Fernando Laélio Coelho [1]
Resumo: A promulgação em 16 de março de 2015 da Lei nº 13.105 – que dispõe sobre o Código de Processo Civil – trouxe muitas alterações, principalmente na interpretação dos negócios jurídicos que passaram a ter uma abordagem mais ampla possibilitando a negociação processual pela vontade das partes, trazendo um caráter mais privaticista do processo contra o aspecto mais publicista que a teoria do negócio jurídico possuía no anterior Código de Processo Civil de 1973. Desse modo, observa-se que com o advento do novo código processual civilista abriu-se diversas interpretações da aplicação do negócio processual, surgindo inúmeras teorias através dos estudos da interpretação do art. 190. Assim, buscou-se fazer uma breve análise do instituto do negócio processual abordando seus principais aspectos na nova lei, seu conceito e sua aplicação na fase executória do processo, principalmente no que diz respeito à expropriação patrimonial, examinando a aplicação, efetividade que o novo dispositivo legal pode dar a fase executória do processo, aprimorando a resolução de conflitos.
Palavras-chave: Negócios processuais; execução; expropriação.
Abstract: La promulgación el 16 de marzo de 2015 de la Ley N ° 13.105 – que establece el Código de Procedimiento Civil – trajo consigo muchos cambios, principalmente en la interpretación de los negocios jurídicos que pasaron a tener un enfoque más amplio, permitiendo la negociación procesal a voluntad de las partes, aportando un carácter más privatista del proceso frente al aspecto más publicista que tenía la teoría jurídica empresarial en el anterior Código Procesal Civil de 1973. Así, se observa que con el advenimiento del nuevo código procesal civilista, varias interpretaciones de la aplicación del negocio procesal, surgiendo numerosas teorías a través de los estudios de interpretación del arte. 190. Así, se intentó hacer un breve análisis del instituto de la empresa procesal, abordando sus principales aspectos en la nueva ley, su concepto y su aplicación en la fase de ejecución del proceso, principalmente en lo que se refiere a la expropiación patrimonial, examinando La aplicación, efectividad que la nueva disposición legal puede dar a la fase de ejecución del proceso, mejorando la resolución de conflictos.
Palabra clave: negocio procesal; ejecución; expropiación.
Sumário: Introdução; 1. Breves apontamentos sobre o negócio processual no NCPC/2015; 1.1. Conceito de negócio processual; 1.2. Requisitos e limites do negócio processual; 2. Negócios jurídicos processuais na execução; 2.1. O negócio jurídico na penhora; 2.2. Negócio jurídico em outros procedimentos da execução; Considerações Finais; Referências Bibliográficas; Notas.
Introdução
O presente artigo pretende apresentar os aspectos destacados do negócio jurídico processual atípico previsto no artigo 190 do NCPC[2] e demonstrar as principais inovações trazidas pela Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015 no que trata da fase de execução do processo.
Diante da letra genérica dada ao artigo acima citado, várias são às possibilidades de uso do negócio processual. E através do estudo de Enunciados, doutrina e jurisprudência mais relevantes ao negócio jurídico constata-se a sua possível aplicação na fase executória, com ênfase aos procedimentos da expropriação patrimonial.
A letra do art. 190 por sua subjetividade gerou grandes debates sobre a aplicação do negócio jurídico. E através das discussões doutrinárias e jurisprudenciais pode-se desenvolver uma área de atuação do tema e a possibilidade da aplicação de limites e critérios para impedir que o procedimento fosse praticado além das garantias fundamentais do processo.
Mesmo com tantas orientações do FCCP – Fórum Permanente de Processualistas Civis e ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, da Doutrina e da Jurisprudência o tema ainda é de grande complexidade devido à abertura que a regra do art. 190 dá ao instituto do negócio processual, sendo de grande importância o seu aprimoramento.
Primordialmente, busca-se levantar os aspectos teóricos e a interpretação técnica do negócio jurídico no CPC/2015. Ademais, é preciso destacar o conceito de negócio processual e a possibilidade de sua aplicação na fase executória.
Destarte, com o fim de entender a aplicabilidade do negócio processual na fase executória e suas possibilidades nos atos expropriatórios, se abordará através das orientações doutrinárias, legais e jurisprudências o tema do negócio jurídico e os parâmetros mais relevantes já estabelecidos dento da realidade judicial e os temas ainda a se discutir em relação ao tema, delineando novas interpretações e apresentando conclusões que possam contribuir em pesquisas futuras sobre o negócio jurídico processual.
Antes de adentrar especificamente no tema do negócio jurídico na fase executória faz-se necessário contextualizá-lo no mundo jurídico para entender a importância do tema em relação a sua aplicação na prática.
Primeiro, denota-se que na vigência do Código de Processo Civil de 1973 já havia a possibilidade da realização de negócios jurídicos processuais, mesmo que muito tímida e limitada à legislação.
Entre as possibilidade existia a escolha do foro em contrato, conforme Código Civil art. 78 c/c 111 do CPC de 1973, onde as partes poderiam escolher o foro competente desde que fosse a competência relativa, ou seja, valor e território.
Ademais, havia a permissão, do art. 265, II do CPC de 1973, da suspensão do processo, requerido pela parte. Além das regras previstas nos artigos 471; 373, §3º, sendo a escolha de perito e convenção sobre ônus da prova respectivamente.
De toda forma, a lei limitava às possibilidades de negócio jurídico e sempre estava presa a norma, sem as partes inovarem os temas das convenções. Existia uma resistência quanto à ideia das próprias partes negociarem condições processuais diferentes da prevista na norma.
Naquele momento histórico, Câmara (2014, p.276), afirmava que “a existência de negócios processuais não poderia ser aceita, pois os atos de vontade realizados pelas partes produzem no processo apenas os efeitos ditados por lei”. Este entendimento era seguido por Cândido Rangel Dinamarco (2009, p.484) dizendo que os atos processuais resultavam da lei e não da vontade das partes.
De toda forma, este entendimento é superado com a reforma do CPC de1973 e o novo modelo cooperativo adotado pelo Código de Processo Civil de 2015 quando houve um aprimoramento da autonomia da vontade das partes consagrado no novo artigo 190 do CPC/2015 estabelecendo uma cláusula geral para a celebração de negócios jurídicos processuais.
Esta cláusula ainda possibilitava a adoção de convenções atípicas e facilitava à adaptação do processo as peculiaridades do caso concreto, oferecendo maior eficácia da tutela jurisdicional através das partes transigindo sobre condições processuais.
Para elucidação da amplitude que a mudança da norma deu ao negócio jurídico processual, vejamos a letra do art. 190[i] em seus ulteriores termos:
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”
“Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
A previsão do art. 190 do CPC/2015 concedeu poder das próprias partes de modificar procedimentos e adaptá-los as peculiaridades da ação, negociando antes e durante o processo o ônus, poderes, deveres e faculdades processuais desde que previsto na lei a autocomposição.
Temer; Andrade, (2019, p.537) ensinam que a cláusula do art. 190 supre a dificuldade da norma de se adequar a realidade fática e afirmam que:
“A prudente inserção de uma regra geral no novo código decorre do conhecimento de que o Direito não é capaz de acompanhar a evolução social, não sendo possível tipificar e exaurir todas as situações jurídicas e suprimir a autonomia dos sujeitos, o que se aplica também à regulamentação da vontade das partes no processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
O art. 190 a dar mais liberdade procedimental, as partes que podem estipular mudanças no procedimento. Nesse sentido, explica Elpídio Donizetti (2016, p. 419):
“O novo CPC prevê a possibilidade de alteração do procedimento para “ajustá-lo às especificidades da causa” (art. 190). O dispositivo é claramente inspirado nos movimentos do contratualismo processual, que permitem uma adequação do instrumento estatal de solução de litígios aos interesses das partes e ao direito material que os consubstanciam.”
Notadamente, a ampliação do campo de atuação das partes no negócio jurídico processual atinge todas as fases do processo, desde a fase de conhecimento, instrução e execução.
Assim, os negócios processuais atípicos possibilitaram a democratização do cumprimento da execução e satisfação do crédito exequente aplicando-se a regra geral do artigo 190 do CPC, inclusive no momento da expropriação patrimonial.
De toda forma, mesmo com a amplitude da cláusula geral das convenções processuais, não se deve deixar de considerar a obediência às regras de autocomposição, e neste sentido, orientam Temer; Andrade, (2019, p.539) nos seguintes termos:
“Os negócios processuais, diz o art. 190, serão válidos desde que o processo verse sobre direitos que admitam a autocomposição e que haja a plena capacidade processual negocial das partes. A rigor, os negócios processuais devem seguir os requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral, previstos no art. 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei (a qual será livre, como regra geral, em especial para os negócios atípicos).”
Greco (2007, p.10) ensina que existem outros limites às partes como autores processuais, sendo a reserva da lei, equilíbrio, princípios e garantias fundamentais, a ordem pública e a ausência de vulnerabilidade, sob pena de o negócio ser inválido.
De toda forma, além dos requisitos legais, o Enunciado 16[ii] do FPPC orienta que o controle dos requisitos objetivos e subjetivos feito pelo magistrado não invalidará a convenção de procedimento caso não haja prejuízo ao ato acordado.
Ainda neste ínterim, sobre o cumprimento aos requisitos da lei, cumpre destacar a eficácia conforme enunciado 402 da FPPC que determina: “a eficácia dos negócios processuais para quem deles não fez parte depende de sua anuência, quando lhe puder causar prejuízo”.
De toda forma, nos ensinamentos de Chaloub (2017, p.164), as partes passam com o CPC/2015 a serem partícipes processuais, concluindo:
“A partir dessa concepção, as partes deixam de ser meros provocadores da jurisdição para participar também da própria condução do processo, admitindo-se que tracem as linhas necessárias do procedimento, admitindo-se a autonomia das partes também em relação ao próprio processo.”
Existe na doutrina divergência sobre a participação do juiz como partícipe no negócio processual, neste ponto, e autores como Cabral (2016, p. 68-71) entende que o juiz não é parte da convenção e Didier (2015, p.383) já defende que a negociação inclui o órgão jurisdicional.
De fato, apesar das divergências é inegável que o juiz exercerá seu poder legal sobre a análise da validade da convenção, não devendo entrar na análise de pertinência ou conveniência. Assim, cumprido os requisitos legais, não deve ser negada a aplicação do acordo processual que inclusive independe de homologação do juízo, conforme enunciado 133[iii] do FPPC e Enunciado 115[3] da JDPC[4].
Destarte, estas breves considerações introdutórias sobre o negócio jurídico, e o entendimento do instituto, dá o norte para o desenvolvimento do tema proposto. E para o estudo de sua aplicação na fase de execução compre estudar o conceito de negócio processual.
1.1 Conceito de negócio processual
Para estabelecer um conceito de negócio processual, cumpre identificá-lo na teoria dos atos processuais, estudando sua classificação e tipicidade. Assim, conforme a classificação dos atos processuais, Câmara (2016, p. 123) ensina que:
“(…) é possível promover uma classificação dos atos processuais, assim, por um critério subjetivo, entende que os atos processuais se dividem em: atos do juiz e atos dos auxiliares da justiça. Já os atos das partes, por sua vez, podem ser: (a) atos postulatórios; (b) atos instrutórios; (c) atos dispositivos, onde estão inseridos os negócios processuais; e (d) atos reais.” (grifo nosso)
Ademais, podemos ainda classificar o negócio jurídico em duas espécies, o unilateral, quando a própria parte toma decisões individuais no processo, como ensina Neves (2017, p. 387), chamando este ato de “autocomposição unilateral”, sendo a renúncia de prazo (art. 225, CPC/2015), a desistência da execução ou de medida executiva (art. 775, CPC/2015), desistência de recurso (art. 998, CPC/2015) e do direito recursal (art. 999, CPC/2015).
Outra espécie é o negócio jurídico bilateral, que dependem do acordo de vontades, tratando-se da espécie prevista no art. 190 CPC/2015, tendo como exemplo a transação e a cláusula de eleição de foro (art. 63, CPC/2015).
Neste momento já se pode observar que os negócios jurídicos são atos dispositivos praticados pelas partes, e que podem ser unilaterais ou bilaterais onde se enquadra o conceito do art. 190 do CPC/2015.
Ademais, pode-se dividir os negócios processuais em relação ao tipo, que pode ser típico quando está expressamente previsto na lei, como, por exemplo, a cláusula de eleição de foro, a escolha de mediador ou conciliador, a suspensão do processo, a arbitragem e o saneamento, etc.
Outro tipo de negócios processuais são os atípicos, classificados como os que não estão previstos na lei, e suas condições surgem da negociação das partes no processo, objeto do presente estudo, sendo criadas conforme as necessidades das partes e conforme as peculiaridades do caso concreto.
Ainda no entendimento do conceito deve-se observar o Enunciado 257 do FPPC, que classifica o negócio jurídico atípico em dois objetos, quais sejam: a) o ônus, faculdades, deveres e poderes das partes, chamados de situações jurídicas processuais, e, b) a redefinição da forma ou ordem dos atos processuais.
Neste norte, e diante das informações que delimitam o negócio jurídico deve-se observar o ensinamento de Nogueira (2011, p.109/243), que explica ser o negócio jurídico uma espécie do gênero fato jurídico, sendo um conceito jurídico fundamental, existindo diante de um conceito lógico-jurídico tipos como o negócio jurídico civil, o administrativo e o processual, a qual o autor conceitua como:
“O fato jurídico voluntário em cujo suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.”
Chaloub (2017, p.165) desenvolve o entendimento de negócio jurídico processual em seus estudos como o fato jurídico voluntário onde as partes estabelecem situações jurídicas processuais por seu próprio entendimento, desde que observados os limites legais da própria norma sendo uma autonomia de vontade e de autoregulação de interesses.
Didier Jr. (2016, p. 62) define o negócio processual como fato jurídico que confere o poder do sujeito da relação processual de regular, nos limites da norma, situações jurídicas e alternar o procedimento. Para Didier Jr. (2015, p. 376-377) o autoregramento está diretamente ligado ao princípio fundamental da liberdade e dimensão inafastável da dignidade da pessoa humana.
Este poder entregue as partes a partir da regra do artigo 190, está também baseado nos princípios processuais como o da cooperação processual que coloca as partes como partícipes na solução dos conflitos. Conforme art. 6º do CPC/2015 “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Destarte, o negócio jurídico processual é uma espécie de fato jurídico, que pode estar prevista na norma (típica) ou criada pelas partes (atípica) desde que observados os requisitos legais do art. 104 do Código Civil, como agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita e não defesa em lei, e obedecer aos requisitos impostos pelo Código de Processo Civil podendo ser celebrados entre as partes para resolução da lide.
1.2 Requisitos e limites do negócio processual
A participação das partes no processo reflete o art. 6º do CPC/2015, princípio da cooperação processual, sendo partícipes da efetividade da tutela jurisdicional.
Noutro norte, apesar do papel de protagonismo alcançado as partes no processo, há de se respeitar o devido processo, evitando prejuízo a terceiros e respeitando as regras relacionadas ao juízo.
Assim, não há que se falar em negócio jurídico atípico praticado pelas partes, sem se observar princípios como o da cooperação processual e o da boa-fé evitando fraudes e práticas irregulares da celebração dos negócios, orientação presente no Enunciado 06 do FPCC: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”.
As instruções do artigo 190 estão consolidadas na orientação da ENFAM[5] no Enunciado 38 que diz: “somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica” e na orientação do enunciado 135 do FPPC que diz: “a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração do negócio jurídico processual”.
Outro ponto sobre os requisitos se refere à forma apresentada devendo ser por escrito ou reduzidas a termos constando nos termos de audiência, conforme orientações dos enunciados 39[6] do ENFAM e 628[7] do FPPC.
Ademais deve também ser observado o Enunciado 403 do FPPC, que trata dos requisitos de validade do Código Civil: “a validade do negócio jurídico processual, requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei”.
Sobre o tema Neves (2017, p. 321) explica que a doutrina é pacífica no sentido da negociação processual das partes não poder violar normas fundamentais do processo, no entanto, é obscura a limitação quanto à violação do devido processo legal.
Neste aspecto, pode-se citar, a impossibilidade de convencionar sobre a publicidade, sobre a renúncia recursal que apesar de admitida pela maioria da doutrina, pode estar ferindo princípios como o do contraditório e da ampla defesa.
Ainda há o caso de renúncia ao direito de intimação que atinge o direito a informação. Desta forma, a dificuldade de se estabelecer um limite é evidente e a validade do negócio estará adstrita ao fato das cláusulas não tratarem de norma cogente[iv].
De acordo com o Enunciado 36 da ENFAM, é possível arrolar situações que não autoriza o negócio jurídico nos seguintes termos:
“A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado-juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei”
Notadamente que ao mesmo lado que a amplitude do art. 190 possibilita uma quantidade incontável de situações que podem ser negociadas em contraponto existe restrição à convenção das normas cogentes buscando manter a ordem e a defesa do devido processo em casos de abuso do direito. Chaloub (2017, p. 169) elucida a questão da norma cogente exemplificando:
“Diante dessa vedação, não será possível acordo que verse, por exemplo, sobre a modificação de regras de competência ou sobre a participação do Ministério Público quando a lei o exigir. Da mesma forma, seguindo a regra de impossibilidade de negócios jurídicos com matérias de ordem pública, não podem ser objeto de acordo as condições da ação e os pressupostos processuais.”
Apesar do entendimento sobre a impossibilidade do uso da norma cogente no negócio jurídico não parece, desde que respeitados certos limites, causar qualquer prejuízo ao processo podendo ser recepcionado.
O próprio texto do art. 190 do CPC trouxe limites à aplicação do negócio processual a algumas regras. Quando o legislador prescreveu que a possibilidade de convenções processuais deve estar ligada a especificidade da causa, criou certa limitação técnica. Assim, é condição das partes não poderem negociar as posições processuais do juiz, haja vista não serem titulares de tal direito.
Câmara (2015. p. 127) neste sentido afirma:
“O negócio jurídico processual pode ser celebrado no curso do processo, mas pode também ser realizado em caráter pré-processual. Imagine-se, por exemplo, um contrato celebrado entre duas empresas no qual se insira uma cláusula em que se prevê que na eventualidade de instaurar-se processo judicial entre os contratantes, para dirimir litígio que venha surgir entre as partes em razão do aludido contrato, todos os prazos processuais serão computados em dobro. Estabelece a lei que os negócios jurídicos celebrados pelas partes podem versar sobre ‘seu ônus, poderes, faculdades e deveres processuais’. Têm as partes, então, autorização da lei para dispor sobre suas próprias posições processuais, não podendo o negócio alcançar as posições do juiz. Assim, por exemplo, é lícito celebrar negócio jurídico processual que retire das partes a faculdade de recorrer (pacto de não recorrer), mas não é lícito às partes proibir o juiz de controlar de ofício o valor dado à causa nos casos que este seja estabelecido por um critério prefixado em lei (art. 292).”
Ainda neste ínterim, Spirito (2015, p. 135), observa que a necessidade da presença do Estado-juiz para o controle de legalidade da negociação processual e imprescindível, dizendo:
“Bem se vê, pois, que o negócio jurídico processual representa uma inovação que possui o potencial de promover uma efetiva revolução do ponto de vista da cultura processual no país. No entanto, se o novel instituto é pleno de virtudes, deve ser controlado para que não seja empregado como mecanismo de burla às normas cogentes do ordenamento jurídico.”
Ademais, a lei prevê situações de exigibilidade da homologação judicial, e desta forma: “a homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio” (FPPC, Enunciado 260).
Notadamente que o princípio do autoregramento deve ser respeitado, no entanto, para validade do negócio é fundamental o seu controle jurisdicional, evitando o desequilíbrio e abuso do direito entre as partes. Todavia, também deve existir um limite a este controle jurisdicional, haja vista a autonomia da vontade das partes.
Tucci in Cabral (2016, p.27) explica o tema argumentando que:
“As convenções processuais propiciadas pela regra do art. 190 encerram a possibilidade de as partes acordarem sobre a realização de atos procedimentais e, ainda, acerca de ônus, faculdades e deveres processuais, que vinculam o juiz e que não estão sujeitos à homologação (art. 200 CPC/2015), mas apenas ao controle de sua respectiva higidez, sobretudo no que se refere às garantias processuais, que não admitem preterição em hipótese alguma.”
Conforme artigo 200[v] do CPC/2015 o negócio jurídico independe de homologação do juiz, e a sua necessidade apenas ocorrerá quando houver expressa previsão da norma, como na desistência (art. 299, par. único, CPC/2015) e da organização processual do processo (art. 357, §2º, CPC/2015). De toda forma, o juiz controlará a validade do negócio, analisando os requisitos formais previstos no art. 190 par. único do CPC/2015.
Cabe ao juiz recusar o negócio jurídico anulando-os como nos casos de nulidade, inclusão abusiva no contrato de adesão, vícios sociais e de consentimento e negócio simulado, ou situações que envolvam vulnerabilidade.
Sobre o tema se destaca o Enunciado 16 do FFPC, que trata da invalidade do negócio jurídico prescrevendo: “o controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção do procedimento deve ser conjugado com a regra segundo o qual não há invalidade do ato sem prejuízo”.
Outro limite que pode ser identificado está relacionado ao art. 509, I do CPC que trata da convenção na liquidação da escolha do arbitramento, sendo inaplicável, pois, não poderia afastar a liquidação que for adequada ao caso concreto. Desta forma não há como se acordar convenção que use medidas impraticáveis diante da realidade do caso concreto. Criar convenções que posterguem e prejudiquem a efetivação do direito, fere o princípio da duração razoável do processo, da eficiência e da economia processual.
Vistos os aspectos gerais do negócio jurídico, o seu conceito e seus limites, resta estabelecer a relação do negócio jurídico com a execução e sua aplicação destacando sua importância nos procedimentos expropriatórios.
Didier Jr. (2017, p.32) ensina que na execução o direito é garantido através de uma sentença proferida pelo Estado-juiz, passando a tornar-se uma realidade prática, onde a credor pode atingir o patrimônio do devedor, produzindo um resultado ao direito interposto, podendo ser cumprido voluntariamente quando o devedor apresente uma solução ao cumprimento da obrigação ou de forma forçada quando o devedor resiste e o credor pode expropriar o patrimônio através de pedidos de bloqueio e expropriação de bens da parte passiva da relação processual.
Segundo Didier Jr.; Cabral (2018, p. 142-144) a vantagem mais evidente dos negócios jurídicos processuais na execução é a adaptabilidade dos procedimentos executivos ao necessário as partes.
Pode ser um ganho procedimental no que tange a efetividade, ademais, os autores citam a previsibilidade, haja vista a redução dos riscos no caso de convenção, sendo de grande importância para o tráfego das relações comerciais fomentando a consensualidade. Para os autores a “execução é o ambiente mais propício à celebração de negócios jurídicos processuais.”.
Neste ínterim, notório que a execução é o instrumento processual legítimo capaz de dar cumprimento ao direito do credor, que não tiver seu crédito satisfeito voluntariamente pelo devedor, a buscar valores e bens para quitar a dívida. Quando não cumprida à obrigação pelo devedor, independente do motivo cumpre o credor através de medidas judiciais, (art. 824 a 909) do CPC, expropriar bens do executado até o montante do valor devido, acrescido de juros, correção e multas quando cabíveis (art. 789 do CPC).
Assis (2016, p.891) explica que o momento expropriatório necessita da localização e individualização de bens do devedor pertencentes ao seu patrimônio, seguido da sua penhora e avaliação, que pode ser feita pelo próprio oficial de justiça no auto de penhora, ou por perito técnico dependendo da complexidade de se estabelecer valor ao bem, atribuindo um preço justo, caso o bem seja diverso de dinheiro.
Desta forma, uma vez penhorado e avaliado o bem, superada as impugnações e recursos, segue a execução com a adjudicação (art. 876 e ss.) ou alienação por iniciativa particular e leilão judicial que pode ser eletrônico ou presencial (art. 879) ou ainda a apropriação de frutos e rendimentos de bens do devedor (art. 904), sendo sempre estes procedimentos praticados de forma menos gravosa ao devedor e por tempo razoável.
Assim, diante da amplitude dada ao negócio jurídico processual, surge a questão sobre a sua aplicação na fase executória, promovendo assim, princípios basilares do direito processual como efetividade da tutela jurisdicional, celeridade, menor onerosidade, atipicidade dos meios executivos, entre outros.
Notadamente que o CPC/2015 através de suas regras do art. 190 e 200, adotou uma abordagem mais ampla dos negócios jurídicos, conforme o princípio da liberdade entre as partes previsto no artigo 5º, caput, da CF/1988.
Desta forma, cumpridos os requisitos básicos do negócio jurídico para a celebração dos atos processuais, as partes podem estipular suas regras antes e até durante a fase executória.
Neste norte, segue o Enunciado 19 do FPPC nos seguintes termos:
“(art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso; acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal.”
Nas considerações de Temer e Andrade (2019, p.542 e 543) além do processo de conhecimento e as fases iniciais da execução, conforme enunciado 19 do FPPC, há também convenções que podem regularizar questões jurídicas processuais da execução.
Didier Jr. (2017, p.32), reconhece que as partes no rito executivo também podem firmar convenções processuais quando o objeto material litigioso se desenvolver sob o rito executivo.
Em suma, não é possível elencar todas as possibilidades de negócios jurídicos processuais a ser realizados, devido a sua subjetividade e a quantidade inúmera de situações que podem ocorrer num processo, no entanto, cumpre levantar os principais destaques do negócio jurídico processual da execução.
3.1. O negócio jurídico na penhora
De acordo com o artigo 831 a 869 do CPC as partes podem convencionar modificações dos procedimentos de penhora de bens do devedor. Neste sentido denota-se a possibilidade, por exemplo, de alterar a ordem preferencial da penhora conforme a previsão do art. 835.
Conforme enunciado 490 do FPPC, entre os negócios que podem ser celebrados na execução temos:
“(…) pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva; pacto de alteração de ordem de penhora; pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II); pré-fixação de indenização por dano processual prevista nos arts. 81, § 3º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual); negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento (art. 329, inc. II)”
Ademais, ainda na linha dos enunciados do FPPC, pode-se dispensar caução no cumprimento provisório da sentença, (Enunciado 262), estipular mudanças no procedimento da intervenção de terceiros, desde que anuído, (Enunciado 491) e contagem de prazo em dias corridos, (Enunciado 579).
Didier Jr. (2017, p.543), sobre a penhora de bens explica sobre a possibilidade de alterar qualquer bem da ordem de preferência da penhora no código. No entanto, ainda existe uma resistência dos tribunais e doutrina sobre alterar a ordem da penhora em dinheiro, pois de acordo com o argumento da execução menos onerosa ao devedor deveria se manter há ordem de preferência.
Hartmann (2015, p. 29) nega a possibilidade de mudança da ordem de preferência e negociação da penhora de bens impenhoráveis com base na jurisprudência, dizendo:
“Há, também, enunciado do FPPC neste sentido, quanto à possibilidade de pacto renunciando a impenhorabilidade do bem. Contudo, a jurisprudência, notadamente a do STJ, sempre foi refratária a esse entendimento, o que parece o mais acertado. Com efeito, basta uma atenta leitura da norma em comento (art. 833), para se chegar à conclusão de que, naquelas situações em que o legislador erigiu um bem como impenhorável, pautou-se em um critério razoável para proteger um direito ou interesse extremamente relevante, como vestuário, utensílios domésticos, exercício de profissão, dentre outras mais. Logo, não poderia essa proteção, diretamente ligada à garantia da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, CF/1988), ser renunciada em negócio processual).”
De toda forma, Zanetti (2016, p.188) destaca ser inegável que as convenções especifiquem alterações da ordem de preferência de bens penhoráveis, inclusive o dinheiro, estabelecendo regras específicas sobre a constrição de um bem do devedor.
Apesar das divergências na negociação da ordem de preferência dos bens penhoráveis e a regra de impenhorabilidade, é possível, por exemplo, estabelecer regras no bloqueio Bacenjud, determinando uma conta específica para penhora, o que na regra geral é diferente, pois o juízo não está limitado a uma conta específica para realizar o bloqueio.
E existe o bloqueio de contas conjuntas, conforme Temer e Andrade (2019, p.544) ensinam:
“(…) as partes podem convencionar, desde que com anuência doco-titular da conta bancária, o bloqueio online da totalidade dos valores em tal conta, afastando-se o limite de bloqueio de apenas 50% do numerário, o que poderia inclusive obstar eventuais embargos de terceiro contra a constrição.”
Didier Jr. (2020, n.p.) ensina que a própria relação de bens impenhoráveis estaria aberta a modificação, haja vista, o art. 833, I do CPC/2015, não ter repetido a expressão “absolutamente impenhoráveis” constante no Código de 1973, e assim, é possível admitir a renúncia ao direito à impenhorabilidade.
Notadamente que a impenhorabilidade tem fundamento principiológico como garantir o mínimo existencial da pessoa humana, atendendo princípios constitucionais, noutro norte, apesar de polêmica a questão, o STJ no informativo nº625[vi], estabeleceu a possibilidade de pacto de impenhorabilidade, limitando as partes que convencionarem a não envolver terceiro não anuente, salvo exceções previstas em lei.
Ainda neste ínterim, poderiam as partes convencionar sobre a penhora de bem de família, matéria esta que não foi admitida em Recurso Especial nº1.351.571 de 27.09.2016 sob o argumento da falta de ressalva na Lei 8.099/90. Segundo outros precedentes do STJ[vii] há o entendimento que a indicação do bem de família não se trata de renúncia a Lei nº8.009/90, por ser uma norma cogente e incapaz de diminuir o benefício da citada lei.
No entanto, existe julgado mantendo a penhora de bem de família, tendo como fundamento a vontade da parte na indicação do bem, neste sentido:
“Não se deve desconstituir a penhora de imóvel sob o argumento de se tratar de bem de família na hipótese em que, mediante acordo homologado judicialmente, o executado tenha pactuado com o exequente a prorrogação do prazo para pagamento e a redução do valor de dívida que contraíra em benefício da família, oferecendo o imóvel em garantia e renunciando expressamente ao oferecimento de qualquer defesa, de modo que, descumprindo o acordo, a execução prosseguiria com a avaliação e praça do imóvel.”[8]
Didier Jr.; Cabral (2018, p. 152) explicam que a penhora de bem de família seria possível sob argumento de que, se o bem vai ser mesmo expropriado para saldar débito, porque o executado não poderia através de negociação na execução vende-lo para não desvalorizar o patrimônio e cumprir com sua obrigação, neste sentido relatam:
“O STF, ao examinar a constitucionalidade do inciso VII do art. 3º da Lei nº8.009/1990, que permite a penhora de bem de família do fiador do contrato de locação, decidiu que, nesses casos, o fiador, porque é livre e capaz, espontânea e voluntariamente pôs o seu patrimônio imobiliário como garantia da dívida locatícia, e isso é compatível com a Constituição, sob pena de tornarmos o proprietário do bem de família um civilmente incapaz. A impenhorabilidade é um direito do executado, que pode ser renunciado se o bem impenhorável for disponível. E a renúncia à impenhorabilidade é um negócio jurídico processual.”
Seguindo a aplicação do negócio jurídico na penhora, as partes podem convencionar sobre nomeação de depositário, modificando o art. 840 do CPC, bem como negociar o administrador-depositário na hipótese de penhora de pessoa jurídica.
Neste norte, não parece haver óbice para a substituição de penhora, renunciando ao direito do art. 847 CPC promovendo a celeridade do processo.
Desta forma, são várias hipóteses que por previsão ou omissão pode-se considerar a aplicação do negócio processual junto à fase de penhora. E de fato, cumprir princípios processuais civis e os requisitos legais formais, devendo o Judiciário independente à instância considerar a validade dos negócios jurídicos processuais praticados entre as partes nos atos expropriatórios da execução como a penhora.
3.2. Negócio jurídico em outros procedimentos da execução
Na fase executória, além da penhora segue a constrição através de outros procedimentos que merecem ser analisados diante do presente tema. Realizada a penhora segue o processo pela avaliação do bem constrido para determinar o seu valor, que pode ser adjudicado pelo credor ou alienado para terceiros convertendo em dinheiro e convertendo para quitação do crédito exequente.
Ajustes podem ser realizados nesta fase, como por exemplo, o ajuste do oficial de justiça ou perito de não fazer a avaliação (art. 870 CPC), mas sim, um especialista indicado pelas partes, equiparado à nomeação consensual de perito conforme o art. 371 do CPC. Existe ainda a convenção de dispensa da avaliação, negociando as partes um valor ajustado entre elas, baseado em laudos e documentos apresentados.
A avaliação também pode ser impugnada pela parte que sentir-se prejudicada, de toda forma, também poderia ser convencionado a renúncia à impugnação, bem como a dispensa de assistência técnica seria alternativa de direitos negociáveis. Mesmo que a norma autorize o juiz a determinar nova avaliação em caso de dúvida sobre o valor (art. 871, p. único e 873, III, do CPC) desde que não haja prejuízo à terceiro, não se deveria negar a legitimidade das convenções estabelecidas entre as partes a teor do próprio art. 190 do CPC.
Superada a fase de avaliação, a execução pode passar por outros momentos processuais na expropriação do patrimônio do devedor, qual sejam a adjudicação e alienação. Estes procedimentos também podem ser convencionados optando as partes pela prioridade na expropriação de um bem, negociando a alienação por particulares ao invés da adjudicação e alienação por leilão judicial, possibilidade já existente desde 2006 inserida pela Lei 11.382/2006.
As partes ainda podem dispor das condições do negócio, como o prazo da alienação, tanto particular como por leilão, a publicidade, o preço mínimo, as condições de pagamento, garantias e comissões no caso de acordado o pagamento de corretagem.[viii]
Ademais, ainda pode convencionar a arrematação por preço inferior a metade do valor da arrematação não caracterizando preço vil, pois como se trata de direito de crédito patrimonial, admite-se autocomposição.
Destarte, também é possível a convenção do pagamento parcelado e as condições de pagamento conforme art. 895 do CPC. E como tal, notadamente que os negócios jurídicos são possíveis e benéficos ao processo na fase de execução, deixando as partes convencionarem as regras em benefício do credor e respeitando o devedor, contribuindo para a celeridade e cumprimento da prestação jurisdicional.
Considerações Finais
O presente artigo busca apresentar os aspectos destacados do negócio jurídico processual, apresentando a mudança dos seus parâmetros e limites de acordo com a reforma do CPC de 2015 e a aplicação do art. 190, seu conceito diante da nova interpretação dada ao instituto.
Com base na doutrina, legislação, enunciados e jurisprudência observou-se que o negócio jurídico ampliou seu campo de aplicação, trazendo ao processo um viés muito mais democrático, trazendo as partes ao patamar de protagonistas da relação processual, enaltecendo a liberdade do indivíduo na melhor resolução de seus conflitos jurídicos.
Constatou-se que esta abordagem privaticista do processo possibilita que as partes no melhor interesse da solução do processo possam acordar condições mas benéficas e adaptadas as peculiaridades do caso concreto.
Notadamente que este desenvolvimento ao longo de cinco anos de aplicação da nova regra do art. 190 do CPC provocou muitas dúvidas sobre os parâmetros e limites do negócio processual como um todo.
Muitos estudos de juristas processualistas, magistrados e doutrinadores começaram, desde o anteprojeto do CPC/2015, apresentando orientações e interpretações sobre os limites da aplicação do instituto do art. 190 no processo civil, buscando a proteção dos princípios fundamentais do processo civil constitucional, preservando até certo ponto o publicismo das regras processuais.
Assim, foi possível constatar que apesar da imposição de limites preservando a garantia de direitos de terceiros, a vulnerabilidade e os requisitos básicos do ato jurídico como o agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei, o negócio processual foi tomando forma na prática processual, hoje sendo aceito em inúmeras situações, inclusive nas mais improváveis com da impenhorabilidade.
Neste norte, aprendeu-se que as partes ganharam abertura para negociar situações processuais dentro dos seus dissídios, mas a presença do Estado-juiz inquestionável, mantém a ordem e respeito os princípios e regras básicas dos negócios jurídicos, preservando o Estado democrático de direito.
Não há que se negarem os benefícios das partes protagonizarem suas relações processuais buscando da forma menos burocrática a resolução dos conflitos jurídicos. No entanto, não há que se negar que regras sem limites de atuação podem provocar o excesso, a desordem e nada mais prudente que os estudos do tema desenvolvam interpretações na busca da aplicação do instituto de forma mais saudável à concretização da justiça.
Assim, o presente estudo demonstrou que a amplitude do art. 190 do NCPC, se aplicado de forma ilimitada poderia ter um efeito contrário à vontade do legislador, prejudicando o andamento da execução ao invés de contribuir para a efetividade da tutela jurisdicional.
Ademais, constatada a ideia que o negócio processual foi recepcionado e delimitado pelos tribunais, cumpriu a parte final do presente estudo identificar que o instituto foi usado e atingiu todas as fases processuais, inclusive a execução, fase onde se encontra a maior dificuldade de concretização do direito.
Ampliar poderes das partes a compor suas próprias regras processuais, mesmo que limitadas as interpretações das normas mais conservadoras, ainda é um presente a democracia e uma oportunidade de garantir o cumprimento do princípio da efetividade da tutela jurisdicional.
Em suma, conclui-se no presente artigo que os atos praticados na fase de execução como penhoram, a avaliação, arrematação, adjudicação e alienação, foram atingidos pela amplitude do conceito de negócio jurídico processual, e os acordos praticados nesta fase podem garantir resultados efetivamente positivos.
O tema ainda é muito amplo ao estudo, e não se vê óbice em ampliar seu campo de atuação na fase executória, haja vista que a discussão se trata de crédito do exequente e a ele e ao executado cabe à vontade de encerrar a demanda.
Notadamente que o estudo não esgota o tema e apresentou possibilidades e aplicações do negócio processual na execução. Assim, não se vê impedimentos no que tange a vontade das partes, em permitir que acordos celebrem mudanças em regras de ordem de penhora ou de impenhorabilidade haja vista que este procedimento atingiria, a priori, apenas as partes que são as mais interessadas.
Destarte, acredita-se que as regras fundamentais civis e processuais dos negócios devem ser respeitadas, mas superada esta questão não há porque impedir que as partes alterem procedimentos, garantindo mais celeridade ao processo.
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Notas
[1] Professor e Advogado, Especialista em Direito Público e Privado e Mestre em Ciências Jurídicas pela UNIVALI, Especialista em Controle da Gestão Pública pela UFSC e Direito Civil e Processual pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: fernandolaelio@gmail.com.
[2] Abreviação de Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105 de 16 de março de 2015.
[3] Enunciado 115 da II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal: “o negócio jurídico processual somente se submeterá à homologação quando expressamente exigido em norma jurídica, admitindo-se, em todo caso, o controle de validade da convenção”. Disponível: <https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/i-jornada-de-direito-processual-civil> acesso em: 05 out. 2020.
[4] JDPC – Jornada de Direito Processual Civil.
[5] Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/. Acesso em 15 de out. 2020.
[6] “não é válida convenção pré-processual oral”
[7] “as partes podem celebrar negócios jurídicos processuais na audiência de conciliação ou mediação”
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº1.461.301. Relator: João Otávio de Noronha. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178708179/recurso-especial-resp-1461301-mt-2011-0200703-2/relatorio-e-voto-178708189?ref=juris-tabs.>. Acesso em: 15 set. 2020.
[i] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 10/10/2020.
[ii] FPPC, Enunciado 16: O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo. Disponível em: https://institutodc.com.br/wp-content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf, acessado em: 10 out. 2020.
[iii] FPPC, Enunciado 133: (art. 190; art. 200, parágrafo único) Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial. Disponível em: <https://institutodc.com.br/wp-content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf,> acessado em: 10 out. 2020.
[iv] STJ: Norma que tem por finalidade restringir a autonomia da vontade, inibir a fraude e a exploração da parte mais fraca nos negócios jurídicos. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarTesauro.asp?txtPesquisaLivre=NORMA%20COGENTE >. Acesso em 20 de outubro de 2020.
[v] CPC, Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais. Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial.
[vi] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº1575745. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Disponível: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%20147574. Acesso em: 10 set. 2020.
[vii] Precedentes: Resp 684.587 – TO, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ de 13/03/2005; Resp 242.175 – PR, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, DJ de 08/05/2.000; Resp 205.040 – SP, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, Terceira Turma, DJ de 15/04/1.999.
[viii] Todas estas condições podem ser fixadas pelo juiz no molde do artigo 880, §1º e 885 do CPC, no entanto não há óbice que as partes transacionem. Inclusive as partes podem ainda convencionar sobre a escolha do corretor ou leiloeiro, conforme art. 880 §4º.
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