Hugo Garcez Duarte, Joshoa Marques Muniz, Lucas de Oliveira Garcia
Resumo: Neste manuscrito, serão expostos dois casos do Superior Tribunal de Justiça, afim de discutir as fundadas razões nos crimes permanentes e a postura a se esperar do julgador quando do exercício de suas funções.
Palavras-chave: Fundadas razões; crime permanente; juiz.
Abstract: In this manuscript, two cases of the Superior Court of Justice, will be exposed in order to discuss the well-founded reasons in the permanent crimes and the position to be expected of the judge in the exercise of his functions.
Keywords: Founded reasons; permanent crime; judge.
Sumário: Introdução. 1. Caso um. 2. Caso dois. Considerações finais. Referências.
Introdução
Muito se debate, no Brasil, sobre em que medida aqueles à frente do Poder Judiciário têm agido discricionariamente, violando, assim, a ordem jurídico-normativa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) é, então, repetidamente, extremanente criticado, principalmente, por conta da prolação de decisões questionadamente políticas.
Alguns desses motivos se justificam, talvez, no fato de sua atuação tratar de questões que afetam, diretamente, a aplicação da Constituição, o que, vez ou outra, não ocorre facilmente, face aos aparente conflitos de interesses constitucionais coletivos e individuais.
A propósito, recentemente, o STF julgou, a título de repercussão geral, o Recurso Extraordinário nº 603616 – Rondônia[1], donde discutiu-se a possiblidade ou não de se efetuar busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, em face do direito à inviolabilidade de domicílio (XI do art. 5º da Constituição da República), e se se deve considerar, correlatamente, a ilicitude das provas colhidas dessa maneira (LVI do art. 5º da Constituição Federal)[2].
Por maioria, a Corte entendeu que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, indicando que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.
Tratando-se a terminologia fundadas razões de um conceito indeterminado, interessa verificar se tal situação ocorreu em dois casos concretos. Passemos aos mesmos.
No âmbito da denegação, por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Habeas Corpus nº 423.838 – SP (2017/0288916-6), narrou-se que o paciente foi preso em flagrante, no dia 14/8/2017, pela suposta prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, por manter em depósito 667 porções de crack (286,14 g), 1.605 invólucros de maconha (6.731,81 g), 1.244 invólucros de cocaína (1.533,23 g) e 35 frascos de lança-perfume. A prisão foi convertida em preventiva no dia 15/8/2017.
Pelo que consta no acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) impugnado, fora narrado pelos policiais, por unanimidade, que abordaram o paciente na rua e, como ele estava sem documentos, dirigiram-se à sua residência, localizada nas proximidades, tendo um deles declarado que tiveram a entrada franqueada.
Foram unânimes em afirmar, ainda, que, ao adentrarem a residência, sentiram forte odor de maconha, e tal circunstância, somada ao nervosismo apresentado pelo paciente, foi a razão pela qual realizaram busca no imóvel, onde apreenderam a quantidade de droga supracitada. Logo, existiriam fundadas razões a justificar sua atitude[3].
Neste segundo caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a absolvição de um homem por considerar a ausência de configuração do instituto aqui trabalhado.
A referência se faz ao Recurso Especial nº 1574681 – RS (2015/0307602-3), em que sexta turma examinou impugnação à decisão do Tribunal de Justiça (TJ/RS) com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, por considerar ilícita a violação domiciliar. Segundo narrado:
“o denunciado, ao avistar policiais militares em patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de venda de drogas, correu para dentro da casa, onde foi abordado. Após buscas no interior da residência, os policiais encontraram, no banheiro, oito pedras de crack e, no quarto, dez pedras da mesma substância. Pelo crime previsto no artigo 33 da lei 11.343/06, o homem foi condenado, em primeira instância, à pena de quatro anos e dois meses de reclusão, em regime inicial semiaberto”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2017, p. s./p.).
No âmbito do Recurso, o Ministério Público sustentou que a situação de flagrância ocorreu, autorizando o ingresso na residência e sucessiva busca domiciliar, por força do inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, não havendo, portanto, qualquer vício normativo[4].
O STJ entendeu, no entanto, que:
“A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem policial em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador – que deve ser mínima e seguramente comprovado – e sem determinação judicial”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2017, p. s./p.).
O Relator, Ministro Rogério Schietti Cruz, em seu voto, ressaltou:
Considerações finais
À guisa de considerações finais, é preciso lembrar, conforme bem salientou o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes[6], do policial que realiza a busca sem mandado judicial não se exige certeza quanto ao sucesso da medida. Em verdade, pontua, dificilmente a certeza estará ao alcance da polícia. Se certeza do crime e de sua autoria houvesse, a diligência seria desnecessária.
Aqui, presenciamos exemplos, do nosso ponto de vista, extramente complexos no sentido de que o mesmo Tribunal analisou casos em que entorpecentes foram encontrados pelo agente público, mas, entretanto, proferiram-se decisões distintas.
Da nossa opinião, em fatos como os descritos, deve-se ter a aplicação harmônica dos direitos e interesses envolvidos, com vistas a proteger o domicílio contra ilicitudes, bem como impedir que o morador faça uso desse direito (abuso de direito) para cometer infrações penais, garantindo-se a ação do agente público, buscando coibir, contudo, eventuais condutas arbitrárias por parte deste.
Nesse sentido, as determinações de vida e o perfil do magistrado não poderão, em termos jurídicos aceitáveis, determinar o resultado da demanda judicial, sob pena de solipsismo, como Lênio Luiz Streck tem enfatizado, veementemente, em seus textos.
Juízes verdeiramente vocacionados têm como motivação primária e principal a interpretação adequada do direito vigente com a valoração imparcial dos fatos e elementos jurídicos concernentes ao caso concreto, bem como deve-se levar em consideração que a Constituição, as leis, a jurisprudência e os métodos e princípios de interpretação, impõem ao mesmo uma função extremamente limitadora[7].
Assim, quando se tem em mente o posicionamento a se esperar do juiz, enquanto intérprete do direito, não se pode confundir imparcialidade com neutralidade. A “pessoa” do juiz jamais poderá influenciar no deslinde da causa, pois, apesar de não ser neutro, a função exercida reclama imparcialidade, a qual está relacionada aos limites impostos pelo ordenamento jurídico posto.
Afinal, como lembrara Ricardo Luis Lorenzeti, os integrantes do Poder Judiciário, como aqueles dos Poderes Legislativo e Executivo, deverão entender tratarem-se os mesmos, apenas, de pessoas comuns que possuem, temporariamente, cargos públicos de grande responsabilidade, com imenso dever histórico, os quais, bem desempenhados,[8] poderão tornar realidade o que há muito se considera utopia.[9]
Referências
BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 4. impressão. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: abr. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 603616 / RO. Rel. Min. Gilmar Mendes. Decisão em 05/11/2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 423.838 – SP (2017/0288916-6). Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532787517/habeas-corpus-hc-423838-sp-2017-0288916-6. Acesso em: abr. 2018.
DUARTE, Hugo Garcez; LOPES, Laísa Barbosa. Inviolabilidade de domicílio e crime permanente: uma análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 603616/RO – Rondônia. JURIS PLENUM OURO, v. 59, p. s.n.-s.n., 2018.
GOMES, Luiz Flávio. Quanto mais igualdade, menos crimes violentos. Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/116972842/quanto-mais-igualdade-menoscrimes-violentos. Acesso em: set. 2017.
LORENZETTI, Ricardo Luis. A arte de fazer justiça: a intimidade dos casos mais difíceis da Corte Suprema da Argentina. Trad. de Maria Laura Delaloye. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Sexta Turma reconhece como ilegal invasão domiciliar em crime de tráfico de drogas. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Sexta-Turma-reconhece-como-ilegal-invas%C3%A3o-domiciliar-em-crime-de-tr%C3%A1fico-de-drogas. Acesso em: maio. 2018.
[1] Consultar em: DUARTE, Hugo Garcez; LOPES, Laísa Barbosa. Inviolabilidade de domicílio e crime permanente: uma análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 603616/RO – Rondônia. JURIS PLENUM OURO, v. 59, p. s.n.-s.n., 2018.
[2] Sobre essas previsões constitucionais, ver: BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: abr. 2018.
[3] Consultar em: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 423.838 – SP (2017/0288916-6). Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532787517/habeas-corpus-hc-423838-sp-2017-0288916-6.
[4] Ver em: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Sexta Turma reconhece como ilegal invasão domiciliar em crime de tráfico de drogas. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Sexta-Turma-reconhece-como-ilegal-invas%C3%A3o-domiciliar-em-crime-de-tr%C3%A1fico-de-drogas.
[5] Sobre o assunto: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Sexta Turma reconhece como ilegal invasão domiciliar em crime de tráfico de drogas. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Sexta-Turma-reconhece-como-ilegal-invas%C3%A3o-domiciliar-em-crime-de-tr%C3%A1fico-de-drogas.
[6] Ver em: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 603616 / RO. Rel. Min. Gilmar Mendes. Decisão em 05/11/2015.
[7] BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 4. impressão. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 267.
[8] LORENZETTI, Ricardo Luis. A arte de fazer justiça: a intimidade dos casos mais difíceis da Corte Suprema da Argentina. Trad. de Maria Laura Delaloye. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 18.
[9] “[…] Marx imaginou que a luta de classes seria o caminho para a liberação e autonomia do humano. O processo de “escandinavização” está evidenciando que é o fim das distâncias enormes entre as classes que promove essa liberação e autonomia (eis um número invejável: na Islândia, 1,1 da população é muito rica, 1,5 está insatisfeita e 97% é classe média com alta renda per capita e excelente escolaridade). Sempre aprendemos que as utopias é que ampliavam nossos horizontes. Agora é o inverso: o horizonte já está aí, é ele que deve mover as nossas utopias”. GOMES, Luiz Flávio. Quanto mais igualdade, menos crimes violentos. Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/116972842/quanto-mais-igualdade-menoscrimes-violentos.
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