Na Common Law britânica é possível observarmos importantes variáveis que influenciaram as teorias estudadas no Direito da Empresa. Não por acaso o case law Salomon v. Salomon tornou-se o precedente mais importante, cuja fundamentação orientou as decisões durante todo o século XX no Reino Unido, e ainda hoje repercute em citações e discussões judiciais e doutrinárias.
No final do século XIX, o empresário chamado Aron Salomon, dono de uma pequena empresa que produzia botas de couro, resolveu limitar a responsabilidade de sua empresa sobre seus bens, e de acordo com o Companies Act 1844, incorporou a mesma, registrando-a devidamente sob o regimento indicado.
A empresa foi registrada como Aron Salomon Ltda., tendo como seus outros seis sócios, seus cinco filhos e sua esposa, já que a lei exigia que para a incorporação de uma empresa seriam necessários aos menos sete sócios, deixando uma lacuna sobre quaisquer requisitos necessários para tais participantes da empresa.
O Sr. Salomon, pessoa física, emprestou para empresa £20.000, equivalentes a £1 cada ação, para que esta pudesse iniciar suas atividades com capital. Dessa forma, a empresa deu uma promessa de pagamento preferencial[1] ao Sr. Salomon, ficando ele como credor primário, caso a empresa se tornasse insolvente.
A empresa foi mal nos anos seguintes, visto que o grande comprador era o Governo Britânico, e este resolveu diversificar as compras dentre todos os produtores. Diante tal situação, um administrador judicial foi indicado para liquidar os bens da empresa e pagar seus credores. Foi então verificado que nenhum credor receberia seus valores correspondentes, já que o primeiro credor era o Sr. Salomon, e os bens da empresa não seriam suficientes para solver todas as dívidas.
Em 1895, a Corte Britânica recebeu o caso para então decidir sobre a desconsideração da personalidade jurídica na empresa Aron Salomon Ltda. É neste ponto que se abre o campo de discussão e análise do que foi decidido tanto pela Corte de Apelação quanto pela House of Lords, hoje Suprema Corte de Justiça Britânica.
A Corte de Apelação, ao analisar o caso, manteve sua atenção sobre as intenções do legislador e do empresário, que incorporou sua empresa com seus seis sócios que não apresentavam bona fide[2] e independência. A respeitada juíza Lindley LJ deixou claro que o Companies Act, 1862 foi usado com o propósito diferente da intenção dos legisladores, conforme suas palavras: “O esquema do Sr. Aron Salomon é um instrumento para fraudar credores”[3]. Assim, os votos da Corte de Apelação decidiram por autorizar a desconsideração da pessoa jurídica e buscar os bens pessoais do Sr. Salomon para saldar as dívidas com credores, fundamentando que a Corte lutou para encontrar um remédio legal para basear sua visão de abuso da lei.
Porém, em 1897, o caso foi para a House of Lords. Dada a relevância do caso para o Direito Empresarial, vale lembrar que estamos falando de um julgamento do século XIX, que ainda hoje rege os princípios estruturantes da desconsideração da personalidade jurídica na Common Law.
Destaca-se que, enquanto a Corte de Apelação voltou sua atenção para a intenção do legislador ao criar a regra que o Sr. Salomon teria infringido, a House of Lords desconstruiu esta idéia, assegurando a aplicação restrita da norma legal. A Corte Suprema confirmou que a incorporação criaria uma nova realidade fática, e que se possibilitada esta pela norma, fazer negócios neste formato não resultaria em infração e muito menos em alguma injustiça para terceiros, conforme afirma Lord Halsbury, um dos juízes da Corte, sobre os terceiros de boa-fé: “they only have themselves to blame for their misfortune.”[4] .
Vale nos afastarmos um pouco do caso e analisarmos com certo cuidado o que estamos discutindo no fim dos anos de 1800. Primeiramente, surge a figura da Pessoa Jurídica afirmada pela lei, na qual pequenos negociantes iniciam o entendimento e a inteligência da lei para realização de seus negócios. Em segundo plano, temos a Justiça respeitando a nova figura criada, e mais, afirmando seu papel na sociedade e suas relações.
O respeito à Pessoa Jurídica nessa época, e nesta região do mundo, inicia sua formatação do mesmo modo em será regida pelo Reino Unido nos próximos 100 anos, onde constroem-se as bases de uma segurança jurídica, que proporcionará para região um crescimento econômico já bastante conhecido. Exemplificando, conforme pesquisa realizada em 1999 pelo Parlamento Britânico, na House of Commons: “Since 1900 GDP[5] per capita at constant market prices rose by an estimated 298%.”[6].
Nas palavras do editorial The Times[7]: “A incorporação foi perfeita, e não poderia ser impedida. Todos os requisitos do Estatuto foram preenchidos, e eles não encontraram nenhuma parte evidenciando fraude…”. Ou seja, o artigo afirma que a decisão dada pela Corte registra que a apatia dos credores não pode justificar na condenação por fraude contra alguém que deu todas as informações solicitadas pela norma, e estes é que deverão enfrentar as conseqüências.
De fato, a comunidade de negócios da região ficou agradecida pela nova norma reguladora. O case Salomon v. Salomon tornou-se regra nos litígios judiciais contra empresas e seus sócios, criando um ambiente bastante complexo para ser penetrado, o chamado Piercing the Corporate Veil[8].
A importância da separação legal entre a pessoa jurídica e a pessoa física, ligada à segurança jurídica da aplicação restrita da norma legal, tem resultados impactantes nos negócios. Não são poucas as citações do caso ora estudado na jurisprudência local e o natural entendimento da sociedade de que o respeito das atividades realizadas pela empresa não equivalem a de seus acionistas. Nem por isso a Corte Britânica deixará de desconsiderar a personalidade jurídica nos casos em que a empresa for incorporada com o intuito de evitar responsabilidade sobre obrigações pré-existentes.
Assim sendo, não é por acaso que o Reino Unido permanece com seu sistema de Common Law louvável, onde juízes de todas as instâncias respeitam o entendimento da Corte Máxima de Justiça, dando à sociedade civil e comercial uma segurança do que considera-se justo e adequado para as relações, tendo a segurança jurídica como prioridade do sistema judiciário. Uma idéia nada inovadora para nossos inspiradores ingleses que trouxeram o assunto ainda no século XIX.
Sócia na Cabanellos Schuh Advogados Associados. LL.M Fordham University em Banking Corporate Finance Law 2013. Certificado Executivo em Compliance pelo Insper 2016
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