado, Exercito, Igreja, Escolas, Partidos Políticos etc.) que
buscaram, cada qual à sua maneira, oferecer contrapontos às consequências mais nefastas do capitalismo, num sentido que foi exemplarmente explicitado pelo líder politico britânico Arthur Balfour, assim: ‘a legislação social, como a concebo, não deve ser apenas diferenciada da legislação socialista, mas é seu opositor mais direto e seu antídoto mais eficaz (BALFOR apud DE PAULA, p. 05, 2010).
Por sua vez, a segunda forma de Extensão tem como protagonista os Estados Unidos, cujo objetivo era a
mobilização da universidade no enfrentamento de questões referentes à vida econômica no sentido da transferência de “tecnologia, da maior aproximação da universidade com o setor empresarial. Com efeito, as duas vertentes da extensão universitária consideradas até aqui estão ligadas a duas modalidades de desenvolvimento capitalista, a saber: ao modelo dominante em vários países europeus e que buscou legitimação e estabilidade mediante a implantação do Estado do Bem-estar Social; e ao modelo norte-americano de vocação rigorosamente liberal (DE PAULA, p. 06, 2010).
Infere-se que a Extensão surgiu e expandiu-se em nações consideradas centro do capitalismo, com a clara meta de garantir uma maior distribuição de riquezas, assim como uma tentativa de equalizar as oportunidades de qualificação dos indivíduos de todas as classes para a vida laboral e para uma emancipação tecnológica. (FURTADO apud DE PAULA, p. 06, 2010). Mas o conceito de Extensão é complexo, como o aponta Mesquita Filho, para ele há quatro tipos basilares que representam todas as atividades de extensão:
Como curso: qualquer curso desenvolvido dentro da universidade, que não os de graduação; como prestação de serviços: […], sem vínculos com o ensino e pesquisa para alguns autores, já para outros autores, esse tipo de extensão é considerado como instrumento de apoio a mudanças sociais; a extensão como complemento: nessa categoria a extensão não é autônoma, não existe por si só, mas sim como complemento do ensino e da pesquisa que seriam atividades fundamentais da universidade; a extensão como “remédio”: destinada a suprir as falhas do ensino regular; e, por último, a extensão como instrumento político-social: instrumento do Estado para manter a ordem vigente (MESQUITA FILHO apud SOARES; FARIAS; FARIAS, p. 14, 2010).
Como se percebe, há distintos conceitos muitos vezes mal compreendidos dentro da própria universidade. Portanto, o vocábulo extensão, em sentido acadêmico, não deve ser limitado apenas aos “cursos de extensão universitária.” Estes possuem carga-horária rápida e têm como foco “complementar conhecimentos em áreas específicas.” Tal vocábulo não deve ser entendido como “atividade de extensão”, a qual é um dever constitucional e são bastante complexas. Dentro do conceito de atividades de extensão pode haver cursos de extensão, projetos, programas etc.
1.3. A Extensão na América Latina
Na América Latina, a Extensão teve outros contornos. De fato, as grandes agitações sociais no continente americano no século XX foram formatadas por duas grandes revoluções, a Mexicana (1910) e a Cubana (1959), as quais garantiram ao povo a possibilidade de uma miríade de reivindicações político-sociais. A Mexicana, por exemplo, garantiu o paradigma de carta constitucional liberal-democrática, seguida por quase todos os outros países. Nessa Carta, os anseios populares ver-se-ão consagrados em quase todos os artigos dela. Porém, em termos de atividades de extensão universitária, foi somente com a reforma universitária iniciada em Córdoba (1918), que depois alargou-se por todo o continente, que trouxe as bases para uma Extensão mais próxima daquela que há hoje. A partir de 1921, algumas universidades latino-americanas já ensaiavam a implantação de dois tópicos fundamentais: “1) a intervenção dos alunos na administração na administração da universidade e 2) o funcionamento das cátedras livres e cátedras oficiais, com iguais direitos, a cargo de professores com reconhecida capacidade nas matérias” (MARIÁTEGUI apud DE PAULA, p. 129, 1981).
Por conseguinte, as reformas universitárias na América Latina fazem parte de um enfrentamento contra a forma como a universidade de então atuava, pois a maioria tinha como mantenedora a Igreja Católica ou a protestante, e estas não permitiam um grau de experimentação maior, embora fosse a responsável por numerosos programas de assistência social. Deve-se ter em mente que em alguns países, o Brasil, por exemplo, a assistência aos maios pobres era algo que estava atrelado à boa-vontade dos particulares. O Estado não prestava o serviço de assistência ou de previdência social aos que não podiam financiá-los. Dessa forma, a Igreja atuava maciçamente nas camadas mais pobres. Foi somente com os movimentos sociais, principalmente os da década de sessenta do século XX, que se pôde finalmente ter a seguridade social organizada de forma que todos contribuíssem para que os indivíduos menos favorecidos pudessem ser ajudados de maneira sistemática.
Atualmente, a seguridade brasileira (CF, art. 193) está dividida em três grandes grupos: Saúde (art. 196 a 200), Previdência Social (art. 201 a 203) e Assistência Social (art. 203 a 204). E esta última aparece no texto constitucional assim: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social […]” (CF/1988, artigo 203). A função que era feita por instituições privadas, como as igrejas, passou então a ser uma obrigação do Estado. Essa obrigatoriedade não veio à toa, mas foi o resultado do vanguardismo das pressões sociais, principalmente no seio das universidades. Oriunda desse vanguardismo dos acadêmicos latino-americanos também foi a luta por uma reforma das universidades, luta esse que chegou a pontos radicais, articulando-se como o movimento obreiro e sindicalista, conforme aponta o Manifesto de La Plata:
1) o problema educacional não é senão uma das faces do problema social, por isso não pode ser solucionado isoladamente; 2) a cultura de toda sociedade é a expressão ideológica dos interesses da classe dominante. A cultura da sociedade atual é, portanto, a expressão ideológica dos interesses da classe capitalista; 3) a última guerra imperialista (1914-1918), rompendo o equilíbrio da economia-burguesa, colocou em crise sua própria cultura; 4) esta crise só pode ser superada com o advento de uma cultura socialista. (MARIÁTEGUI apud DE PAULA, 1981, pp. 150-151).
Essa pressão social foi cooptada pelas universidades, instituições que se viram obrigadas a modificar a mentalidade da população por meio da argumentação contraideológica.
Neste capítulo analisar-se-á como a Extensão Universitária configurou-se dentro do ordenamento jurídico nacional.
2.1 O Ensino Superior e a Extensão
O ensino superior no Brasil surge por meio de estabelecimentos isolados e díspares (Magani, 2002), adeptos do modelo francês estabelecido por Napoleão Bonaparte, tal modelo considerava o ensino e a pesquisa de forma isolada e não tinha o conceito de extensão. A universidade consolidou-se faz pouco tempo no Brasil, no começo do século XX, espalhando-se a partir da segunda metade desse século, sempre seguindo os modelos europeus ou norte-americanos. As primeiras experiências com a extensão no país deram-se na USP em 1911, segundo Tavares (2007), seguindo o modelo britânico, cuja meta era a educação continuada, basicamente para o público adulto: a “educação continuada e educação voltada para as classes populares; extensão voltada para a prestação de serviços na área rural” (NOGUEIRA, 2005, p. 16-17). Entretanto, em 1920, as escolas superiores de Agricultura e Veterinária de Viçosa e a Escola Agrícola de Lavras implantaram o modelo de extensão utilizado nos Estados Unidos, com enfoque na prestação de serviços, fossem estes rurais ou urbanos. No Brasil, o marco legal da Extensão foi inserido no ordenamento jurídico em 1931, através do artigo 99 do Decreto nº 19.851, de 11/4/1931, o qual preconizou a conformação da estrutura universitária nacional: “Art. 99. A vida social universitaria terá como organizações fundamentaes: […] c) Extensão universitária. […].”
Por meio do mesmo Decreto Lei n 19.851 preconiza-se: “à extensão cabe: divulgar as atividades técnicas e científicas da universidade através de cursos e conferências.” E também: Art. 35. Nos institutos de ensino profissional superior serão realizados os seguintes cursos: f) cursos de extensão universitaria, destinados a prolongar, em benefício collectivo, a actividade technica e scientifica dos institutos universitarios.”
A extensão universitária aqui tem como fim as políticas assistencialistas e populistas do governo de Getúlio Vargas, dessa forma as atividades de extensão não terão autonomia universitária, pois estão vigiadas pelos interesses do próprio Estado Nacional. Mesmo assim, e embora não haja mais especificações explícitas sobre a extensão universitária, a Universidade passou a ter como meta garantir atividades de extensão que ajudem a amenizar regionalmente ou nacionalmente os problemas graves do Brasil, é o que se pode inferir do artigo 2º do supracitado Decreto:
Art. 2º A organização das universidades brasileiras attenderá primordialmente, ao criterio dos reclamos e necessidades do paiz e, assim, será orientada pelos factores nacionaes de ordem psychica, social e economica e por quaesquer outras circumstancias que possam interferir na realização dos altos designios universitarios.
O fulcro desse Decreto era levar o conhecimento acadêmico para a sociedade por meio de prestação de serviços sociais. Ele vai ser copiado durante a Ditatura Militar de 1964 Os teóricos críticos desta contestarão a visão assistencialista e populista dos governos militares, desejando uma autonomia maior para a Universidade, consequentemente para a extensão também. No entanto, prevaleceu a visão assistencialista para as atividades de extensão, pois com o Decreto Lei 252/1967 impunha-se que:
Art. 10. A Universidade, em sua missão educativa, deverá estender à comunidade, sob a forma de cursos e serviços, as atividades de ensino e pesquisa que lhe são inerentes.
Parágrafo único. Os cursos e serviços de extensão universitária podem ter coordenação própria e devem ser desenvolvidos mediante a plena utilização dos recursos materiais e humanos da Universidade, na forma do que dispõe o art. 1º do Decreto-Lei número 53, de 18 de novembro de 1966 [revogado pelo Decreto nº 99.621, de 1990. Este, por sua vez, revogado pelo Decreto nº 599, 1992, g.a.].
Esse Decreto há sido considerado o precursor da Lei 5.540/68, o qual, por seu turno seria quase totalmente revogado, exceto o artigo 16, pela LDB/1996. Aquela Lei não considerava a Extensão como parte indissociável do ensino-pesquisa: “O ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado em universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como instituições de direito público ou privado” (BRASIL, Lei 5.540/68, art. 2º). Dessa forma, as atividades de Extensão se restringiam, conforme referida Lei, aos cursos de extensão:
Art. 17. Nas universidades e nos estabelecimentos isolados de ensino superior poderão ser ministradas as seguintes modalidades de cursos: (Revogado pela Lei nº 9.394, de 1996):
E esta limitação das atividades de Extensão será um dos temas constantes que forçarão a Universidade a recrudescer a pressão sobre as políticas públicas voltadas para o ensino superior. Recrudescimento este que desembocará nas mudanças ocasionadas pela Carta de 1988 e com a Lei 9394/96. Portanto, a consolidação histórica entre o ensino, a pesquisa e a extensão iniciar-se-á no Brasil como uma maneira de estender o conhecimento para a população, isto é, era o meio de difusão, de benefício à população carente, assistencialismo, durante a Ditadura Militar. No final da década de setenta, porém, com os primeiros sinais de redemocratização, veio também uma maciça agitação social, sempre buscando mais liberdade de expressão e política. Dessa forma a educação em geral, e a superior em particular, passou a ser colocada como fundamental, e o ensino crítico como a grande arma para se superar a pobreza. Tais ideias estão inseridas no primeiro Seminário Nacional da Reforma Universitária, organizada pela UNE, no estado da Bahia, no qual tanto a universidade como as atividades de extensão terão objetivos mais amplos:
1) a luta pela democratização do ensino, com o acesso de todos à educação, em todos os graus; 2) a abertura da universidade ao povo, mediante a criação de cursos acessíveis a todos: de alfabetização, de formação de líderes sindicais (nas Faculdades de Direito) e de mestres de obras (nas Faculdades de Engenharia), por exemplo; e 3) a condução dos universitários a uma atuação política em defesa dos interesses dos operários. (POERNER, 1968, p. 202).
Logo depois, no Paraná, aconteceria o segundo Seminário de Reforma Universitária, com aprofundamentos do seminário anterior e com a criação de uma carta manifesto conhecida como “Carta do Paraná”, a qual aborda a universidade como um todo e não como uma instituição fragmentada voltada apenas para o ensino. A Reforma, tal como a preconizou a UNE, está inserida nas reivindicações dos estudantes e das lutas sociais dos trabalhadores em busca de um Brasil distinto do idealizado pelos militares durante a Ditadura. Dessas lutas, as mais evidentes foram a Campanha de Defesa da Escola Pública, o movimento de alfabetização nacional. Tudo isso, porém, ficava mais no campo teórico do que em políticas efetivas e praticas. A reviravolta deu-se com o movimento iniciado na Universidade de Recife, organizado por Paulo Freire, movimento que buscou verdadeiramente integração concreta da extensão com os problemas sociais pátrios. É nesse momento que a Universidade aproxima-se da população, seja por meio da tentativa de levar alfabetização para todos, seja por meio da união entre os conhecimentos acadêmico-científicos com os da tradição popular. Disso se alimenta a importância da extensão acadêmica, conforme expressa a ata do XXVIII Encontro de Reitores Brasileiros (CRUB/1979): “Decorre da extensão o conhecimento da realidade, a formação de consciência crítica e enriquecimento curricular, beneciando corpo docente, discente e administrativo” (MORAES FILHO; SILVEIRA, 2011, p. 5).
Nesse mesmo viés, em 1987, é criado o FORPROEX, cujo papel de articulação e pressão política junto ao MEC foi importante. Tal instituição definiu a extensão como “o processo educativo e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade” (PORPOEX, 1987, apud NOGUEIRA, 2000, p. 11).
2.2. A Extensão na Constituição Federal de 1988 e na LDB/96
Com a redemocratização, com efeito, há a exigência por autonomia universitária e também das atividades de extensão, exigências que se intensificarão até originar o artigo 207 da Constituição de 1988: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL. Constituição Federal/1988, art. 207). Mazzali comenta sobre a fundamentação histórica desse artigo:
Quando da elaboração da Constituição Brasileira de 1988, o Fórum Nacional da Educação na Constituinte liderou a aprovação de emenda popular que formulava o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como paradigma de uma universidade socialmente referenciada e expressão da expectativa de construção de um projeto democrático de sociedade, que se tornou o artigo 207 da Constituição. (MAZZILI; MACIEL, 2010, p. 1).
É verdade que o referido princípio contido no artigo 207 da CF não se refere somente às universidades, mas toda e qualquer instituição de ensino superior pública no país, como atesta o parágrafo segundo do art. citado: “O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica”. Deve-se notar que não se refere apenas a instituições estatais, mas a qualquer uma que seja considerada universidade ou instituto de pesquisa, seja público ou privado. No entanto, o que foi preconizado pela Carta Magna só vai ser definitivamente aceito pelo ordenamento jurídico nacional com o advento da lei 9394/96, a qual trouxe avanços sobre o tema da educação universitária, especificamente no artigo 43, que diz ser objetivo da educação: Tal lei, em seu art. 43, incisos III, VI, VII e VIII, intensifica a função da Extensão, alguns explicitamente, outros nem tanto:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição;
VIII – atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares. (BRASIL. Lei 9394/96, art. 43).
No inciso III, a palavra “difusão” refere-se não apenas às aulas, às publicações, colóquios, congressos etc., mas, também, aos cursos de extensão oferecidos como forma de nivelamento escolar ou aprimoramento. Um professor pode oferecer um curso de línguas estrangeiras para os seus alunos regulares ou abrir para o público em geral, isso seria considerado uma atividade de extensão. Já no VI, preconiza-se que a universidade deve, além de prestar serviço especializado, manter reciprocidade com a comunidade. No fundo, os incisos anteriores já abordavam a mesma temática, mas a preocupação do legislador com as atividades de extensão é tamanha que o leva a reiterar constantemente a importância dela. O VII, por sua vez, literalmente aborda o tema da extensão. O VIII aponta para a importância de a universidade manter-se atenta aos interesses das escolas de ensino médio. A extensão aqui é obrigatória, seja por meio de estágios de licenciatura, seja por meio de palestras e cursos, seja em parceira na pesquisa, etc. A extensão continua aberta à participação popular, mas não se limita mais apenas a cursos, como preconizada a Lei 5.540/68, mas a cursos e programas, de acordo com a Lei 9394/96: “Artigo 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: […] IV – de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino (BRASIL, Lei 9394/96, artigo 44).
O artigo 52 do mesmo instituto legal afirma que “as universidades são pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano” (BRASIL. Lei 9394/96, art. 52). De forma implícita a referida Lei aborda a indissiociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Com o governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma expansão das instituições privadas de ensino superior, o que para muitos doutrinadores teria causado o enfraquecimento do estimulo à pesquisa e à extensão, pois cortara verbas fundamentais para as universidades e incentivar o surgimento de universidades particulares, algumas pouco preocupadas com a extensão científica e, sim, com uma extensão assistencialista e propagandística, de certa maneira mui similar à da época da Ditadura Militar. Como consequência dessa política, continuam os críticos do governo FCH, no Decreto 3860/01 a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão não estava explicita nem implícita, conforme Magnani (2002), por isso, e outros motivos, tal Decreto foi totalmente revogado pelo Decreto 5.773/06.
Independentemente dos governos, o grande problema prático das atividades de extensão é que, embora se digam que há indissociabiliade entre ensino, pesquisa e extensão, cada vez mais o ensino se limita somente à reprodução do conhecimento e os professores mais qualificados tendem a se afastar das salas de aula e se dedicarem à pesquisa. A extensão, por sua vez, fica relegada aos interesses individuais de um ou outro docente de boa vontade. Para Mazzili (1996), a extensão não pode ser considerada como um interesse de um ou de um pequeno grupo, mas de toda a sociedade. Além disso, a maioria das universidades públicas se limita apenas a abordar a extensão na quantidade exata exigida pela lei. É como se fosse um estorvo e não como algo produtivo, vantajoso para todos, para a universidade, para o docente, para a comunidade. (Gomes, 2004).
O objetivo deste capítulo é abordar a visão de dois teóricos modernos, Boaventura de Souza Santos e Pierre Bordieu, sobre as causas do mau funcionamento dos programas de pesquisa e extensão nas universidades contemporâneas.
3.1. A Universidade em Crise
Santos (2005) fala de uma suposta crise nas universidades em geral, a qual seria consequência da nova ordem mundial imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial e, por conseguinte, da implantação do novo papel do Estado, obrigado agora a ter uma função mais responsável no tocante aos direitos e garantias fundamentais, principalmente quanto à educação. O mesmo pensador (2005) afirma ainda que tal crise tem diversas ramificações, todas decorrentes das contraditórias e, muitas vezes antagônicas, exigências sobre as universidades públicas, principalmente as europeias. Uma das tentativas de explicar essa crise se encontra em dois grupos distintos. Um primeiro grupo tenta eliminar da universidade a noção de “elefante branco”, ou seja, de uma instituição pública que pouco traz de benefícios para a sociedade. Nesse ponto, obrigam o poder público a investir em ensino de qualidade, em pesquisa de ponta, e em extensão de fato útil para a comunidade. A Universidade seria a instituição que mais deveria ser subvencionada pelo Estado, só assim ela poderia auxiliar no desenvolvimento intelectual e tecnológico de um país. O outro grupo, por seu turno, exige que o Estado interfira menos na economia e política; esse grupo busca evitar Estados fortes como os que existiam durante as duas grandes guerras. Quer que o Estado não só não interfira, como diminua seu campo de atuação, limitando-se à visão neoliberal. Esse grupo aponta para as Universidades norte-americanas, as quais são ricas, bem-estruturadas e privadas.
A crítica feita pelo primeiro grupo a essas ideias é a seguinte: se as ideias neoliberais fossem implantadas, implicaria a diminuição de recursos públicos para as universidades públicas e um papel maior da iniciativa privada para financiá-las, criando assim uma grande hierarquia interna relativa às áreas de conhecimento, de acordo com o seu potencial de atrair recursos externos. Ou seja, as áreas de exatas, como a Química Industrial, teria um número maior de investimentos, pois seria mais pragmática, enquanto isso, as áreas de humanas, como filosofia, por exemplo, se quedariam desprestigiadas. Sobre esses choques ideológicos, Santos (2005) traz as três grandes contradições:
[…] A primeira contradição, entre conhecimentos exemplares e conhecimentos funcionais, manifesta-se como crise de hegemonia. […] A universidade sofre uma crise de hegemonia na medida em que a sua incapacidade para desempenhar cabalmente funções contraditórias leva os grupos sociais mais atingidos pelo seu décite funcional ou o Estado em nome deles a procurar meios alternativos de atingir os seus objetivos. A segunda contradição, entre hierarquização e democratização, manifesta-se como crise de legitimidade: ser consensualmente aceite. A universidade sofre uma crise de legitimidade na medida em que se torna socialmente visível a falência dos objectivos colectivamente assumidos. Finalmente, a terceira contradição, entre autonomia institucional e produtividade social, manifesta-se como crise institucional. […] A universidade sofre uma crise institucional na medida em que a sua especicidade organizativa é posta em causa e se lhe pretende impor modelos organizativos vigentes noutras instituições tidas por mais ecientes. (SANTOS, 2005, p. 190).
Ressalta ainda o autor que também há as ameaças externas à universidade: “[…] uma universidade socialmente ostracizada pelo seu elitismo e corporativismo e paralisada pela incapacidade de se auto-interrogar no mesmo processo em que interroga a sociedade, é presa fácil dos prosélitos da globalização neoliberal” (SANTOS, 2005, p. 115). Dessa forma, tais ameaças necessitam ser levadas a serio. Trazendo essa realidade para o caso brasileiro, Gonçalves (2015) elenca os principais tipos de ameaças externas para as universidades públicas nacionais:
A expansão e o incentivo e financiamento público ao ensino superior privado, a criação de espaços de pesquisa externos às Universidades públicas, as exigências de produtividade acadêmica, os questionamentos e demandas sociais postos à Universidade, a distinção necessária entre Universidade e ensino superior, a reestruturação do Estado que implica em diminuição do investimento na Universidade pública e no estímulo para que esta busque fontes de financiamento privadas, o estabelecimento de critérios de avaliação derivados de lógicas não acadêmicas, a ênfase em um currículo mais aligeirado e flexível para contempla demandas de mercado, entre outros (GONÇALVES, p.5, 2015).
Assim, a ameaça às universidades é, por consequência, uma ameaça também a tríade ensino-pesquisa-extensão, principalmente a esta última que é considerada como uma ação de grupos socialistas e assistencialistas. Com se viu, a indissociabilidade entre os três elementos fundamentais do conceito de universidade deve ser compreendida como uma resposta às pressões sociais por uma universidade mais próxima da população, que tente entender os problemas cotidianos e pragmáticos dela, como está expresso em documento publicado pela ANDES:
O princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão remete um conceito de qualidade do trabalho acadêmico que favorece a aproximação entre universidade e sociedade, a autorreflexão crítica, a emancipação teórica e prática dos estudantes e o significado social do trabalho acadêmico. A concretização deste princípio supõe a realização de projetos coletivos de trabalho que se referenciem na avaliação institucional, no planejamento das ações institucionais e na avaliação que leve em conta o interesse da maioria da sociedade. (ANDES, 2003, p. 30 apud MAZZILLI; MACIEL, 2010, p. 4).
O enunciado acima condiz com o proposto por Santos (2005, p.54), o qual percebe a crise da universidade e traz saídas para um “reforma criativa, democrática e emancipatória da universidade pública.” Tal reforma, porém, não é algo unânime e está cheia de conflitos:
No momento em que a procura da universidade deixou de ser apenas a procura de excelência e passou a ser também a procura de democracia e de igualdade, os limites da congruência entre os princípios da universidade e os princípios da democracia e da igualdade tornaram-se visíveis: como compatibilizar a democratização do acesso com os critérios de selecção interna? […] como é possível […] adaptar os padrões de educação às novas circunstâncias sem promover a mediocridade e descaracterizar a universidade? (SANTOS, 2005, p. 212).
De fato, tais ideias devem ser consideradas com atenção, pois não existem soluções absolutas a curto prazo, devendo cada instituição buscar rumos viáveis.
3.2. A Burocracia e a Crise do Conhecimento Acadêmico
A extensão é a terceira função da universidade e pode-se dizer que surge depois da consolidação e legitimação do ensino e da pesquisa. Todos os três estão de alguma forma delimitados por aquilo que Bordieu (2001, 2004) denominou de campo e de habitus. O primeiro “corresponde ao espaço em que se dão as relações sociais, sendo que cada agente participa de vários campos simultaneamente, além de cada campo poder estar relacionado e ser abrangido por outros campos maiores” (Bourdieu, 2004). Desta forma, o ensino superior no Brasil é considerado um “campo”, cujas instituições têm especificidades, isto é, há uma divisão administrativo-burocrática: Pró-Reitorias, Departamentos, Núcleos etc. Cada campo possui suas regras próprias que lhes são inerentes, neles se dão disputas internas entres os seus agentes, o mesmo ocorre entre os vários campos entre si. Todos os campos e agentes buscam autonomia e liderança, todos querem se manifestar, mostrar que são importantes e essenciais para a sociedade. Daí criam-se regras específicas e criticam as regras dos outros campos.
Tais agentes com o tempo desenvolvem costumes em consonância com suas experiências dentro de seu campo específico, ou seja, criam seus “habitus” (Bordieu, 2004); hábitos que passam a ser tidos como certezas, valores imutáveis e consolidados. Os agentes supracitados passam a ser “os donos do poder dentro da universidade”, exigindo, assim, que os trâmites internos e externos se adequem aquilo que seu “habitus” preconiza. Quando essa prática atinge os projetos de pesquisa e extensão muitas vezes para que esses saiam do papel necessita-se uma grande quantidade de trâmites burocráticos que se enquadrem nas normatizações e “habitus” internos. A prática desse quefazer geralmente precisa de um arcabouço legal para garantir que as relações entre os campos se mantenham:
Essas relações ocorrem necessariamente no cotidiano, nas normativas da instituição, na sua estrutura administrativa e nos instrumentos de gestão e avaliação, nas práticas de seus agentes, o contexto no qual são discutidas, construídas e consolidada concepções (no plural, pois mesmo que haja uma principal, não será consensual) de Universidade, e de suas funções, de Ensino, de Pesquisa e de Extensão. As tensões entre concepções distintas estão postas nesse cotidiano, desde nas instâncias formais, como conselhos superiores, na política de desenvolvimento institucional, no projeto pedagógico da Universidade e de cada curso, nas pró-reitorias, nas salas de aula, entre outros (p. 16, 2010).
Então, não basta o professor-pesquisador ser eficiente e ter boas ideias para que possa praticar atividades de extensão a contento da sociedade, deve habituar-se às práticas burocráticas e jogos de interesses entre os distintos campos de atuação dentro da Universidade Pública. Para tudo há uma norma, um agente que a exige, mesmo que o resultado de tal normatização seja infrutífero e, às vezes, prejudicial para a Instituição. As práticas burocráticas então têm duas características bem delimitadas: a primeira é a que tenta organizar, disciplinar e apontar caminhos. A burocracia é importante para que os agentes saibam quais seus papéis dentro da instituição. Ela surgiu para potencializar a produção, mas também para combater a corrupção interna nas corporações. No entanto, a burocracia tende a transformar-se em algo disforme que perde a sua função original e passa a ser um fim e não um meio de se atingir algo. O burocrata percebe que as atividades têm que passar por ele, e dele conseguir autorização para que a tramitação continue. Isso é muito poder. É justamente essa segunda característica que tem assolado a burocracia pública brasileira, nas universidades públicas não é diferente.
3.3. O Conhecimento como arma acadêmica
Pierre Bourdieu (2004) faz, em “Os usos sociais da ciência”, três questionamentos que vão ser fundamentais para a o entendimento da produção intelectual no seio das universidades, públicas ou privadas: qual a lógica própria do mundo científico?; quais os usos sociais da ciência?; é possível fazer uma ciência da ciência, uma ciência social da produção da ciência, capaz de descrever e de orientar os usos sociais da ciência? Para o referido autor (2004), as produções culturais são interpretadas pela Academia de duas formas antagônicas: a forma semiológica e a marxista. A primeira diz que para se compreender um livro de literatura, por exemplo, não se precisa de nada mais do que o texto em si; a segunda, preconiza que o mesmo texto em questão só se poderá compreendê-lo essencialmente se se analisar o seu contexto, pois há interesses ocultos (sociais, econômicos) que são os responsáveis pelo surgimento da obra. Esse antagonismo também existe na ciência. No entanto, há uma terceira teoria, menos reducionista do que as duas anteriores, que o autor denomina de os “campos científicos”, os quais servem como espécie de “ponte” entre o texto/contexto (no caso das produções culturais), e entre a pesquisa científica e a sua produção efetiva.
Campo é tudo aquilo no qual “estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas.” (BOURDIEU, 2004, p. 20).Alguns vão dizer que essa noção de campo se reduz apenas ao aparato burocrático, que é usado par limitar o pensar científico em favor de determinada classe social. Essa noção é incompleta, pois a noção de campo não se reduz à burocracia, esta é apenas uma parte daquele conceito. Já para outros, essa noção de campo é insignificante para a produção científica, pois a ciência pura é desinteressada e não se limita aos interesses imediatos da sociedade, transcende-os, na medida em que o objetivo central do pesquisador é a pesquisa em si, por amor à verdade científica, tal como o queriam Sócrates e Platão. Essa opinião também é incompleta, pois a ideia de campo traz à tona interesses que nem sempre coincidem com o interesse econômico. Bourdieu, sobre isso, afirma que há dois tipos de capital: o econômico e o científico. O primeiro diz respeito àquele trabalhado por Karl Marx, por exemplo. Já o segundo, o que de fato interessa a Bourdieu, subdivide-se em dois e correspondem a duas formas de poder inerentes ao “campo” de pesquisa:
De um lado, um poder que se pode chamar de temporal (ou político), poder institucional e institucionalizado que está ligado à ocupação de posições importantes nas instituições científicas (…); de outro lado, um poder específico, ‘prestígio’ pessoal que é mais ou menos independente do precedente, segundo os campos e as instituições, e que repousa quase exclusivamente sobre o reconhecimento, pouco ou mal objetivado e institucionalizado, do conjunto de pares ou da fração mais consagrada dentre eles (por exemplo, com os ‘colégios invisíveis’ de eruditos unidos por relações de estima mútua) (BOURDIEU, 2004, p.35).
E o que há de comum entre os dois tipos de capital (o econômico e o científico)? A acumulação. O capital científico gera aquilo que o autor chama de Illusio, pois o pesquisador finge desinteresse econômico e dá a impressão de que faz ciência por amor tão-somente à ciência, entretanto tal cientista tem, no fundo, um interesse que é inerente ao seu campo de atuação, ele quer reconhecimento pelos seus pares, pois sabe que tal reconhecimento lhe dará a autoridade e autonomia para pesquisar aquilo que lhe interessa, para que isso ocorra, porém, tal cientista necessita da máquina administrativa institucional que lhe financia a pesquisa. Ele necessita “acumular” capital econômico para conseguir capital científico:
Têm-se, assim, testemunhos vindos de responsáveis pelas grandes revistas americanas de física que contam que seus pesquisadores lhes telefonam dia e noite, angustiados, porque se pode perder o benefício de vinte anos de pesquisa por cinco minutos de atraso. O eruditos são interessados, têm vontade de chegar primeiro, de serem os melhores, de brilhar (BOURDIEU, 2004, p.30).
Daí a luta incansável, os plágios, as calúnias cientificas etc. dentro dos campos. Essa postura vai contra a ideia de que o pesquisador/cientista é alguém que vive entre livros ou em laboratórios, que não tem muito cuidado com a vestimenta e que está sempre a usar suas pesquisas para uma causa desinteressada e nobre. Bourdieu dá a entender que isso é verdade no tocante ao mundo externo (ou seja, fora do campo científico), mas não em relação ao mundo interno, ou seja, ao campo de atuação do cientista, pois este é, como já foi dito, um capitalista: acumula tanto verbas para sua pesquisa (capital econômico) como almeja acumular pesquisas que lhe deem notoriedade em seu meio (capital científico). Desta forma, fica claro que há dois “mundos”, o mundo externo com suas leis próprias e o mundo restrito das instituições de pesquisa e divulgação científicas. Este último tem certa autonomia sobre aquele, e esta autonomia se dá porque nem sempre os interesses do mundo externo coincidem com os do mundo interno.
Um cientista está preocupada com os recursos para a sua pesquisa e como agilizá-la dentro da própria instituição, mas o que verdadeiramente o motiva é o destaque entre seus pares, é o poder que ele pode conseguir perante os especialistas em sua área de atuação. Essa preocupação com os recursos para a pesquisa, como e onde consegui-los, a quem se direcionar, etc., juntamente com os interesses de reconhecimento intelectual por parte do pesquisador é que vai constituir a real noção de “campo”. O que o pesquisador produz não vale por si só nem muito menos é tão-somente um reflexo dos interesses sociais vigentes, é tudo isso e, também, a tentativa de conseguir fama e a “imortalidade”, entrar para a História como um Einstein, um Platão, um Bacon etc. Os pesquisadores, portanto, para realizarem seus desejos sociais e individuais, buscam um grau maior de autonomia, que é conseguido dependendo da instituição em que eles trabalham. Bourdieu (2004) assegura que um dos problemas-chave para a noção de campo científico é justamente o grau de autonomia que pesquisadores e instituições usufruem. Daí resta saber:
qual é a natureza das pressões externas, a forma sob a qual elas se exercem, créditos, ordens, instruções, contratos, e sob quais formas se manifestam as resistências que caracterizam a autonomia, isto é, quais são os mecanismos que o microcosmo (os campos) aciona para se libertar dessas imposições externas e ter condições de reconhecer apenas suas próprias determinações (BOURDIEU, 2004, p. 21).
Como conseguir autonomia? Esta autonomia não é do pesquisador em relação à instituição em que trabalha, mas do grau de liberdade que seu campo de atuação tem sobre as pressões sociais, pressões sociais essas que vêm justamente pelo campo (pelas instituições onde o pesquisador trabalha). Bourdieu dá o exemplo da Biologia: “Se você tentar dizer aos biólogos que uma de suas descobertas é de esquerda ou de direita, católica o não-católica, você suscitará uma franca hilaridade, mas nem sempre foi assim.” (BOURDIEU, 2004, p. 22). Ao biólogo interessa menos as opiniões da sociedade civil do que as das revistas científicas. Exemplo disso: no Brasil, houve a polêmica sobre as células-tronco, que foi decidida no STF, mas aos biólogos brasileiros interessava muito mais saber o que uma revista especializada na China, ou no Japão, por exemplo, falava sobre o tema, do que aquilo que toda sociedade brasileira decidia, por meio dos ministros do Supremo, sobre o mesmo tema.
O campo é, desta forma, uma estrutura mundial, que tem sua própria regra e é alterada de dentro para fora. Bourdieu dá o exemplo das teorias einsteinianas, que repercutem em todo o campo da física, impondo maneiras de agir e pensar, discutir e concordar, que são autônomas em relação àquilo que a sociedade pensa: afinal, mesmo com a pressão social sobre as bombas nucelares, não se deixou de pesquisar e evoluir sobre este tema. É por isso que o discurso das ciências é muitas vezes indecifrável para o não iniciado, para aquele que não pertence ao campo, pois a ciência nem sempre se preocupa em agradar a sociedade civil, ao contrário, busca cada vez mais autonomia em relação a esta. E tal autonomia é conseguida por meio daquilo que o autor chama da estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem ou não podem fazer. “(…) Compreendemos o que faz um agente engajado num campo (um economista, um escritor, um artista etc.) se estamos em condições de nos referirmos à posição que ele ocupa nesse campo, se sabemos ‘de onde ele fala’.” (BOURDIEU, 2004, p. 24).
A busca dessa “posição” dá autoridade (esta é chamada por Bourdieu de capital científico), e é esta autoridade que vai movimentar o campo, que vai impor novos hábitos ou fazer novas revoluções dentro desse campo. Se Einstein tivesse elaborado suas teorias em uma universidade de pouco renome internacional talvez elas não tivessem a repercussão que tiveram. É essa repercussão científica a grande necessidade do cientista, ele vive mais para ela do que para si mesmo. Disso se infere que o pesquisador está em guerra, guerra contra o tempo, guerra contra os outros pesquisadores, guerra contra o sistema que não lhe financia as pesquisas. Ora, a Extensão acadêmica está ligada ao ensino e a pesquisa, não existe sem estas. Ela necessita da produção acadêmica, pois como levar conhecimento à sociedade se este não for adquirido primeiro dentro da universidade?
Os pesquisadores estão mais interessados em conseguir publicar seus achados e inventos em revistas internacionais, participar de congressos para divulgar suas ideias do que comparti-las com a comunidade não especializada. Dessa forma, aqueles que têm seus projetos de pesquisa financiados, muitas vezes não participam das atividades de extensão acadêmicas. No fundo, suas funções reais é produzir novos conhecimentos, são pagos para isso. E cumprem, na maioria das vezes, suas obrigações. As atividades de Extensão, portanto, terminam por se associar mais ao ensino do que as atividades de pesquisa propriamente dita.
3.4. Extensão e autonomia universitárias
A Universidade, conforme Santos (1996) tem um eixo que se fundamenta em um tripé: ensino, pesquisa e extensão. Sem esses três elementos, e o intento de abarcar todas as disciplinas conhecidas em dada época, não se pode atribuir a uma instituição de ensino o título de “universidade”. Tal termo tentar integrar o universal, não apenas em todos os ramos de saber conhecidos pelo homem, mas também que tal saber seja “universalmente” válido e útil à comunidade ou aos grupos que financiam e permitem a existência das universidades. A autonomia das universidades é a consolidação de desejos antigos, é o que diz Celso Antônio Bandeira de Melo:
As universidades, notoriamente, são das mais antigas instituições em que se expressou um sentimento autonômico e de auto-organização. Não há descentralização de atividade especializada alguma que tenha tão forte e vetusta tradição. Em rigor, ela é tão antiga que precede à própria noção de Estado. […]Se às pessoas descentralizadas em geral convém uma disciplina jurídica ajustada a suas finalidades e tipo de ação, até parece despiciendo sublinhar a indeclinável necessidade de que as universidades – instituições de cunha tão peculiar e original – sejam regidas por um quadro normativo específico para elas (MELO apud FERRAZ, p. 3, 2016).
Essa autonomia muitas vezes é questionada. No meio acadêmico, fala-se que a lei não é posta em prática e que a autonomia queda-se apenas no papel, pois não haveria verbas que garantissem cursos de qualidade e pesquisas de ponta. Entretanto a autonomia a que se refere o texto constitucional não pode ser entendida como liberdade total, muito menos como o poder de se criar norma interna que fira lei ou a Constituição, é o que diz Lutaif:
A universidade não deixa de ser um ente vinculado à administração pública, e não pode ser um território de vácuo legislativo. O Ministro Sepúlveda Pertence […] entende que a universidade não pode criar direito separado alegando sua autonomia, pois a criação de direito pressupõe a existência de poder político. Em outro voto, proferido por Moreira Alves, novamente é afirmado que a autonomia da universidade é apenas administrativa, e não política, não possuindo, portanto, poder de legislar. (LUTAIF, p. 44, 2014).
Reitores, Pró-reitores, Professores e Técnicos das Universidades sabem disso. No entanto, como explicar que recursos voltados para a pesquisa e extensão retornem aos cofres públicos por falta de aplicação? Parece que por preocupação exagerada em “não legislar” termina-se por não se emitirem normas internas que fundamentem ou esclareçam as leis federais, o que impossibilita a comunidade científica de saber como, onde e quando aplicar os recursos. Isso parece criar um círculo vicioso que parte dos comandos mais altos até chegar ao professor e estudante pesquisadores. O mais contundente, entretanto, é que o poder público impõe cada vez mais normas que regularizem as funções essenciais relativas à pesquisa e à extensão. Exemplo disso encontra-se no art. 1º da Lei 10.973, de dezembro de 2004, o qual estabelece, para todos os entes envolvidos com a pesquisa e extensão em âmbito federal, “medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País” (Brasil, 2004). Medidas essas que são especificadas em diretrizes claras nos incisos do referido artigo:
I – promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social;
II – promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade; […]
IV – descentralização das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo, com desconcentração em cada ente federado;
V – promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas;
VI – estímulo à atividade de inovação nas Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs) e nas empresas, inclusive para a atração, a constituição e a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação e de parques e polos tecnológicos no País;
X – fortalecimento das capacidades operacional, científica, tecnológica e administrativa das ICTs;
XI – atratividade dos instrumentos de fomento e de crédito, bem como sua permanente atualização e aperfeiçoamento;
XII – simplificação de procedimentos para gestão de projetos de ciência, tecnologia e inovação e adoção de controle por resultados em sua avaliação;
XIII – utilização do poder de compra do Estado para fomento à inovação;
XIV – apoio, incentivo e integração dos inventores independentes às atividades das ICTs e ao sistema produtivo (Brasil, 2004).
No entanto, e apesar das leis, as universidades, tanto as públicas quanto as privadas, têm deixado transparecer um fenômeno que, em certa medida, contradiz os textos da lei, pois parecem preocupar-se mais com o ensino e olvidam a pesquisa e a extensão. Então o próprio poder público estaria ferindo a lei? Talvez. Mas se isso for verdade, como explicar o mesmo fenômeno nas universidades privadas? Afinal, ao menos teoricamente, estas têm grande habilidade para lidar com os recursos econômicos, fazendo o capital aumentar consideravelmente. Elas têm evoluído em termos estruturais, possuem uma boa mão de obra, menos burocracia, mais agilidade nos trâmites internos, porém parecem voltar suas miradas na direção daquilo que imediatamente lhes pode dar lucro: o ensino.
A pesquisa e a extensão, por exigirem mais investimentos e nem sempre gerarem dividendos imediatos às mantenedoras, parecem ficar no ostracismo. Ao menos é isso o que uma leitura superficial tem mostrado. Se de fato for assim, tais institutos de educação estariam limitados ao ensino, desrespeitando o preconizado na Lei. Há outro problema relativo a algumas universidades privadas: ultimamente elas têm sido mal avaliadas pelo MEC. Alegam que, embora tenham um quadro docente de qualidade, os alunos ingressam com um nível de formação mais baixo do que aqueles que ingressam nas públicas, tendo o professor que recuperar aquilo que seu aluno deveria ter visto no ensino básico. Assim, são obrigadas a fazer altos investimentos que possibilitem levar seus alunos a ter o nível adequado de instrução ao término do curso. Tais gastos têm impedido as universidades privadas investirem em pesquisa de extensão de qualidade. Pode ser.
Já a extensão em algumas universidades privadas tem um quê de assistencialismo, ou seja, é muito comum vê-las fazerem “mutirões” de ajuda, de campanhas de arrecadação de alimentos etc. para ajudar os mais necessitados. Isso é válido do ponto de vista humanitário, mas não é extensão acadêmica, pois esta deve ser o resultado do saber adquirido que é repassado à população, de forma que lhe beneficie concretamente. No caso das universidades federais, os recursos vêm majoritariamente do setor público, com isso tais instituições têm que aprender a dividir os recursos que vão para o ensino, para a pesquisa e para a extensão. Embora tenham autonomia administrativa, devem investir quantias pré-estabelecidas pelo MEC em cada um dos itens acima descritos. Se assim for de fato, parece que se um dado recurso voltado para o ensino, por exemplo, não tiver viabilidade momentânea não poderá ser investido em atividades de pesquisa ou extensão. Do exposto, tem-se que há cursos de extensão que não estão sendo úteis à comunidade acadêmica ou à população. Há reclamações por parte de professores, os quais não conseguem ministrar cursos ou programas de extensão da forma como desejam, outros reclamam da burocracia ao elaborarem os projetos, outros, ainda, simplesmente não sentem motivados para realizar tais atividades, burocráticas, cansativas e de pouco retorno – afirmam.
Quanto à pesquisa, há projetos federais, há órgãos que financiam a pesquisa, mas não se veem os resultados dessas pesquisas. É como se não existissem, ao menos numa visão mais simplista.Embora o conceito de extensão no país, conforme Vieria (2004), varie bastante, pois, como já foi visto acima, muitas vezes é entendida como algo voltado para a difusão da cultura ou algo especificamente científico; outras vezes, como assistencialismo ou uma prestação de serviços comunitários. Independentemente da forma como se a vê, há intentos de melhorar a extensão universitária, tais como o FORPROEX, o qual compreende a extensão como “como caminho de consolidação de responsabilidade e compromisso social e como dimensão intrínseca da formação acadêmica e do conhecimento produzidos na e pela Universidade” (GONÇALVES, p. 16, 2015). Para tanto, é necessário repensar a universidade desde as suas bases,
[…] a reforma da universidade deve conferir uma nova centralidade às actividades de Extensão (com implicações no curriculum e nas carreiras dos docentes) […], atribuindo às universidades uma participação activa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural. (SANTOS, 2005a, p. 71).
Mas como fazê-lo? Pois, mesmo com a importância atribuída à Extensão, percebe-se que há um choque entre as propostas de Santos (2005) e as assinaladas pelo FORPROEX, pois o referido autor trata tópicos, muitas vezes isolados, tais como
a pesquisa-ação, envolvendo a pesquisa participativa e formação na qual ‘interesses sociais são articulados com os interesses científicos’ o que chama de ecologia de saberes, que consiste na ‘promoção de diálogos entre o saber científico e o humanístico, que a universidade produz, e saberes leigos […] que circulam na sociedade (SANTOS, apud Gonçalves, p. 18, 2015).
Importante citar também a relação da universidade com a indústria e a escola pública. Já o FORPROEX, por seu turno, afirma, sobre a extensão o seguinte:
A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. A extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será
acrescido àquele conhecimento. Este fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados/acadêmico e popular, terá como consequência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; e a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. […] Como um processo que permeia o ensino e a pesquisa, integrando essas atividades, a extensão deve ser parte indispensável da rotina universitária, institucionalizando-se tanto do ponto de vista administrativo como da prática acadêmica. (FORPROEX, 1987 apud NOGUEIRA, 2000, p. 11-12).
Como se infere, a visão positiva existe e ressalta as funções da universidade, o que se reitera nos princípios preconizados para a extensão.
Este capítulo analisará as causas de a UNIR ter poucas atividades de extensão e os resultados práticos destas, ao menos das que foram efetivamente realizadas.
4.1. A Fundação da UNIR
A UNIR foi instituída pela Lei 7.011/82 em plena Ditadura Militar. Em termos geográficos, o Campus José Ribeiro Filho está localizada a 14 Km do núcleo administrativo da cidade de Porto Velho. À época, diziam-se duas coisas sobre tal distância. Os opositores da Ditadura Militar afirmavam que o Campus foi construído no meio da floresta para evitar que os movimentos revolucionários, geralmente oriundos das discussões acadêmicas, tivessem a oportunidade de aliciar tão facilmente a população. Os defensores do Governo, ao contrário, diziam que a intenção dos militares era estratégica, pois ao colocar a UNIR em um local afastado da cidade, forçava os futuros administradores do município ou do estado a expandir a cidade rumo à universidade, seja por meio de estradas, seja por meio de construções ao longo da BR 364. Não há como se provar nenhuma dessas hipóteses, talvez elas sejam apenas resultado de confrontos políticos de outrora. O fato é que a lei que cria a UNIR é anterior à Carta Magna de 1988, e em tal lei não há nada sobre a Extensão Universitária, limitando-se ao ensino e a pesquisa, como se percebe no artigo 2º da Lei em tela:
Art. 2º – A Fundação Universidade Federal de Rondônia, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura, terá por objetivo ministrar o ensino superior e desenvolver a pesquisa, as ciências, as letras e as artes, regendo-se por Estatuto e Regimento Geral, aprovados na forma da legislação vigente, no prazo máximo de 12 (doze) meses.
Como se vê, a extensão não faz parte dos objetivos centrais da UNIR, ao menos naquele momento, pois a LDB que vigia até então, ou seja, a Lei 5.692/71, nada dispunha sobre o tema, alias nem ela nem as suas antecessoras, como é o caso da LBB/61, embora o título XI desta especificasse a assistência social, não sendo esta, porém, exclusividade das universidades, mas uma prestação de serviço muito parecida com a que as igrejas ofereciam:
Art. 90. Em cooperação com outros órgãos ou não, incumbe aos sistemas de ensino, técnica e administrativamente, prover, bem como orientar, fiscalizar e estimular os serviços de assistência social, médico-odontológico e de enfermagem aos alunos.
Art. 91. A assistência social escolar será prestada nas escolas, sob a orientação dos respectivos diretores, através de serviços que atendam ao tratamento dos casos individuais, à aplicação de técnicas de grupo e à organização social da comunidade.
A LDB/61 dispunha apenas sobre um tipo específico de extensão, o qual aparece nos objetivos do ensino superior:
Art. 69. Nos estabelecimentos de ensino superior podem ser ministrados os seguintes cursos:
a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente, e obtido classificação em concurso de habilitação; |
b) de pós-graduação, abertos a matrícula de candidatos que hajam concluído o curso de graduação e obtido o respectivo diploma; |
c) de especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros, a juízo do respectivo instituto de ensino abertos a candidatos com o preparo e os requisitos que vierem a ser exigidos. |
Infere-se, portanto, que a Extensão não estaria mesclada ao ensino e a pesquisa de forma obrigatória, mas apenas ao ensino, ou seja, a extensão serviria como uma forma de reforçar ou aprimorar o ensino tão-somente. E não é apenas isso que se constitui no conceito de extensão universitária. Desta forma, a UNIR é criada com um objetivo central de dedicar-se ao ensino e a pesquisa, mas a extensão não compunha uma de suas bases.
4.2. A legislação interna sobre a extensão
O Estatuto da UNIR (criado com a Resolução nº 135/CONSUN, de 13 de outubro de 1998) afirma, no artigo 2º, que ela tem autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira, conforme a legislação vigente. A primeira observação sobre esse dispositivo é que a UNIR não possui autonomia absoluta, embora possa tomar muitas decisões, organizar sua própria verba, não lhe é dado o direito de cobrar por muitos de seus serviços, por exemplo. Dessa maneira, o ensino, a pesquisa e a extensão devem ser gratuitos, mesmo que em alguns casos com ônus para a própria instituição. Afinal, como já foi visto anteriormente, tanto o ensino, como a pesquisa e a extensão são obrigações constitucionais, deveres sobre os quais a UNIR não pode se esquivar. Portanto, deve possuí-los, oferecê-los aos cidadãos, mesmo que não haja infraestrutura para tanto. A extensão, não é uma faculdade que pode ou não ser exercida quando a UNIR assim o queira, é uma obrigatoriedade. Veja-se o que se diz no artigo 3º do seu Estatuto:
Art. 3º No exercício de sua autonomia, são asseguradas à UNIR, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: […]
III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; […] (Resolução nº 135/CONSUN, de 13 de outubro de 1998)
A palavra “asseguradas”, embora pareça uma garantia, não o é, ao menos aqui, pois se o ensino está defasado, se a pesquisa é custosa, como fazer atividades de extensão? Termina-se por se ter “cursos de extensão apenas”, os quais geralmente não são remunerados. No parágrafo primeiro do citado artigo preconiza-se que o CONSUR (Conselho Superior) ficará encarregado de administrar as verbas para as atividades de extensão:
IV – programação das pesquisas e das atividades de extensão; […](Resolução nº 135/CONSUN, de 13 de outubro de 1998)
O legislador tem frisado veementemente a importância da extensão em vários trechos do Estatuto:
Art. 4 A UNIR é uma instituição pluridisciplinar de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, tendo como finalidade precípua a promoção do saber científico puro e aplicado, e, atuando em sistema indissociável de ensino, pesquisa e extensão […] (Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
E também no artigo 16:
Art. 16. O funcionamento dos núcleos e dos campi efetuar-se-á através de projetos finitos e flexíveis nas seguintes modalidades:
I – cursos de graduação, cursos de pós-graduação, aperfeiçoamento, extensão e cursos seqüenciais, além de outros cursos que deverão integrar as funções de ensino, pesquisa e extensão; e
II – projetos especiais e projetos de pesquisa, que deverão abranger uma ou mais dessas funções. (Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
Assim como no artigo 34:
Art. 34. A organização dos trabalhos universitários far-se-á com um sentido de crescente integração, de tal modo que o ensino e a pesquisa se enriqueçam mutuamente e se redimensionem através da extensão (Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
Seguindo essa necessidade de enfatizar a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, o artigo 30 do citado Estatuto cria o órgão responsável pelas atividades de extensão na UNIR, conhecida com PROPEX: “Art. 30. A Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão tem a finalidade de fomento, planejamento, acompanhamento e auxílio às atividades de natureza científico-tecnológica e extensão da UNIR” (Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
Aqui se encontram as soluções e muitos dos problemas das atividades de extensão na UNIR, pois “As atividades de extensão respeitarão as exigências legais pertinentes a cada caso e serão regulamentadas pelo Conselho Superior Acadêmico, pelos Conselhos dos Núcleos e Campi e pelos Colegiados nos termos deste Estatuto e do Regimento Geral” (Art. 42. Estatuto). Aparece também mais especificada no artigo 44 do Regimento Geral da UNIR, o qual estabelece as funções da PROPEX:
Art. 44. A PROPEX é o órgão estabelecido nos termos do artigo 30 do Estatuto ao qual compete:
I – desenvolver, em conjunto com as demais unidades, as políticas norteadoras do apoio e fomento à pós-graduação, pesquisa e extensão;
II – planejar, coordenar, orientar, decidir e executar as atividades relativas à pós-graduação, pesquisa e extensão;
III – submeter à administração superior, as propostas de projetos, convênios e contratos em seu âmbito;
IV – exercer a representação, em seu âmbito, dentro e fora da UNIR;
V – fomentar, apoiar e integrar as atividades de pós-graduação, pesquisa e extensão;
VI – coordenar os comitês de suporte e assessoramento no âmbito das ações da pesquisa institucional, avaliações de projetos de pesquisa que demandem análises das atitudes éticas e da condução de políticas de publicações institucionais;
VII – elaborar e encaminhar à Reitoria relatório anual;
VIII – executar outras atividades que lhe forem atribuídas pelo Reitor ou conselhos superiores (Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
Como se percebe no inciso I, a função da PROPEX não é apenas preocupar-se com as atividades de extensão, mas lidar com a pós-graduação e, também, com a pesquisa. Aqui já se encontra um problema, pois embora a Universidade esteja fundada no tripé ensino, pesquisa e extensão, não implica isso que os órgãos dela tenham que sempre mesclar tais funções. A universidade deve limitar especificamente a função dos seus órgãos, se é para lidar com a extensão, que se limite a extensão. Pois termina que outros órgãos também vão ter o direito de interferir na extensão. Muitas vezes essa interferência gera um excesso de burocracia, pois as atividades de extensão têm que passar por mais órgãos para serem aprovadas. No capítulo VII da Resolução 135 da CONSUN é específico para abordar a extensão. No artigo 153 dela vai-se dizer de que forma as atividades de extensão podem ser classificadas:
Art. 153. A extensão universitária, como função indissociável do ensino e da pesquisa, faz-se através de cursos, estágios não curriculares e serviços.
Parágrafo único. Consideram-se serviços ou cursos de extensão os que, complementares à atividade de ensino e pesquisa, promovam a integração da UNIR à comunidade local ou regional (Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
Como se pode ver no parágrafo único, a extensão pode ser atribuída a atividades complementares ao ensino e à pesquisa. No tocante a esta, como já se viu alhures, termina por ser uma atividade muito específica, mais centrada nas áreas da ciência aplicada, as que podem trazer retorno econômico imediato ou prestígio ao pesquisador. Nas ciências humanas, as verbas para a pesquisa são mais escassas e quando vêm são poucas ou insuficientes para que possam abarcar a todos os projetos de pesquisa. Os pesquisadores, portanto, têm que estar em busca de um ou outro financiador, e não raro, não logra um bom resultado. Dessa forma, as atividades de pesquisa, além de escassas, terminam por ser elitizadas, pois os financiamentos chegam para uns pesquisadores e para outros não. Então, para estar em acordo com a Lei, muitas universidades terminam por considerar as atividades complementares ao ensino como extensão. Isso, de alguma forma, limita os objetivos basilares da extensão, ou seja, levar à comunidade os resultados das pesquisas ou uma prestação a ela de serviços que lhe sejam úteis e práticos. No artigo 154 da Resolução 135/CONSUN, há uma especificação de como são realizadas as atividades de extensão:
Art. 154. Os cursos, estágios e serviços de extensão universitária são realizados das seguintes formas:
I – treinamento pré-profissional de pessoal discente dos diversos cursos de graduação ou pós-graduação;
II – atendimento direto à comunidade e instituições públicas ou particulares;
III – promoção de atividades e participação em iniciativas de natureza cultural;
IV – divulgação de estudos sobre aspectos da realidade local e regional;
V – estímulo à criação artística, científica, tecnológica e esportiva;
VI – publicação de trabalhos de interesse cultural;
VII – outras atividade e programas de interesse da comunidade. Resolução nº 135/CONSUN, 1998).
Logo, o intento é ampliar o máximo possível as atividades de extensão, deixando um leque aberto para que os docentes se interessem e levem os resultados de seus estudos à comunidade. No entanto, quem aprova as atividades de extensão primeiramente não é a PROPEX, mas o próprio núcleo ao qual o professor-pesquisador pertença, conforme o artigo 155 da referida resolução: “Art. 155. Os projetos de extensão universitária são aprovados pelo Conselho de Campus ou Núcleo e informados à PROPEX” (Resolução nº 135/CONSUN, 1998). O que ocorre é que, geralmente, o Núcleo aprova a atividade de extensão e esta fica parada na PROCEA, pois tem que estar de acordo minuciosamente, burocraticamente, com todas as normas e exigências internas. Os trâmites burocráticos, a exigência de projetos, a aprovação em vários segmentos e, pior, a não remuneração direta tem desmotivado os docentes a praticarem a extensão com maior afinco. Mesmo havendo verbas, estão não são suficientes para todos, dessa forma, não raro, as atividades de extensão são financiadas pelos próprios docentes ou por meio de “vaquinhas”, pois, de fato, não há como se financiar todas as atividades. Isso gera desânimo em muitos docentes, os quais terminam por faze somente o mínimo possível exigido pela lei, mas não se sentem motivados a ir além. Até mesmo os programas de mestrado e doutorado também se mantém meio distantes da extensão, ao menos aquela que é levada diretamente à comunidade.
Uma das propostas de combater isso é justamente frear o excesso burocrático, mas tendo em conta que certo grau burocrático é fundamental para qualquer setor público. O grande mal da Administração Pública nacional é o que Raymundo Faoro denominou de “patrimonialismo,” ou seja, devido a forma como o país foi colonizado a administração pública ficava a cargo dos “coronéis de terra”, escravistas, ricos fazendeiros que tratavam aquela como se fosse a Casa Grande, tão bem descrita por Gilberto Freyre. Muito já se tem feito, desde leis de responsabilidades fiscais até exigência de qualidade no setor público. No entanto, este está impregnado com uma visão de que o Estado deve prover tudo, deve ser o responsável de tudo e que deve haver igualdade completa e absoluta entre todos. É essa a mesma visão dos Castros, em Cuba, dos kirchineristas, na Argentina, de Evo Morales, na Bolívia, de Maduro, na Venezuela, do PT, no Brasil. É a visão de um Estado absoluto que administraria de forma férrea a máquina pública para evitar as distorções oriundas da visão individualista e preocupada com o consumismo, fruto do Capitalismo. Nesse conceito de igualdade, todas as profissões deveriam ganhar o mesmo e compartirem as mesmas benesses e problemas, tal como ocorre em Cuba.
Assim, muitas vezes o pesquisador necessita, para conseguir concluir uma tarefa que a lei e a Constituição lhe exigem, mostrar-se submisso e dócil ante um aparato burocrático que existe mais para garantir poder a determinados grupos do que prestar um serviço célere e de qualidade. O pesquisador não é o “pesquisador”, mas apenas um servidor como os outros. Seria o mesmo que dizer que o Juiz e o escrivão devem ter as mesmas prerrogativas e cumprir com os mesmos ritos. O homem que assume o cargo de Juiz não é superior ao homem que assume o cargo de escrivão, mas esses dois cargos não podem ser tratados como iguais. Se um dia os técnicos e analistas do Judiciário passarem a pressionar juízes e desembargadores, a cobrar-lhes mais do que a lei obriga, a exigir que eles façam mais tarefas do que de fato a lei ordena, então a qualidade dos julgados pioraria em muito. Algo parecido ocorreria com a extensão, a pesquisa e o ensino.
No entanto, se não houver limites ao juiz pode ser que surjam abusos de autoridade. Da mesma forma, se a lei não disciplinar o papel do professor pesquisador e se não houver um aparato burocrático que fiscalize o trabalho de suas pesquisas e atividades de extensão, pode ser que o descaso prevaleça. Ou seja, deve-se saber a quantidade certa da burocracia exigida. Nas grandes universidades americanas, lembrar que a maioria esmagadora delas é de capital privado, há, sim, um sistema burocrático vigente, todavia ele não atropela a criatividade e a gana de pesquisar. Também não vira as costas ao capital industrial. O sistema burocrático aí trabalha para o funcionamento correto da instituição. O pesquisador quer fazer uma pesquisa, deve responder a perguntas simples: é viável?, dá retorno?, quem financiará?, qual o benefício para o país e para a instituição?, como a população se beneficiará?
É por isso que tais universidades buscam as mentes mais brilhantes e lhe dão liberdade (até um certo ponto… Pois se libera muito, vira libertinagem) para pesquisar. No caso brasileiro, muitas vezes há verbas, mas estas retornam aos cofres públicos devido ao fato de a burocracia emperrar o andamento de projetos, sejam voltados para o ensino, para a pesquisa ou para a extensão. O pior é que essa é uma verdade já divulgada em grande escala, principalmente entre os legisladores, mesmo assim o problema ainda persiste, pois mexer com determinados grupos de poder é certeza de votos a menos nas próximas eleições.
Por que um curso de extensão não pode ser cobrado? Por que o resultado de uma larga e cansativa pesquisa não pode ser vendido com o intuito de conseguir lucros? Essa ideia de que o povo é hipossuficiente já traz em si uma ideia socialista extremada. Veja-se o seguinte, se um professor da universidade pública federal trabalhar em duas turmas e realizar um curso de extensão superficial, receberá os mesmos soldos de um que dá aula em três cursos, tem um projeto de extensão verdadeiramente útil para a sociedade e, de fato, tem pesquisa contundente e relevante para o progresso científico. Por que este último não pode vender o resultado do seu trabalho? Por que a extensão tem que ser obrigatória e não remunerada para o professor-pesquisador? Nem de longe aqui se fala em privatização de universidades federais, mas também não se pode considerar estas como totalmente isoladas do sistema capitalista, como alguns querem. Em suma, as perguntas acima levantadas devem ser respondidas por quem de fato e de direito tem o poder de alterar essa situação, a saber: os legisladores.
CONCLUSÃO
Nas últimas décadas o poder executivo federal, por meio de propagandas oficiais ou por meio de órgãos da administração direta ligada à educação, tem dito que o ensino, a pesquisa e a extensão têm melhorado em âmbito federal. Alega-se, por exemplo, que a Lei nº 9394/96 passou a ser o marco para uma expansão do ensino superior; ou que a Lei 11.892/08, que instituiu os institutos federais de educação, serviu para sanar uma falha no ensino tecnológico e profissionalizante nacional; além disso, com a Lei 11096/05, que criou o PROUNI, ou com o Decreto nº 6.096/07, que instituiu o REUNI, assegurou-se que cada vez mais o cidadão tenha acesso ao ensino superior, seja por ingresso direto nas universidades públicas, nos institutos federais, seja por ingresso nas faculdades particulares, por meio da parceria público-privado oficializada pelo PROUNI.
Por sua vez, os opositores dessa política expansionista praticada pelo executivo federal, embora concordem parcialmente com os avanços relativos ao ensino, afirmam que a qualidade no sistema educacional federal tem piorado gradativamente. Segundo os seguidores dessa vertente, o ingresso de estudantes aumentou, mas não se consegue garantir um ensino profundo que lhes possibilite as ferramentas necessárias para que realizem pesquisas de ponta.
No tocante específico à extensão, continuam eles, houve uma piora considerável, principalmente no que diz respeito aos investimentos e infraestrutura para a pesquisa. O sistema legal tem priorizado o ensino e olvidado a pesquisa e a extensão. Alegam que as Universidades e os Institutos Federais transformaram-se em “escolões”. E que, graças a isso, as universidades brasileiras aparecem mal colocadas nos rankings internacionais de avaliação, excetuando-se uma ou outra de grande envergadura.
Na UNIR, a questão da pesquisa e extensão também gera conflitos. Há, aparentemente, poucas pesquisas e os cursos de extensão parecem não suprir as necessidades acadêmicas e sociais. Docentes, técnicos e acadêmicos afirmam que a causa desse fenômeno está na forma como o sistema legal federal e as distintas normas internas que regem a UNIR se concretizam na prática. Tais docentes dizem que há recursos para pesquisa e extensão, no entanto o conflito entre as normas terminam por gerar um sistema burocrático lento, o qual impede que os recursos sejam usados tempestivamente. No entanto, um grupo mais crítico afirma que tal conflito entre normas é proposital, pois o poder público não quer uma universidade de qualidade e com poder suficiente para lhe questionar.
Entender o que de fato ocorre nessa relação entre o sistema legal que rege o ensino superior e os entraves à pesquisa e à extensão existentes na UNIR é relevante para que a comunidade acadêmica possa ter ferramentas para superar os entraves à pesquisa e à extensão de qualidade. Daí a importância deste trabalho, afinal foca justamente em um dos temas mais complexos e preocupantes relativos às universidades públicas, pois para que se possa uma instituição de ensino ter esse título não basta apenas ter uma universalização do ingresso ou das distintas ciências, mas fazer com que o conhecimento seja elevado e que este se transforme em benefícios à comunidade, e isso é impossível se não houver pesquisa e extensão eficazes.
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