Resumo: Tendo a Constituição Federal de 1988 reconhecido o direito à saúde como direito fundamental, é necessário referir, em primeiro lugar, que as normas que o garantem têm aplicação imediata, na forma do § 1º do art. 5º do próprio texto constitucional. A saúde constitui um direito de todos e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais. A saúde é direito social fundamental, e como tal deve ser exercido pelo Estado através da implementação de políticas públicas e sociais que o efetive. A Constituição Federal e o ordenamento infraconstitucional da Lei 8.080/90, reconhecem o dever do Estado para com o direito à saúde, já que, o cidadão, por intermédio do direito público subjetivo, está legitimado para o exercício das prerrogativas estabelecidas Na legislação correlata, tanto na instância administrativa como na instância judicial. O papel do Poder Judiciário, em um Estado constitucional democrático, como o Brasil, é o de interpretar a Constituição e as leis, resguardando direitos e assegurando o respeito ao ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Direitos sociais. Direito à saúde. Poder Judiciário.
Sumário: Introdução. 1. Os direitos sociais. 2. Direito fundamental à saúde. 3. Reserva do possível e mínimo existencial. 4. O papel do poder judiciário. Conclusão
Abstract: Since the Federal Constitution of 1988 recognized the right to health as a fundamental right, it should be noted, first, that the rules must ensure the immediate application in the form of Paragraph 1 of art. 5 of the constitutional text itself. Health is a right of every citizen and a duty of the state and will be fully integrated public policies to government. Health is fundamental social right, and as such must be exercised by the state through the implementation of public policies and the social effect. The Federal Constitution and planning infraconstitucional of Law 8.080/90, recognize the duty of the state for the right to health, since the public through the subjective public right, it is legitimate to exercise the rights set out in legislation related, both at the administrative level and in court. The role of the judiciary in a democratic constitutional state, such as Brazil, is to interpret the Constitution and laws, safeguarding rights and ensuring compliance with the law.
Keyword: Social right. Right to health. Judiciary
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como fito discutir o papel dos direitos fundamentais frente à contemporânea teoria da constituição. Para tanto, adota o entendimento de que os direitos sociais, como o direito à saúde, à moradia, ao emprego, enfim todos os que, como estes, estão intrinsecamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, são direitos fundamentais. Este é o objeto do primeiro tópico.Utilizando-se desta premissa, mister se faz uma justificação e fundamentação acerca de quais benefícios traz tal entendimento ao destinatário final da Constituição. No segundo tópico explorar-se-á a fundamentalidade do direito à saúde. Tal direito, possui caráter prestacional, para ser efetivado necessita de políticas públicas, estando sujeito à reserva do possível mas em respeito ao direito à vida, o mínimo existencial há de ser observado. Em seguida será discutido o papel do poder Judiciário na efetivação do direito fundamental à saúde.
Sabe-se que no modelo de Estado Democrático de Direito, como o do Brasil, no qual a tripartição de poderes é princípio vigente, o responsável por definir estratégias e alocar recursos para efetivar prestações a abranger o direito fundamental à saúde é o Poder Executivo ou o Legislativo através de legislação infraconstitucional que fixe parâmetros para implementação de políticas públicas aptas a tal. Ocorre que não sendo satisfatoriamente cumprido por estes Poderes, caberá ao Judiciário, desde que provocado, efetivar o direito à saúde, concretizar o disposto na norma constitucional.
A pesquisa realizada para a elaboração do trabalho tem como objetivo principal é analisar a atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos fundamentais sociais. Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram investigadas através de pesquisa bibliográfica e documental. No que tange à tipologia da pesquisa é, segundo a utilização dos resultados, pura, pois não tem como objetivo mudanças na realidade, almeja-se apenas um acréscimo de conhecimento aos que dela venham a se utilizar. Segundo a abordagem é uma pesquisa qualitativa, pois seu critério não é numérico, visando apenas aprofundar e abranger os conceitos e teorias. No primeiro tópico Os direitos sociais, faz-se uma breve exposição sobre o respectivo conceito, com enfoque sobre os meios extrajudiciais de conflitos. Em seguida é feito um breve relato sobre o direito fundamental à saúde, enfatizando o pensamento da doutrina atual. No terceiro tópico discorre-se sobre o papel do poder Judiciário na efetivação dos direito à saúde. Por último apresenta-se estudo de caso que trata do assunto objeto deste artigo.
1 OS DIREITOS SOCIAIS
Para melhor abordar o tema de judicialização do direito à saúde, aqui entendida como possibilidade de exigência judicial deste direito, é necessário adentrar na teoria geral dos direitos fundamentais e em seguida pormenorizar o estudo dos direitos sociais.
O que caracteriza os direitos fundamentais, como uma nova categoria jurídica, é, precisamente, a força jurídica reconhecida a tais valores. Em outras palavras, é o regime jurídico a que se acham submetidos os direitos fundamentais o novum que os identifica como uma categoria jurídica específica.[1] Assim se caracterizam a aplicabilidade imediata das normas jusfundamentais (CF, art. 5o, § 1o), com a qual se relaciona a vinculação dos poderes públicos, bem como a inclusão dos direitos fundamentais no rol das “cláusulas pétreas” (CF, art. 60, § 4o, inc. IV). Ora, se o texto constitucional (art. 5º, par. 2º) faz uma abertura aos direitos fundamentais de tal forma que ficou expressamente previsto que é possível encontrar direitos fundamentais mesmo fora do vasto elenco do artigo 5º da Carta Magna concluem Schwartz e Bortolotto(2008) que tal abertura pretende não apenas declarar os direitos fundamentais, mas, sobretudo, concretizá-los.
Peces-Barba define o conjunto de Direitos Humanos como “Direitos Fundamentais” por
entender ser a forma lingüística mais precisa e procedente, justamente por ser mais precisa do que a expressão direitos humanos e por poder abranger as dimensões destes direitos, sem incorrer nos reducionismos jusnaturalistas ou positivistas.
O Poder Constituinte Originário resguardou os direitos sociais como direitos fundamentais, dando prevalência a esses direitos em detrimento dos puramente econômicos. Percebe-se que o constituinte dispôs expressamente a possibilidade de existirem direitos fundamentais que, por o serem materialmente, incorporam-se à Constituição em seu conceito material, caracterizando assim um processo permanente de incorporação de novos direitos, que alcança igualmente os direitos sociais, além daqueles previstos nos demais capítulos do já referido Título. Os direitos sociais foram inicialmente reconhecidos como, via de regra, voltados não a uma abstenção do Estado, mas a uma ação o que lhes dá a característica de positivos.
Neste sentido é o magistério de Ingo Sarlet (2005, p.123) :
“A citada norma traduz o entendimento de que, para além do conceito formal de Constituição (e de direitos fundamentais), há um conceito material, no sentido de existirem direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da Constituição de um Estado, mesmo não constando no catálogo.”
Abaixo segue transcritas algumas didáticas observações feitas por Sérgio Fernando Moro (2001, p.102) à classificação de Alexy:
“Os direitos a algo englobam tanto direitos a ações negativas como a ações positivas do Estado(abstraindo aqui a eficácia das normas de direito fundamental contra particulares). Os direitos a ações negativas, os clássicos direitos de defesa, abrangem: a) direitos a que o Estado não impeça ou obstaculize determinadas ações do titular do direito; b) direitos a que o Estado não afete determinadas propriedades ou situações do titular do direito; c) direitos a que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas do titular do direito. Os direitos a ações positivas se dividem em dois grupos: direitos a prestações fáticas, que aqui se prefere denominar de prestações materiais, e direitos a prestações normativas.”
Segundo Jörg Neuner (2006, p.343) a dignidade humana constitui o fundamento para a legitimação dos direitos humanos sociais. Complementando-a e concretizando-a apresentam-se diversos caminhos de fundamentação. Segundo a doutrina dominante, a dignidade da pessoa humana, enquanto direito positivo, funciona como centro e fundamento do ordenamento jurídico, matriz de todos os direitos fundamentais.[2] No mesmo estudo prossegue o referido jurista que os direitos humanos sociais são limitados por meio de de vários princípios formais e materiais, os quais evitam que o pensamento protetivo social seja empregado de modo excessivo ou até mesmo absolutizado: limites jurídicos: direitos humanos liberais, princípio da subsidiariedade, o princípio da separação dos poderes;Limites fáticos: recursos, condições econômicas básicas;limites metodológicos: A necessidade de especificação; a necessidade de implementação.
Sobre o tema Cappelletti (1989, p.22) afirma que:
“Direitos sociais são caracterizados pelo fato de que não têm natureza, por assim dizer, puramente normativa; eles são “promocionais” e projetados no futuro, exigindo para sua gradual realização a intervenção ativa e prolongada no tempo pelo Estado. Na proteção de tais direitos o papel do juiz não pode, absolutamente, limitar-se a decidir de maneira estática o que é agora legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto; ao contrário, constitui freqüente responsabilidade do juiz decidir se determinada atividade estatal, mesmo largamente discricional – ou a inércia, ou em geral dado comportamento dos órgãos públicos -, está alinhada com os programas prescritos, freqüentemente de maneira um tanto vaga, pela legislação social e pelos direitos sociais.”
Analiticamente, os direitos sociais caracterizam-se por exigirem uma intervenção do Estado, gerando obrigações positivas realizáveis por meio da ação social. (SANTOS, 2007) Conforme constatação de Claúdio Pereira de Souza Neto (2006, p.53) “os direitos sociais prestacionais, na medida em que possam ser considerados condições procedimentais da democracia, devem gozar do status de cláusula pétrea.” Segundo este jurista, “embora a Constituição fale apenas de “direitos individuais”, a interpretação constitucional deve atribuir a esse texto o sentido de “direitos fundamentais”, dentre os quais se encontram os direitos sociais que possuem fundamentalidade material.” Há uma discussão no meio acadêmico se estariam os direitos sociais protegidos pela fundamentais e conseqüentemente albergados pela cláusula pétrea, assim, por óbvio, não poderiam ser objeto de emenda. A maioria dos estudiosos especialistas do assunto entende que os direitos sociais são direitos fundamentais. Seguindo este entendimento, as normas que garantem o direito à saúde têm aplicabilidade imediata, na forma do art. 5º, par. 1º, do texto constitucional e como acrescenta Germano Schwartz e Franciane Woutheres Bortolotto (2008) tais direitos revestem-se de caráter prestacional e são passiveis de exigência do cidadão perante o Estado. Importante observação, neste tocante, é feita por Pansieri (2006, p. 268):
“As disposições constitucionais que tratam dos direitos sociais não são meros instrumentos de referência ou normas programáticas, sem aplicabilidade imediata, conclusão que se extrai da pronta leitura do artigo 5º, par. 1º da CF-88, que dispõe: […] par. 1º – as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, e também da pronta leitura da estrutura do Título II da CF-88 pode-se compreender que os direitos sociais compõem o rol de direitos e garantias fundamentais.
Assim, as normas de direitos sociais possuem aplicabilidade imediata e, como norma jurídica, possuem ainda eficácia desde a publicação dos da Constituição Federal. Isso não significa dizer que todas as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais possuem eficácia positiva e negativa, tomando em alguns momentos feição de direitos subjetivos.”
Conforme aponta Clémerson Merlin Clève (2006):
“Os direitos fundamentais sociais devem ser compreendidos por uma dogmática constitucional singular, emancipatória, marcada pelo compromisso com a dignidade da pessoa humana e, pois, com a plena efetividade dos comandos constitucionais. Ou seja, uma nova configuração dos direitos fundamentais, especialmente dos apontados como sociais, exige uma renovada abordagem doutrinária para dar conta de sua eloqüente significação.”
Mais do que a simples positivação dos direitos sociais – que, na expressão de Jose Afonso da Silva (2000, p.19) traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas.
O modo de efetivação dos direitos sociais, devido a sua natureza diversa não coincide como dos direitos individuais. A eficácia dos direitos sociais pressupõe por um lado a implementação de políticas legislativas e políticas públicas que requerem investimento siginificativo de finanças por parte do Poder Executivo. O tema “políticas públicas” não é um tema ontologicamente jurídico, mas é originário da ciência política, onde sobressai o caráter eminentemente dinâmico e funcional, que contrasta com a estabilidade e generalidade jurídicas. A noção de políticas públicas emergiu como tema de interesse para o direito com a configuração prestacional do Estado. O interesse para o estudo jurídico das políticas públicas justifica-se porque estão ligadas ao resguardo dos direitos sociais e políticos, pois estes demandam do Estado prestações positivas e significam o alargamento do leque de direito fundamentais, principalmente quanto à efetivação do direito à saúde, objeto de estudo deste artigo.
2 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
A partir da Constituição Federal de 1.988 a saúde passou a ser dever constitucional de todas as esferas do governo. O conceito de saúde foi ampliado e vinculado á políticas públicas sociais e econômicas. O art. 196 da Constituição traz elementos indispensáveis à compreensão da norma, pois, além de definir os titulares do direito e o destinatário principal do dever, traz um meio de atuação genérico e uma finalidade específica a ser alcançada. A saúde é direito de todos e dever do Estado, o que costuma ser amplamente frisado quando se trata do tema.Deve ser ressaltado que a saúde deve ser garantida mediante políticas públicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Não pode-se negar que o direito à saúde está intimamente relacionado à proteção igualmente constitucional da dignidade da pessoa humana, que consta expressamente como um dos fundamentos da República (art. 1º, III, da CF) e conforme lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 443), representa o “fio condutor de toda a ordem constitucional, sem o qual ela própria acabaria por renunciar à sua humanidade, perdendo até mesmo a sua razão de ser”. Pérez Luño( 2005, p.324) aduz que “La dignidad humana supone el valor básico (Grundwert) fundamentador de los derechos humanos que tiendem a explicitar y satisfacer las necesidades de la persona[…]” Valioso ensinamento é o de Flávia Piovesan (1998, p.34), para quem:
“o valor da dignidade humana – ineditamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1º, III – impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro”.
É de extrema necessidade apontar a natureza jurídica do objeto em análise, sendo o direito ao recebimento do benefício de prestação continuada um Direito Fundamental.Tal qualificação se faz necessária em razão do regime jurídico de proteção especial que a Constituição lhes outorga, como sabiamente nos ensina José Afonso da Silva:
“A expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Desde que, assumiram o caráter de normas positivas constitucionais, não tem cabimento retornar a velha disputa sobre seu valor jurídico […] a ponto de sua adoção ser um dos elementos essenciais do próprio conceito de constituição.” (2004, p. 179)
A essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como direito fundamental social, veja-se a respeito o que diz Ademir Ap. Falque dos Santos (2006):
“O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.”
A não atuação do Estado para com o direito à saúde, importar-se-á numa eventual ação judicial e/ou administrativa quando o Estado não desempenhar o seu dever de promover e garantir a saúde.A Constituição Federal assegura a todos os cidadãos do direito à vida. A saúde é decorrência desse direito, o direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.
O direito fundamental à saúde, como exaustivamente dito acima, representa um direito fundamental social, e como tal tem aplicabilidade imediata, como previsto na Constituição Federal de 1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias constitucionais têm aplicação imediata” (§ 1º do art. 5º). Ora, negar eficácia plena à referida norma constitucional, seria um contra-sendo, contraria toda evolução doutrinária e jurisprudencial acerca da efetividade dos direitos fundamentais.
Para Ingo Wolfgang Sarlet (2005) há como sustentar a aplicabilidade imediata, por força do art. 5º, § 1º, da CF, de todas as normas de direitos fundamentais constantes do Catálogo. Incluso neste rol está o direito fundamental à saúde, objeto deste estudo.
Este regime jurídico próprio dos direitos fundamentais se manifesta em diversas garantias, com as quais se busca assegurar a eficácia concreta desses mesmos direitos. Assim se caracterizam a aplicabilidade imediata das normas jusfundamentais (CF, art. 5o, § 1o), com a qual se relaciona a vinculação dos poderes públicos, bem como a inclusão dos direitos fundamentais no rol das “cláusulas pétreas” (CF, art. 60, § 4o, inc. IV). Sem dúvida o aspecto mais relevante do regime próprio dos direitos fundamentais, sobretudo na perspectiva que interessa ao presente trabalho, é a sua aplicabilidade imediata, uma vez que aqui se toca no que foi, até recentemente, o “calcanhar de aquiles” das Constituições, ou seja, o (discutível) caráter normativo de seu conteúdo, especialmente daquelas disposições definidoras de direitos fundamentais.[3] Com o expresso reconhecimento, no texto constitucional, de que as normas asseguradoras de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis, pretendeu-se superar, em definitivo, aquela concepção, própria do Estado liberal do século XIX, segundo a qual tais normas “dependiam de lei” para serem eficazes, permitindo a chamada justiciabilidade desses direitos fundamentais.[4]
Em decisões recentes, o Supremo Tribunal Federal vem demonstrando o entendimento de que a interpretação da norma programática do art. 196 da CF não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental.[5] (BRASIL, 2008, on line).
O direito à saúde inclui-se no rol dos direitos sociais significativamente conquistados na nova ordem constitucional, onde “conseguiram os constituintes prever a implantação de um amplo sistema de proteção, com atendimento dos direitos básicos, sem os quais não se concebe vida humana digna” (MESTRINER, 1992, p. 110).
O princípio da democracia econômica e social impõe ao Estado transformar as estruturas econômicas e sociais de maneira a erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e assegurar os direitos sociais. Nesse contexto, o Princípio da Democracia Econômica e Social existente na Constituição determina ao Legislativo, Executivo e mesmo ao Poder Judiciário, quando chamado a aplicar o direito, uma atuação obrigatória no sentido de realizar os direitos sociais previstos constitucionalmente, entre eles a saúde.
Direito social, este, que exige uma política pública socialmente ativa, que consagrará tal direito fundamental (CANOTILHO, 2002, p. 408).
Com a prolação da Constituição Federal de 1988, surgiram novos deveres ao Estado; que se viu obrigado a promover ações, para dar eficácia aos direitos conferidos aos cidadãos. Alguns setores da sociedade, contudo, ao perceber que as políticas em matéria de saúde não eram satisfatórias e passaram a interpelar o Poder Judiciário, para que se posicionasse e garantisse a efetivação de seus direitos. Este é o assunto a ser abordado nos próximos tópicos.
3. RESERVA DO POSSÍVEL E MÍNIMO EXISTENCIAL
Ante a alegada escassez de recursos materiais e da real necessidade de equidade no acesso aos mesmos, será feita uma breve análise da discussão doutrinária que se trava sobre o problema da efetivação do direito social fundamental à saúde. A falta de recursos econômicos implica a necessidade de o Estado realizar opções de alocação de verbas, sopesadas todas as coordenadas do sistema econômico do país. Essas decisões devem ficar a cargo de órgão político, legitimado pela representação popular, competente para fixar as linhas mestras da política financeira e social.
No aspecto da hermenêutica, a dificuldade é que os denominados direitos sociais transitam pelas duas categorias de normas: os princípios e as regras. Ana Paula Barcellos (2002) propõe então a noção de mínimo existencial para a solução dos problemas jurídicos, procurando representar um subconjunto no interior dos direitos sociais, econômicos e culturais menor – minimizando o problema dos custos – e mais preciso – procurando superar a imprecisão dos princípios. E, mais importante, que seja efetivamente exigível do Estado.
A doutrina divide-se quanto à natureza jurídica da denominada “reserva do possível”, não é objeto deste estudo proceder análise profunda sobre este ponto, mas a título de esclarecimento vale transcrever apontamentos feitos por Ana Carolina Lopes Olsen(2006, p.210), em sua dissertação de mestrado intitulada “A eficácia dos direitos fundamentais sociais frente à reserva do possível”, leia-se:
“Ao longo do quanto já foi exposto, é possível afirmar, em um primeiro momento,que a reserva do possível determina que um direito só poderá ser exigido dentro das condições fáticas existentes. Todavia, a partir desta noção, verifica-se uma certa insegurança na doutrina e na jurisprudência quando se faz necessária uma referência à reserva do possível, sendo que alguns tratam-na como princípio, outros como cláusula ou postulado, e outros são mais específicos ao tratá-la como condição de realidade. Neste sentido, faz-se necessário, ainda que brevemente, afastar alguns termos em virtude de sua impropriedade em relação ao tema.
[…] parece inadequado conceber a reserva do possível como esta espécie normativa. A reserva do possível não prescreve um determinado estado de coisas a ser atingido, não corresponde a um mandado de otimização. Ainda que se admita a possibilidade de ponderação da reserva do possível, este elemento, por si só, não parece suficiente para identificá-la como um princípio, já que mesmo bens jurídicos podem ser ponderados. Em verdade, o que se pondera é a escassez de recursos apresentada pela reserva do possível, com o comando normativo do direito fundamental social.
Desse modo, expressões como “cláusula” ou “postulado” podem parecer mais adequadas para se referir à reserva do possível, já que ela, em verdade, condiciona, determina a aplicação das normas. Todavia, um postulado, uma meta-norma na acepção de Humberto Ávila, não estaria sujeito, ele próprio, à ponderação. De fato, a proporcionalidade, enquanto postulado, não pode ser ela mesma objeto de ponderação, já que ela se aplica como uma regra no caso concreto (hipótese da adequação e necessidade) ou como um princípio (proporcionalidade em sentido estrito). Diante deste quadro, parece mais adequado tratar exclusivamente de “reserva do possível”, como uma condição da realidade que influencia na aplicação dos direitos fundamentais.”
A questão da ausência de recursos como limite para o reconhecimento pelo Estado do direito às prestações sempre desafiou os operadores do direito. Pode o Direito oferecer uma resposta segura para situações em que os recursos sejam limitados? Pode apontar uma solução para a quem o Estado deva atender ou não atender em um cenário de falta de meios econômicos para a satisfação de todos? O tema passa, pois, também por uma análise do papel do Poder Judiciário no que diz respeito ao amparo das pretensões positivas, ou seja, se é possível ao magistrado tutelar tais pretensões ou estaria ele limitado ao controle do discurso em face da separação dos poderes, já que diante da “reserva do possível” negar-se-ia a competência dos juízes (não legitimados pelo voto) a dispor sobre medidas de políticas sociais que exigem gastos orçamentários.
Sabe-se que a imediata aplicabilidade dos direitos prestacionais pode encontrar limites na chamada “reserva do possível”. Já que tais direitos fundamentais, para serem concretizados, implicam necessariamente a alocação, distribuição e mesmo criação de recursos e bens materiais, comportando-se, nesse aspecto, como um direito de defesa. Como dito, a dignidade da pessoa humana além de um princípio fundamental é um dos fundamentos do Estado brasileiro, visa garantir um mínimo existencial aos indivíduos dentro de um critério pautado na razoabilidade.
Segundo Canotilho (1998, p.373) os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa de duas formas: na medida em que configuram normas e competência negativa para os poderes públicos, proibindo suas ingerências na esfera jurídica individual, assim como implicam o poder de exercer positivamente direitos fundamentais e de exigir omissões do Poder público de forma evitar agressões. Prossegue o jurista português(2005) que a satisfação dos direitos sociais coloca alguns problemas específicos, decorrentes da sua natureza de direitos positivos, ou seja, de exigirem do Estado ações e prestações.
A noção moderna de orçamento é diretamente relacionada à noção de políticas públicas, é a partir do Estado social que surge, por meio de políticas públicas a intervenção positiva do Poder Público na ordem econômica e na ordem social. Política pública compreende todos os instrumentos de ação dos governos. Nesse sentido, para Régis Fernandes de Oliveira (2006, p.251), políticas públicas referem-se a “providências para que os direitos se realizem, para que as satisfações sejam atendidas, para que as determinações constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em utilidades aos governados”.
As políticas públicas podem se encontrar consubstanciadas em leis ou atos normativos, mas com eles não se confundem, pois decorrem do conjunto de atos e/ou de normas que implementam valores e objetivos albergados pelo ordenamento jurídico. No entendimento de Maria Paula Dallari Bucci (2006, p.43), “políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.
A cláusula da ‘reserva do possível’, exceto em casos especialíssimos, não deve ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Não se pode considerar os direitos fundamentais sociais como meras pretensões sem o respectivo dever por parte dos poderes públicos. Daí a correta ponderação de Ana Paula de Barcellos (2000, p. 245-246) :
“Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverão investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.”
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essencial à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Pansieri (2006, p.270) aduz que a reserva do possóvel é “outro condicionante importante à implementação dos direitos sociais” completa seu raciocínio acrescenta que a implementação dos direitos sociais dependerá do nível de desenvolvimento econômico, social, cientifico, cultural de cada Estado. Por essa razão os direitos sociais são de satisfação progressiva. Mas isto não significa que os direitos sociais somente serão implementados de acordo com os recursos ditos disponíveis pelos administradores; verificar-se-á a aplicação dos mínimos exigidos pela Constituição, bem como a impossibilidade de retrocesso social.
Ocorre que como bem ressalta Luis Roberto Barroso (2001) a Carta Política de 1988 consagra como fundamento da República, em seu art. 1º, inc. III, a dignidade da pessoa humana. Mais ainda, o art. 5º, caput, garante a todos o direito à vida, bem que deve ser resgatado por uma única atitude responsável do Estado, qual seja, o dever de fornecimento da medicação e/ou da intervenção médica necessária a toda pessoa que dela necessite. O direito à saúde, como dito, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. É a consagração da teoria do mínimo existencial de dignidade humana. Isto é, há um ponto do qual nem mesmo os desfavorecidos podem ser afastados, de modo que fazem jus, ao menos, aos direitos considerados mais básicos ao ser humano, como o direito à saúde, à liberdade e à vida.Como elucida Sarlet (2001, p.271):
“[…] em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e demais objeções aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestação) esbarrar no valor máximo da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais ou não) resultar a prevalência do direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão somente um direito prima facie, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de um tudo ou nada[…].”
Conforme esclarece Alexy (apud LEIVAS, 2006, p.91):
“A força do princípio da competência orçamentária do legislador não é ilimitada. Não é um princípio absoluto […]. Todos os direitos fundamentais restringem a competência do legislador; muitas vezes o fazem de uma forma incômoda para este e, às vezes, afetam também sua competência orçamentária quando se trata de direitos financeiramente mais gravosos.”
Sobre a distinção entre dignidade humana a direitos fundamentais está no problema da eficácia aponta Starck (2006, p.890) que:
“[…] a justiciabilidade sairia enfraquecida coma separação, pois a dignidade humana não poderia ser protegida pelo recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde), característico dos direitos fundamentais. Dreier entende que a dignidade da pessoa humana não se enfraquece, pois mantém as funções de defesa(Abwehrfunktion) e de irradiação (Ausstrahlungswirkung). Parece-nos que a dignidade humana atua com a eficácia própria dos princípios, e não dos direitos, que é a de anular as orientações que lhe contravenham e fundamentar a adjudicação dos direitos.
A eficácia do princípio da dignidade humana, na via da afirmação dos direitos da liberdade, tem se feito sentir, com especial ênfase, no campo do mínimo existencial, com a garantia contra a tributação de um mínimo necessário à sobrevivência digna do contribuinte e de sua família e com a obrigatoriedade de entrega pelo Estado de prestações compreendidas no status positivus libertatis e nos direitos fundamentais sociais, assim entendidos os direitos sociais tocados pelos interesses fundamentais. É imensa a bibliografia estrangeira e, agora também, brasileira, que radica na dignidade da pessoa humana o direito ao mínimo existencial.”
O argumento da reserva do possível só poderia ser aceito, caso o Estado demonstrasse, satisfatoriamente, a eficiência da administração pública (o que pressupõe a maximização dos recursos), a efetiva indisponibilidade total ou parcial de recursos e o não-desperdício dos recursos existentes. Parece utópica tal demonstração já que salta aos olhos do senso comum a má utilização de recursos, só por demonstração não seria mais sensato, legal e ético que alocação de recursos para a veiculação de propagandas do governo, fosse transferida para a concretização de direitos fundamentais sociais, tal como a saúde, de forma a concretizar a Lei Fundamental. A efetivação do mínimo existencial, cuja vinculação decorre do comando normativo constitucional, é um dos objetivos primordiais do Estado brasileiro. O mínimo existencial se revela como núcleo básico tanto do princípio da dignidade humana quanto dos direitos sociais prestacionais, objetivando o alcance da justiça social, que é o cerne da função distributiva do Estado.
4 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO
Os poderes públicos responsáveis não se preocupam ou não conseguem implementar as políticas públicas referentes aos direitos fundamentais sociais de maneira satisfatória, resta ao Poder Judiciário implementá-los. Os motivos para tal inércia não é objeto deste breve estudo, o fato é que vivemos numa sociedade desprovida de serviços públicos essenciais, como educação e saúde, por conseqüência temos uma necessária atuação do Poder Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais sociais, precipuamente o direito à saúde.
Segundo Paulo Gilberto Cougo Leivas (2005) a ênfase na garantia aos direitos de segunda geração pelo Poder Judiciário tem provocado certa controvérsia que decorre da falta de critérios e carência de fundamentação de decisões judiciais que concedem benefícios, em geral na área da saúde, sem maiores considerações acerca de suas conseqüências na esfera das políticas públicas e na realização de outros direitos sociais de outros indivíduos, muitas vezes em ou com maiores necessidades que a do autor da ação judicial – o que causa, neste momento, perplexidade.”
Por outro lado, a concretização dos direitos sociais exige a alteração das funções clássicas dos juízes que se tornam co-responsaveis pelas políticas dos outros poderes estatais, tendo que orientar a sua atuação no sentido de possibilitar e fomentar a realização de projetos de mudança social. A orientação das sentenças nesse sentido levaria à politização do exercício das suas funções, o que constitui uma ruptura com o modelo jurídico subjacente ao positivismo jurídico, na base do qual estava a separação do Direito da Política. Para reforçar essa colocação recorremos ao pensamento de Faria (1995) para quem a aplicação desse novo tipo de legalidade (a legalidade pensada em termos concretos) acarreta na realização política de determinados valores, afetando em conseqüência a realidade socioeconômica a partir de um projeto relacionado com a implementação do direito social. Veja-se o que diz a respeito do tema o jurista Jose Eduardo Faria (1994, p.95):
“Os poderes Executivo e Legislativo exercem relevante papel na previsão e implementação de tais direitos, ao traçar as intituladas políticas públicas, essenciais à operacionalização dos direitos de segunda geração, haja vista que tais direitos não se assemelham aos tradicionais direitos de liberdade, os quais exigem apenas que o Estado jamais permita a sua violação. Ao revés, os direitos sociais requerem do Estado um amplo rol de políticas públicas que visem a atender as expectativas geradas pela positivação de tais direitos na Constituição. O judiciário por sua vez, ao interpretar os direitos sociais deve despir-se da cultura normativista, positivista, dogmática, observando seus atributos, vez que exigem uma interpretação praeter legem, ou seja, que faça valer os direitos mais elementares dos cidadãos brasileiros.”
Como bem assevera Paulo Magalhães Da Costa Coelho (2002), paulatinamente o Poder Judiciário vem sendo chamado a enfrentar os desafios destes novos tempos, notadamente de concretizar a Constituição e sua principiologia por via de sua interpretação. Não se cuida de desafio fácil de ser vencido, muito em função das raízes históricas e políticas, em razão das quais o Brasil sempre teve uma postura hesitante no controle dos atos da administração pública e, notadamente, quando se tratava de conter o arbítrio e tornar efetivos direitos individuais e sociais.
E continua o autor, nessa tarefa de controle os juízes devem entrar em cena não como meros reprodutores de um saber técnico-dogmático, mas com a pergunta fundamental de como se concretizar o Estado Social de Direito e toda a principiologia constitucional. É necessário, portanto, abandonar a postura dogmática-formalista, para que o Direito e o direito administrativo, em particular, como ciências humanas, possam ser instrumentos de concretização da principiologia constitucional e de seus vetores mais fundamentais: a dignidade humana, o Estado Social e Democrático de Direito e a igualdade não apenas formal, mas, sobretudo, substancial.
Conforme leciona Antoine Garapon (2001, p.24), o papel do juiz, atualmente ganhou nova feição:
“Na pessoa do juiz, a sociedade não busca apenas o papel do árbitro ou de jurista, mas igualmente o de conciliador, pacificador das relações sociais, e até mesmo animador de uma política pública…”
A consagração de direitos sociais sem instrumentos capazes de efetivação os tornariam simples promessas, neste compasso o juiz surge como guardião das ‘promessas’, veja-se entendimento de Antoine Garapon (2001, p.27):
“O juiz passa a ser o último guardião de promessas tanto para o sujeito como para a comunidade política. Por não conservarem a memória viva dos valores que os formam, eles confiaram à justiça a guarda dos seus juramentos.”
Como bem acentua Jose Albuquerque Rocha (1995, p.69), as diferentes técnicas de defesa dos direitos fundamentais são reconduzíveis, em derradeira instância, a uma forma ou outra de controle do Judiciário sobre os demais Poderes. De fato, o Judiciário controla o Legislativo e o Executivo, o primeiro quanto à observância das leis e também da constituição. Arremata o referido autor:
“as garantias constitucionais dos direitos em geral e dos direitos fundamentais em particular só adquirem sentido quando se dispõe de um aparelho judiciário apto a transformá-las em realidades concretas. Fora disso, não passam de ‘declarações de intenções’.” (ROCHA, 1995, p.70)
A respeito desse específico aspecto da controvérsia, revela-se valiosa a lição de José Eduardo Faria (1994, p.65) cujo magistério, a propósito da atuação do Judiciário, impõe-se relembrar:
“Historicamente, como afirma Cappelletti, todas as vezes em que a tradicionalmente permitiu a emergência de um sistema de controles e contrapesos recíprocos, com os magistrados podendo exercer funções mais amplas do que as previstas pelo paradigma liberal clássico de Estado de Direito, o resultado foi ‘um Judiciário perigosamente débil e confinado, em essência, aos conflitos privados’; apenas onde esse sistema de controles e contrapesos recíprocos se consolidou é que se conseguiu, sem perigo para a liberdade, fazer coexistir […] um Executivo forte com um Judiciário forte.”
Como bem acentua Faria (1994, p.65), além de suas funções usuais, cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais. Leciona este professor que cabe ao juiz garantir as políticas públicas. Aplicar o direito tende a configurar-se, assim, apenas num resíduo da atividade judiciária, agora também combinada com a escolha de valores e aplicação de modelos de justiça. Assim, o juiz não aparece mais como “o responsável pela tutela dos direitos e das situações subjetivas, mas também como um dos titulares da distribuição de recursos e da construção de equilíbrios entre interesses supra-individuais.” Cabe referir, neste ponto, lição de Eduardo Appio (2007, p.72):
“A função primacial do Poder Judiciário consiste no controle da atividade dos demais Poderes que se encontram vinculados às políticas públicas já previstas na Constituição ou na lei, tanto em relação ao seu conteúdo, quanto no momento apropriado para a sua implementação, não possuindo representatividade para escolher, de forma livre, quais as políticas que deverão ser implementadas pelos governos eleitos. Bem por isto, não se pode afirmar que os juízes governam ou que tenham uma responsabilidade solidária junto com o Poder Executivo no equilíbrio do orçamento público”.
Américo Bedê Freire Júnior (2006) assevera que, hodiernamente, há uma grande preocupação, tanto jurídica quanto política, de se criar um novo perfil para a atuação do Poder Judiciário, permitindo a efetivação dos direitos fundamentais. Para ele:
“É certo que uma postura mais ativa do Judiciário implica em possíveis zonas de tensões com as demais funções do Poder, todavia não se defende uma supremacia de qualquer das funções, mas, sim, a supremacia da Constituição, que implica que o Judiciário não é um mero carimbador de decisões políticas das demais funções. É preciso, portanto, conciliar o texto constitucional com uma prática constitucional adequada, e tal missão somente pode ser cumprida se o Poder Judiciário não pensar mais no dogma do princípio liberal da legalidade, mas, sim, no princípio da Constitucionalidade dos atos”.
É preciso não perder de vista, conforme leciona Eduardo Appio (2007, p.184) que existe um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão,o qual busca através do Poder Judiciário,a sua sobrevivência,e o direito á vida de outros cidadãos ,os quais dependem do orçamento público para sobreviver.
No entendimento de Cappelletti (1989, p.68) o órgão jurisdicional tem o desafio de dar
salvaguarda dos Direitos Fundamentais do homem em face dos demais poderes públicos:
“[…] o tribunal investido na árdua tarefa de atuar a constituição é desafiado pelo dilema de dar conteúdo a tais enigmáticos e vagos preceitos, conceitos valores (tarefa, claro esta, altamente criativa), ou considerar com não vinculante justamente o núcleo central das constituições modernas, vale dizer, a parte dos textos constitucionais relativa à salvaguarda dos direitos fundamentais do homem em face do poder público.”
Impende considerar, na análise dessa questão, as ponderações feitas pelo eminente jurista Pedro Lenza (2003, p. 86) que, em magistério irrepreensível, destaca que numa sociedade de pleno reconhecimento dos direitos difusos, será comum a situação em que o Poder Judiciário será chamado a decidir sobre conflitos em que a escolha de um dos interesses implicará, necessariamente, a preterição de outros, o que revelará constantes entrechoques de valores, e as decisões judiciais assumirão o caráter de escolhas políticas, embora embasadas em argumentos jurídicos racionalmente alinhados.
O professor Clemerson Merlin Clève (2006, p.35) questiona se o Poder Judiciário teria legitimidade para atuar nos campos que, em tese, estariam reservados ao administrador ou ao legislador, haja vista que poderia haver afronta ao princípio democrático, segundo o qual a maioria governa. Assevera ainda, que:
“É preciso considerar, entretanto, que democracia não significa simplesmente governo da maioria. Afinal a minoria de hoje pode ser a maioria de amanhã, e o guardião desta dinâmica majoritária/contra-majoritária, em última instância, é, entre nós, o próprio Poder Judiciário que age como uma espécie de delegado do Poder Constituinte. Ou seja, a democracia não repele, ao contrário, reclama a atuação do judiciário nesse campo.”
Como assinala Ana Cristina Meireles (2008, p.451), “o Poder Judiciário deve, em qualquer ação judicial de defesa, e não somente no mandado de injunção, atuar no sentido de efetivar um direito fundamental em caso de omissão normativa […].” Rodrigo Reis Mazzei (2007, p.162) em artigo recente aduziu que :
“Tratando de mandado de injunção sobre o princípio da separação e independência entre os poderes no nosso ordenamento jurídico:Entretanto, essa agressão a conceito de função do Estado – principalmente de um Estado de Direito – quando tratamos da atividade legislativa, pode ser abrandada se assumirmos a possibilidade de o Poder Judiciário desempenhar um papel de assegurar a efetivação dos direitos constitucionais através de instrumentos processuais adequados. Fixe-se, desde logo, que trata-se de postura puramente residual, em que não se ocuparia definitivamente o espaço do legislador, pois, tão logo editada a norma, a superfície ocupada pela decisão judicial perderia sua eficácia.
Admitir que o Poder Judiciário esteja autorizado a solucionar conflitos, integrando normas que não fixem os limites de certos direitos subjetivos, não implica uma agressão ao princípio da separação de poderes, pois o que está em jogo é a produção de uma norma concreta (atividade jurisdicional) e não de norma abstrata (atividade legiferante).”
A respeito do tema eis o que entende Apostolova (1998, p.43):
“[…] a separação de poderes é um princípio que se firmou no sentido de impedir, através da concentração de poder, o seu exercício de forma abusiva e arbitrária. Havia a necessidade de se limitar o poder do “soberano” para que, assim, fossem preservados os direitos dos indivíduos. Não se pode, hoje, no entanto, dar-lhe a qualidade de dogma e invocá-lo para a não concretização de direitos em prol dos indivíduos. Seria um contra-senso.”
Saliente-se que a Constituição reconhece que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde” (art. 197), reforçando, assim, a exigibilidade do direito à saúde, atribuindo-lhe o caráter de serviço público essencial. O papel do Poder Judiciário, em um Estado constitucional democrático,como o Brasil, é o de interpretar a Constituição e as leis, resguardando direitos e assegurando o respeito ao ordenamento jurídico. Em algumas situações, como lembram Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2003) caberá a juízes e tribunais o papel de construção do sentido das normas jurídicas, notadamente quando esteja em questão a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados e de princípios. Em outros casos, será necessário efetuar a ponderação entre direitos fundamentais e princípios constitucionais que entram em rota de colisão, hipóteses em que os órgãos judiciais precisam proceder a concessões recíprocas entre normas ou fazer escolhas fundamentadas. É o que explica Marcos Maselli Gouvêa (2002, p.23)
“O princípio da separação de poderes compreende, portanto, uma vertente político-funcionalista que não se pode desprezar, sob pena de restringir-se a soberania popular. Afora esta componente, a separação de poderes traduz-se numa consideração técnico-operacional. O Legislativo e principalmente o Executivo acham-se aparelhados de órgãos técnicos capazes de assessorá-los na solução de problemas mais complexos, em especial daqueles campos que geram implicações macropolíticas, afetando diversos campos de atuação do poder público. O Poder judiciário, por sua vez, não dispõe de iguais subsídios; a análise que faz do caso concreto tende a perder de vista possíveis implicações fáticas e políticas da sentença, razão pela qual os problemas de maior complexidade – incluindo a implementação de direitos prestacionais – devem ser reservados ao administrador público. Aos empecilhos normativo-estruturais, financeiros e políticos listados acima são somados os obstáculos processuais. Ao passo em que os direitos liberais há séculos já se encontram consagrados nos ordenamentos e na jurisprudência dos mais diversos países, apenas no século XX passou-se a reservar maior atenção aos direitos prestacionais. Existe uma notável discrepância entre a complexidade e a eficiência dos remédios jurídicos destinados à salvaguarda dos direitos liberais (habeas corpus, mandado de segurança) e a completa ausência de instrumentos específicos de tutela dos direitos prestacionais. Não existe ainda, com pertinência a estas situações jurídicas, a vasta produção doutrinária e os precedentes jurisprudenciais que amoldam, encorpam, os direitos de primeira geração”.
Confira-se, a respeito, a explicação de Ana Paula de Barcellos (2006, p.32):
“Ainda que superadas as críticas anteriores, o fato é que nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou condições de avaliar, sobretudo em demandas individuais, a realidade da ação estatal como um todo. Preocupado com a solução dos casos concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora outras necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para o atendimento de demandas ilimitadas: a macro-justiça. Ou seja: ainda que fosse legítimo o controle jurisdicional das políticas públicas, o jurista não disporia do instrumental técnico ou de informação para levá-lo a cabo sem desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas globalmente considerado.”
Como dito, o art. 196 da Constituição Federal assegura a todos o direito à saúde, sendo este um dever do Estado, os principais argumentos utilizados por aqueles que negam ao Judiciário competência para decidir sobre questões que tratam da efetividade do direito fundamental à saúde é de que tratar-se-ia de norma constitucional de eficácia contida ou limitada; ou de que a Constituição Federal teria como limite a reserva do possível, sendo assim os direitos sociais só poderiam ser respeitados quando houvesse recursos financeiros públicos para tal e que ao Poder Judiciário não caberia decidir sobre a alocação e destinação de recursos públicos. Há ainda o argumento de violação ao princípio da separação dos poderes e a discricionariedade da Administração Pública. Flávia Piovesan (2006, p.264) aborda o assunto com maestria:
“Ainda que incipiente, a justicibilidade dos direitos sociais e econômicos na experiência brasileira é capaz de invocar um legado transformador e emancipatório, com a ruptura gradativa de uma visão conservadora e formalista do Poder Judiciário.”
A dificuldade prática é que a previsão dos direitos fundamentais é superior aos recursos dos entes públicos para a sua plena satisfação, mormente em países em estágio inicial de desenvolvimento como é o caso do Brasil. Não há como atender a todas as demandas sociais simultaneamente, recaindo ao Poder Judiciário a difícil tarefa de equalizar a questão. O Poder Público se reserva à prerrogativa de prestar somente o direito social que for materialmente possível de ser prestado, o que é bastante defensável, mormente se comprovado efetivamente que não havia efetivamente um modo lícito de realizar a respectiva prestação. Daí a denominação “Reserva do Possível”.
Não é que o Poder Judiciário esteja acima dos demais poderes, mas sim porque é o poder que deve impedir o abuso dos demais poderes. Efetivamente a implementação dos Direitos fundamentais depende e muito do Poder Judiciário, não sendo possível demorarmos na implementação dessa nova visão, pois como dilucida com propriedade Lenio Streck (2002) a eficácia das normas constitucionais exige um redimensionamento do papel do jurista e do Poder Judiciário (em especial da Justiça Constitucional) nesse complexo jogo de forças, na medida em que se coloca o seguinte paradoxo: Uma Constituição rica em direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária que, reiteradamente, (só) nega a aplicação de tais direitos. Quanto à atuação do Poder Judiciário à implementação dos direitos sociais, veja-se entendimento de Pansieri (2006, p.270):
“Cabe aqui ressaltar que quando o judiciário poderá determinar a implementação dos direitos sociais, na perspectiva positiva ou negativa, no caso brasileiro, este poderá exigir ao menos a destinação obrigatória dos recursos da União, dos Estados e dos Municípios na saúde, na Educação. Essa função do judiciário tem jurisprudência farta, tanto na garantia do direito à saúde por intermédio da determinação de tratamentos, como da garantia do ensino fundamental com a determinação da abertura de vagas em escolas.”
É verdade que, primordialmente, a eleição e condução das políticas públicas voltadas à concretização dos direitos sociais devem ficar a cargo do Legislativo e do Executivo, pela própria natureza das atribuições cometidas a tais poderes e para se assegurar a liberdade de ação necessária à adequação do projeto constitucional à realidade fática da sociedade. Todavia, tem-se que a inércia desses poderes não pode ficar à margem do controle judicial .
Para Luciane Tessler (2005, p.153) o Poder judiciário também está vinculado de forma imediata à realização dos direitos fundamentais e diante da omissão do legislador ou do administrador não pode restar inerte. Cabendo ao mesmo assumir a função de concretização dos direitos fundamentais do caso em tela e conferir a máxima efetividade possível aos direitos fundamentais e recusar a aplicação de preceitos que os violem. Arremata a referida jurista (2005, p. 164):
“Igualmente, a omissão do Poder Público no controle e fiscalização das situações que são arriscadas aos direitos fundamentais também autorizam a ação inibitória ou de remoção do ilícito. Como o direito fundamental não pode restar desprotegido, se a competência de exercer o controle cabia ao Executivo e este não a realizou, competirá ao Judiciário suprir tal omissão. Não se trata de invasão de competência mas de suprimento do dever de proteção do Estado. Já no caso da omissão do Poder Público ser quanto à aplicação da sanção, o provimento jurisdicional não poderá aplicar a sanção; ordenará ao Poder Público o cumprimento do seu dever de proceder ao exame da responsabilização administrativa.”
Ainda em relação à proibição da atuação do juiz como legislador positivo, Sérgio Fernando Moro (2001) atenta para o fato de que a intervenção judicial que invalida a lei também interfere inegavelmente na ação legislativa, de modo que o dogma do legislador positivo não se reveste de racionalidade.
Segundo o Supremo Tribunal Federal[6], a saúde caracteriza-se como sendo direito público subjetivo, representando prerrogativa jurídica indisponível de todos, cabendo ao Poder Público formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar; considerando que o direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.
A professora Flávia Piovesan (2006, p. 264) afirma que “a justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos na experiência brasileira é capaz de invocar um legado transformador e emancipatório, com a ruptura gradativa de uma visão conservadora e formalista do Poder Judiciário.” Acrescenta a autora que “as decisões judiciais acerca do fornecimento gratuito de medicamentos que, somadas a articuladas e competentes estratégias de litigância, fomentaram transformações legislativas e a adoção de políticas públicas consideradas exemplares na área.
Afirma Comparato que “Afastemos, antes de mais nada, a clássica objeção de que o Judiciário não tem competência, pelo princípio da separação de Poderes, para julgar ‘questões políticas’” (1997, p.19). No entanto, essa postura é rechaçada pela maior parte dos juristas pátrios, que só a admitem por via transversa, mediante um exercício argumentativo pelo qual as questões “deixam de ser” políticas, passando a ser jurídicas.No caso de efetivação do direito à saúde, devem ser analisados, em cada caso concreto, os argumentos expendidos pela parte autora, bem como os argumentos da parte ré para justificar a não implementação.
Nos casos em que o direito à saúde, enquanto direito fundamental social, estiver sendo negligenciado pelos poder Estatal, poderá caber ao Poder Judiciário, desde que provocado, a tarefa de assegurar a que o Executivo desincumba-se das prestações a ele constitucionalmente atribuídas, dentre as quais destacam-se as prestações na área dos direitos sociais, em benefício dos cidadãos a que deve servir.Neste sentido, vem decidindo o Supremo Tribunal Federal[7]:
“Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.”
O Poder Judiciário atua posteriormente a não atuação estatal para com a saúde. Busca-se efetivar através deste a efetivação do direito à saúde, uma vez que o Poder Judiciário tem condições, dentro dos próprios ditames da Constituição de buscar soluções para garantir o direito à saúde. Primeiro, deve agir o Estado, através dos Poderes Executivo e Legislativo, no cumprimento de seu papel, mediante as políticas sociais e econômicas para efetivação e aplicação do direito à saúde. Em um segundo momento, o Poder Judiciário tem prerrogativa constitucional para a consecução do referido direito, devido a inércia estatal.
CONCLUSÃO
A atuação do Poder Judiciário, no campo das tutelas relativas a direitos sociais, representa um importante instrumento de garantia de efetividade aos direitos fundamentais sociais, incumbindo ao juiz a missão de partícipe ativo e consolidador do processo político-social de positivação de direitos.
Demonstra-se cada vez mais necessária a revisão do antigo dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.
No Estado Democrático de Direito a formulação e a execução de políticas públicas dependem de ações dos Poderes Executivo e Legislativo, entretanto mostra-se possível a intervenção do Poder Judiciário com o propósito de viabilizar a todos o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado, seja por omissão ou por comportamento abusivo.
Advogada em Fortaleza/Ce. Especialista em processo civil. Mestranda em Direito Constitucional – PPGD – UNIFOR
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