Resumo: O presente texto trata sobre o procedimento da ação de guarda sob a égide do Novo Código de Processo Civil e suas peculiaridades.
Palavras chaves: Direito de Família. Guarda Legal. Ação de Guarda. Procedimento do CPC. Laudo Psicosocial. Sessão de Mediação
Inicialmente mister se faz necessário ponderar uma análise do Instituto Jurídico da Guarda. Desta forma, afirma-se que a guarda dos filhos é um direito dever que ambos os pais, ou apenas um deles, estão incumbidos de exercer em favor dos filhos.
A jurista Silvana Maria Carbonera[1] apresenta uma definição de guarda, afirmando esta ser:
“Um instituto jurídico através do qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob a sua responsabilidade em virtude de lei ou de decisão”. (GRIFO NOSSO)
Nesse sentido, afirma ainda a autora que, a guarda legal é aquela inerente ao Pater Familia, instituto este que não se confunde com aquele, sendo o poder familiar verdadeiro poder conferido aos pais de cuidado de seus rebentos, podendo os genitores avocá-lo de quem indevidamente o detenha.
O código civil em seu art. 1.634 prevê as obrigações do exercício do poder familiar, sejam estas: dirigir-lhes a criação e educação, exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, para viajar ao exterior, para mudarem de residência permanente para outro município, nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, representar-lhes judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos
nos atos da vida civil, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Não obstante aos direitos dos pais, estes arcarão igualmente, com os seguintes deveres: não abandonar a pessoa que está sob o seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, sob pena de incorrer no crime de abandono de incapaz previsto no código penal art. 133, bem como, prover a instrução primária de filho em idade escolar, sob pena de responder pelo crime de abandono intelectual previsto no art. 246 do Código Penal, e por fim, prover a subsistência do filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, não lhe proporcionando os recursos necessários ou faltando o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, sob pena de caracterização de crime de abandono material, previsto no art. 244 do Código Penal.
A ação de guarda por sua vez, nada mais é do que o instituto jurídico capaz de viabilizar o exercício do pater família, conferindo ao guardião os referidos conjuntos de direitos e deveres a serem exercidos, com o fim de prover as necessidades de desenvolvimento de outra pessoa que dele necessite, a qual é posta sob a sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial.
Assim, pode-se exemplificar a ação de guarda como o meio para que seja incluída uma criança ou adolescente em uma família substituta, proporcionando-lhes tudo aquilo que foi negado em suas famílias biológicas.
No que tange ao procedimento da ação de guarda, insta salientar que o procedimento comum ordinário previsto no Código de Processo Civil de 2015 é pentafásico, o que quer dizer que tem 5 fases: a) postulatória – fase de ajuizamento, b) conciliatória – audiências de mediação e conciliação, c) saneatória – despacho inicial com eventual decisão de pedidos liminares, d) instrutória – dilação probatória, audiência de instrução e julgamento e f) decisória – sentenças, acórdão, etc.
No entanto, as ações de família que compreendem as ações de divórcio, de separação, de reconhecimento e extinção de união estável, de guarda, de visitação e de filiação, como prevê o artigo 693 do Código de Processo Civil, são todas submetidas ao
procedimento especial; ressalta-se que este rol previsto no dispositivo acima é meramente explicativo, desta forma, outras ações de família também terão procedimento especial.
À exceção da regra acima posta, destaca-se que determinadas demandas não se submetem ao procedimento especial previsto no CPC/15, sejam estas:
a) as ações de alimentos – estas previstas na lei nº 5.478/68, portanto devem seguir procedimento especial este previsto em lei própria e não no Código de Processo Civil.
b) as ações que versem sobre direitos das crianças e adolescentes – tendo em vista que igualmente tem procedimento especial previsto em lei própria, no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ademais, insta esclarecer que as ações de exoneração de alimentos não estão previstas na Lei de Alimentos, de forma que seguirão procedimento especial previsto no Código de Processo Civil de 2015.
As ações de guarda possuem, ainda, uma distinção com relação à aplicabilidade de seus procedimentos, tendo em vista que a guarda acerca de filhos são regidas pelo Código Civil, e, portanto, inclusa dentre aquelas que seguem o procedimento especial. Enquanto que, as ações que versam sobre guarda de terceiro, com previsão legal do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, segue o procedimento especial previsto pelo referido diploma normativo.
Considerando todos os requisitos dispostos acima ressalta-se que o diferencial das ações de família é a obrigatoriedade das audiências de mediação, previstas com o advento do Novo Código de Processo Civil, não podendo estas serem dispensadas como ocorre no procedimento comum.
O legislador com intenção de consagrar a referida norma prevê multa pelo não comparecimento injustificado, que se reverterá a favor do Estado. Outrossim, dispõe o regramento que é obrigatório o comparecimento da presença de advogado, este que, caso não seja observado ensejará na redesignação da audiência. Elucida-se ainda que, não é obrigatória a presença pessoal das partes que podem se fazer representar por procurador com poderes especiais.
Além disso, salienta-se que as audiências de mediação serão realizadas, no prazo de 20 (vinte) dias, tantas quanto necessárias a resolver o litígio, de modo mais benéfico as partes, podendo o Magistrado resolver neste ínterim as providências e questões de urgências.
Por fim, após a audiência de mediação, o procedimento seguirá o rito ordinário, cessando a especificidade do procedimento.
Salienta-se que caso o Magistrado identifique indícios de alienação parental, obrigatoriamente, deverá o processo estar assistido de equipe multidisciplinar para auxiliá-lo na compreensão da matéria.
Nessa esteira, sublinha-se que a atuação do psicólogo nos processos da Vara de Família envolve notadamente aquelas ações em que há disputa pela guarda dos filhos, refletindo um conflito entre os genitores, em evidente situação de alienação parental, resultando em sérios abalos ao menor envolvido.
Por esta razão a realização de laudo psicossocial e acompanhamento de profissionais para entrevistas e avaliações proporcionam ao Magistrado um melhor envolvimento com a realidade fática dos autos, dando-lhe subsídios para proferir uma decisão mais benéfica.
Segundo a Jurista Paula Dias Penna[2] a atuação interdisciplinar da psicologia e do direito possuem extrema importância nas Varas de Família, vejamos:
“O psicólogo pode ajudar o esclarecimento dos fatos em inúmeras situações de litígio conjugal, por exemplo, devido aos seus conhecimentos sobre a estruturação psíquica familiar, ou como propunha Freud, devido a todas as complexas relações edipianas que fundamentam a estrutura psíquica de cada individuo”.
Portanto, verifica-se que a atuação do psicólogo se dará mediante perícia psicológica por profissional habilitado, conforme previsão do art. 145 Código de Processo Civil o qual dispõe: “quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou cientifico, o juiz será assistido por perito”.
Aliás, a jurista detalha o trabalho do Laudo psicossocial, dentre as atividades que caracterizam o que será realizado e descrito, abrangendo inúmeras situações fáticas e jurídicas, a serem ponderadas:
“avaliar as condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes e adultos em conexão com processos jurídicos, seja por deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças ou determinação da responsabilidade legal por atos criminosos”.
Na elaboração do laudo pericial, deve-se seguir o principio da pertinência, constando apenas os dados relevantes para o litígio em questão, assim o documento a ser exarado deverá ser transcrito o resultado da avaliação, sem, contudo que seja manifestado um posicionamento jurídico, a jurista assim afirma:
“O objetivo final da avaliação feita pelo psicólogo é responder a uma questão legal expressa pelo juiz ou por algum agente jurídico. Outras vezes, o objetivo é avaliar os prejuízos emocionais decorrentes de um evento traumático, e, nestes casos, o foco deve restringir-se a verificação da presença e intensidade dos sintomas emocionais com a determinação de nexos de causalidade. É possível ao psicólogo fazer recomendações sobre a necessidade de realizar um tratamento seja psicológico, seja psiquiátrico”.
Todavia, diante da premissa de que o expert não deve adentrar ao mérito da causa, as informações prestadas no laudo psicológico, são de suma importância, e juntamente ao laudo social, constituem a principal fonte do julgador para proferir a sentença.
No entanto, sopesa-se que o Juiz não está adstrito ao laudo, podendo julgar em conformidade com os documentos anexos aos autos, o art. 436, do CPC prevê: "o Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos".
Por fim, cumpre exemplificar que, o magistrado deve ser extremamente cauteloso, pois ocorrem situações da opinião pessoal do Profissional ser mais prejudicial do que benéfico a realidade social dos autos, assim, como no caso no ano de 2008 de dois irmãos de 12 e 13 anos de idade, moradores do estado de São Paulo, que teriam sido brutamente assassinados pelo pai e pela madrasta após decisão do Conselho Tutelar que os mandou de volta para o lar, situações que são comuns não só na justiça brasileira, pois, erros são passíveis pelos seres humanos, como igualmente no caso na Inglaterra, da menina de Ellie Gray, que foi mandada de volta ao lar pela justiça mesmo depois de notória situação de violência doméstica.
Ressalta-se que no caso brasileiro, o erro foi questionado principalmente, pois a decisão judicial foi pautada em laudo psicológico que afirmava que as crianças “manipulavam a realidade”, observa-se que vago e inconsistente.
Vejamos trecho de opinião publica exarada por duas professoras do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Sylvia Leser de Mello e Maria Helena Souza Patto[3]:
“No dia 07 de setembro último, a imprensa divulgou mais um desses casos. Dois irmãos, de 12 e 13 anos de idade, foram, dois dias antes, brutalmente assassinados pelo pai e pela madrasta num município da Grande São Paulo. Depois de nove meses internados num abrigo por determinação do Conselho Tutelar, que acatou denúncias de maus-tratos, eles foram devolvidos à família quatro meses antes do crime, apesar de seu desejo expresso de continuar no abrigo. Poucos dias antes de sua morte, foram encontrados pela polícia vagando pelas ruas, quando teriam informado que haviam sido expulsos de casa pela madrasta. Levados ao Conselho Tutelar, foram novamente
devolvidos à família. Dois dias depois, estavam mortos, esquartejados e queimados pelo casal […]A saída do abrigo e a volta para casa em maio deste ano foram decisões baseadas em pareceres de uma equipe de profissionais, entre os quais uma psicóloga. Em passagem do laudo divulgada pela imprensa (e não contestada pelos responsáveis), os dois meninos comparecem como pessoas que "manipulam a realidade para conseguir vantagens." Ou seja, em termos tão altissonantes quanto arbitrários e vagos (o que será "manipular a realidade"?), uma profissional que deveria ter sido formada para entender a complexidade e a gravidade de uma dinâmica familiar como esta e ouvir os envolvidos com ouvidos atentos e comprometidos com o direito de todos de serem cuidados pelo Estado limitou-se a conclusões sobre a personalidade das crianças que, embora com palavras pomposas que querem infundir credibilidade à avaliação, as apresentam como mentirosas, desonestas, dissimuladas. Mais uma vez, estamos diante de um fato nada raro em laudos psicológicos: a mera reprodução de estereótipos e de preconceitos de classe e a ratificação do que estava decidido de antemão: mandá-las de volta para casa”.
Desta forma, verifica-se que a interdisciplinaridade é fundamental para que o judiciário tenha verídico acesso aos fatos que ocorrem nos autos, não obstante a esta ideia, deve o Magistrado sempre ficar atento às opiniões exaradas pelo profissional indicado a produzir o laudo, pois, deve-se sempre ser levado em extrema consideração que estamos tratando de vidas, e quaisquer erros opostos à decisão judicial poderão ter sérias e graves consequências para todos envolvidos.
Advogada atuante no Direito Civil na área de direito bancário
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