Resumo: O presente artigo tem por objetivo abrir uma discussão sobre essa visão de violência psicológica, o Bullying. Esse tipo de assédio – apesar da novidade terminológica inglesa –, não se trata de algo novo no campo dos direitos humanos, como poderá ser observado nas lições de renomados doutrinadores e na jurisprudência majoritária dos nossos tribunais. Assim, numa analogia lógica, o Bullying, antes visto como um fenômeno exclusivamente escolar, não deixa de ser um fenômeno global, onde entrelaça todos os campos sociais; das escolas às instituições publicas e privadas. Dentro dessa concepção nasce a interpretação do Bullying Profissional, um modelo novo de linguagem, mas com um antigo conceito de violência administrativa.
Palavras-chave: assédio moral, bullying profissional, constrangimento ilegal, profissional, hierárquico, violência psíquica.
Introdução:
O fenômeno do Bullying foi apresentado pela primeira vez à comunidade científica em 1984, pelo sociólogo alemão Heinz Leymann [2008. Pág. 180-181][1], que analisou pressões interpessoais entre crianças, tendo transferido mais tarde o conceito para o universo do trabalho. Contudo, foi apenas na década de 1990 que o termo ganhou maior dimensão. Fruto da crescente competitividade do universo laboral, o assédio moral entre colegas [Bullying Horizontal] ou entre superiores hierárquicos e a sua equipe [Bullying Vertical] tem ganhado cada vez mais expressão em todo o mundo, com seus impactos vindo a gerar, por exemplo, alto nível da desmotivação e de queda de produtividade.
Conforme taxado nos dicionários da Língua Portuguesa, o termo Bullying – do inglês – em uma similaridade linguística com a palavra ‘bulir’, do português, equivale a mexer com, causar incômodo, produzir apreensão, intimidar, gerar constrangimento.
Nas lições de Lopes Neto e H. Saavedra, “Bullying é o termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos causando dor e angústia, sendo
executadas dentro de uma relação desigual de poder” [LOPES NETO & SAAVEDRA. 2003] [2].
Neste contexto, Bullying Profissional deve ser visto como o constrangimento, o assédio, a intimidação, a violência psíquica intencional praticada por superior hierárquico, ou por par, que tenha função de chefia em relação a potencial vítima, tendo fim na diminuição do indivíduo como parte de uma determinada classe, provocando abalo de sua confiança íntima e pessoal. Neste compasso, o Bullying é um fenômeno superior ao simples assédio moral, sendo este algo direto à medida que aquele pode vir de maneira subjetiva, instruído em atos administrativos formais e informais, sem a necessidade da presença direta do autor do fato, estando caracterizado como uma simples indicação [comprovada] daquilo que se está causando o constrangimento.
Bullying Objetivo:
É a forma mais direta e conhecida do fenômeno Bullying. Apresentado com sinais claros, a ação é frequentemente dirigida diretamente ao indivíduo [homem ou mulher] que, por alguma razão, intimida profissionalmente o agressor e pode traduzir-se de várias formas. Pedir projetos, tarefas ou relatórios em prazos impossíveis de cumprir, solicitar tarefas triviais a profissionais com cargos de responsabilidade, deixar de pedir trabalho, excluir elementos de um determinado grupo de trabalho sem justificativa aparente ou não partilhar informações vitais. Mas além destas manifestações há outras. Para constatar que um indivíduo está sendo vítima de Bullying não é apenas necessário assistir ao seu chefe humilhá-lo em público; perceber que lhe estão a pedir trabalhos que obrigam a aumentar a jornada de trabalho em largas horas, que espalham injúrias ou difamações a seu respeito, que não reconhecem o esforço e desprezam os resultados alcançados, são também sinais claros de assédio moral e Bullying Profissional.
Bullying Subjetivo:
É a forma mais velada da coação constrangedora presente no Bullying. O conceito de subjetividade do Bullying, parte obrigatoriamente do conceito de administrado e de administração: parte da administração surge como imposição formal ao administrado, gerando procedimentos ou processos administrativos ilegais, o que por vez, gera ilegalmente a coação constrangedora.
Como expressa o Magistrado Jorge Luiz de Oliveira da Silva, “A estrutura militar, incisivamente verticalizada e fundada no binômio constitucional hierarquia e disciplina, cria ambiente propício ao desenvolvimento de processos de assédio psicológico” [SILVA, 2007][3]; neste sentido, ao se tratar de Bullying Profissional dentro da Administração Militar, tal complemento de fenômeno é por mais que conhecido. Casos em que militares são alvos de críticas e comentários indecorosos por parte de subordinados, pares e superiores hierárquicos, pelo simples fato de estarem sendo submetidos, como processados, sindicados ou comunicados, em procedimentos ou processos administrativos, são comuns e são uma verdadeira afronta ao conceito de direito.
O Bullying Subjetivo é substanciado dentro do próprio procedimento ou processo administrativo, que distorce do seu objetivo legal e traz consigo qualquer imposição que macule a honra do profissional; ferindo a sua liberdade de locomoção física e/ou moral – gerando a violência psíquica –; o que por lógico, tem morada em qualquer Procedimento Administrativo Disciplinar que venha a promover, injustamente, a restrição ao ímpeto de liberdade que reside em cada ser humano, constrangendo a potencial vítima, que o esteja sofrendo de maneira ilegal.
“TJMG. 1.0452.04.016265-6/001(1) – Rel. Des.(a) MARCOS LINCOLN. […] O assédio moral constitui hodiernamente um dos mais debatidos objetos de pesquisa multidisciplinar, envolvendo estudos médicos, jurídicos e psiquiátricos, e é também conhecido como “bullying”, “mobbing”, coação moral, assédio psicológico, manipulação perversa, hostilização no trabalho ou psicoterror.
Deve ser entendido como toda e qualquer conduta abusiva, agressiva e vexatória no ambiente de trabalho, que pode manifestar-se por uma comunicação hostil e não ética, gestos, palavras, comportamentos, ordens de isolamento, dentre outras, direcionada a um ou mais indivíduos, e capaz de oferecer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica do trabalhador, colocando seu emprego em perigo ou degradando-o junto aos demais integrantes do grupo”. […] [grifo nosso]
Histórico Conceitual:
Para se ter o entendimento exato do Bullying Subjetivo, parte principal do estudo deste Artigo, exemplifica-se o seu conceito histórico.
Destarte… Sem tomar o devido conhecimento de um, em tese, caso de Transgressão Disciplinar, um militar, com posto ou graduação superior ao do suposto Autor, ‘comunica’ o fato “infundado”, gerando um Procedimento Administrativo.
Tem-se então que, sendo infundada a denúncia [infundado também será o próprio Procedimento Administrativo], resta patente que há a formação do constrangimento ilegal do ‘Comunicado’, frente sua posição junto aos seus demais colegas de serviço, bem como junto à própria sociedade, dependendo da abrangência do noticiário; formando, por completo, toda a face do Bullying Subjetivo. Qual seja: ação dirigida a alguém que, sem razão, o intimida profissionalmente e/ou pessoalmente.
Remédio Jurídico:
Em questões militares a maioria dos doutrinadores, bem como a jurisprudência majoritária, tem indicado que o meio para a extirpação do constrangimento tolerado por militar, vindo de coação ilegal, sofrido em decorrência de situação administrativa, é o Mandado de Segurança.
Contudo, tanto na jurisprudência, como também na doutrina, há forte tendência conceitual em aceitar o Writ – Habeas Corpus – como remédio processual adequado para cessar os casos de violência à liberdade, quando se trata do âmbito administrativo militar.
Do Direito Posterior:
A busca pela formação de um direito posterior ao comprovado Bullying Profissional Subjetivo, passa, obrigatoriamente pelo dano moral sofrido. Ora, Os danos morais são aqueles que abalam a honra, a boa-fé subjetiva ou a dignidade da pessoa; física ou jurídica.
Neste passo, a caracterização da ocorrência dos danos morais depende da prova do nexo de causalidade entre o fato gerador do dano e suas consequências nocivas à moral do ofendido, sua boa-fé, sua dignidade, bem como as consequências do fato para sua vida pessoal e/ou profissional, incluindo a repercussão do dano e todos os demais problemas gerados reflexamente por este.
Neste prisma, tendo em vista a teoria do desestímulo, cada ofendido têm o dever de buscar a medida eficaz para que, o Ofensor não volte a praticar o ato ilícito, observando-se, para tanto, a razoabilidade do fato, frente à situação constrangedora vivida, tornando necessária a imediata correção da prática de posturas reprováveis como a que ensejou tal direito.
Este é o entendimento dos tribunais superiores na relação hierárquica, humilhante e constrangedora, entre militares; bem como, também, é orientação majoritária nos tribunais estaduais.
“STJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1346587 – MG [2010/0158555-5]. RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ASSÉDIO MORAL NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. HUMILHAÇÃO E CONSTRANGIMENTO POR SUPERIOR HIERÁRQUICO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. […]”
“TJMG. 1.0313.07.225912-7/001(1) Des.(a) CAETANO LEVI LOPES – Ementa: Apelação cível. Ação de indenização. Policial militar. Tratamento hierárquico abusivo. Responsabilidade civil objetiva caracterizada. Dano moral. Reparação devida. Litisdenunciação. Conduta antijurídica demonstrada. Ressarcimento devido. Apelação e lide secundária providas. […]”
Conclusão:
Como proposta, o presente artigo, apresenta o início do debate técnico, visando discutir os parâmetros do tema em lide; que, além de interessante, instiga a pesquisa e o debate. O Bullying, como colocado em análise, não pode, e não deve, ser visto como um fenômeno exclusivamente das escolas, pelo contrário, o assédio moral, o constrangimento ilegal – características do Bullying –, estão presentes em todos os ramos sociais, da escola à própria administração pública, passando, por lógico, na interpretação do Direito Administrativo Militar.
O presente artigo, além da conceituação histórica e jurídica do Bullying Profissional, vem apresentar indicações técnicas de como enfrentar esse tipo de constrangimento ilegal, orientando os caminhos a ser trilhados no enfrentamento da questão, procurando propagar informações sobre o Bullying Profissional, indicando a violação dos direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, princípio consagrado no Artigo 1º da Constituição Federal.
Por fim, há a analise de correntes doutrinárias, bem como a citação de valorosa jurisprudência e, principalmente, uma amostra da doença cancerígena que pode vir a ser o Bullying; fazendo ainda lembrar que, conforme anotação do grande Rui Barbosa: “Bem sabe mandar quem soube obedecer. A obediência é a condição orgânica da utilidade da força, é a sua legitimação, é o segredo moral dos triunfos militares” [1987. Pág. 27][4]; moralidade esta, que na interpretação do lecionamento de Rui Barbosa, também é parte lógica, devendo estar presente no poder emanado, bem como na figura da própria autoridade que a emana.
Policial Militar da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em direito e filosofia – com especialização em processo civil e direito militar. Mestrando em Antropologia. Autor de livros jurídicos e artigos em revistas e sites especializados. Membro titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG
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