Filipy Calixto
Resumo
O trabalho se inicia numa veiculação jornalística nesse sentido, onde um empresário teve fotos suas expostas de forma a relacioná-lo com um delito penal. A justificativa surge porque o Direito precisa conter, além da teoria, ações práticas dentro do contexto social, buscando identificar ameaças e ilícitos a direitos, afim de que possa corrigi-los. Para o estudo dessa situação fática, foram elencadas opiniões de doutrinadores acerca dos princípios da liberdade de imprensa e da proteção à imagem, ambos aqui tratados sob o aspecto constitucional; também, fora realizado um estudo a partir de julgados do Egrégio Tribunal de Justiça de Rondônia, visando buscar o que o tribunal tem entendido acerca da matéria. Isso tudo divido em três capítulos: primeiro, a tratar da imprensa; segundo, da imagem; terceiro, do próprio caso em comento e; num quarto momento, foram tratadas discussões e opiniões de críticos acerca do conflito de aplicação entre esses direitos. Ao cabo, configurou-se o entendimento de que houve uma violação ao seu direito de imagem, principalmente, na qualidade de atributo, naquela onde o ser tem a liberdade para, de forma deliberada, construir um modo pelo qual deseja ser visto socialmente.
Palavras-chave: Imagem. Imprensa. Colisão.
Abstract
The work begins in a journalistic placement in this sense, where a businessman had photos of him exposed in order to relate him to a criminal offense. The justification arises because the Law must contain, in addition to theory, practical actions within the social context, seeking to identify threats and illicit rights, so that it can correct them. For the study of this factual situation, opinions of doctrinaires about the principles of freedom of the press and protection of the image, both here treated under the constitutional aspect, were listed; also, a study had been carried out after judgments of the High Court of Justice of Rondônia, seeking to seek what the court has understood about the matter. This is divided into three chapters: first, dealing with the press; second, of the image; third, of the actual case in question and; at a fourth moment, discussions and opinions of critics about the application conflict between these rights were dealt with. In the end, an understanding was made that there was a violation of his image right, especially as an attribute, in which the being has the freedom to deliberately construct a way in which he wants to be seen socially.
Keywords: Image. Press. Collision.
Sumário: Introdução; 1. Objetivos; 2. Materiais e métodos; 3. Resultados; 3.1 Direito à liberdade de imprensa; 3.1.1 Imprensa; 3.1.2 Liberdade de imprensa; 3.1.3 Dos limites da liberdade da imprensa; 3.1.4 A razão da imprensa precisar de limites; 3.2 Direito à proteção da imagem; 3.2.1 A proteção jurídica do direito à imagem; 3.2.2 Imagem; 3.2.3 A imagem-retrato; 3.2.4 A imagem-atributo; 3.2.5 Distinção entre imagem honra, intimidade e identidade; 3.3 Caso em estudo; 3.3.1 Comentários; 3.3.2 Ligação com o Direito Constitucional; 3.3.3 Comentários sobre os preceitos legais constitucionais que regulam a matéria; 3.4 Discussão acerca da colisão desses direitos; 3.4.1 Jurisprudências relevantes; 3.4.2 Considerações importantes; Conclusão.
Introdução
O estudo surge do pensar de que o Direito precisa extrapolar os limites teóricos da academia, as discussões precisam gerar resultados práticos, devolvendo à sociedade a fé que lhe é depositada. Afinal, nasceu como instrumento para servir o meio social.
Em consonância, a luz que guiou a pesquisa foi a utilização de um site de uma imagem, possivelmente, em descompasso com os objetivos que a mídia deveria ter. Um jornal eletrônico usou, sob o fim de ajudar as investigações na procura de um foragido, a foto divulgada demonstrava-o utilizando sua roupa de trabalho, inclusive, o dano deve ser mensurado considerado o fato de ele ser também dono do estabelecimento. Estabelecido esse viés, buscou-se identificar se ocorreu algum dano contra o direito de imagem, estudar a atuação da mídia dentro do contexto da modernidade, estabelecendo comentários sobre o conflito entre esses dois direitos, fazendo uso de doutrinas e de julgados sobre tal conflito.
Todo o estudo podendo se resumir no questionamento: há danos à imagem quando, para fins de investigação policial, em uma matéria, um site se vale de uma foto em que o estabelecimento em que trabalha o foragido é evidenciado?
Estabelecido isso, o trabalho, para chegar às considerações finais, estará dividido em quatro momentos: um estudo sobre a liberdade de imprensa, outro relacionado ao direito de ter a imagem protegida, estabelecidos esses pontos, tem-se o arcabouço necessário para o estudo do caso e, buscando uma imagem do que os tribunais pensam acerca da matéria, somado a comentários sobre a colisão desses direitos fundamentais.
Analisar conceitos vinculados a liberdade de imprensa e à imagem; verificar conceitos e direitos vinculados ao caso em comento; verificar se há violação aos direitos fundamentais do empregado na situação descrita, em específico, ao direito de imagem; tecer comentários sobre a colisão, no Direito moderno, entre os direitos à imagem e à liberdade de imprensa.
Para a realização dessa pesquisa, utilizou-se de um método bibliográfico, analítico e qualitativo. Desta forma, foram elencadas matérias de jornais eletrônicos, jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça de Rondônia e doutrinas que versassem sobre o tema para a feitura do estudo[1].
3.1 Direito à liberdade de imprensa
3.1.1 Imprensa
Primeiro, cumpre caracterizar, na atualidade, o que se entende por imprensa. Nos primórdios, estava estritamente ligada à difusão de informações pela via impressa e, por estar a informação de massa presa a esse veículo, imprensa consistia, basicamente, nos jornais[2].
Fato que não se repete na atual conjuntura. Hoje, graças à evolução tecnológica, temos uma infinidade de meios para o transporte da informação, como os smartphones, as televisões, os rádios, as redes sociais, as revistas, uso de outdoors, dentre outros; ligando-se muito mais a mídia aos meios digitais do que aos físicos. Por esse fato, o Direito evolui para uma proteção da informação que agora é veiculada, não mais ao meio pelo qual se serve.
Nas palavras de Sidney Cesar Silva Guerra[3]: “Assim sendo, preferimos conceituar a imprensa como sendo toda a forma de produção de informação, seja ela escrita, mediante prensa, como também aquelas provenientes de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.
3.1.2 Liberdade de imprensa
Em poucas linhas, resume-se, como direito negativo em face do Estado, pela possibilidade de haver expressão de opinião sem censura ou qualquer meio de pressão estatal. “Quanto à liberdade de expressão, a Constituição garante a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”[4]. Num segundo plano, consiste no campo de ação, no até-onde-moral a imprensa pode ir com suas publicações. Assim, caracteriza-se pelo conjunto de liberdades de que dispõe para atuar liga-se diretamente ao direito de acesso às informações e ao direito de difundi-las. Outra faceta daquele princípio é a de obrigar, num plano institucional, o Estado a possuir políticas que permitam um trabalho, dentro dos limites do razoável, sem amarras à informação.
3.1.3. Dos limites da liberdade da imprensa
Primeiro ponto a ser levado em conta: sempre que houver uma limitação na liberdade de imprensa é porque, de alguma forma, houve um conflito com outro direito. Isso, no plano das justificativas de haverem limitações[5]. Já quanto ao plano fático, todas as limitações devem estar presentes em textos legais ou partirem de interpretações, por parte do legislativo, quando se tratarem de conflito de princípios ou de integrações por analogia.
Estabelecer limites à liberdade de imprensa é sempre uma faca de dois gumes. Haja vista que a própria Constituição Federal de 1988, para demonstrar a evolução do Direito, visando a fuga de qualquer relação com os Estados totalitários do passado, garante expressamente a liberdade de ação para a imprensa. Faz isso ao dizer, no artigo 220, caput e §1º: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
“§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV[6]”.
O que se impõe aos legisladores, presos a essa corda bamba, “é o velho problema: de um lado a sociedade sente a necessidade de ter uma imprensa digna, precisa, honesta, clara e objetiva e de outro lado temos “os donos imprensa” preocupados apenas em auferir lucros e confundem a liberdade de imprensa e liberdade de impressão, isto é, a possibilidade de publicar tudo aquilo que é interessante para eles, seja no aspecto político e principalmente o econômico[7]”.
Nas palavras acima citadas, o autor levanta um interessante questionamento, qual seja, a relação entre a liberdade de impressão e a liberdade de imprensa. O primeiro compreendido pela possibilidade de publicar, nos limites da lei, aquilo que lhe convir. O segundo, pela concessão legal dos meios básicos de que necessita a imprensa para atuar com seriedade, presteza e utilidade à população.
3.1.4 A razão da imprensa precisar de limites
Para não haver violação de direitos, a imprensa precisa de limites. Uma das grandes justificativas para haverem esses limites é o tamanho do poder que tem — há doutrinadores[8] que chegam a usar a nomenclatura “quarto poder”. A velocidade com que as informações circulam tem um efeito negativo, principalmente, sobre sua qualidade; cria-se um público consumidor cada vez mais ávido por novas notícias, notícias extravagantes, ignora-se o uso de fontes confiáveis, ocorrem invasões a direitos alheios, generalizações apressadas et cetera, passando ao público uma falsa impressão de estarem sendo informados quando, em verdade, estão sendo manobrados pelos interesses do mercado.
Dentro do contexto do caso, tal veiculação acaba por taxar o indivíduo, apressadamente, como o agente do delito. Fortes críticos da mídia moderna são Cláudio de Cicco e Vidal Serrano Nunes Junior, que, sem suas palavras, respectivamente: “pode tornar-se veículo de desrespeito à pessoa, pela divulgação apressada e desatenta de notícias, muitas vezes colhidas por um repórter ávido de promoção às custas da divulgação de fatos da vida privada de artistas e homens públicos. Sua intimidade é oferecida a milhares de leitores, sem possiblidade de defesa, pois ineficaz se revela o chamado “direito de resposta” para reparar o dano já causado à personalidade de alguém, ao seu nome ou de sua família etc[9]”.
Às palavras de supracitadas, faça-se acrescer: também ao nome e reputação de sua empresa ou estabelecimento comercial, bem como o nome dos serviços e produtos por ela oferecidos. “É que a imprensa moderna (os meios de comunicação) se transformou em um verdadeiro poder social, muitas vezes fazendo do cidadão não um destinatário, mas um refém da informação, tornando necessário defender não só a liberdade da imprensa mas também a liberdade face à imprensa[10]”.
Importante salientar a quem a imprensa nasceu para servir. Muitos dos problemas nascem porque ela, ao invés de ser útil para a população, é usada para atingir interesses corporativos. Muitas vezes, disfarçadas de notícias informativas, veiculam-se propagandas ou outros tipos de conteúdo que não visam informar; buscando-se um ideal de manipulação das pessoas por meio das informações que colocam a sua disposição. Graças ao baixo grau de instrução da população[11], na maioria das vezes, notícias de baixa qualidade rendem mais dinheiro para os empresários do ramo do que a veiculação de notícias boas, que gerariam críticas ao sistema; o que, por vezes, fomenta esse processo.
A partir desse ponto, apresentada a primeira parte do tema, passar-se-á à análise dos elementos, a esse trabalho, essenciais, relacionados ao direito de imagem, sua proteção, definição, objetivo e demais situações.
3.2 Direito à proteção da imagem
3.2.1 A proteção jurídica do direito à imagem
A forma utilizada para tal é a atribuição de um status de direito autônomo. Desvinculando-o de outros tipos de direitos, aos quais vinha sendo historicamente interpretada como pertencente. Quais sejam: a intimidade, a honra e a identidade. Esse caráter autônomo é-lhe dado pelo direito constitucional moderno, sendo seu intento o de acompanhar os avanços da sociedade.
3.2.2 Imagem
Para um melhor entendimento do conceito de imagem, primeiro, faz-se preciso entender que, muitas vezes, ela é confundida com outros direitos — tal como se verá mais a frente —. A proteção constitucional dada à imagem não se confunde com a dada à honra, ou à intimidade ou à personalidade. A Constituição Federal Brasileira de 1988, na esteira das evoluções constitucionais ocorridas no mundo, elevou a imagem a um patamar expresso. Dando-lhe autonomia em relação a outros direitos por ela tutelados.
Para este estudo, adotar-se-á a posição de Luiz Alberto David Araujo, dita em seu livro “A proteção constitucional da própria imagem”, resumida em suas palavras em: “o trabalho identifica duas espécies de imagem, protegidas constitucionalmente […] Há uma imagem retrato, decorrente da identidade física do indivíduo, e uma outra imagem, de caráter mais moderno, distinta da honra, como se verá durante o trabalho, que envolve o indivíduo dentro de suas relações sociais. Chamaremos essa segunda espécie de imagem de imagem-atributo, situação que poderá ser aplicada às pessoas jurídicas[12]”.
3.2.3 A imagem-retrato
Simples de ser conceitua, é o entendimento mais antigo que se tem sobre o tema, estando fortemente presente em épocas passadas, quando a pintura e a fotografia eram sinônimas de status social. Baseia-se em dois lados de uma moeda — que aqui serão tratados em conjunto, pois o Direito os defende igual forma, não lhes fazendo diferença quando do texto legal. A fisionomia, compreendendo os traços físicos da pessoa (como na reprodução, por teatro ou cinema, dos trejeitos de alguém). E o retrato da imagem, sendo este a reprodução por meio de foto, pintura etc, da imagem da pessoa.
3.2.4 A imagem-atributo
Liga-se ao conceito que tem, as outras pessoas, do ser, ou seja, é produzido pela forma como o indivíduo é visto pelos que lhe cercam. Faz parte do rol de direitos decorrentes da imagem, entrementes, não se confunde com a honra, como será visto. São exemplos: cidadão honesto, pontual, bem-humorado, responsável et cetera. É fruto da vivência do ser com seu meio social e decorre, principalmente, da mudança no modo como a sociedade encara o conceito na atualidade — as redes sociais, verbi gratia, são um meio muito utilizado para a formação, por intento da pessoa, dessa imagem que ela deseja atribuir a si mesma.
Consiste numa evolução do modo como se interpreta o texto constitucional, sendo teleológico objetivo, não de uma mudança expressa no texto legal; assim, procura “adequar a norma às novas exigências sociais[13]”. Visa defender aqueles caracteres que tem a pessoa perante a sociedade. Dentro do cenário atual do Direito, é permitida, inclusive, uma interpretação expansiva, buscando alcançar ideias que expressem “a compreensão do pensamento do legislador manifesto no texto da lei. […] Neste caso, a sede do sentido da norma é a vontade do legislador (teoria subjetiva)[14]”; passando a abarcar o direito de imagem da pessoa jurídica, bem como os serviços por ela oferecidos e os produtos por ela vendidos.
3.2.5 Distinção entre imagem honra, intimidade e identidade
Para diferenciar os institutos, até aqui já compreendida a dimensão do conceito de imagem, basta que se exemplifique a matéria com casos.
A honra não se confunde com a imagem pois existem exemplos em que uma é ferida, restando a outra ainda intacta. Pode-se veicular uma matéria em que certa pessoa é tida como boa empresária, reconhecido bom negociador e gestor em ascensão, caso essa veiculação não detenha autorização para tal, resta-se confirmado um caso onde o direito à reparação pelo uso indevido da imagem é perfeitamente cabível, sem que se fale em direito à reparação por danos a sua honra. Uma vez que suas qualidades não foram senão enaltecidas.
Na mesma esteira do exemplo anterior. Havendo uma veiculação qualquer de imagem, sem autorização por parte de seu proprietário, de fotos suas celebrando um novo contrato, pode-se falar de violação do direito à proteção da imagem sem que se fale em violação à intimidade. Principalmente quando se fala da utilização de reproduções vinculadas a produtos e serviços.
Encerrando com a terceira separação histórica. Ressalta-se que essas separações são fruto dos novos entendimentos, produzidos a partir de novos ares que recaem sobre a matéria. A imagem é autônoma em relação à intimidade porque, v.g., a foto de alguém espalhada por vários cartazes, sem que haja qualquer tipo de manipulação, logo, onde a pessoa seja perfeitamente reconhecível, se feita sem autorização para a veiculação, fala-se na existência do dever de reparação (fundado nos lucros cessantes), sem que haja deturpação no modo como aquela pessoa se enxerga.
Conectando os conceitos até agora apresentados, tanto na primeira, quanto na segunda parte do trabalho, evolui-se para o momento onde se aplicarão os temas ao caso fático.
3.3 Caso em estudo
3.3.1 Comentários
Em decorrência do estudado, entende-se pelo vislumbre de um dano ao direito de imagem. Isso porquê ela restou prejudicada em função do grande alcance, e consequente poder, que a mídia tem; desta forma, ao vincular, de forma apressada, o cometimento do crime para determinada pessoa, fere-se o respeito ao devido processo legal[15], pois o Direito reservou ao processo a função de imputar um crime ou não a alguém. Ainda do dano, frisa-se: resta devido a uma violação à imagem-atributo, como qualidade hipotética de bom comerciante.
Como ponto de ressalte, para evitar a ocorrência do dano, dentro das previsões legais do ordenamento jurídico brasileiro, seriam suficientes um cuidado com as palavras empregadas durante o texto e que a redação do site, ao fazer a publicação da matéria, detivesse uma autorização para uso da imagem.
3.3.2 Ligação com o Direito Constitucional
Muitos dos conflitos surgem porque a Constituição Federal de 1988 é prolixa e busca abarcar, mais do que, segundo a experiência de outros países, é necessário ao funcionamento do Estado. Concedendo, dentre outras liberdades, uma à pessoa e outra à imprensa que, na prática, mostram-se incompatíveis ou de extrema dificuldade de serem efetivadas. Esse ideal paternalista, com o intuito de “mostrar serviço”, acaba trazendo temas desnecessários e de forma ampla ao ponto de, já na Constituição, estabelecerem-se conflitos de aplicação. Walter Ceneviva, criticamente, diz que nossa constituição “[…] busca (geralmente sem êxito) enfrentar todas as hipóteses do universo jurídico atingido, o que a leva a incluir matérias de típico caráter não constitucional. Pode enfraquecer a democracia, por facilitar a inversão da ordem constitucional. Foi a opção brasileira de 1988[16]”.
Tema delicado é essa da escolha de qual tipo de constituição se deve adotar: se longa (analítica) ou se curta (sintética). Embora critique o estabelecimento de constituições prolixas, José Joaquim Gomes Canotilho o entende como parte natural do processo de compreensão, por parte do povo, de sua Lei Fundamental. Assim, de forma parafraseada, doutrina que o tamanho da Constituição, sua característica de longa, advém da forma como a sociedade atual, notadamente multicultural, encara o Direito Constitucional moderno e entende que ele deva ser feito[17]. O que justificaria o estabelecimento da Lei Maior brasileira tal como ocorreu, logo, seria o próprio pluralismo de nossa sociedade; onde, contrariamente, entende-se ser necessária uma expansão do direito à imprensa, como forma de munir o povo de conhecimento acerca do mundo a sua volta, além de uma expansão da proteção à imagem para que, no meio dessa “guerra pela informação”, não fique a pessoa refém dela.
Sobre o pluralismo social, como justificativa ao formato constitucional brasileiro, dando uma forma prolixa à normativa, é oportuno citar Marcelo Schenk Duque[18], porque ele entende que “a construção da Constituição de 1988 […] não foge dessa realidade. Além dos direitos catalogados, outros decorrentes dos princípios adotados pela constituição e dos tratados internacionais que o Brasil faz parte, convergem para reforçar uma identidade constitucional voltada à proteção da pessoa”.
Agora, inicia-se o estudo dos momentos onde a legislação tratou do tema.
3.3.3 Comentários sobre os preceitos legais constitucionais que regulam a matéria
Inicia-se o estudo pelo estudo do artigo 5° da Constituição Federal; especialmente nos incisos a seguir: “Artigo 5º, inciso V, Constituição Federal de 1988: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem.
“Artigo 5º, inciso X, Constituição Federal de 1988: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
“Artigo 5º, inciso XXVIII, alínea a), Constituição Federal de 1988: são assegurados, nos termos da lei: a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusiva nas atividades desportivas[19]”.
Autoexplicativas por natureza, afinal, o texto legal precisa deter clareza para poder ser aplicado. Pouco há que falar além que levantar pontos, principalmente, sobre o conteúdo implícito, qual seja, sobre o que pensava o legislador ao dizer tais palavras.
Noli Bernardo Hahn é elucidativo ao trazer que a necessidade da normativa demonstra uma face ruim: a de que tal assunto não foi pacificado socialmente, daí a necessidade de regulá-lo; “em outras palavras, diz-se que o texto, ao não dizer explicitamente determinadas ideias, revela conteúdos e realidades exatamente por não dize-las[20]”. Neste caminho, o texto garante o direito de resposta frente aos danos que sofra o indivíduo (efetivado através do cabimento de indenização); defende a inviolabilidade desses direitos, aqui, dando-lhes tutela inclusive contra ações abusivas praticadas pelo Estado e; mostra o modus pelo qual o povo brasileiro entende ser sua Constituição ideal, no viés de prever proteções contra ações de terceiros versus terceiros e contra ações do Estado versus terceiros (aqui, independente do vínculo de nacionalidade).
3.4.1 Jurisprudências relevantes
Úteis ao tema, apresentam-se ementas oriundas do Tribunal de Justiça de Rondônia. O egrégio tribunal é responsável por interpretações do tema que possibilitam olhá-lo pelos dois lados; ilustrando alguns dos caminhos que o judiciário tem utilizado para interpretar a matéria. “APELAÇÃO CÍVEL. DANO À IMAGEM. EXTRAPOLAÇAO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. A liberdade de informar deve ser a mais ampla possível, porém, o excesso causa dano moral. O valor da indenização deve ser mantido quando se mostra adequado à extensão do dano moral experimentado pela vítima[21]”.
A parte destacada dentro da ementa é clara em exaltar os dois princípios. Diz que a imprensa deve ter terreno fértil e amplo para seu trabalho, dada a importância que tem ao meio social. Entretanto, relembra que seu excesso é a causa responsável por danos. No julgado em espécie: dano moral. “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA EM AUDIO. JORANL ELETRONICO. DEVER DE INFORMAR. DANO MORAL PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA. NÃO CONFIGURAÇAO. MATÉRIA NOS LIMITES DA LIBERDADE DE IMPRENSA. NÃO PROVIMENTO. Em se tratando de pessoa jurídica, o dano moral que se lhe pode afligir é a repercussão negativa sobre sua imagem, em resumo: é o abalo de seu bom-nome. Para tanto, é necessário que haja prova do prejuízo a partir do fato gerador do suposto dano (matéria jornalística), com a repercussão negativa da notícia aos seus negócios ou relacionamento com clientes. Não extrapola os limites da liberdade de imprensa, a matéria jornalística que critica a demora na conclusão de obras públicas e roga por investigação pelas autoridades competentes. Todo aquele que possui qualquer espécie de vínculo jurídico com o Poder Público está sujeito à crítica pela sociedade e meios de comunicações, porque, em geral, têm seus atos cada vez mais fiscalizados e controlados[22]”.
Nas palavras-chave, já ressalta que a mídia deve ter como escopo, dentro do Estado Democrático de Direito, o dever de informar. Mais em frente, garante que a mídia deve ter o direito de crítica. In casu, defende o direito de difusão da crítica por meio da imprensa, isso porque serve de valorização ao princípio do interesse público. “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA OFENSIVA À HONRA DA PESSOA JURÍDICA. VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES. MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE EXTRAPOLOU EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE INFORMAR. DANO MORAL CARACTERIZADO. Segundo entendimento do STJ, a liberdade de informação deve estar atrelada ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula, em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade. A imprensa deve estar atenta ao dever de veracidade das informações prestadas em seus veículos. Demonstrado que a requerida agiu com culpa, ao veicular matéria sem, antes, checar sua veracidade, causando ao autor violação à sua imagem, o dever de indenizar é medida que se impõe[23]”.
Neste caso, o intérprete da lei foi forte crítico da ação da imprensa, por ter essa vinculado matéria que trazia fatos inverídicos. Inclusive, traz um ponto forte, ao dizer que a informação veiculada com malícia perde o escopo de informar, passando ao seu destinatário uma falsa sensação de estar sendo informado. “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA À HONRA E À IMAGEM. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO RELATIVIZADA. DANOS MORAIS CABÍVEIS. RECURSO. PROVIMENTO. A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade do ser humano. É cabível reparação por danos morais quando violados os direitos da personalidade do indivíduo[24]”. “DIREITO DE IMAGEM. REPORTAGEM. INTERESSE PÚBLICO. ELEIÇÃO. CANDIDATO. IMAGEM. DIREITO MITIGADO. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. Evidenciado o nítido caráter de interesse público em matéria jornalística informando acerca de envolvimento de candidato em eleições majoritárias, em supostos atos de corrupção apurados em operações policiais na época em que este era gestor público, não há que falar em dano moral se ausente prova de intenção difamatória, mas direito de informação do cidadão em relação a um postulante a cargo público, que acaba tendo seu direito à imagem mitigado em favor do interesse público naquilo que diz respeito à sua atuação profissional[25]”.
Já as ementas desses dois julgados, por sua vez, servem para mostrar que os direitos em pauta não são absolutos. Existem momentos nos quais eles devam sofrer mitigações para dar abertura para outros princípios. Isso ocorre com ambos. No primeiro, mitiga-se a liberdade de informação para proteger a honra e a imagem; no segundo, ocorre o contrário, o direito a imagem é mitigado em favor do interesse público, este satisfeito através do acesso à informação. “NOTÍCIA JORNALÍSTICA. FOTOGRAFIA. IMPUTAÇÃO DE CRIME. IMAGEM. DIVULGAÇÃO. AUTORIZAÇÃO. INEXISTENCIA. DANO MORAL. VALOR. MANUTENÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CONFIGURAÇAO. AUSÊNCIA. É indenizável o dano moral decorrente da divulgação não autorizada da imagem da pessoa em matéria jornalística imputando a prática de infração penal e induzindo à conclusão de que foi preso com grupo criminoso. O arbitramento da indenização decorrente de dano moral deve ser feito caso a caso, com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos, à capacidade econômica, características individuais e ao conceito social das partes. Decaindo o autor da ação de parte mínima de seus pedidos, responderá a requerida pela integralidade das despesas processuais e honorários advocatícios[26]”.
De todas, a jurisprudência mais contundente sobre o caso, sem dúvida, é essa. Retirada do órgão colegiado responsável por atuar no estado-membro onde o caso em comento, gerador desse estudo, foi cometido. É nítida em dizer que a atribuição precipitada, por parte da mídia, da autoria de um crime a um cidadão constitui violação a seus direitos fundamentais. Principalmente quando eivada do vício de se veicular, sem deter autorização, a imagem do indivíduo.
3.4.2 Considerações importantes
A temática do trabalho é muito bem trabalhada, quando fala do conflito dos direitos aqui estudados, pelas palavras de Sidney Cesar Silva Guerra: “dentre estes conflitos, destacamos a liberdade de imprensa e o direito à imagem (direitos fundamentais), pois, nesta época em que os meios de comunicação de massa se utilizam de sistemas internos de televisão, câmeras fotográficas, teleobjetivas, além de toda a parafernália possível e necessária para captação de flagrantes de imagem de uma pessoa, torna-se imperioso discutir tais questões[27]”.
Desta feita, poderiam ter sido publicadas outras fotos, dada a nota de rodapé presente na foto dizendo que fora retirada de uma rede social[28]. Preferencialmente, alguma em que não houvesse referência ao seu estabelecimento comercial. Também, poderia ter sido publicada acompanhada de uma autorização para o uso da imagem, dada por ele ou por representante legal. Finalmente, vale a pena a citação de que termos como “assassino” ou verbos como “matou” deveriam ser evitados[29], não cabendo num contexto respeitoso, onde deve imperar o princípio da presunção de inocência; em resumo, torna-se essencial o cuidado com o termos utilizados. Sobre isso, traz Bruna Eitelwein Leite[30] que o exercício do direito a imprensa per si, sem controle, gera o desrespeito à presunção de inocência.
Há sociólogos que entendem ser de extrema importância o papel da imagem, seja ela a física, a imaginada pelos outros sobre si e a aquela pensada sobre si mesma, para a formação da identidade social do indivíduo. Trabalhando sua aceitação pessoal e entre seu grupo de convívio. Pois a identidade, compreendida também pela imagem, deixou de ser uma atribuição social e passou a ser uma conquista do ser[31].
Assim como há filósofos da antiguidade, quando do tratamento que o Estado pode dar a esse conflito de direitos, que podem lançar luz sobre o tema. Aristóteles e Platão “haviam identificado no ‘meio caminho’, no ‘nada em excesso’ e na ‘justa medida’ a regra suprema do agir”[32]. Sob esse prisma, verificar-se-ia o anseio existente pela população, junto com seu nível de compreensão acerca do tema para, buscando o equilíbrio, trabalhar da melhor forma a questão.
Conclusão
Partindo do que fora estudado, alguns pontos podem ser observados para uma melhor compreensão do tema. Conforme visto, limitar a ação da imprensa constitui-se um erro, haja vista que a sociedade necessita de sua ação para manter-se saudável. Por outro lado, deixar que sua atividade seja exercida sem controle é o pontapé inicial para que tudo, menos sua atividade, qual seja, informar, educar, questionar, criticar et cetera, seja praticado.
Igualmente, superproteger a imagem do cidadão acaba por gerar uma sociedade instável. Onde a mínima menção à fisionomia do outro, a exemplo, pode vir a gerar um desafeto e futura reclamação contra o Estado em face do suposto agressor. Só que permitir, atualmente, que a imagem seja lesada é, impreterivelmente, lesar aquilo pela qual a modernidade líquida mais se apega. Conforme já dito, é necessária a defesa da imagem como principal componente da identidade social do indivíduo, sua conquista.
Do supracitado, interessante que se retome aos conhecimentos gregos clássicos, muito utilizados por Platão e Aristóteles, como o do justo meio. Procurando sempre não exceder, nem para muito e nem para pouco, quando se tratar da defesa da imagem e da liberdade de imprensa. Esses filósofos já tinham encontrado na justa medida o parâmetro ideal para o agir.
Quando da defesa dos direitos fundamentais do ser humano, são oportunas as palavras de Martin Luther King Jr., dizendo que “nossas vidas começam a terminar no dia em que permanecemos em silêncio sobre as coisas que importam”. Em seu trabalho, lutava pela aceitação da cultura afro-americana. Ainda que não tenha seguido o mesmo caminho desta pesquisa, teve igualmente o escopo de exaltar o quão importante é a defesa, no seio social, dos direitos individuais e de personalidade.
Referências
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[1] PRODANOV, 2013.
[2] ARAUJO, 1996.
[3] GUERRA, 1999.
[4] MERELES, 2017, on-line, grifo do autor.
[5] CENEVIVA, 1991.
[6] BRASIL, 1988.
[7] GUERRA, 1999, p. 98, grifo do autor.
[8] Ibidem, p. 97.
[9] CICCO, 1980, p. 265, grifo do autor.
[10] JUNIOR, 1997, p. 84.
[11] DIAS, 2016.
[12] ARAUJO, 1996, p. 17-18.
[13] BULOS, 1997.
[14] ANDRADE, 1991, p. 9.
[15] CAPEZ, 2016.
[16] CENEVIVA, 1991, p. 13.
[17] CANOTILHO, 1941.
[18] DUQUE In: GIMENEZ; LYRA (Org.), 2016.
[19] BRASIL, 1988, grifo nosso.
[20] HAHN in GIMENEZ; LYRA (Org.), 2016.
[21] TJ-RO, 2018a.
[22] TJ-RO, 2017a, on-line, grifo nosso.
[23] Idem, 2018b, on-line, grifo nosso.
[24] Idem, 2017b, on-line, grifo nosso.
[25] Idem, 2017c, on-line, grifo nosso.
[26] TJ-RO, 2017d, on-line, grifo nosso.
[27] GUERRA, 1999, p. 95.
[28] COMANDO 190, 2017.
[29] ALERTA RONDÔNIA, 2017 e NEWS RONDÔNIA, 2017 se utilizaram desses termos em suas publicações acerca do ocorrido.
[30] LEITE, 2011.
[31] BAUMAN, 1998 apud MADERS in GIMENEZ; LYRA (Org.), 2016.
[32] REALE, 1990.
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