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Assembleias gerais e sociedades cooperativas: os tempos apontam para uma mudança paradigmática?

Artigo aborda iniciativa legislativa que trata da possibilidade de participação e votação à distância nas assembleias de cooperativas trazida pela Medida Provisória nº 931/2020

Em meio ao cenário de estado de calamidade pública decorrente da pandemia, diversas iniciativas legislativas propõem regimes jurídicos provisórios no intuito de dar respaldo aos atos e negócios jurídicos a serem realizados nesse período. Dentre elas, destaca-se a possibilidade de participação e votação à distância nas assembleias de cooperativas trazida pela Medida Provisória nº 931/2020.

É recorrente o argumento de que a Lei Geral das Sociedades Cooperativas precisa ser integralmente substituída, fundada no argumento simplista de que sua edição data do início da década de 1970. Embora quase cinquentenária, é preciso ponderar que boa parte de suas balizas dogmáticas se mantêm incólumes e, assim, verificar em que medida a subsunção das mudanças sociais eventualmente justificam a atualização de alguns de seus dispositivos – tal qual se coloca o tema das assembleias.

As características específicas e condições fáticas e jurídicas para a implementação de assembleias remotas para as sociedades limitadas e anônimas são muito distintas das cooperativas.

A título exemplificativo, para citar somente uma característica, as limitadas dispensam a realização de reuniões e assembleias sempre que a totalidade dos sócios subscrever documento com o conteúdo da respectiva pauta – que pode também ser assinado por um procurador.

No caso das sociedades anônimas, há distinção de tratamento conferido às companhias abertas e fechadas, e, nos termos da medida provisória e normativas da Comissão de Valores Mobiliários, somente às primeiras foi conferida a autorização legal para a realização de assembleia digital conforme já bem alertou Marcelo Vieira von Adamek[1]. A constatação de que existem diferentes graus de maturidade no processo de digitalização das assembleias nas companhias abertas e nas cooperativas parece evidente, especialmente porque a figura do acionista não pode ser equiparada ao do cooperado, cujos interesses e condições socioeconômicas, de modo geral, são bastante distintos.

A partir desse breve contexto, caso a medida provisória seja convertida em lei nos termos em que foi proposta, a Lei das Cooperativas terá acrescido ao seu texto, como norma permanente, o art. 43-A, segundo o qual, “o associado poderá participar e votar a distância em reunião ou assembleia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.” Por conseguinte, só haverá permissão para as cooperativas de qualquer natureza realizarem assembleias gerais semipresenciais, não prevalecendo a alternativa, contida na Instrução Normativa nº 79/2020 do DREI, que previu a possibilidade de serem também implementadas assembleias gerais digitais (ou virtuais). Se alguma cooperativa optar por realizar uma assembleia geral exclusivamente virtual há de avaliar o risco de sua anulação, dada a flagrante ilegalidade, nessa parte, da referida norma administrativa do DREI.

E a restrição legal faz muito sentido, pois, no caso de assembleias gerais das cooperativas singulares, a participação do associado é um direito e um dever de caráter personalíssimo, vez que vedado o voto por procuração, que deve, ainda, ser integrado ao princípio universal da gestão democrática. Assim, facultar a realização de assembleias gerais em plataforma digital, sem local para o comparecimento pessoal, seria criar um grande obstáculo para muitos cooperados terem acesso ao evento.

De fato, para além da questão da autorização legal, a assembleia digital cria restrições de ordem material quanto ao acesso aos recursos de tecnologia e da sabida falta de cobertura de internet nas mais diversas regiões do país, que, por si só, podem configurar hipóteses de anulação da deliberação, visto que a inviabilidade de participação afronta os princípios cooperativos e lesa o direito individual do cooperado.

No plano concreto e diante desse cenário de incertezas, deve-se aplaudir, porém, a alteração legislativa que insere na legislação cooperativista a modalidade de assembleia geral semipresencial, que se realiza na sede da cooperativa, por ampliar a possibilidade de participação do cooperado, assim presencialmente, como pelos meios eletrônicos, ambos permitindo sua intervenção efetiva e sua manifestação de voto.

Sabe-se que as assembleias gerais das cooperativas têm papel primordial na consecução da autogestão e na democratização da sociedade, de modo que a sua realização na forma presencial constitui pilar central da sua estrutura. Sob esse ângulo, também, não há que se olvidar que o formato semipresencial amplia o direito de participação do cooperado, o que vai ao encontro de tal paradigma, constatação que, ao contrário, não se verifica no formato digital.

Muitas cooperativas têm por costume bastante difundido realizar reuniões pré-assembleares dada a extensão da área de ação e o grande número de cooperados, visando a ampliar a participação e a dar maior transparência e publicidade sobre os atos de gestão e das contas da administração. Tal oportunidade pode ser ideal para que o associado possa manifestar seu voto por meio do boletim, já que terá a sua disposição representantes da diretoria e (ou) dos conselhos de administração e fiscalização para prestar quaisquer esclarecimentos que porventura existam.

Por Alfredo de Assis Gonçalves Neto, professor titular em Direito Comercial da Faculdade de Direito da UFPR, advogado especialista em Direito Empresarial, Cooperativo e Econômico, sócio do escritório Assis Gonçalves  Kloss Neto Advogados Associados

Por Micheli Mayumi Iwasaki, mestre em Direito e especialista em Sociologia Política pela UFPR, membro da Comissão de Direito Cooperativo da OAB Paraná, advogada e sócia do escritório Assis Gonçalves  Kloss Neto Advogados Associados

[1]VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Companhias abertas à parte, assembleias virtuais são realidade no Brasil? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mai-02/direito-civil-atualas-assembleias-virtuais-sao-realidade-direito-societario-brasileiro>. Acesso em 03.06.2020.

Professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto
Micheli Mayumi Iwasaki, mestre em Direito

 

Âmbito Jurídico

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