Resumo: In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrência dos feixes albergados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no Ordenamento Pátrio, culminando, ulteriormente, na elaboração e promulgação do Código de Defesa do Consumidor, compêndio de dispositivos que sagram em suas linhas, como fito maior, a proteção daquele. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar que a Legislação Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo-lhe conferida o status de axioma estruturados e conformador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere do inciso V do artigo 170 da Carta de Outubro. Denotas-se, desta sorte, que, em razão do manancial de inovações trazidos à baila pela Constituição Cidadã, os consumidores foram erigidos à condição de detentores de direitos constitucionais enumerados como fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o maciço fito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal escopo.
Palavras-chaves: Inversão do Ônus da Prova. Princípio da Vulnerabilidade. Direito do Consumidor.
Sumário: 1 A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental: Lições Inaugurais; 2 O Corolário da Vulnerabilidade no Direito do Consumidor: Axioma Inspirador da Inversão do Ônus da Prova; 3 Aspectos Gerais do Ônus da Prova; 4 Comentários ao Instituto da Inversão do Ônus da Prova no Direito do Consumidor
1 A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental: Lições Inaugurais
In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrência dos feixes albergados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[1], verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no Ordenamento Pátrio, culminando, ulteriormente, na elaboração e promulgação do Código de Defesa do Consumidor[2], compêndio de dispositivos que sagram em suas linhas, como fito maior, a proteção daquele. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar, com grossos traços que a Legislação Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo-lhe conferida o status de axioma estruturados e conformador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere do inciso V do artigo 170 da Carta de Outubro[3].
Denota-se, desta sorte, que, em razão do manancial de inovações trazidos à baila pela Constituição Cidadã, os consumidores foram erigidos à condição de detentores de direitos constitucionais enumerados como fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o maciço fito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal escopo. À luz do expendido, em um contato primitivo com o tema, salta aos olhos que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto diploma legislativo impregnado de essência constitucional clama por uma interpretação sustentada pela tábua principiológica consagrada, de modo expresso, na Carta da República. Nesta senda de raciocínio, impõe ao Arquiteto do Direito, de maneira cogente, atentar-se para os corolários, desfraldados como flâmula orientadora, para conferir amoldagem as normas que versam acerca das relações de consumo a situações concretas, revestidas de nuances e particularidades singulares que oscilam de maneira saliente.
Além disso, com destaque, a proteção conferida pelo Ente Estatal ao consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi positivada no próprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da formulação e execução de políticas públicas, como também do exercício das atividades econômicas em geral. Plus ultra,acrescer se faz mister que ao se conferir tratamento robusto ao consumidor, ambicionou o Constituinte atribuir essência de meio instrumental, com vista a neutralizar o abuso do poder econômico praticado em detrimento de pessoas e de seu direito ao desenvolvimento, sem olvidar de uma existência considerada como digna e justa. Neste sentido, há que se trazer a lume o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de Instrumento. Concessão de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurança. (…) Relação de Consumo. Caracterização. Destinação Final Fática e Econômica do Produto ou Serviço. Atividade Empresarial. Mitigação da Regra. Vulnerabilidade da Pessoa Jurídica. Presunção Relativa. […] Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. […]” ( Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ RMS 27512/BA/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado no DJe em 23.09.2009)
Saliente-se, com ênfase, que a proteção do consumidor e o desenvolvimento de instrumentos rotundos aptos a fomentar tal fito se revelam como característicos de assegurar a concretude e significado as proclamações contidas na Carta de 1988. Nesta esteira, evidencia-se, ainda, que a Lex Fundamentallis estabeleceu um estado de comunhão solidária entre as diversas órbitas políticas, que constituem a estrutura institucional da Federação Brasileira, agrupando-as ao redor de um escopo comum, detendo o mais elevado sentido social. Afora isso, os direitos do consumidor, conquanto despidos de caráter absoluto, qualificam-se, porém, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório.
Além disso, os corolários de proteção ao consumidor, hasteados como flâmulas orientadoras, buscam neutralizar situações de antagonismos oriundos das relações de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo tão desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por extensão, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No mais, o reconhecimento da proteção constitucional da figura como consumidor, traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidadão, estando inerente à própria acepção do Estado Democrático e Social de Direito, motivo pelo qual cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia.
2 O Corolário da Vulnerabilidade no Direito do Consumidor: Axioma Inspirador da Inversão do Ônus da Prova
Em uma primeira plana, como é cediço, a Constituição Federal de 1988 entalhou, de maneira expressa, a proteção do consumidor e a elevou a órbita de direito fundamental e princípio a ser obedecido no que se refere à estabilidade da ordem econômica, consoante se extrai da redação dos artigos 5º, inciso XXXII[4] e 170, inciso V[5]. Nesta toada, o artigo 5º da Carta da República Federativa do Brasil, ao burilar que o Ente Estatal deve promover a defesa do consumidor, com clareza solar, assegura ao cidadão essa proteção como um direito fundamental, implicitamente, reconheceu a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Afora isso, realce-se que foi, justamente, no corolário da vulnerabilidade do consumidor que o movimento consumerista se estruturou para chegar a atual legislação protetora, tendo sido, inclusive, expressamente cunhado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor[6]. Como bem acentua Almeida, o princípio da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento”[7].
O sustentáculo em apreciação acena que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que aquele se submete ao poder de quem dispõe o controle sobre bens de produção para satisfazer suas necessidades de consumo. Em outros termos, o consumidor se submete às condições que lhes são impostas no mercado de consumo. A figura da vulnerabilidade, igualmente, para fins de aplicação das normas protetivas da Legislação Consumerista, tanto pode ser a econômica, a jurídica, a social, a técnica e outras mais. Neste sentido, oportunamente, colaciona-se o entendimento jurisprudencial construído pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai:
“Ementa: Processo civil e Consumidor. Rescisão contratual cumulada com indenização. Fabricante. Adquirente. Freteiro. Hipossuficiência. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Inversão do ônus probatório. – Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto como destinatário final econômico, usufruindo do produto ou do serviço em beneficio próprio. – Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática, técnica ou econômica. – Nesta hipótese esta justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a concessão do benefício processual da inversão do ônus da prova. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1080719/MG/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/Julgado em 10.02.2009/ Publicado no DJe em 17.08.2009)
Nessa esteira, Cláudia Lima Marques[8] leciona, com singular propriedade, acerca da existência de três espécies de vulnerabilidade. A primeira é denominada de técnica, na qual o consumidor não é detentor do conhecimento específico acerca do objeto que está adquirindo, sendo, em decorrência disso, suscetível de ser enganado mais facilmente, no que tange às características ou, ainda, quanto à unidade do bem ou do serviço prestado. A segunda espécie de vulnerabilidade, por sua vez, é a jurídica ou científica, cujo aspecto característico está escorado na ausência de conhecimento jurídica específicos, de contabilidade ou mesmo de economia. Já a terceira espécie de vulnerabilidade é denominada de fática ou socioeconômica, adstrita à posição de monopólio, fático ou jurídico, por meio do qual o fornecedor, que em razão de sua posição, assentado em seu grande poderio econômico ou mesmo em decorrência da essencialidade do serviço, impõe a sua superioridade a todos que contratam com ele.
Nessa trilha de raciocínio, ainda, quadra salientar que a concepção estruturante da vulnerabilidade técnica é presumida para o consumidor não-profissional, podendo ser estendido, de forma excepcional, ao profissional, destinatário fático do bem ou do serviço. Ao lado do expendido, a vulnerabilidade jurídica, ainda que seja presumida para o consumidor não-profissional e para o consumidor pessoa natural, “para os profissionais e para as pessoas jurídicas, vale a presunção em sentido contrário, presume-se que possuem conhecimentos jurídicos e econômicos mínimos, ou que possam consultar advogados e profissionais”[9], antes de firmarem a obrigação. No que tange à vulnerabilidade fática, há que se destacar, com cores quentes, que prospera uma presunção em favor do consumidor não-profissional, contudo, tal conjectura não vinga em referência ao consumidor profissional e para o consumidor pessoa jurídica.
Mister se faz gizar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no Código de Defesa do Consumidor quando provar, no concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. Por oportuno, é possível elencar a vulnerabilidade técnica, id est, a ausência de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço adquirido, podendo, em função disso, ser mais facilmente iludido. Como dito algures, a vulnerabilidade jurídica está jungida à ausência de conhecimentos jurídicos que o auxiliariam a melhor portar-se na relação negocial.
No mais, a vulnerabilidade fática consiste na situação de desvantagem real, seja pelo grande poderio do fornecedor, sua situação econômica, seja pela essencialidade do bem, do qual necessita, impreterivelmente, o consumidor e por fim, a vulnerabilidade informacional que é aquela que decorre da especial importância das informações recíprocas prestadas no bojo das relações negociais, que, em regra, revelam-se deficitárias quanto ao consumidor. Colhe-se o seguinte precedente jurisprudencial, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o qual acena no seguinte sentido:
“Ementa: Agravo Interno na Apelação Cível – Preliminar de não conhecimento do recurso em razão da ausência de dialeticidade – Rejeitada – Código de Defesa do Consumidor – Inaplicabilidade – Critério do Consumidor Final – Recurso a que se nega provimento. […] 2- A priori, não somente as pessoas físicas, como também as jurídicas, podem figurar como consumidoras em uma relação comercial e, portanto, desfrutar da proteção regulamentada pela lei 8078⁄90, devendo o intérprete, ao proceder a tal identificação, atentar-se à dicção do artigo 2º do mencionado diploma, que nos mostra como aspecto caracterizador de consumidor a sua posição como destinatário final do objeto negocial. 3- Deste modo, tem-se que para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou o serviço não pode guardar qualquer relação, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele exercida, devendo, assim, ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor, o que não fora demonstrado no caso em comento. 5- Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no CDC quando provar, no concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. 5- Assim, percebe-se que a agravante não demonstrou a existência do estado de vulnerabilidade que pudesse ensejar à aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 6- Recurso a que se rejeita a preliminar e no mérito, nega-se provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Quarta Câmara Cível/ Agravo Interno – (Arts. 557/527, II CPC) em Apelação Cível Nº. 24070327713/ Rel. Desembargador Maurílio de Almeida de Abreu/ Julgado em 17.08.2010/ Publicado em 05.10.2010)
Aduzir se faz carecido que não há que confundir a vulnerabilidade, enquanto princípio orientador para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a denominada hipossuficiência econômica ou técnica da parte autora, eis que, em razão do corolários emanados pelo aludido dogma, nem todo consumidor deverá ser coberto pelo véu da hipossuficiência, mesmo sendo sempre vulnerável. Plus ultra, dado ao aspecto geral da vulnerabilidade, verifica-se que as flâmulas por ela hasteadas deflui da simples situação de consumidor, ao passo que a hipossuficiência, ao reverso, reclama a presença de condições pessoais e relativas a cada consumidor, devendo-se, por extensão, confrontá-las com as condições pessoais do respectivo fornecedor.
Com efeito, a vulnerabilidade se reveste de presunção, quando o consumidor for pessoa natural, enquanto a vulnerabilidade da pessoa deve ser demonstrada e será aferida, quando o magistrado analisar a situação concreta trazida a Juízo. Ao lado disso, acinzele-se que a hipossuficiência reclama um exame acurado, analisando cada caso, já a vulnerabilidade do consumidor é inerente à sua própria condição. No mais, o princípio em estudo é traço universal de todos os consumidores, independente de sua condição econômica ou grau de instrução, motivo pelo qual seu ponto de escora está alicerçada na ausência de conhecimento técnico para a elaboração do produto ou para a prestação do serviço.
A partir de uma interpretação teleológica da norma protetiva consagrada no Direito Consumerista, resta indubitável sua aplicação diante dos casos concretos, de molde a igualar as partes, permitindo, assim, uma justa solução para a lide, conferindo instrumentos aptos a igualar aqueles que são tidos como vulneráveis na relação. Até porque, presente a vulnerabilidade de uma das partes, não há como deixar de pensar no Código Defesa do Consumidor como instrumento de equidade contratual, unindo-se ao consumidor através da concessão de um tratamento desigual e específico com o fito de equilibrar as bases da avença. Saliente-se, ainda, que a vulnerabilidade não é, pois, o axioma das normas de proteção ao indivíduo mais fraco, sendo como verdadeiro norte para a boa aplicação do Ordenamento Pátrio, atendendo ao fito protetivo e de reequilíbrio, buscado-se assegurar a igualdade e a justiça equitativa. Deste modo, pode-se salientar que, como instrumento apto a fomentar a incidência do princípio da vulnerabilidade, a inversão do ônus da prova nas relações consumerista se apresenta como elemento que reequilibra e assegura a igualdade entre as partes envolvidas.
3 Aspectos Gerais do Ônus da Prova
Em sede de comentários introdutórios, cuida anotar que o ônus da prova consiste no encargo, atribuído pelo arcabouço normativo a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no caderno processual. Urge salientar que o ônus de provar não consiste em em uma obrigação de provar, mas sim uma necessidade de provar, já que a parte possui interesse que seja reconhecida a verdade dos fatos debatidos no caderno processual. Ao lado disso, prima salientar que o Código de Processo Civil[10], em seu artigo 333, traça as regras gerais, de caráter genérico, acerca do encargo probatório das partes. Assim, pelos regramentos ora aludidos, incumbirá ao autor o ônus de demonstrar o fato constitutivo de seu direito, ao passo que ao réu incumbirá a comprovação da existência de fato impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito vindicado pelo autor. Neste sentido, colhe-se o robusto entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça que abaliza as ponderações aventadas até o momento, conforme se extrai do seguinte aresto:
“Ementa: Processual Civil e Administrativo. Servidor Público. Progressão Funcional. Diferenças Salariais. Fato Impeditivo do Direito do Autor. Ônus da Prova. Art. 333, II, do CPC. Incumbência do Réu. Reconhecimento do Direito nas Instâncias Ordinárias. Requisitos Legais Preenchidos. Revisão. Súmula 7⁄STJ. Lei Estadual 10.961⁄1992. Exame de Legislação Local. Súmula 280⁄STF. 1. Nos termos do art. 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor demonstrar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito (inciso I) e ao réu invocar circunstância capaz de alterar ou eliminar as consequências jurídicas do fato aduzido pelo demandante (inciso II).” […] (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no Ag 1313849⁄MG/ Relator Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 28.09.2010/ Publicado no DJe em 02.02.2011).
Nessa esteira, pode-se salientar que os fatos constitutivos, via de regra, são os expostos pelo autos em sua peça de ingresso, competindo a ele o onus probandi acerca do que sustenta. Em contrapartida, ao réu, quando de sua manifestação, em sede de defesa, incumbirá provar a existência de fatos que tenham o condão de impedir, modificar ou mesmo extinguir o direito vindicado pelo autor. Em clara dicção, o parágrafo único do artigo 333 do Estatuto de Ritos Civis possibilita as partes convencionarem acerca da distribuição do ônus, tornando defeso, contudo, quando o apostilado versar a respeito de direito indisponível de determinada parte ou, ainda, quando é excessivamente difícil um parte provar o seu direito. Neste caso, caberá a inversão do ônus da prova, a fim de que a parte que tenha mais facilidade possa provar ou mesmo repudiar determinada alegação.
Vale salientar que as regras do ônus da prova, comumente, são empregadas durante o curso da instrução e julgamento. “Há situações em que pode acontecer que as provas colhidas não sejam satisfatórias para trazer a certeza ao magistrado para julgar a lide”[11]. Logo, o julgador, ainda que esteja se valendo do sistema de valoração da prova, não consegue ter a certeza de todos os fatos postos em apreciação, situação que restará autorizada a repartição do ônus da prova,m a fim de alcançar um veredicto mais próximo da verdade dos fatos.
Nesse contexto, diante da ausência de prova cabal que confirme as alegações das partes, estabelece-se o non liquet, circunstância que autoriza a aplicação da regra de distribuição do ônus da prova. No mais, anote-se que a parte onerada que não conseguir lograr êxito em provar, por meio do sedimento necessário ao convencimento do julgador, poderá sofrer o provimento jurisdicional diverso daquele que ambicionava. Os pavilhões do ônus da prova têm como fito auxiliar e orientar o magistrado no julgamento, quando subsistirem dúvidas no decurso do processo. No sentido, colhe-se julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em caso análogo, o qual inclusive atua como robusto sedimento para a construção de um convencimento sólido no caso vertente, como se infere:
“Ementa: Processual Civil. Ônus Processual. Inversão do Ônus da Prova. Atividade Instrutória do Juiz. Determinação de ofício de produção de prova pericial. Adiantamento das Custas Processuais. I – Ônus processual pode ser entendido como uma faculdade cujo exercício configura implemento de condição apta a colocar a parte em situação processual mais vantajosa. Transportando essa noção para o campo probatório é possível afirmar que o ônus da prova exorta a parte que o suporta a produzir determinada prova, sob pena de, não o fazendo, ver constituída em seu desfavor, uma situação gravosa. Assim, se a parte não se desincumbe do ônus de provar determinado fato, resta ao juiz interpretar o non liquet que daí pode se originar em desfavor dessa mesma parte. II – Considerando o princípio da inafastabilidade da Jurisdição, as regras relativas ao ônus da prova se apresentam, portanto, como um instrumento que permite ao juiz proferir sentença nas hipóteses em que ele não conseguiu formar uma convicção (motivada) a respeito dos fatos. Precedentes. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Órgão Julgador: Terceira Turma/ REsp 696.816/RJ/ Rel. Ministro Sidnei Beneti/ Julgado em 06.10.2009/ Publicado no DJe em 29.10.2009)
Em tom de arremate, gize-se que no processo civil, onde quase sempre há uma predominância do postulado do dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, especial relevância assume a questão pertinente ao ônus da prova. Tal onus probandi assenta na conduta processual exigida da parte, a fim de que a verdade dos fatos sustentados por ela seja admitida pelo juiz. Afora isso, não há um dever de provar, nem mesmo à parte ex adversa subsiste o direito de exigir prova do adversário. O que existe é um simples ônus, de maneira que o litigante passa a assumir o risco de perder a causa, caso não logre êxito em provar os fatos alegados e do qual necessita a existência do direito subjetivo que visa resguardar por meio da tutela jurisdicional. No mais, segundo o adágio, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.
4 Comentários ao Instituto da Inversão do Ônus da Prova no Direito do Consumidor
Historicamente, a proteção efetiva ao consumidor sempre foi dificultada pela necessidade de ele comprovar os fatos constitutivos de seu direito. A vulnerabilidade do consumidor, no mercado massificado das relações de consumo em geral, constitui um enorme obstáculo a que ele obtenha os elementos de prova necessários à demonstração de seu direito. Isso é particularmente mais grave quando se sabe que essa prova é, via de regra, eminentemente técnica, sendo o fornecedor um especialista na sua área de atuação. Por isso, tendo o fabricante as melhores condições técnicas de demonstrar a inexistência de defeito no produto colocado no mercado, foi procedida a essa inversão pelo próprio legislador, sendo-lhe atribuído esse encargo.
À luz das ponderações apresentadas, faz-se carecido sustentar que o artigo 5º da Constituição Federal, ao estabelecer que o Estado deve promover a defesa do consumidor, assegurando ao cidadão essa proteção como um direito fundamental, implicitamente, reconheceu a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Nestes termos, o Código de Defesa do Consumidor procura reequilibrar as relações de consumo, sem ferir o princípio constitucional da isonomia, tratando os desiguais de modo desigual. A inversão do ônus da prova é um direito conferido ao consumidor para facilitar sua defesa no processo civil e somente neste.
Mister se faz estabelecer uma distinção entre as duas modalidade de inversão do ônus da prova consagrada no Código de Defesa do Consumidor, eis que podem decorrer do texto legal (ope legis) ou ainda de comando contido em determinação judicial (ope judicis). No que concerne à primeira hipótese, o Diploma Legal, sensível às nuances de específica relação jurídica, excepciona, de maneira prévia, a regra geral de distribuição do ônus da prova. À guisa de exemplificação, pode-se citar as hipóteses contidas nos dispositivos legais dos artigos 12, §3º, inciso II[12] e 14, §3º, inciso I[13], ambos do Código de Defesa do Consumidor, que atribuem ao fornecedor o ônus de comprovar, em sede de responsabilidade civil por acidentes de consumo, como fato do produto (artigo 12) ou fato do servido (artigo 14), a inexistência do defeito, encargo que, consoante o regramento geral do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, seria do consumidor demandante. Em ambas as hipóteses, não se coloca a questão de estabelecer qual o momento adequado para a inversão do ônus da prova, pois a inversão foi estabelecida pelo próprio legislador e, naturalmente, as partes, antes mesmo que haja a formação da relação jurídico-processual, já devem deter conhecimento acerca do ônus probatório que lhes foi estabelecido no Ordenamento Pátrio. Essa é a lição de abalizada doutrina:
“Realmente, nos litígios relativos à relação de consumo é possível que surjam questões de fato cuja solução dependa de elementos que apenas o fornecedor de produtos ou serviços tenha conhecimento e disponha da respectiva prova. Nesse caso, é adequado que a parte que tem esse conhecimento tenha o ônus da prova, suportando as consequências de sua omissão”[14]
A segunda hipótese sagrada no Código de Defesa do Consumidor revela-se mais tormentosa, já que a inversão do ônus da prova é resultante da avaliação casuística do julgados, que a poderá fixar, desde que tenha verificado a presença dos requisitos legalmente previstos, a saber a verossimilhança e a hipossuficiência, os quais são aludidos pelo inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Reafirme-se que, o texto legal, com vistas a garantir o pleno exercício do direito de defesa do consumidor, estabelece que a inversão do ônus da prova será deferida quando a alegação apresentada pelo consumidor for verossímil, ou, por outro lado, quando for constatada a sua hipossuficiência. Como exemplo robusto da incidência de tal espécie, a situação relativa à responsabilidade por vício do produto, a que faz menção o artigo 18 da Legislação Consumerista. Ao lado disso, impende anotar as ponderações apresentadas por Carvalho, ao analisar o inciso VIII do dispositivo legal mencionado que, “apesar do caráter cogente e excepcional da norma consumerista, a inversão do ônus da prova não pode ser aceita como mero comando de cunho obrigatório direcionado ao juiz”[15].
Nesta toada, no que concerne aos requisitos enumerados no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, infere-se que a inversão só terá incidência diante de uma alegação verossímil ou de uma hipossuficiência objetiva. A verossimilhança deve transparecer uma situação em que, de forma objetiva, se verifica a dificuldade considerável para o consumidor de cumprir determinado ônus, estando o fornecedor, em razão da sua superioridade, em melhores condições para elucidar o evento danoso. Com efeito, a verossimilhança não é proveniente simplesmente das alegações do consumidor, eis que depende de indícios que sejam trazidos ao processo. A segunda modalidade de inversão do ônus da prova não coexiste com a alegação de ser um direito subjetivo do consumidor, como fruto da implementação da garantia constitucional da ampla defesa, porquanto depende da confecção de sedimentos mínimos que autorizem a utilização tal instituto. Registre-se, ainda, que a hipossuficiência a que faz remissão o referido inciso VIII deve ser analisada não apenas sob o prisma econômico e social, mas, sobretudo, quanto ao aspecto da produção de prova técnica.
A hipossuficiência, por sua vez, deve ser examinada de acordo com a autossuficiência da parte em desincumbir-se de seu natural ônus: provar o fato constitutivo do direito alegado. Nesta senda, deve a hipossuficiência representar uma real impossibilidade de ser a prova produzida pelo consumidor, estando, por conseguinte, o fornecedor em melhores condições de realizá-la. Deste modo, não fica condicionada à insuficiência de recurso da parte, ao reverso, está atrelada tão apenas à hipossuficiência do consumidor em produzir a prova. Com destaque, a inversão do ônus da prova não pode trazer consigo a imposição de um encargo absurdo a uma das partes, sob pena de ser gerado um novo desequilíbrio na relação jurídica. Releva colorir que a inversão do ônus da prova não pode ser tratada como uma decorrência lógica de um fato objetivo.
Assim, a aplicação deste direito fica a critério do juiz quando for verossímil a alegação do consumidor, ou quando este for hipossuficiente (art. 6º, VIII, do CDC), consoante já firmou entendimento a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Especial Nº. 662.891/PR, cuja relatoria coube ao Ministro Fernando Gonçalves. Urge elucidar que a verossimilhança é resultante das circunstâncias que orientam certo fato, ou certa coisa, como sendo possível ou mesmo real, ainda que não se tenham deles provas diretas. São, assim, os rastros capazes de propiciar ao julgados a probabilidade de uma quase certeza. A regra do ônus da prova insculpida no Código de Processo Civil é rígida, podendo o juiz aplicar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor desde que preenchidos um dos requisitos esposados no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor com o objetivo de equilibrar a relação processual. Oportunamente, colaciona-se o entendimento abalizado do Ministro Luís Felipe Salomão, ao julgar o Recurso Especial Nº. 720.930/RS:
“A inversão do ônus da prova regida pelo art. 6º, inciso VIII, do CDC, está ancorada na assimetria técnica e informacional existente entre as partes em litígio. Ou seja, somente pelo fato de ser o consumidor vulnerável, constituindo tal circunstância um obstáculo à comprovação dos fatos por ele narrados, e que a parte contrária possui informação e os meios técnicos aptos à produção da prova, é que se excepciona a distribuição ordinária do ônus.”
Com o escopo de robustecer as lições apresentadas até o momento, pode-se socorrer dos entendimentos jurisprudenciais que, com clareza solar, orientam em tal sentido. Há que se lançar mão, objetivando fortalecer o acimado, o entendimento construído pelo Superior Tribunal de Justiça, que orienta:
“Ementa: Processual Civil. Administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial. Ação Civil Pública. Majoração de Tarifas Telefônicas. Alegada abusividade. Pedido de inversão do ônus probatório. Necessidade do reexame do contexto fático-probatório dos autos. Impossibilidade na via recursal eleita. Súmula 7/STJ. 1. "A inversão do ônus da prova fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor e de sua hipossuficiência, conceitos intrinsecamente ligados ao conjunto fático-probatório dos autos delineado nas instâncias ordinárias, cujo reexame é vedado em sede especial" (AgRg no Resp 662.891/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 16.5.2005). (…) 3. Agravo regimental desprovido." (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ AgRg no REsp 851.592/SC/ Relatora. Ministra Denise Arruda/ Julgado em 03.02.2009/ Publicado no DJe 26.02.2009)
O questionamento que salta aos olhos, no que tange à inversão do ônus da prova, na forma que preceitua o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, está relacionado à possibilidade de ser deferida pelo magistrado de ofício, independentemente de requerimento expresso. Ora, tendo como pilar principal de exame, a essência da norma tem como fito maior a busca do reequilíbrio da relação de consumo, tem o julgador o poder-dever de intervir na instrução processual, a fim de conferir à parte vulnerável, in casu, o consumidor, paridade de instrumentos para assegurar o exercício de seu direito fundamental. Deste modo, em observada a situação desigual, deve o magistrado reequilibrar tal situação, intervindo, quando se revelar necessário.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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