Lidiane Campos Vieira
Resumo: As questões previdenciárias são constantemente discutidas tendo em vista sua imperiosa participação em algum momento da vida. O presente trabalho tem o condão de discutir questões relativas ao LOAS, em especial a concessão do benefício de prestação continuada, aos idosos e aos portadores de deficiência, demonstrando a dificuldade de comprovação do critério de miserabilidade, e a não atualização das normas que o definem. O artigo se justifica na criação de um documento de validade acadêmica e prática, buscando discutir pontos polêmicos como o conflito entre os entraves do INSS, e as iniciativas de correção legal por parte do Poder Judiciário sem, contudo, esgotar o tema.
Palavra-chave: BENEFICIOS. LOAS. PRESTAÇÃO CONTINUADA. DIREITO PREVIDÊNCIARIO.
Abstract: Social security issues are constantly discussed in view of their imperious participation at some point in life. The present study has the purpose of discussing issues related to LOAS, in particular the granting of the benefit of continued provision, to the elderly and the disabled, demonstrating the difficulty of proving the criterion of miserability, and not updating the standards that define it . The article is justified in the creation of a document of academic and practical validity, seeking to discuss controversial points such as the conflict between the INSS’s obstacles and the initiatives of legal correction by the Judiciary, without, however, exhausting the theme.
Keyword: BENEFITS. LOAS. CONTINUED SUPPLY. PREVIDENTIAL LAW
Sumário: Introdução. 1. A previdência social. 2. Loas e o benefício de prestação continuada. 3. A problemática do requisito financeiro. 4. Os novos critérios de miserabilidade. 5. Judiciário vs Executivo: a divergência de posicionamento e a dificuldade de concessão do benefício. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Dentre das inúmeras áreas do Direito, a Previdenciária, é uma das que suscita mais interesse por parte das pessoas, isso porque, a necessidade de garantir o sustento é inerente a vida, seja quando jovem, por meio do trabalho, ou, já na velhice, através do provimento da previdência. Ademais, conforme a polêmica reforma da previdência, proposta pelo governo interino – diga-se de passagem, não representa a proposta de governo democraticamente eleita – o assunto ganhou ainda mais interesse popular. Se a dificuldade de concessão de benefícios previdenciários, para aqueles que dela necessitam, já dependem de inúmeros tramites que geram mora, as novas regras aumentam o temor popular
Destarte, o presente trabalho, busca a criação de um Estudo de grande valor para o campo jurídico e para todos os demais públicos, ao criar um entendimento profundo sobre os benefícios previdenciários para o idosos, buscando reconhecer os tramites necessários, de competência do instituto brasileiro de serviço social – INSS, mas também, pontuar as principais dificuldades legais que envolta o tema.
A burocracia brasileira é alvo de diversas críticas, pois está entrelaçada ao sistema, tornando-o mais lento e muitas vezes, inviabiliza a plena eficácia dos requerimentos, assim, no campo do direito previdenciário, se fazem necessárias maiores investigações, compreendendo o tema e divulgando-o para que se possa, um dia, torna-lo mais assertivo em sua verdadeira funcionalidade.
1 – A PREVIDÊNCIA SOCIAL
Previamente, fazemos uma análise sobre a origem da previdência social no Brasil, a fim de identificar seus propósitos e consequentemente, mensurar a importância dos benefícios assistências no cenário contemporâneo.
No Brasil, assim como em boa parte do mundo, a Previdência, teve início dentro dos moldes privados de seguridade social, Alvim (2001), ensinam que muito embora a Constituição Federal de 1824 previsse genericamente direito sociais, a previdência, em especial, era privativa, voluntária e desenvolvida em cima dos primeiros planos mutualistas.
Somente em 1888, temos a primeira legislação específica sobre o Direito Previdenciário, com a promulgação do Decreto nº. 9.912-A de 26 de março, criando o instituto da aposentadoria dos empregados dos correios, e ainda, no mesmo ano, temos a criação da Caixa de Socorros nas estradas de ferro do Império. IBRAHIM (2008) observa que os diplomas legais que remontam a evolução legislativa previdenciária, neste período foram: o Decreto n.º 9.212-A, de 26 de março de 1889, criando o montepio obrigatório dos empregados do correio e a Lei nº. 3.724 de 15 de janeiro de 1919 que cria o seguro de acidentes do trabalho e o Decreto Legislativo nº 4.682 de 24 de janeiro de 1923, conhecida como Lei Eloy Chaves que autoriza a instituição de Caixas de Aposentadoria e Pensão (IBRAHIM, 2008).
A Constituição Federal de 1891 demarca a primeira inserção do direito a aposentadoria em normal Constitucional expressa, que muito embora fosse restritiva aos funcionários públicos em decorrência da invalidez no serviço a nação, demarcou o desenvolvimento de disciplinar previdenciária, sendo, desenvolvidos, por meio de lei ordinária, inicialmente, direcionada ao funcionalismo público, e posteriormente a outras categorias com maior organização (SILVA, 2009).
Em 1934, com a nova Carta Magna, o custeio da previdência passa prever a participação tríplice do Estado, empregador e empregado, por meio do artigo 121, §1º, alínea “h”, destacando-se inclusive, por ser a primeira Constituição nacional a utilizar o termo “previdência” em seu texto legal (LIMA, 2013).
Após a deposição de Getúlio Vargas e com a consequente promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, buscou-se a restauração de um regime democrático no Brasil por meio da unificação dos institutos da Aposentadoria e da Pensão, plano esse que já havia sido concebido durante a era Vargas.
Contudo, a unificação das normas existentes sobre a Previdência Social somente veio a se realizar em 1960 com a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), passando a ser criado o Instituto Nacional de Previdência Social. Duas considerações são válidas sobre a criação do INPS, a primeira é a manutenção da fragmentação da previdência, que manteve o antigo sistema, excluindo diversas classes, como as dos trabalhadores rurais, a segundo, é mais positiva, e diz respeito a evolução da previdência, sendo considerado o primeiro passo para a universalização destes direitos em termos legais.
Durante o Regime Militar, o Brasil passou por uma fase de grande supressão de direitos e garantias fundamentais que punham em cheque a credibilidade do Estado e a segurança dos cidadãos. Oliveira e Teixeira (1989) observam que neste período, seis institutos de Aposentadoria e Pensão foram unificados ao INPS; excluíram os trabalhadores do poder de gestão do instituto; a exclusão do trabalhador rural; aumento dos gastos com assistência médica; diminuição da contribuição pública e consequente eliminação da contribuição tripartite (em 1970). Enfim, o conturbado movimento político vivido pelo país apenas manipulava a legislação como forma de aumentar o poder regulatório sobre a sociedade.
Após o triste período de ditadura, o Brasil, consagra a democracia e assegura os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valor supremo de uma sociedade fraterna e pluralista. Assim, a Previdência, sofreu transformações mais integrantes, promovendo medidas para assegurar a verdadeira justiça social.
Segundo VIEIRA (2002) a Constituição Federal de 1988 trouxe a Seguridade Social como uma técnica moderna que engloba a assistência, saúde e previdência social, que muito embora sejam tratadas de forma conjunta na Carta Magna, possuem diferentes normas e regimentos. Dentre as modificações mais importantes temos o aumento da rede de custeio; o Estado como organizador e distribuidor; a inserção do trabalhador rural, etc.
Neste interim, o artigo 194 da CF/88, in verbis:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;
V – equidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento;
VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Por fim, ainda destacamos a Emenda Constitucional n. 20 de 15 de Dezembro de 1988, que trouxe importantes reformas a regulamentação da Previdência Social e o Decreto n. 3.048/99, EC 41/03 e 47/05, todas trazendo importantes movimentações democráticas que visavam a integração de grupos de trabalhadores e inserção de pessoas de baixa renda, que realmente necessitam da prestação de benefícios.
2 – LOAS E O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
Conforme estudado, a evolução do Direito Previdenciário no Brasil passou por profundas transformações ao decorrer do ano, culminando num sistema mais democrático e inclusivo após a Constituição Federal de 1988. Destarte, o legislador, criou a partir deste momento diversos recursos para inclusão dos mais necessitados que ainda não fossem contemplados por benefícios. Tratamos neste momento de definir o benefício de prestação continuada, que será alvo dos estudos principais do presente artigo.
Ensina MARTINS (2007) que o benefício de prestação continuada tem origem em pela Lei nº. 6.179/1974, conhecido como amparo previdenciário, que se transformou em renda mensal vitalícia em 1991, em virtude da Lei nº. 8.213 e, tomou os moldes que conhecemos através do artigo 20 da Lei nº. 8.742 de 7 de dezembro de 1993, sendo por fim, transformada por força da redação da Lei n.º 12.435, de 2011, temos, in verbis:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Depreende-se do entendimento do texto legal, tão logo, que o benefício de prestação continuada garante ao idoso com mais de 65 anos, e ao deficiente incapaz para o trabalho, que não tenha outra renda ou família que o sustente, um salário mínimo, não acumulável com demais benefícios da seguridade social, sendo possível o pagamento para mais de uma pessoa na mesma família, desde que compreenda os requisitos legais.
Outro ponto contundente, e que guarda relação com a universalidade do direito previdenciário, é a independência de contribuição previa, assim, conforme ensina TAVARES (2005), o benefício visa garantir o mínimo social através de um conjunto de ações da iniciativa pública e da sociedade, sendo de natureza assistencial, não necessita que o beneficiário tenha contribuído para a seguridade social, e serve de amparo aos idosos e deficientes.
Pantaleão conceitua os beneficiários da seguinte maneira:
“[…] a) idosos: aquele com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais;
Verifica-se que a necessidade de comprovação dos requisitos é de extrema necessidade para a concessão do benefício, não sendo possível apenas a alegação de incapacidade para o trabalho, no caso de deficiente, ou de família incapacitada. Inclusive, no que diz respeito a questão familiar o Decreto nº1.744/95 define que a família deve ser vista como uma “unidade mononuclear que vive sobre o mesmo teto”, cuja economia é subsistida pelo trabalho de um ou mais de seus componentes. Da mesma forma, o § único do artigo 34 do Estatuto do Idoso, determina que o LOAS não deverá ser considerado na composição da base de cálculo de renda per capita, assim sendo, é possível que seja acumulado na mesma família, dois benefícios do mesmo tipo.
3 – A PROBLEMÁTICA DO REQUISITO FINANCEIRO
É fato, que para a própria proteção do instituto e a plena efetividade dos benefícios sociais inclusivos, é necessário que o Estado crie diversas normas para e requisitos para a concessão do mesmo. Vimos anteriormente quais são, e consideramos a validade do mesmo. Entretanto, no sistema brasileiro, impera-se a burocracia da máquina, que invalida a legislação.
No caso do benefício de prestação continuada, os objetivos são objetivos, não havendo possibilidade de flexibilização. SORIA (et.al. 2015) ensina que dois desses dois objetivos são comuns aos beneficiários da lei, quais sejam que estes não possuam condições de se auto sustentarem ou mesmo sua família arcar com o ônus de sua manutenção vital e a exigência de uma renda per capita mensal familiar inferior a ¼ do salário mínimo, entretanto esse último critério ainda sofre a conferencia de outros critérios para aferição da realidade da hipossuficiência, conforme o entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº1.232 de 1988, DF. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes:
“É sabido que conforme avança idade, os gastos aumentam consideravelmente em razão de problemas típicos da senilidade, e o salário mínimo que, por vezes, já configura insuficiente para prover as necessidades de uma pessoa jovem e saudável, mais insuficiente se torna para sustentar pessoas como do caso presente […]
O Estado há de ter um pouco mais de sensibilidade para com os seu cidadãos que, após uma longa vida, são tratados com números ou meros traços em estatísticas de economistas; ao contrário, são seres humanos.
(…)
É cediço que são os princípios que dão alma e norte a uma legislação. Eles, por óbvio, preponderam sobre as normas dessa mesma legislação, que devem, pois, necessariamente, atender os seu ditames e diretrizes.
Na hipótese posta, ao se cotejar o § 3º do art. 20 dessa legislação, que traz a exigência da família do interessado possuir renda mensal “per capita” inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente para se obter o benefício, vê-se que o mesmo desborda e refoge dos princípios retro transcritos, que norteiam essa legislação. Ou seja, se a própria Constituição Federal de 1988 no seu art. 203, inc. V, ao instituir tal benefício assistencial, não fez nenhuma exigência específica, descabe ao legislador ordinário assim o fazer, em desfavor dos próprios princípios que consagrou no exórdio da legislação. (MENDES, GILMAR, 2003, p. 8-9).”
Em outras palavras, a interpretação restritiva do artigo §3º do artigo 20 da 12.435, de 2011 convencia, que a baixa renda deve ser entendida como equivalente menos de 1/4 do salário mínimo vigente, assim sendo, se uma família possui um total de quatro membros, sendo um deste incapacitado ou idoso, e somente um dos demais trabalha percebendo salário mínimo, o idoso não faz jus a remuneração assistencial.
Confrontando a realidade brasileira, já se pode imaginar as sérias dificuldades de se manter, ou manter uma família recebendo apenas R$957,00, tão logo, se dentro da família ainda existe um idoso ou deficiente, que na maioria dos casos necessita de cuidados específicos, como medicamento, acompanhamento médico, etc., sobreviver com tão baixo valor representa uma violação aos direitos mais fundamentais defendidos pela constituição, e, no tocante a previdência, uma violação de sua própria funcionalidade.
Observando essa triste realidade, o Supremo passa então a ponderar o caso, frente ao princípio da dignidade humana, compreendendo que a fixação de tal critério fere diretamente a Constituição Federal, ao passo de limitar de forma taxativa a concessão de tal benefício, em detrimento da quantidade de habitantes residentes na mesma casa.
Sobre o tema, CANOTILHO (1998) lembra que dentre os princípios da Constituição Federal de 1988, está o da proibição da contrarrevolução social, que determina que, no que tange direitos sociais ou econômicos, como direito dos trabalhadores, direito assistencial, ou previdenciário, uma vez estabelecidos em um determinado patamar, passam a integrar as garantias institucionais, tornando-se direito subjetivo, ou seja, muito embora não possa ser utilizado para sanar crises econômicas, mantem o direito já adquirido em respeito ao princípio da dignidade humana.
No caso dos parâmetros utilizados pelo LOAS, IBRAHIM (2008) ensina que o fato do legislador infraconstitucional utilizar, em demasia, critérios de concessão objetivos, esses atos devem ser reprimidos, pois em condições de restrição financeira sem o pleno conhecimento da realidade dos fatos, se condena o necessitado a pena de morte. “Ainda que a extensão do benefício somente possa ser feita por lei, não deve o interprete omitir-se a realidade social” (IBRAHI, 2008, p.14).
Compreendido está parte do tema, compreendemos que a necessidade de transformação destes conceitos foi trabalhada pelas políticas públicas, e muito embora o texto legal de 1993 ainda tenha efeito, posto não haver revogação expressa, atualmente os critérios para averiguação da miserabilidade passaram a ter um novo entendimento. O próximo capítulo cuida de observar quais são os requisitos necessários, e avaliar se sua aplicação, corresponde, atualmente as necessidades contemporâneas.
4 – OS NOVOS CRITÉRIOS DE MISERABILIDADE
Muito embora a legislação não consiga, por diversas questões, acompanhar o desenvolvimento social, ou se adequar as mais inúmeras questões do cotidiano social, fica a par dos julgadores e dos estudiosos do direito, buscar questionar sua aplicação, buscando a justa adequação das normas. Assim se foi com os critérios de miserabilidade exigidos pelo LOAS.
Ensina Lopes (2014), que o surgimento de nova legislações na área da Assistencial Social, cuidaram de corrigir algumas das principais falhas em relação a averiguação da miserabilidade, buscando estabelecer critérios mais precisos, assim, para a averiguação da miserabilidade. Essa realidade pode ser observada no artigo 5º, I, da Lei n.º 9.533/97, que da autorização ao Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, in verbis:
“Art. 5º. Observadas as condições definidas nos arts. 1º e 2º, e sem prejuízo da diversidade de limites adotados pelos programas municipais, os recursos federais serão destinados exclusivamente a famílias que se enquadrem nos seguintes parâmetros, cumulativamente:
I – renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo; […]”
O mesmo se dá com o texto do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei n. 10.689, de 13 de junho de 2003, que criou o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA:
“Art. 2 […]
De ambos os textos, verificamos que o critério de miserabilidade, a renda diminui de 1/4 do salário mínimo, para menos da metade do salário, representando uma iniciativa de grande validade na busca de real determinação da miserabilidade. Segundo o conceito do Dicionário Online de Português, o verbete miserável significa “paupérrimo; excessivamente pobre”. Observamos assim, que a não alteração do valor de ¼ para a concessão do LOAS, em comparação com as demais legislações ainda se demonstra defasado, e que muito embora a Lei n. 12.435/11 tenha trazido alterações ao texto legal, não alterou o valor estipulado.
Para Lopes (2014), ainda que o valor não tenha de fato sido modificado, a imperiosidade da situação, bem como a premissa das novas legislações, devem ser utilizadas como parâmetro para aferição do requisito da miserabilidade, sendo alvo de inúmeras divergências entre o Poder Público, representado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e o Poder Judiciário.
Em consideração sobre a divergência entre tais poderes, é mister observar que atualmente a jurisprudência tem tomado grande valor, muito diferente de tempos em que se resumia a teoria da argumentação jurídica, conforme lembra Ferraz Junior (2014) em artigo para o Jornal a Folha de São Paulo. O capítulo final, pretende estudar essas divergências, considerando a necessidade de adequação das normas e a consagração da democracia e do assistencialismo, demonstrando assim, a dificuldade de acesso aos benefícios, em especial por parte de idosos.
5 – JUDICIÁRIO VS EXECUTIVO: A DIVERGÊNCIA DE POSICIONAMENTO E A DIFICULDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
A divergência outrora narrada, no que diz respeito a concessão do benefício de prestação continuada, em detrimento do critério de miserabilidade, tem sido alvo de constantes discussões no campo do Direito Previdenciário, e portanto motivou a construção do presente trabalho. Observamos que, na maioria dos casos em que o beneficiário vê sua pretensão não atendida, ou ainda, em demasiada mora, a causa por trás disto, além dos tramites burocráticos, reside justamente na tentativa do Poder Público, em barrar a concessão do benefício.
O INSS, enquanto autarquia do Governo Nacional está restrita às imposições regimentais do Direito Administrativo, desta forma, impera-se o princípio da legalidade, estando o Estado, adstrito à própria lei que o criou. Ensina BITTENCOURT (2005) que por força de tal princípio, todos os entes que compõe o Poder Público estão subordinados a previsão legal, só sendo permitido, tão logo, agir em conformidade com o disposto na legislação, por força do artigo 37 da Constituição Federal Brasileira.
Outrossim, é reconhecido o direito da Administração Pública de exercer entendimento subjetivo sobre algum aspecto da lei, dando margem para que o agente público trabalhe de forma discricionária na determinação parcial de alguns de seus atos (BITTENCOURT, 2005). Resta, contudo, compreendermos se, no que tange os critérios de admissibilidade do BPC, o agente pode ou não se pautar nessa prerrogativa.
Segundo Lopes (2014):
“Na atual conjuntura em que vivemos, verifica-se que a concessão do BPC tornou-se questão de sorte. A divergência é tão grande, que em situações de indeferimento por parte do INSS, fundamentando a decisão administrativa no não cumprimento do critério de miserabilidade trazido pela lei, caso o requerente recorra ao Poder Judiciário, dependendo do juiz em que a demanda for distribuída, se o magistrado for muito positivista (legalista) ou decidir com base em princípios gerais do direito, o idoso ou a pessoa com deficiência terá seu pleito deferido ou não, o que acarreta grave insegurança jurídica (LOPES, 2014, p. 50).”
Ainda que exista a possibilidade de flexibilização do princípio da legalidade ao Poder Público, observa-se que, o entendimento pacífico ao INSS, é que prevalece para o entendimento da miserabilidade o disposto no §3º do art. 20 da Lei nº. 8.742 de 1993, o que suscita a intervenção do Poder Judiciário na busca da modificação. É o que demonstra o acordão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ADULTO, MAIOR, INVÁLIDO. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO DEVIDAMENTE DEMONSTRADA PELA PROVA MATERIAL. VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA DO GRUPO FAMILIAR. ESTUDO SOCIAL. TEMA DA COMPOSIÇÃO DO CÁLCULO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA, QUANTO AO LIMITE OBJETIVO POSTO PELA LOAS (LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL). 1. O Amparo Assistencial deve ser concedido às pessoas portadoras de deficiência, pela demonstração de não possuírem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Quanto ao requisito da incapacidade, é suficiente para a concessão do benefício em questão que reste comprovada a incapacidade do segurado para o trabalho, sendo que o fato de ser o autor capaz para a vida independente não pode obstar a percepção do benefício, não se exigindo, pois, para tanto, que possua vida vegetativa ou seja incapaz de locomover-se. 3. O requisito econômico para a concessão do benefício consistente na exigência de que a renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 20, caput e §3º da Lei nº 8.742/1993), deve ser entendido como um limite objetivo, sendo que a avaliação da miserabilidade do grupo familiar, na hipótese de superação daquele limite, seja procedida não de modo abstrato, mas considerando as peculiaridades do caso concreto. Afinal, despesas decorrentes dos necessários cuidados com a parte autora, em razão de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, importam em gastos – notadamente com medicamentos, alimentação, taxas, impostos, moradia, tratamento médico, entre outros -, que são, nesse sentido, relevantes para a avaliação da real situação econômica do grupo familiar. (TRF4, AC 2008.70.99.002936-1, Quinta Turma, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 29/03/2010) (grifo nosso)”
Para o Supremo Tribunal Federal, a estipulação da renda per capita familiar configura de fato a presunção absoluta de miserabilidade, entretanto, ainda que se tenha extrapolado o limite legal, outros critérios subjetivos devem ser tomados em consideração para a comprovação da veracidade dos fatos, não impedindo assim, que aquele que muito embora não preencha uma taxatividade meramente burocrática, se veja privado de um benefício de direito, que possa auxilia-lo em sua subsistência (LOPES, 2014). Impera-se o caso do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando assim, os elementos subjetivos que demonstram a necessidade e a conveniência no momento de reconhecimento da situação financeira vivenciada pelo necessitado.
É cediço que a tripartição dos poderes no Brasil não admite a sobreposição de poder sobre o outro, e isso garante a ordem do Estado Democrático, entretanto, ainda que o Poder Público, por força do princípio da Especialidade deva seguir estritamente os moldes legais, aceitar a compreensão de uma norma e evolui-la para atender ao anseio popular não configura uma violação ou subordinação a outro poder, mas sim a plena efetivação do caráter assistencial que a Constituição prevê.
Nessa guerra de braços que se forma, o necessitado, continuará necessitando. A sua subsistência, dependerá da discordância dos poderes, e sua situação de miserabilidade poderá levar a efeitos devastadores, até a morte.
CONCLUSÃO
O presente artigo, cuidou de estudar o tema relacionado ao benefício de prestação continuada, criado pelo LOAS, que garante ao idoso maior de 65 anos e aos portadores de deficiência, incapacitados para o trabalho, o direito a receber o valor de um salário mínimo, compondo a renda familiar, como forma de garantir o acesso ao mínimo existencial.
Assim, constrói-se os caminhos do presente artigo, observando a evolução histórica da previdência e da assistência social, demonstrando a sua importância no cenário contemporâneo como garantia do cidadão contra diversos males da vida, como a senilidade, a doença, etc. No entanto, veemente a expressa orientação legal, no que diz respeito a concessão do BCP, observamos que a legislação, muito embora tenha recentemente sido modificado, não teve qualquer preocupação em ponderar o requisito objetivo para mensurar a miserabilidade, demonstrando tamanho descompasso com a realidade brasileira.
Um dos principais efeitos dessa omissão, foi a dificuldade em comprovar a necessidade, tendo em vista que, muito embora uma família possa extrapolar o convencionado da renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo sobre membro da família, o legislador, ignora as questões de ordem econômica que pesam no orçamento familiar. Ademais, presume, que, a capacidade de sustento está diretamente relacionada ao salário mínimo, que como é reconhecido na realidade social – e nesse caso, esquecesse totalmente de determinismo legal ou acadêmico -, mal é suficiente para a plena efetivação da dignidade de um membro, quanto menos de uma família inteira.
Observamos no decorrer do presente artigo, que tanto as demais legislações, quanto o Poder Judiciário, tem compreendido que o critério não deve ser observado como objetivo, necessitando de maiores considerações sobre demais critérios, dessa vez, de ordem subjetiva, que representem a realidade da condição do beneficiário, o que torna-se uma verdadeira guerra de braço, uma vez, que o INSS, reconhece o cumprimento da estrita determinação legal.
Conclui-se com esse trabalho, que existe uma necessidade eminente de adequação da legislação a realidade social brasileira. Muito embora o país tenha tido enormes avanços em relação a diminuição da miséria e erradicação da fome, as condições políticas e econômicas atuais fazem com que muitas pessoas, realmente necessitem de assistência do Estado, não podendo ser resumida a meros critérios convencionados por legisladores (que recebem salário exorbitantemente superior ao mínimo). A democracia é o governo do povo, e para esse as leis devem continência.
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LOPES, Felipe Mota. O requisito de miserabilidade do benefício de prestação continuada da lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica de Assistência Social). Monografia [bacharel]. 62 fl. Universidade Federal da Paraíba: João Pessoa, 2004
[1] Essa assistência era entendida pelo artigo 179, inciso XXXI da Constituição Federal de 1824, pelo qual se previa que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos era sustentada pelo socorro público, posteriormente complementado pelo Ato Adicional de 1834, que estipulava à Assembleia Legislativa, a competência para legislar sobre as casas de socorro.
[2] Surge em 1835 o Montepio Geral dos Servidores do Estado prevendo o sistema de mutalismo, conforme as regras privadas de previdência.
[3] Redação do artigo 75 da CF/91.
[4] Pretendia-se durante o governo de Getúlio, a criação do Instituto de Serviços Sociais do Brasil – ISSB, inspirado no Relatório do economista inglês Willian Henry Beverige, que propunha entre outras coisas medidas para combater as mazelas da sociedade através da atuação do Estado e dos indivíduos.
[5][5] Segundo SILVA e COSTA (2016), a criação do INPS não foi um fator desenvolvido através da luta dos trabalhadores, mas sim, pelo interesse modernizante do governo J.K., assim, demonstrava que, mesmo após a saída de Vargas, a política ainda era demarcada pela valorização da burguesia industrial.
[6] Texto do preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
[7] Lei nº. 10.741/03
[8] Decisão da ADI nº 1.232/DF. Referente ao processo 2001.61.20.007420-3, ajuizado pelo em face do Juízo Federal da 1ª Vara de Araraquara. Relator. Ministro Dias Tofoli
[9] Valor estipulado em cima da proposta das Diretrizes do Plano Econômico de 2017.
[10] Disponível em:< https://www.dicio.com.br/miseravel/>, acesso em 03/01/2018
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