Por Fernando Bianchi*
O quadro de pandemia do coronavírus pegou em cheio a disputa pelo atendimento médico à distância, conhecido como telemedicina. A Resolução CFM nº 2.227/18 que regulamentou a utilização da telemedicina foi revogada em 26.02.2019 pela Resolução CFM nº 2.228/18, restando proibida a realização de consultas, bem como a utilização dos respectivos recursos afetos a tal tipo de atendimento.
Não obstante, a discussão sobre a autorização ou não da telemedicina que vinha sendo travada desde então ganhou status de primeira necessidade após a publicação (i) da Portaria do Ministério da Saúde nº 188, de 3.2.20, que declarou emergência em saúde pública de importância nacional; (ii) da Lei nº 13.979, de 06.02.2020, e da Portaria/MS nº 356, de 11.03.2020, que tratam das medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.
Isso porque a utilização da telemedicina se alinha às orientações do Ministério da Saúde publicadas em 13.3.2020, especialmente, mas não apenas, de retirada de circulação das pessoas do convívio social e de que a procura de serviços médicos presenciais seja evitada, ou seja, restringindo o comparecimento de pacientes em serviços médicos públicos e privados apenas a casos de extrema necessidade – https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus.
No mesmo sentido, o informe da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), de 12.3.2020, sobre o novo coronavírus – https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/principal/2020/03/Informativo-CoV-12-03-2020.pdf.
É fato que a telemedicina contribui significativamente para casos como o da pandemia do coronavírus, em que se faz necessário um olhar criterioso, em tempo real, de profissionais capacitados, assim como a utilização de equipamentos e sistemas digitais para o acompanhamento integral de pacientes, cuja orientação governamental, frise-se mais uma vez, foi de permanecer em suas casas.
A telemedicina é uma importante ferramenta para levar apoio médico geral e especializado, independentemente do local onde o paciente estiver, já que identifica e analisa o quadro clínico do paciente, realiza seu monitoramento, emite resultados de exames e, ainda, analisa a evolução clínica à distância, promovendo ações de tratamento de forma mais ativa, atingindo, com eficiência, importantes ações de saúde, principalmente no grave e crítico momento atual.
Por isso, é de suma importância a autorização de atuações médicas como as listadas abaixo:
(i) teleconsulta: para oferecer orientação médica online para pacientes assintomáticos que morem ou tenham visitado o local afetado pela epidemia, no sentido de informá-los dos riscos e alertá-los quanto à prevenção; (fonte – Brasil Telemedicina.)
(ii) telemonitoramento assintomático: para, após a teleconsulta, monitorar remotamente a saúde de pacientes assintomáticos, conforme aplicação ocorrida durante o surto pelo vírus Ebola na África, em 2014; (fonte – Brasil Telemedicina.)
(iii) telemonitoramento sintomático: para monitorar, integralmente, casos sintomáticos que precisem de isolamento, conforme aplicação ocorrida durante a epidemia de SARS em Taiwan, em 2003, a gripe pandêmica do H1N1, em 2009, assim como pacientes infectados pelo vírus da gripe H7N9, em 2013, na China. (fonte – Brasil Telemedicina.)
(iv) teleassistência para hospitais em quarentena: para fornecer o acompanhamento a hospitais e unidades de saúde em quarentena, permitindo que os pacientes que não podem acessar a unidade continuem recebendo apoio médico, conforme aplicação ocorrida em Seul, em julho de 2015, durante a epidemia de coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio. (fonte – Brasil Telemedicina.)
Pacientes, especialmente os idosos, que representam o principal grupo de risco da pandemia do coronavírus, estão em constante monitoramento e atendimento, seja em razão de suas patologias de base como “hipertensão”, “insuficiência renal”, seja em razão de outras comorbidades e, por isso, não podem ficar sem acompanhamento médico, ao mesmo tempo em que não podem comparecer a serviços médicos diante do risco de contaminação.
Portanto, a ausência da autorização para o atendimento de tais pacientes através da telemedicina implica, em última análise, negativa de atendimento médico, infringindo direito constitucional à saúde previsto no artigo 196 da Constituição Federal.
Importante destacar que o Governo, através do Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Sr. João Gabbardo, reconheceu a telemedicina e o teleatendimento como meios de suma importância para a conjuntura atual, instituindo em 15.3.2020, programa nacional autorizando sua utilização nos aparelhos públicos de saúde.
Adicionalmente, vários órgãos internacionais estão utilizando ativamente e de forma muito positiva a telemedicina, como é possível se constatar em recente matéria vinculada no “The New England Journal of Medicine”, que pode ser acessada através do link https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp2003539.
Importante destacar, ainda, a vigência da Resolução CFM nº 1.643, de 26.8.2002, que mantém a validade da prestação de serviços através da telemedicina.
Em verdade, é tempo de deixar os interesses profissionais de lado para que o princípio constitucional da supremacia do interesse público sobre o privado exerça seus plenos efeitos e, com isso, milhares de vidas sejam salvas através da aplicação do recurso da telemedicina nesse momento tão difícil de pandemia.
*Fernando Bianchi – Advogado Especialista em Direito Médico e da Saúde, Sócio da Miglioli e Bianchi Advogados, Ex Membro das Comissões de Direito Médico e de Planos de Saúde – OAB/SP.
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