Resumo: O presente artigo versa sobre a colisão que ocorre entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade quando a divulgação de notícia através da imprensa afeta os direitos das pessoas envolvidas, especialmente a honra, a imagem, a privacidade e a intimidade. Ambos os direitos são imprescindíveis num Estado Democrático de Direito. A resolução da colisão entre ambos os direitos passa pela análise do caso concreto, utilizando como critério os Princípios da Unidade da Constituição, da Ponderação dos Direitos e da Proporcionalidade.
Palavras-chave: Colisão. Liberdade de Imprensa. Direitos da Personalidade. Direitos Fundamentais. Resolução. Principio da Unidade da Constituição. Princípio da Ponderação. Princípio da Proporcionalidade.
Abstract: This article is about the collision that occurs between press freedom and the rights of personality where the dissemination of news through the press affects the rights of people involved, especially the honor, image, privacy and intimacy. Both rights are essential in a democratic state of law. The resolution of the collision between the two rights is the analysis of the case, using as criterion the Principles of Unity of the Constitution, the Balance of Rights and Proportionality.
Keywords: Collision. Freedom of the Press. Rights of Personality. Fundamental Rights. Resolution. Principle of Unity of the Constitution. Principle of Balance. Principle of Proportionality.
Sumário: 1. Introdução. 2. Colisão de direitos: liberdade de imprensa e direitos da personalidade. 2.1. Direitos da personalidade. 2.2.liberdade de imprensa. 2.3. A colisão de direitos. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
Todos os dias a sociedade se vê diante de um número enorme de informações, propagadas pelos mais diversos meios de imprensa. Na mesma proporção em que são veiculadas, as informações são deixadas de lado, diante de novos fatos ocorridos no meio social, e que demandam divulgação.
Essas informações, por retratarem a realidade social, colocam o homem como figura central, o que, não raro, acarreta situações em que o indivíduo se sente lesado nos seus bens mais importantes: a honra, a imagem, a intimidade, a privacidade e os outros direitos conexos a estes, que compõem a personalidade, primado da natureza humana.
Diante desta situação, surge a necessidade de se verificar no caso concreto qual dos dois valores postos em discussão deve prevalecer. No entanto, é necessário ter em mente que o problema não é tão facilmente resolvido, pois se esta diante de dois direitos fundamentais, protegidos constitucionalmente, de magnitude para a sociedade contemporânea.
Para tanto, deve-se valer dos critérios e princípios hermenêuticos advindos da construção doutrinária, que irão servir de norte ao intérprete e aplicador do direito. Não há direito mais importante que o outro, só o fato concreto dirá qual direito irá sobressair, sem resultar no aniquilamento do outro.
2. COLISÃO DE DIREITOS: LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS DA PERSONALIDADE
A existência de dois direitos fundamentais aparentemente contrapostos diante de um caso concreto não é algo incomum dentro da ótica do mundo jurídico, em especial a colisão entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, posto que vive-se nos dias atuais sob o império da imprensa, que na mesma medida que pode trazer a informação a população, pode acabar por violar direitos da personalidade das pessoas envolvidas no fato jornalístico divulgado.
Verifica-se nos dias atuais o poder crescente que a imprensa tem exercida na sociedade mundial, principalmente pela diversificação de sua propagação, bem como pela facilidade de acesso aos meios de comunicação pela população de um modo geral.
Ademais, diante da aparente omissão do Poder Público, vem a imprensa ganhando espaço social como verdadeiro porta-voz dos anseios populares e fiscal da sociedade.
Não se pode afastar também a verificação de que, como decorrência direta dos avanços tecnológicos, e porque não dizer sociais, houve uma intromissão dos meios de comunicação na vida das pessoas, por vezes violando os direitos da personalidade das pessoas envolvidas no fato a ser divulgado.
A liberdade de informação é essencial numa sociedade que preserve os direitos fundamentais da pessoa humana. O amplo acesso e propagação das notícias pelos meios de comunicação difusores são os pilares para um Estado que se considere Democrático de Direito.
Dessa forma, a liberdade de informação deve ser irrestrita, para que a sociedade possa ter amplo conhecimento dos fatos que se passam no meio social.
Mas o que fazer quando essa liberdade de informação acaba por violar os direitos mais próprios do homem, os direitos da personalidade?
Como se pode resolver essa situação, tendo em vista que ambos os direitos são fundamentais, e não se pode falar na anulação de um diante do outro, já que ambos gozam de proteção constitucional?
O Estado Democrático de Direito tem como um de seus pilares o respeito e a garantia dos direitos fundamentais do homem, entendidos como “aquelas prerrogativas e instituições que ele (direito positivo) concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.”[1]
Dentre esses direitos fundamentais, encontra-se a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, protegidos constitucionalmente, havendo mecanismos próprios para sua preservação, o primeiro nos artigos 5°, inc. XIV, IV, IX e 220, caput, e parágrafo 1°, e o segundo no art. 5°, inc. V e X da Constituição Federal. Ambos são a personificação do Principio da Dignidade da Pessoa Humana, erigido à categoria de principio constitucional máximo.
A origem da liberdade de imprensa e dos direitos da personalidade repousa na série de acontecimentos e movimentos filosóficos que invadiram o mundo ocidental no final da Idade Média, início da Idade Contemporânea, e que culminaram com a Carta de Princípios da Independência Norte- Americana e a Revolução Francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de cunho altamente burguês, baseados, principalmente no Iluminismo, tendo o homem como centro do universo, numa visão antropocêntrica; no cristianismo, que prega o homem como imagem e semelhança de Deus, ponto de partida para a dignidade do ser humano; e no movimento jusnaturalista, berço da idéia dos direitos naturais, como sendo aqueles inatos ao individuo, pelo simples fato de serem seres humanos.
A concepção da liberdade, como norteadora de toda a individualização do homem, foi a base para esses direitos fundamentais de 1ª geração, sendo, portanto, direitos individuais por natureza, onde o homem almeja uma não intromissão do Estado na sua esfera individual, como é sabido, uma ação negativa por parte do estado por parte do estado.
2.1. DIREITOS DA PERSONALIDADE
Os direitos da personalidade são aqueles imanentes da personalidade humana, ou seja, são aqueles que se constituem pelo simples fato de ser o homem ser humano, na realidade são efeitos do fato jurídico personalidade, como bem atesta o mestre Pontes de Miranda:
“(…) no suporte fático do fato jurídico de que surge direito de personalidade, o elemento objetivo é ser humano e não ainda pessoa: a personalidade resulta da entrada do ser humano no mundo jurídico.”[2]
Existem inúmeras espécies de direitos da personalidade, até porque as projeções que emanam da personalidade, fato jurídico, como já dito, que tem como efeito os direitos da personalidade, não se esgotam tão facilmente.
Dentre eles, algumas espécies merecem aqui destaque por se relacionarem diretamente com a liberdade de informação: a honra, a imagem, a vida privada e a intimidade, pois, “costumeiramente, o exercício da liberdade de imprensa suscita colidência em especial como o direito à honra, à imagem e à privacidade.”[3]
2.2. LIBERDADE DE IMPRENSA
A liberdade de imprensa encontra repouso no pensamento que “envolve, assim, um primeiro momento interno, em que se forma o pensamento, tanto quanto outro externo em que se manifesta”[4], compreendendo a liberdade de pensamento e liberdade de manifestação de pensamento.
É a partir desse instante, em que o individuo manifesta seu pensamento, que nasce a opinião, ou mais propriamente a liberdade de opinião, já que este tem o total direito de propagá-la. Nesse aspecto, compreende-se a liberdade de informação, como grau máximo dessa liberdade de opinião, onde estaria incluída tanto a liberdade de informar, direito esse individual por natureza, e a liberdade de ser informado, direito coletivo que tem a sociedade de ficar a par dos fatos sociais, “nesse sentido, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer.”[5]
Como assevera Claúdio Luiz Bueno de Godoy:
“(…) nesse contexto, em que se garante a liberdade de informação, abrangente do direito a informar e de ser informado, se coloca a liberdade de imprensa. Por meio dela se assegura a veiculação das informações pelos órgãos de imprensa.”[6].
Deve-se ter em mente que nos dias atuais, a imprensa não é só restrita ao material impresso, sua abrangência é muito maior, dizendo respeito a todos os meios possíveis por onde possa se propagar a informação, passando pelos jornais e periódicos impressos, o sistema de rádio e televisão até o novíssimo meio de comunicação, que é a internet.
Na sociedade atual, a imprensa desempenha papel preponderante, refletindo-se em todas as relações humanas; hoje não existe fato social que não seja alvo dos meios de comunicação, quer seja pelo aumento considerável da possibilidade de todas as classes sociais terem acesso à imprensa, quer seja pela acirrada concorrência existente entre as empresas que dominam a área dos meios de comunicação, “pode-se dizer que não há campo da atividade humana que não interesse diretamente à imprensa. Enfim, tudo que a pessoa, interessa à imprensa. A cobertura jornalística está em todos os lugares, todo o tempo, de dia e de noite. Em suma, há informação para todos os gostos e necessidades.” [7]
2.3. A COLISÃO DOS DIREITOS
Nesse contexto, não resta dúvida, existe a possibilidade cristalina do exercício da atividade de imprensa colidir com os direitos mais íntimos do ser humano, os direitos da personalidade, corporificados mais propriamente na honra, imagem, intimidade e privacidade, como já dito anteriormente.
Ocorre que a situação não é de tão simples resolução. Como dito, tanto a liberdade de imprensa quanto os direitos da personalidade são fundamentais do homem, portanto, quando há colisão entre ambos, estar-se-á diante de uma colisão de direitos fundamentais, conforme preceitua J.J Gomes Canotilho:
“(…) de um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular.”[8]
Para a solução do conflito, deve-se partir do pressuposto de que a Constituição deve ser considerada como unidade, como um todo, portanto não deve existir contradições dentro dela; deve sim haver uma harmonização de sues preceitos, constituindo assim o Principio da Unidade da Constituição.
Sobre esse aspecto, assim aduz Luis Roberto Barroso:
“uma lance de olhos sobre a Constituição de 1988 revela diversos pontos de tensão normativa, isto é, de proposições que consagram valores e bens jurídicos que se contrapõem e que devem ser harmonizados pelo intérprete.”[9]
Dentro do ordenamento jurídico, encontramos duas espécies de normas: as regras e os princípios, quando as regras encontram-se em conflito, apenas uma delas poderá ser considerada válida dentro do ordenamento jurídico, “pois o ordenamento jurídico não tolera a existência de regras jurídicas em oposição entre si.”[10]. Nesses casos, estar-se-á diante de uma antinomia aparente de normas.
Os critérios para a solução da antinomia aparente são: o cronológico, hierárquico e o da especialidade, com base nisso, pode-se chegar a conclusão sobre a validade ou invalidade da regra. No entanto, esses critérios não podem ser adotados quando se trata da colisão de direitos fundamentais, posto que esses têm o mesmo valor hierárquico, “vêm expressos em normas contemporâneas albergadas na constituição”[11], tendo, portanto, o mesmo valor cronológico, e são normas gerais, não detendo especialidade.
Por sua própria natureza, a colisão de direitos fundamentais se dá no âmbito dos princípios, já que “os direitos fundamentais são outorgados por normas jurídicas que possuem essencialmente as características de princípios”[12], e esses não se resolvem sobre o critério do conflito de regras; não há o que se falar em princípios válidos ou inválidos, conforme preceitua Edilsom Pereira de Farias:
“(…) verificada, no entanto a existência de uma autêntica colisão de direitos fundamentais cabe ao intérprete – aplicador realizar a ponderação dos bens envolvidos, visando resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos interesses em jogo”[13].
A solução da colisão de direitos fundamentais deve ser feita tomando como base o Princípio da Unidade da Constituição, já mencionado, o Principio da Proporcionalidade e o Princípio da Razoabilidade.
Baseado nesses princípios, é que no caso se dará o equilíbrio dos dois direitos postos, impondo limitações a ambos os direitos, dependendo da situação, como afirma René Ariel Dotti:
“(…) as limitações reciprocamente impostas não resultam da hierarquia entre as liberdades em conflito – posto não ser adequado um critério de superposição – mas das circunstâncias em cada situação concreta.”[14]
3. CONCLUSÃO
A colisão entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade ocorrem constantemente no meio social, visto que a propagação da informação, que tem o homem como ponto central, acaba muitas vezes por violar os direitos básicos do ser humano.
A sua resolução não pode passar pelo aniquilamento de um direito sobre o outro, tendo em vista que se tratam de direitos de igual magnitude, a personificação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Portanto, a sua resolução se faz pela ponderação dos direitos postos em situação de conflito, com base nos princípios da Unidade da Constituição, da Proporcionalidade e da Razoabilidade.
Procuradora Federal Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas Pós – graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
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