Comentários à passagem forçada no direito de vizinhança: explicitações e apontamentos às limitações legais à propriedade similares à servidão

Resumo: Inicialmente, insta evidenciar que o direito de vizinhança compreende uma gama de limitações, estabelecidos expressamente pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, via de consequência, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. Nesta esteira, calha evidenciar que se não subsistisse tais pontos demarcatórios, cada proprietário poderia lançar mão de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se negritar, ainda, que o direito de vizinhança tem como escopo robusto a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores. Nessa trilha de exposição, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Assim, objetiva o presente em analisar as limitações legais decorrentes da passagem forçada em sede de direito de vizinhança.

Palavras-chaves: Direito de Vizinhança. Limitações Legais. Passagem Forçada.

Sumário: 1 Direito de Vizinhança: Anotações Introdutórias; 2 Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança; 3 Comentários à Passagem Forçada no Direito de Vizinhança: Explicitações e Apontamentos às Limitações Legais à Propriedade Similares à Servidão

1 Direito de Vizinhança: Anotações Introdutórias

Inicialmente, insta evidenciar que o direito de vizinhança compreende uma gama de limitações, estabelecidos expressamente pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, via de consequência, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. “Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho[1]. Nesta esteira, calha evidenciar, oportunamente, que se não subsistisse tais pontos demarcatórios, cada proprietário poderia lançar mão de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se negritar, ainda, que o direito de vizinhança tem como escopo robusto a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores.

Saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Como bem aponta Monteiro Filho, ao lecionar acerca da essência do tema em comento, “trata-se de normas que tendem a compor, a satisfazer os conflitos entre propriedade opostas, com o objetivo de tentar definir regras básicas de situação de vizinhança[2]. Imprescindível se faz anotar que o conflito de vizinhança tem sua origem, intimamente, atrelada a um ato do proprietário ou possuidor de um prédio que passa a produzir repercussões no prédio vizinho, culminando na constituição de prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Além do pontuado, prima gizar que o direito de vizinhança contempla uma pluralidade de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua específica condição.

Mister faz-se colacionar, oportunamente, que o “objeto da tutela imediata do legislador com os direitos de vizinhança são os interesses privados dos vizinhos”[3]. Doutra banda o escopo mediato da norma assenta na essencial manutenção do princípio da função social da propriedade, eis que a preservação de relações harmoniosas entre vizinhos se apresenta como carecido instrumento a assegurar que cada propriedade alcance o mais amplo uso e fruição, obtendo, desta forma, os objetivos econômicos ao tempo em que salvaguarda os interesses individuais. “O direito de vizinhança é o ramo do direito civil que se ocupa dos conflitos de interesses causados pelas recíprocas interferências entre propriedades imóveis próximas[4].

Em evidência se faz necessário colocar que a locução “prédio vizinho” não deve ser interpretada de maneira restritiva, alcançando tão somente os prédios confinantes, mas sim de modo expansivo, já que compreende todos os prédios que puderem sofrer repercussão de atos oriundos de prédios próximos.   Há que se citar, por carecido, o robusto magistério de Leite, no qual a definição de imóveis confinantes não se encontra adstrito a tão somente aos lindeiros, “mas também os que se localizam nas proximidades desde que o ato praticado por alguém em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando incômodo ou prejuízo ao seu ocupante[5]. Neste diapasão, infere-se a possibilidade de sofrer interferências provenientes de atos perpetrados em outros prédios apresenta-se como suficiente a traçar os pontos delimitadores do território do conflito da vizinhança.

Denota-se, desta sorte, que a acepção de vizinhança se revela dotada de amplitude e se estende até onde o ato praticado em um prédio possa produzir consequências em outro, como, por exemplo, é o caso do barulho provocado por bar, boate ou ainda qualquer atividade desse gênero, o perigo de uma explosão, fumaça advinda da queima de detritos, badalar de um sino, gases expelidos por postos de gasolina, dentre tantas outras hipóteses, em que se apresenta uma interferência de prédio a prédio, não importando a distância, acabam por ensejar conflito de vizinhança. Neste alamiré, com o escopo de fortalecer as ponderações já acinzeladas, quadra trazer à colação o seguinte entendimento jurisprudencial:

“Ementa: Direito de Vizinhança. Obrigação de Fazer. Chaminé. Fumaça. Uso Anormal de Propriedade. Chaminé do imóvel vizinho em altura inferior ao telhado da casa lindeira. Terreno em declive. Fumaça exalada em direção à residência da autora que inviabiliza a abertura de janela. Uso anormal da propriedade. Art. 1.277, CCB. Prova documental e testemunhal que comprova os fatos alegados. Princípio da imediação da prova aplicado no caso concreto. Sentença de procedência mantida. Negaram provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70035708205/ Relator: Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior/ Julgado em 25.05.2010).

Ao lado disso, destacar se faz carecido que o vocábulo “prédio” não apresenta qualquer distinção entre o imóvel localizado em área urbana ou rural. De igual modo, o termo supramencionado não apresenta qualquer questionamento acerca da finalidade, alcançando tanto o residencial, comercial e industrial. “Evoca apenas uma edificação de uma casa ou apartamentos em condomínio, independente da finalidade. Mesmo o terreno não-edificado é considerável imóvel lato sensu”[6]. Destarte, para que reste amoldado ao termo “prédio”, basta que o imóvel apresente interferência que tenha o condão de repercutir, de maneira prejudicial, em prédio vizinho.

2 Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança

In primo oculi, reconhecer se faz imprescindível que houve rotunda discussão acerca da natureza jurídica do direito de vizinhança, havendo defensores da natureza obrigacional dos direitos de vizinhança, enquanto outros sustentavam o caráter real dos aludidos direitos. Entrementes, as discussões supramencionadas não prosperaram por longo período, sendo, ao final, pela doutrina majoritária, adotada acepção do direito de vizinhança enquanto detentor de essência de obrigação propter rem, pois se vinculam ao prédio, assumindo-os quem quer que se encontre em sua posse.  Nesta toada, há que se citar o entendimento estruturado por Waquin, no qual:

“[…] a natureza jurídica destes direitos [direitos de vizinhança], na opinião majoritária da doutrina, é que tratam-se (sic) de obrigações propter rem, ‘da própria coisa’, advindo os direitos e obrigações do simples fato de serem os indivíduos vizinhos[7]”.

Ao lado disso, a característica mais proeminente, no que concerne ao direito de vizinha, tange ao fato dos sujeitos serem indeterminados, já que o dever não incide imediatamente sobre específica pessoa, mas a qualquer um que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou parcelas dominiais, como se infere no caso do usufrutuário, ou mesmo a quem exerça o poder fático sobre a coisa, como se verifica na hipótese do possuidor. A restrição, à luz do pontuado alhures, acompanha a propriedade, mesmo que ocorra a alteração da titularidade, sendo suficiente que o imóvel continue violando o dever jurídico contido no arcabouço normativo.

Além disso, cuida anotar, por necessário, que o sucessor terá os mesmos direitos e obrigações do sucedido perante os vizinhos. Leciona Silvio Rodrigues que “o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade[8]. Nesta situação, o que torna o proprietário ou possuidor do imóvel devedor é a circunstância de ser titular do direito real. São excluídas, desta feita, dos conflitos de vizinhança, as situações nas quais se verifica a chamada interferência direta ou imediata. Há que se elucidar, ao lado do pontuado, que a aludida modalidade de interferência tem assento quando seus efeitos já tem início no prédio vizinho, como ocorre quando há canalização para que a fumaça seja lançada diretamente no prédio vizinho. Doutro modo, cuida explicitar que a interferência é mediata quando tem início no prédio de quem a causa e, posteriormente, é transmitida ao prédio alheio. Por oportuno, quando se trata de interferência imediata, o que se tem, na realidade, é ato ilícito, robusta violação da propriedade alheia, que como tal deve repelida, alocando-se fora da área da vizinhança.

Urge verificar que as limitações oriundas do direito de vizinhança afetam, de modo abstrato, a todos os vizinhos, contudo só alcança a concretização em face de alguns. Isto é, os direitos de vizinhança são potencialmente indeterminados, porém só se manifestam em face daquele que se encontre diante da situação compreendida pelo arcabouço normativo. “Ademais, os direitos de vizinhança são criados por lei, inerentes ao próprio direito de propriedade, sem a finalidade de incrementar a utilidade de um prédio[9], entrementes com o escopo de assegurar a convivência harmoniosa entre vizinhos. Nessa toada, há que se assinalar que os direitos de vizinhança podem ser gratuitos ou onerosos, sendo verificada a primeira espécie quando não gera indenização, sendo compensados em idêntica limitação ao vizinho, já a segunda espécie tem descanso quando a supremacia do interesse público estabelece uma invasão na órbita dominial do vizinho para a sobrevivência do outro, afixando-se a devida verba indenizatória, eis que inexiste a reciprocidade.

Calha gizar que os direitos de vizinhança onerosos se aproximam das servidões, não em decorrência de darem azo a novas espécies de direitos reais, mas pela imposição do arcabouço jurídico de deveres cooperativos de um vizinho, no que concerne ao atendimento da necessidade de outro morador. Desta feita, a propriedade de uma pessoa passa a atender aos interesses de outrem, que poderá extrair dela as necessidades, como ocorre com a passagem de cabos e tubulações ou ainda com a passagem forçada. Conquanto a norma jurídica ambicione limitar a amplitude das faculdades de proprietários e possuidores vizinhos com o intento de alcançar a harmonia social, não pertine ao Direito regular e estabelecer os marcos limitantes de todas as atividades exercitadas a partir de um prédio. Saliente-se que ao Direito interessa regular as interferências, tão somente à medida que estas se revelam prejudiciais aos seus vizinhos, ameaçando sua incolumidade e o seu próprio direito de propriedade.

3 Comentários à Passagem Forçada no Direito de Vizinhança: Explicitações e Apontamentos às Limitações Legais à Propriedade Similares à Servidão

Em uma primeira plana, cuida anotar que a passagem forçada consiste no direito do proprietário do prédio (rústico ou urbano), que não tem acesso à via pública, nascente ou porto, de, por meio do pagamento de cabal indenização, reclamar do vizinho que lhe deixe de passagem, estabelecendo-se a esta judicialmente o rumo, quando necessário em decorrência de não haver acordo, objetivando o modo menos oneroso e mais cômodo para ambas as partes. “Trata-se de uma das mais rigorosas restrições de direito de vizinhança, como benefício reconhecido ao titular de prédio encravado, urbano ou rural[10]. Com supedâneo nas disposições contidas no artigo 1.285 do Código Civil[11], vigora como pressuposto de imóvel que se encontre absoluto encravamento em outro, aquele que não possui qualquer saída para via pública. Em decorrência da materialização de tal situação, busca o legislador privilegiar a função social da propriedade encravada, o arcabouço normativo estabelece que o proprietário vizinho conceda a passagem forçada, como uma imposição de solidariedade social conjugada à necessidade econômica de exploração do imóvel encravado, com o escopo de não torná-lo improdutivo em razão da inacessibilidade.

Como bem anota Venosa[12], a passagem forçada se revela como direito do proprietário do prédio encravado ao qual o vizinho não pode apresentar qualquer oposição. Ao lado disso, cuida evidenciar que a passagem deve ser estabelecida no caminho mais curto, no prédio mais próximo e de maneira menos onerosa para ambas as partes. Farias e Rosenvald[13] lecionam que o tema em comento dá corpo a verdadeiro direito potestativo constitutivo, já que o proprietário encravado submeterá o outro proprietário, de modo unilateral, a aquiescer à sua manifestação de vontade no que concerne à constituição de passagem, sem que a isso possa apresentar oposição.

Meirelles[14] esclarece que a passagem forçada materializa restrição ao direito de propriedade, decorrente das relações de vizinhança. Não se trata de servidão predial, porquanto os fundamentos e pressupostos são distintos. A passagem forçada substancializa uma imposição da solidariedade entre vizinhos e resulta da consideração de que não pode um prédio perder o seu escopo e seu valor econômico em decorrência da ausência de acesso a via pública, nascente ou porto, permanecendo confinado entre as propriedades que o circundam, limítrofes ou não. Ocorrendo tal situação, a legislação vigente estabelece que o prédio rural ou urbano, assim encerrado entre outros, obtenha dos vizinhos a saída necessária. Cuida anotar que a passagem não fica à sua escolha, nem ao alvitre dos vizinhos: deve incidir sobre o imóvel que mais facilmente se prestar à passagem e será estabelecida judicialmente, da forma menos onerosa possível aos que estão na obrigação de concedê-la. Ao lado do exposto, insta pontuar que todos os danos deverão ser indenizados pelo proprietário do imóvel encravado.

Dentre os requisitos, tradicionalmente, elencados pela doutrina, pode-se citar que o imóvel pretendidamente encravado se encontre, de fato, sem acesso a via pública, nascente ou porto. Desta feita, em havendo qualquer outra saída para a via pública, mesmo que esta seja precária e penosa, deverá o proprietário dela utilizar, eis que o enorme sacrifício ao vizinho só será exigido em circunstâncias excepcionais na total impossibilidade de aproveitamento da coisa por seu titular. Diniz[15], de outro modo, lançando mão do enunciado nº 88 do Conselho da Justiça Federal, arrazoa que o direito à passagem forçada também é assegurado nas situações em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, devendo-se, inclusive, considerar as necessidades de exploração econômica. Ostentam, oportunamente, Farias e Rosenvald que “nos tempos atuais, a penetração do princípio constitucional da função social da propriedade evoca a destinação coletiva da coisa, em benefício conjunto de seu titular e da comunidade[16]. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça externou a valoração maciça do corolário em entendimento jurisprudencial:

“Ementa: Civil. Direitos de Vizinhança. Passagem Forçada (CC, art. 559). Imóvel Encravado. Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, que em qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio. Recurso especial conhecido e provido em parte”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 316.336/MS/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Julgado em 18.08.2005/ Publicado no DJ 19.09.2005).

“Ementa: Civil. Direitos de Vizinhança. Passagem Forçada. Imóvel Encravado. A passagem forçada constitui modalidade onerosa do direito de vizinhança, cujo pressuposto é o encravamento do imóvel; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso exige do respectivo proprietário despesas excessivas. Recurso especial conhecido e provido em parte.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp nº 850.867/PR/ Relator: Ministro Ary Pargendler/ Julgado em 26.08.2008).

Salta aos olhos que não constituem passagens forçadas atravessadouros particulares, por propriedades também particulares, que não se dirigem a nascentes, pontes ou lugares públicos, privados de outra serventia. Ao lado disso, Maria Helena Diniz estrutura magistérios no sentido que “passagens particulares por propriedades particulares não são servidões desde que se destinem, exclusivamente, a atravessar terras particulares, sem se dirigirem a lugares públicos”[17]. As travessas, na hipótese entalhada alhures, são concedidas de maneira precária, por mera tolerância, não se alicerçando em títulos legítimos, sendo insuscetíveis dos efeitos da usucapião. Todavia, se porventura se dirigirem a locais públicas, é possível invocar a usucapião.

O segundo requisito apresentado consiste na premissa de estar o prédio naturalmente encravado, logo, não pode, para efeitos da substancialização do instituto em comento, o encravamento ter sido provocado por um fato imputável, culposamente, ao proprietário encravado. “Não poderá o isolamento derivar de fato imputável à conduta voluntária do proprietário (v.g., por meio de explosões que abriram crateras sobre o imóvel)[18]. Destarte, impedido está de vindicar a passagem forçada pela propriedade vizinha aquele que, de maneira voluntária, criou o obstáculo que lhe assegurava acesso à via pública. Entrementes, estatui o §2º do artigo 1.285 do Código Civil[19] que o proprietário que se colocou em situação de encravamento, por ter alienado parte do imóvel que dava saída para via pública, impor restrição em sacrifício do adquirente daquela parcela. “O comprador deverá assegurar acesso a via pública ao vendedor, mesmo consciente este do resultado da alienação que praticou[20]. Denota-se que o proprietário do imóvel encravado, na situação singular lançada acima, só poderá voltar-se contra o adquirente do trecho em que período anterior havia a passagem, para obter o acesso e vis a vis. Com efeito, resta substancializado o corolário da solidariedade social. Neste aspecto, cuida, ainda, trazer à colação o entendimento jurisprudencial que assinala:

O terceiro conditio alude ao percebimento de uma indenização cabal, fixada por convenção ou judicialmente, por parte do proprietário do prédio, pois o direito de passagem é oneroso e não gratuito. “O cálculo dessa indenização pode ser feito por pertos com base na desvalorização da propriedade e nos prejuízos que dessa passagem possam advir ao imóvel onerado[21]. Cuida anotar, oportunamente, que, uma vez concedida o direito à passagem forçada, ela deve ser exercida, eis que o não uso, por 10 (dez) anos, pode desencadear a sua perda. Entrementes, como a via de acesso e considerada indispensável ao prédio encravado, poderá ela ser readquirida mediante pagamento do quantum indenizatório. Cuida destacar que a indenização é considerada como uma compensação ao dono do prédio por onde se estabelece a travessia, pelos prejuízos e incômodos que terá de passar. Ao lado do exposto, há doutrinadores que considerem o instituto em destaque como uma desapropriação compulsória que, porém, não ocorre em razão da necessidade pública, mas sim para atender a interesse particular. Nesta trilha de exposição, insta trazer à colação o paradigmático aresto do Superior Tribunal de Justiça:

“Ementa: Direito civil. Servidões legais e convencionais. Distinção. Abuso de direito. Configuração. – Há de se distinguir as servidões prediais legais das convencionais. As primeiras correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem em função da localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o surgimento de conflitos entre os respectivos proprietários. As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorrendo do consentimento das partes. […]” (Superior Tribunal e Justiça – Terceira Turma/ REsp 935.474/RJ/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Relator p/ Acórdão: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 19.08.2008/ Publicado no DJe em 16.09.2008).

O quarto requisito referencia a direito exercido por um titular legítimo, isto é, o proprietário, usufrutuário, usuário ou enfiteuta. Nesta esteira, cuida sublinhar que o direito à passagem forçada é ínsito ao titular do domínio do prédio encravado e uma obrigação do dono do imóvel onerado, que sofre cerceamento ao seu direito de propriedade. Anote-se, por imperioso, que não havendo concordância entre esses proprietários, o direito em testilha deverá ser decidido judicialmente, a fim de que o dono do prédio contíguo aceite a abertura da travessia. Como bem acinzela o artigo 1.285 do Código Civil[22], “cabe ao órgão judicante decidir sobre o direito à passagem, tendo em vista as necessidades e interesses de ambos os litigantes, procurando adotar o modo menos oneroso para aquele que vai conceder a passagem”[23]. Considerando que a passagem forçada dá corpo a verdadeira restrição legal e não uma servidão, salientar se faz sublinha que, uma vez findada as circunstâncias ensejadoras da passagem forçada, esta restará extinta. Em decorrência do exposto, a propriedade reintegrada ao vizinho que teve que tolerar o cerceamento de seu direito de propriedade, em decorrência da promoção dos preceitos de solidariedade e função social da propriedade, passando a servir na plenitude de seu domínio.

 

Referências:
BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 jan. 2015.
__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 05 jan. 2015.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
IMHOF, Cristiano. Código Civil Interpretado: Anotador Artigo por Artigo. 4 ed. Florianópolis: Editora Publicações Online, 2012.
LEITE, Gisele. Considerações sobre o direito de vizinhança. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n. 203. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br> Acesso em: 05 jan. 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 05 jan. 2015.
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. O Direito de Vizinhança no Novo Código Civil. In: EMERJ Debate o Novo Código Civil. ANAIS… 11 out. 2002, Rio de Janeiro, p.158-167. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br>. Acesso em 05 jan. 2015.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em:<www.tjrs.jus.br>. Acesso em 05 jan. 2015.
RODRIGUES, Sílvio. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
WAQUIN, Bruna Barbieri. Considerações sobre Direito de Vizinhança. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br>. Acesso em 05 jan. 2015.
Notas:
[1] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 508.
[2] MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo.  O Direito de Vizinhança no Novo Código Civil. In: EMERJ Debate o Novo Código Civil. ANAIS… 11 out. 2002, Rio de Janeiro, p.158-167. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br>. Acesso em 05 jan. 2015, p. 158.
[3] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 508.
[4] MONTEIRO FILHO, 2002, p. 158.
[5] LEITE, Gisele. Considerações sobre o direito de vizinhança. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n. 203. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br> Acesso em: 05 jan. 2015.
[6] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 509.
[7] WAQUIN, Bruna Barbieri. Considerações sobre Direito de Vizinhança. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br>. Acesso em 05 jan. 2015.
[8]  RODRIGUES, Sílvio. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 99.
[9] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 511.
[10] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 527.
[11] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29 ago. 2012.
[12] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 304.
[13] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 527.
[14] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 77-78.
[15] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 300.
[16] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 527.
[17] DINIZ, 2011, p. 300.
[18] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 528.
[19] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29 ago. 2012.
[20] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 528.
[21] DINIZ, 2011, p. 301.
[22] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29 ago. 2012: “1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”.
[23] DINIZ, 2011, p. 302.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


Equipe Âmbito Jurídico

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